Indicadores e Rede de Atenção: uma experiência do Programa de Educação pelo Trabalho em Vigilância em Saúde

Indicators and Care Network: an experience of the Education for Work in Health Surveillance Program

Indicadores y Red de Atención: una experiencia del Programa de Educación en el Trabajo de Vigilancia en la Salud

Selma Regina de Andrade Ana Cristina Vidor Janara Caroline Ribeiro Cely Edna Pereira Ribeiro Sobre os autores

Resumos

Este trabalho relata a experiência de integração ensino-serviço entre estudantes da Universidade Federal de Santa Catarina e profissionais do serviço de Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis, Brasil, proporcionada pelo Programa de Educação pelo Trabalho no âmbito da Vigilância em Saúde. A experiência refere-se à implementação de um projeto de análise e monitoramento de indicadores de saúde universais, pactuados entre gestores públicos, na perspectiva da rede de atenção. Foram realizadas, entre outras atividades, análises históricas e desenvolvidos instrumentos de investigação e monitoramento dos indicadores. As ações possibilitaram a integração dos estudantes à dinâmica de trabalho em vigilância e, ao mesmo tempo, contribuíram para a capacitação e estruturação do serviço, possibilitando o aprimoramento dos processos da Vigilância em Saúde e a aproximação da academia com a realidade dos serviços de saúde.

Sistema Único de Saúde; Educação Profissional em Saúde Pública; Serviços de integração docente-assistencial; Vigilância em Saúde Pública; Indicadores


This paper reports the teaching-service integration experience, provided by the Education for Work in Health Surveillance Program, between students of the Santa Catarina Federal University and the professionals in the service of the Health Department Epidemiological Monitoring Service at Florianópolis, Brazil. This experience is related to the implementation of a project concerned with the analysis and monitoring of universal health indicators, by public managers, from the healthcare network perspective. Among other activities, it was possible to develop historical analyses and investigate indicators and monitoring instruments. Such actions enabled the integration of students to surveillance working dynamics and simultaneously contributed to the health services structuring, facilitating the improvement of the Health Surveillance processes and the Academy’s approach to the realities of public health.

Brazilian Health System; Education; Public health professional; Teaching care integration services; Public Health Surveillance indicators


Este estudio relata la experiencia de integración enseñanza-servicio entre estudiantes de la Universidad Federal de Santa Catarina y profesionales del servicio de Vigilancia Epidemiológica del Departamento de Salud de Florianópolis, Brasil, proporcionada por el Programa de Educación en el Trabajo para la Salud. La experiencia se refiere a la implementación de un proyecto de análisis y acompañamiento de indicadores de salud, pactados entre gestores públicos, en la perspectiva de la red de atención. Entre otras actividades, fueron realizados análisis históricos y se desarrollaron instrumentos de investigación de los indicadores. Las acciones posibilitaron la integración de los estudiantes en la dinámica del trabajo en vigilancia y contribuyeron para la capacitación y estructuración del servicio, lo que posibilitó la mejoría de los procesos de Vigilancia en Salud y la aproximación de la academia con la realidad de los servicios de salud.

Sistema Brasileño de Salud; Educación en Salud Pública profesional; Servicios de integración docente asistencial; Vigilancia en Salud Pública; Indicadores


Introdução

A formação de profissionais para o Sistema Único de Saúde (SUS) tem sido pauta política há alguns anos, devido ao desafio de formar profissionais com competências específicas para a efetivação de seus princípios. Desde a década de 1960, as transformações legais, institucionais e políticas vêm garantindo a reorganização dos processos formadores intersetoriais nos campos da saúde e da educação1. Brehmer LCF, Ramos FRS. Experiências de integração ensino-serviço no processo de formação profissional em saúde: revisão integrativa. Rev Eletr Enf [Internet]. 2014 [acesso 26 ago 2014];16(1): 228-37. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5216/ree.v16i1.20132
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A mais recente estratégia implementada pelos Ministérios da Educação (MEC) e da Saúde (MS), no âmbito da graduação, foi o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde), que possibilita a aprendizagem tutorial para a formação de profissionais da saúde, por meio da integração ensino-serviço em áreas estratégicas do SUS2. Minsitério da Saúde (BR).Portaria conjunta nº 3, de 3 de março de 2010. Institui, no âmbito do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde), o PET-Saúde/Vigilância em Saúde. Diário Oficial União. 4 mar 2010..

A Vigilância em Saúde (VS) tornou-se, desde 2010, uma dessas áreas. Assim, o PET/VS busca transformar os processos formativos, as práticas e a produção de conhecimento, caracterizando-se como um instrumento para qualificação em serviço dos profissionais da saúde, bem como de iniciação ao trabalho e vivências direcionadas aos estudantes dos cursos de graduação na área da saúde2. Minsitério da Saúde (BR).Portaria conjunta nº 3, de 3 de março de 2010. Institui, no âmbito do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde), o PET-Saúde/Vigilância em Saúde. Diário Oficial União. 4 mar 2010..

No contexto da Política Nacional de Saúde, a articulação e integração entre a vigilância e outras áreas da atenção à saúde, sob a perspectiva de Rede de Atenção à Saúde, tem o sentido de ampliar a inserção da Vigilância e Promoção no cotidiano dos serviços, especialmente na Atenção Primária à Saúde (APS), uma vez que dela emana o foco epidemiológico local a ser monitorado, senão equacionado. Dessa forma, a VS pode ser entendida como uma estratégia que tem foco no cuidado, e visa assegurar que ações de promoção da saúde, de prevenção, de controle dos agravos e de atenção aos doentes ocorram segundo os princípios do SUS.

A organização da VS na perspectiva de Rede está estreitamente vinculada à tomada de decisão qualificada para os objetivos do cuidado em saúde. A disponibilidade de dados fidedignos em relação à situação de saúde em todo e qualquer ponto da rede pode promover o diálogo necessário e tornar possível a tomada de decisão conjunta3. Pinheiro ALS. Gerência de enfermagem em Unidades Básicas: a informação como instrumento para a tomada de decisão. Rev APS. 2009;12(3):262-70.,4. Bittar TO, Meneghim MC, Mialhe FL, Pereira AC, Fornazari DHO. O Sistema de Informação da Atenção Básica como ferramenta da gestão em saúde. Rev Fac Odontol (Passo Fundo). 2009;14(1):77-81..

Entretanto, ainda é desafiador tal diálogo para a integração da vigilância em saúde com as equipes de saúde da APS. Neste sentido, o PET/VS, além de contribuir com a formação de profissionais competentes para os processos de vigilância, também pode promover a aproximação desses diversos atores, visando integrar suas práticas. Esta cooperação fomenta a produção de conhecimento para um impacto significativo nos indicadores de saúde e na qualidade da atenção prestada na rede de serviços do SUS5. Linhares MSC, Freitas CASL, Teixeira AKM, Dias RV, Flor SMC, Soares JSA, et al. Programa de educação para o trabalho e vigilância em saúde. Trab Educ Saude. 2013;11(3):679-92. http://dx.doi.org/10.1590/S1981-77462013000300012
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Com este escopo, o presente estudo objetiva relatar uma experiência do PET/VS de implementação de um projeto de análise e monitoramento de indicadores de saúde universais no contexto da rede de atenção, e sua contribuição para a formação e prática profissional em saúde.

Caracterização do projeto

O PET/VS da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) foi homologado nos termos da Portaria Conjunta MEC/MS nº 6, de 27 de março de 2013, e aprovado pelo Conselho Municipal de Saúde de Florianópolis. Neste artigo, será relatada a experiência do projeto intitulado “Vigilância em Saúde sob a perspectiva da Rede de Atenção: diagnóstico a partir dos indicadores da Programação das Ações”, denominado de “PET Indicadores”.

A experiência refere-se ao primeiro ano (2013-2014) de desenvolvimento do projeto, o qual tem como intuito conhecer os processos de vigilância a partir da utilização de indicadores de saúde. É desenvolvido numa perspectiva de rede, incluindo: o nível central da gestão, com a participação da Gerência de Vigilância Epidemiológica (GVE) da Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis (SMSF), Santa Catarina; o nível distrital, sendo selecionado um distrito sanitário (DS), com a composição de quatro a oito Centros de Saúde, representando o nível local de desenvolvimento das ações de vigilância. Com o desenvolvimento das atividades e exigências dos indicadores selecionados, incluíram-se dois Núcleos Hospitalares de Epidemiologia.

O PET Indicadores integra uma equipe formada por 12 participantes, sendo uma tutora – professora do Departamento de Enfermagem da UFSC; duas preceptoras da GVE – a gerente do serviço e uma enfermeira da equipe da GVE; oito estudantes de graduação dos cursos de odontologia, farmácia, psicologia e enfermagem; e uma integrante voluntária – estudante do curso de Mestrado em Enfermagem da UFSC. Todos os integrantes dedicam oito horas semanais ao projeto.

O cronograma de trabalho do PET Indicadores foi desenvolvido em duas fases: pré-campo e campo; e organizado com base em três eixos: atividades de ensino (palestras, seminários); atividades de pesquisa (revisões da literatura, consulta a bancos informatizados); e atividades de extensão (imersão no campo de prática).

No pré-campo, ocorrido nos três primeiros meses, foram realizados: o planejamento das atividades, incluindo a recepção e integração dos estudantes ao serviço; sua divisão em grupos de trabalho, e uma sensibilização quanto aos objetivos do projeto e entrada em campo, relativos aos eixos de ensino e pesquisa. A preparação para a entrada em campo incluiu estudos sobre código de ética profissional e ética em pesquisa e saúde, destacando-se a importância do sigilo de dados e informações a que teriam acesso. Além disso, desenvolveu-se um seminário no qual foram destacados temas de epidemiologia, incluindo conceitos, fundamentos, instrumentos de gestão, modelos teóricos e de análise de dados.

Cada dupla escolheu, em conjunto com as preceptoras, um dos indicadores do Contrato Organizativo da Ação Pública da Saúde (COAP) para estudar-trabalhar. A estudante voluntária também desenvolveu atividades tanto no nível central quanto em centros de saúde, a partir da seleção de um indicador relacionado ao seu tema de dissertação de mestrado.

A fase de campo, ocorrida nos nove meses seguintes, compreendeu a realização de atividades de ensino, pesquisa e extensão. As atividades de ensino foram comuns a todas as duplas, sendo que cada uma deveria desenvolver ações específicas ao indicador escolhido. Já as atividades de extensão, com exceção do cumprimento das horas no serviço, foram realizadas de acordo com o indicador selecionado. Para cada indicador, foram realizadas: revisão da literatura, análise da situação no município, por DS, e ações específicas de participação e inserção nos espaços necessários para seu entendimento e integração no serviço, como, por exemplo, Comitê de Óbito Materno-Infantil e Conselho Municipal de Saúde, entre outros.

Considerando a importância de aspectos qualitativos em estudos que analisam indicadores, sobretudo por compreender que a coleta de dados e o uso de sistemas de informação são processos mediados pela ação humana, o projeto prevê, para seu segundo ano, a realização de entrevistas com profissionais nos níveis local, distrital e central. Isso permitirá uma compreensão maior da situação dos indicadores, a partir da visão do profissional, para o aperfeiçoamento dos processos de vigilância no município. Para corresponder a esta etapa, o projeto foi analisado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos (CEPSH) da UFSC.

Caracterização da Rede de Atenção e Vigilância à Saúde de Florianópolis

O projeto PET Indicadores foi organizado para acontecer junto aos serviços de vigilância, em seus diferentes âmbitos (local, regional e central), vinculados à Diretoria de Vigilância em Saúde da SMSF. O Código Municipal de Vigilância em Saúde estabelece as suas áreas de responsabilidade: Vigilância Sanitária, Vigilância Epidemiológica, Controle de Zoonoses, Vigilância Nutricional e Alimentar e Doenças e Agravos não Transmissíveis, Vigilância Ambiental e Vigilância da Saúde do Trabalhador. Além das ações desenvolvidas nestes setores específicos, o Laboratório Municipal de Florianópolis (LAMUF), que fornece o apoio diagnóstico por meio da vigilância laboratorial, sobretudo nas áreas médica e ambiental, também integra a estrutura da Diretoria de Vigilância em Saúde6. Prefeitura Municipal de Florianópolis. Secretaria de Saúde. Mapoteca digital. Rede de atenção à saúde em Florianópolis [Internet]. 2013 [acesso 30 ago 2013]. Disponível em: http://www.pmf.sc.gov.br/sistemas/saude/unidades_saude/mapas/2013/consolidado_2013.pdf
http://www.pmf.sc.gov.br/sistemas/saude/...
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A Rede de Atenção à Saúde do município está organizada em cinco distritos sanitários: Centro, Continente, Leste, Norte e Sul. Cada DS possui serviços de atenção à saúde (nível local) e uma sede administrativa (regional). Junto à administração de cada DS existe uma assessoria regional de vigilância epidemiológica, responsável pelos processos de vigilância em sua área.

A Atenção Primária dispõe de cinquenta Centros de Saúde, com: 116 equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF), quatro equipes de Agentes Comunitários de Saúde (ACS), nove Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) e sessenta equipes de Saúde Bucal. Na atenção secundária, há: quatro Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), um Consultório de Rua, quatro Policlínicas, dois Centros de Especialidades Odontológicas (CEO), duas Unidades de Pronto Atendimento (UPA - porte 2), uma Farmácia-Escola e um laboratório com análise de agravos de interesse epidemiológico.

A SMSF assume, gradativamente, a área de alta complexidade. A gestão hospitalar continua com a Secretaria de Estado de Saúde, porém as Autorizações para Internações Hospitalares da população residente em Florianópolis estão sob a gestão municipal6. Prefeitura Municipal de Florianópolis. Secretaria de Saúde. Mapoteca digital. Rede de atenção à saúde em Florianópolis [Internet]. 2013 [acesso 30 ago 2013]. Disponível em: http://www.pmf.sc.gov.br/sistemas/saude/unidades_saude/mapas/2013/consolidado_2013.pdf
http://www.pmf.sc.gov.br/sistemas/saude/...
. Nos serviços de atenção terciária, existem cinco Núcleos Hospitalares de Epidemiologia (NHE) em cooperação com a Vigilância em Saúde da SMSF, integrando os processos de vigilância do município e do Estado.

Neste primeiro ano, as duplas frequentaram, semanalmente, a GVE, e tiveram acesso aos dados e indicadores de todo o município. O deslocamento para os níveis distrital e local ocorreu de acordo com a necessidade identificada a partir da análise e monitoramento dos indicadores selecionados.

Todos os estudantes realizaram estudos sobre a conformação das Redes de Atenção e sobre a estrutura organizacional da Vigilância em Saúde de Florianópolis, para conhecer as instâncias e se familiarizarem com os serviços. Essa atividade foi importante por facilitar a integração dos alunos no campo e, sobretudo, por possibilitar o reconhecimento dos setores que possuem ligação com a coleta, fontes de informação e análise dos indicadores selecionados.

A integração ensino-serviço na análise e monitoramento de indicadores de saúde

Os indicadores selecionados para o projeto PET Indicadores constam do Contrato Organizativo da Ação Pública de Saúde (Coap), firmado entre gestores, que regulamenta a articulação interfederativa para a organização, o planejamento e a assistência à saúde, no âmbito do SUS.

Com o Coap, a vigilância tem sua organização definida por ações prioritárias nacionais, que incluem aquelas relacionadas aos indicadores universais (33 indicadores); e por ações prioritárias locais, segundo critérios de relevância epidemiológica para uma determinada área territorial, a partir de indicadores específicos (34 indicadores)7. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Articulação Interfederativa. Caderno de diretrizes, objetivos, metas e indicadores: 2013-2015. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2013..

Antes da inserção em campo, os estudantes receberam a pactuação municipal e o Caderno de Diretrizes, Objetivos, Metas e Indicadores definidos para o período 2013-20157. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Articulação Interfederativa. Caderno de diretrizes, objetivos, metas e indicadores: 2013-2015. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2013., para seleção, estudo e trabalho com um dos indicadores pactuados. Os indicadores selecionados foram: Taxa de mortalidade prematura pelo conjunto das quatro principais doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) (doenças do aparelho circulatório, câncer, diabetes e doenças respiratórias crônicas); Proporção de cura da tuberculose pulmonar bacilífera; Taxa de mortalidade infantil; Número de casos novos de aids em menores de cinco anos; e Razão de exames citopatológicos em mulheres de 25 a 64 anos. Todos integram o rol de indicadores universais do Coap e foram destacados como de relevância para o município.

Além da análise das diretrizes, objetivos e metas, também foi solicitado o levantamento: do método de cálculo, magnitude, fonte de dados, período de avaliação e recomendações específicas de cada indicador. Para isso, cada dupla reuniu-se com suas preceptoras para discutir e fazer uma análise geral da situação do indicador selecionado. No caso da estudante voluntária, as atividades em campo foram acompanhadas pela equipe técnica responsável pelo indicador de exames citopatológicos. O processo de seleção deste indicador compreendeu as mesmas etapas propostas aos bolsistas.

A partir dessa análise inicial, os estudantes recorreram à literatura científica para a compreensão de problemas relativos ao indicador selecionado, bem como para a análise do estado da arte. Com isso, foi possível identificar e articular as necessidades locais de cada indicador com as lacunas de conhecimento existentes em sua área de aplicação, para posterior análise mais aprofundada dos diversos fatores que interferem no cálculo. Conhecendo o método de cálculo e fatores relacionados a cada indicador, os estudantes passaram a acompanhar um técnico da VE para conhecer as fontes de seu indicador, assim como os demais processos relacionados a sua análise e monitoramento.

Além de conhecerem e aprenderem a utilizar os sistemas de informação em saúde (SIS), os estudantes também participaram de reuniões do serviço sobre a coleta de dados e funcionamento dos SIS, aprendendo a fazer o preenchimento e análise de formulários comuns aos processos de vigilância, bem como gerar relatórios e planilhas por meio dos sistemas informatizados. Também passaram a acompanhar discussões coletivas em comitês para análise e desenvolvimento conjunto de estratégias de prevenção e promoção da saúde que impactem positivamente nos indicadores.

Com relação ao indicador Proporção de cura da tuberculose pulmonar bacilífera, o processo de imersão na literatura e no serviço, pelos estudantes, foi o mesmo apresentado anteriormente. O estudo inicial deste indicador compreendeu uma análise histórica do período de 2007 a 2012, por intermédio do Sistema de Informações de Agravos de Notificação (SINAN). Neste sistema, encontram-se: a ficha de investigação, de notificação e a ficha de acompanhamento dos casos positivos. A análise permitiu identificar que, em Florianópolis, a doença está fortemente associada à infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), e que a cidade possui altas taxas de abandono.

Com base nos achados municipais, foram iniciados estudos específicos de cada distrito e de cada Centro de Saúde, procurando acompanhar localmente a proporção de cura da doença, visando implementar um instrumento de avaliação dos riscos para o abandono do tratamento. Ademais, também foi realizada análise das Fichas de Investigação (FI) de tuberculose. São fichas que possuem dados gerais dos pacientes, exame clínico e laboratorial, e se é um paciente que já fez algum outro tratamento contra a doença ou não. A partir das FI, é possível deduzir diversos aspectos relacionados ao tratamento, os quais podem oferecer pistas para a análise dos casos de abandono.

Todavia, também foi observado que faltam muitas informações nas FI, em especial com relação aos exames de baciloscopia, que devem ser realizados a partir do mês da notificação da doença até o sexto mês de tratamento. Com base nisso, os estudantes elaboraram uma relação das principais informações incompletas, relacionando, também, o Centro de Saúde (CS) a que estão vinculados os pacientes, como forma de implementar ações de capacitação das equipes de tais CSs, e agilizar o fluxo das informações, e, por sua vez, para a melhoria do acompanhamento dos casos e investigação dos contatos deste paciente.

Quanto ao indicador Taxa de mortalidade infantil, a dinâmica de trabalho dos estudantes se iniciou pela integração junto à equipe do setor de estatísticas vitais e informação, equipe técnica da VE responsável pela área, para aprenderem a utilizar o Sistema de Informação de Mortalidade Infantil (SIM) e Sistema de Informação de Nascidos Vivos (SINASC). Também realizaram a análise, codificação e envio de informações das Declarações de Óbitos (DOs) e fichas de investigação de óbitos ao Comitê de Prevenção ao Óbito Infantil e Materno (CPOIM), do qual participaram de reuniões mensais buscando estudar, discutir e traçar metas para a redução de óbitos, sobretudo daqueles considerados evitáveis.

A principal atividade relacionada a este indicador, desenvolvida pelas estudantes em parceria com os técnicos da área, foi a análise de investigação de óbitos infantis de Florianópolis. De 2008 a 2012, ocorreram 243 óbitos, destes, 62,13% foram considerados evitáveis. A maioria deles foi considerada evitável devido à adequada atenção à mulher na gestação e adequada atenção ao recém-nascido.

Levando em conta essa análise inicial, o tempo decorrido entre a ocorrência do óbito e a análise pelo CPOIM e a necessidade de monitoramento oportuno dos fatores de risco associados a esse indicador, foi construída uma tabela, em Microsoft Excel®, contendo o perfil dos óbitos ocorridos no município de Florianópolis baseados na DO, da qual as acadêmicas passaram a ser corresponsáveis pela manutenção e atualização. Até o momento, foram inseridos 57 óbitos que ocorreram no município de Florianópolis, sendo 27 óbitos infantis de residentes de Florianópolis. Os óbitos são, na maioria, precoces e, apesar de o número de óbitos ocorridos até agora ser semelhante ao dos anos anteriores em geral, quebra a expectativa adquirida no ano de 2013, que terminou com um total de 29 óbitos e, assim, uma taxa de 5,2 óbitos infantis por mil nascidos vivos.

Em conjunto com tais ações, as acadêmicas puderam participar, também, da elaboração de boletins epidemiológicos e discussões sobre assuntos administrativos e estatísticos relacionados ao setor e indicador, como a quantidade de investigações distribuídas nos DSs e número de DOs recebidas.

Outro indicador selecionado para o projeto foi o Número de casos novos de aids em menores de cinco anos. Foi realizada uma série histórica de 2007 a 2013, com base nos dados do Sistema de informações de Agravos de Notificação (SINAN). Esse indicador refere-se a um evento sentinela, definido como “a detecção de doença prevenível, incapacidade, ou morte inesperada, cuja ocorrência serve como um sinal de alerta de que a qualidade terapêutica ou prevenção deve ser questionada”8. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Guia de vigilância epidemiológica. 7a ed. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2010.. Nesse sentido, as discussões e análise dos casos buscaram compreender em que ponto do cuidado houve falha na atenção à saúde e fez com que essas crianças desenvolvessem aids.

Considerando que as fichas de notificação/investigação do SINAN mostram-se insuficientes para avaliar um problema complexo como este, foi proposta a elaboração de um instrumento de investigação para preencher as lacunas existentes e auxiliar na investigação dos casos de crianças menores de cinco anos com aids, por transmissão vertical.

Inicialmente, a dupla realizou uma pesquisa documental, a partir da seleção de normas, diretrizes e documentos técnicos do Ministério da Saúde e de Secretarias Estaduais de Saúde, disponibilizados em portal eletrônico. Procedeu-se à análise temática dos conteúdos documentais, identificando, nestes, os elementos complementares ao instrumento existente, relacionados à interação da mãe/criança com o serviço público de saúde.

Dentre as principais lacunas existentes nas fichas do SINAN, estão: a falta de perguntas relacionadas aos motivos que levaram a gestante a não utilizar o antirretroviral; se esta obteve gratuitamente a fórmula láctea para alimentar seu filho; e se a mãe e a criança estão realizando acompanhamento. Perguntas essas, importantes para avaliar a qualidade dos serviços do município, as quais foram incluídas no formulário, denominado “Roteiro para investigação dos casos de crianças com aids”, instrumento inspirado no “Protocolo para investigação dos casos HIV/aids por transmissão vertical”, utilizado no estado de São Paulo9. Secretaria de Estado da Saúde (SP). Coordenadoria de Controle de Doenças. Programa estadual de DST/Aids de São Paulo. Protocolo para investigação da transmissão vertical do HIV em crianças (menores de 13 anos de idade) [Internet]. 2012 [acesso 3 mar 2014]. Disponível em: http://www3.crt.saude.sp.gov.br/arquivos/pdf/protocolo_tvhivaids_13.06.12.pdf
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O referido instrumento poderá auxiliar na identificação dos maiores problemas associados com os altos índices de aids em Florianópolis, bem como avaliar a qualidade dos serviços de saúde prestados, e, consequentemente, propor melhorias na assistência à população. O instrumento está em fase de validação, procedimento metodológico necessário para posterior ativação junto à equipe da Vigilância Epidemiológica de Florianópolis.

No caso do indicador Taxa de mortalidade prematura (< 70 anos) pelo conjunto das quatro principais DCNTs, foi realizada uma série histórica com dados coletados no Sistema de informações de Mortalidade (SIM), no período de 2007 a 2013, por DS, e tabuladas, pelo Tabwin, as doenças envolvidas no indicador, registradas nos códigos CID-10. Em um contexto geral, as DCNTs são doenças com duração prolongada, desenvolvimento lento, e tendem a ser permanentes. No entanto, são passíveis de ser evitadas ou controladas da melhor forma possível, se detectadas precocemente. No período estudado, verificou-se que o número de óbitos prematuros pelas DCNTs manteve-se praticamente inalterado, embora tenha havido um crescimento populacional significativo. Uma conclusão preliminar indica uma diminuição da taxa de mortalidade prematura, informação ainda em estudo pelos bolsistas e equipe.

Quanto ao indicador Razão de exames citopatológicos em mulheres de 25 a 64 anos, foram efetuados estudos bibliográficos acerca de sua relevância, cálculo, fontes, avaliação, meta e diretrizes, além de reuniões semanais com a coordenação e técnicos responsáveis por tal indicador. Para a análise do indicador foi realizada uma série histórica de 2009 a 2012, selecionando informações dos: Sistema de Informação do Câncer do Colo do Útero (SISCOLO), Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS (SIA/SUS), Registro Nacional do Câncer e Sistema de Informação de Mortalidade (SIM). Para o cálculo do indicador, também foram utilizadas informações populacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

A análise incluiu a produção de exames de todos os CSs, por DS. Identificou-se que a cobertura do município tem apresentado uma tendência crescente, passando de 0,34 em 2009 para 0,39 em 2012, com queda da mortalidade por este câncer. Porém, uma análise mais global mostrou que o indicador possui alguns fatores que merecem atenção, como: a periodicidade de realização do exame, que tem sido anual; a faixa etária que participa da estratégia de rastreamento, a qual inclui 20% de mulheres com menos de 25 anos; e a ausência de dados de setores da rede privada, o que subestima a cobertura. Além disso, outra fragilidade deste indicador é que os dados do SISCOLO não fornecem informações das mulheres que realizam o exame, e, portanto, impedem reconhecer se houve recoleta de uma mesma mulher ou não.

Algumas dessas fragilidades devem ser resolvidas pela implantação do Sistema de Informação do Câncer (SISCAN), que pretende fornecer informações mais completas com relação ao exame e à mulher que o realiza. Durante as atividades da estudante voluntária, o SISCAN foi implantado no município, iniciando com os profissionais desta área técnica da SMSF e, posteriormente, com aqueles dos distritos, do nível local e com os prestadores de serviço, como laboratórios de análise dos exames. Para acompanhamento do indicador, construíram-se planilhas no Microsoft Excel®, de forma que alguns dados de 2013 foram avaliados a partir da análise conjunta do SISCOLO e SISCAN, devido à transição no registro de dados.

Essa análise permitiu reconhecer a realidade de cada DS, auxiliando o serviço na construção de boletins informativos e reorientação das estratégias, para o projeto PET Indicadores, à medida que fornece informações de diversos pontos da Rede e, também, para a pesquisa de mestrado da estudante voluntária.

Para ilustrar o conjunto de indicadores estudados, o Quadro 1 apresenta a série histórica que deu origem às questões subsequentes de levantamento de dados por DS. Nesta síntese, pode-se observar o comportamento de cada um dos indicadores elencados, utilizados por dupla de estudantes para explorar suas tendências e hipóteses causais, bem como para auxiliar o embasamento de uma proposta de intervenção para cada uma das realidades observadas.

Quadro 1
Série histórica dos indicadores estudados. PET VS. Florianópolis, Santa Catarina

Metodologia de avaliação e acompanhamento dos estudantes

A aprendizagem em projetos de integração ensino-serviço prevê um processo de avaliação permanente das habilidades e atitudes desenvolvidas pelos estudantes, como, também, da metodologia empregada pelos tutores e preceptores. Tal processo é representado pela avaliação formativa que visa, ao longo do processo de construção das práticas: acompanhar o progresso, efetivar a oportuna correção das distorções observadas para preencher as lacunas detectadas e reforçar as conquistas alcançadas. Esse tipo de avaliação possibilita a análise da realidade, com a finalidade de refletir sobre a mesma na perspectiva de reconstrução da ação1010 . Silva RHA, Scapin LT. Utilização da avaliação formativa para a implementação da problematização como método ativo de ensino-aprendizagem. Est Aval Educ. 2011;22(50):537-52..

Na experiência do projeto PET Indicadores, os alunos utilizaram o portfólio como forma de registro, discussão e reflexão das ações desenvolvidas, possibilitando um acompanhamento permanente de sua evolução no PET/VS. Por se tratar de uma forte ferramenta para a reflexão de ações, o uso do portfólio reflexivo conduz o estudante à descoberta de si próprio em face das diversas situações; dá o suporte científico ao conhecimento de mundo que possui, e permite a autoavaliação do agir profissional. Esta metodologia de avaliação da formação traz consigo novas formas: de trabalhar em equipe, de ser proativo, de identificar as próprias necessidades de formação e os meios para consegui-la, de usar novas tecnologias e assumir o controle de sua aprendizagem1010 . Silva RHA, Scapin LT. Utilização da avaliação formativa para a implementação da problematização como método ativo de ensino-aprendizagem. Est Aval Educ. 2011;22(50):537-52..

Os portfólios, apresentados individualmente, mostraram similaridade de conteúdo na realização das atividades por dupla. O envio do portfólio, por e-mail, até o 5º dia do mês, auxiliou o apoio aos estudantes em suas necessidades de compreensão. Os conteúdos descreveram a produção do mês anterior, semana a semana, de forma cumulativa. Destacaram-se, nos portfólios: a evolução das respostas às questões levantadas relativamente a cada indicador; os registros das reuniões com a tutora e preceptoras; a participação em outras atividades de interesse do estudante, como, por exemplo, nas reuniões do Conselho Municipal de Saúde; resumos para apresentação em eventos nacionais; sínteses de revisão bibliográfica; participação na elaboração de boletim epidemiológico, entre outros.

Importante ressaltar que esta ferramenta propiciou o acompanhamento dos estudantes pelas preceptoras e tutora, facilitando as orientações para as atividades por indicar, de forma aberta e clara, em que momento ou etapa dos processos era necessário intervir. Além disso, a presença constante do preceptor também colaborou para a avaliação, permitindo estabelecer: um diálogo contínuo com os estudantes, o esclarecimento de dúvidas e a reformulação de ações no momento em que elas ocorriam.

Foram, ainda, realizadas reuniões periódicas com toda a equipe, no intuito de debater e orientar as ações do projeto e reformular a metodologia de trabalho, quando necessário. Nesses momentos, aproveitava-se para tratar de assuntos como: prazos de entrega de trabalhos/portfólio, rever plano de trabalho dos estudantes, atualizar agenda de eventos, orientar sobre a submissão de resumos e artigos em eventos e revistas científicas.

As reuniões possibilitaram a integração das atividades do projeto, permitindo o acompanhamento e registro de informações pela tutora e preceptoras, fornecendo uma visão global do andamento das atividades propostas, assim como o debate e ajustes de objetivos daquelas que não correspondiam ao esperado. Ademais, os resultados de tais encontros tornaram-se rica fonte de materiais e informações para a elaboração dos relatórios e manuscritos relacionados à pesquisa.

Considerações finais

O primeiro ano do projeto PET Indicadores apresentou muitos resultados em termos de integração ensino-serviço. Seu objetivo de conhecer os processos de vigilância, a partir de indicadores de saúde, sob a perspectiva da rede de atenção, foi alcançado com as análises do comportamento estatístico dos indicadores estudados, realizadas nos Centros de Saúde, nos Distritos Sanitários e no município. Aqui se destacou, fortemente, a integração ensino-serviço, com um espaço de prática na formação profissional dos estudantes, por um lado, e, por outro, com as contribuições efetivas para o serviço, à medida que dados, informações, sistemas e formulários foram revistos e trabalhados, e novas tecnologias foram criadas.

A escolha de indicadores, de acordo com as necessidades e pactuação do município, facilitou a integração dos estudantes junto às áreas técnicas e a construção e análise desenvolvidas. Ademais, ofereceu, à gestão, um diagnóstico dos processos de vigilância e programação em saúde, possibilitando suprir necessidades e corrigir distorções encontradas. O modo de distribuição e a dinâmica das atividades promoveram o aprendizado coletivo e o desenvolvimento de novas habilidades, como: a realização de artigos e resumos científicos, para a apresentação em congressos; apresentações técnicas, para as reuniões do serviço; a elaboração de projetos e boletins informativos; e a criação de instrumentos para a investigação de agravos. A avaliação formativa, por meio de portfólio reflexivo, mostrou: uma visão ampliada dos processos de vigilância, uma efetivação de ações de monitoramento de indicadores, além de facilitar o acompanhamento dos estudantes.

O planejamento conjunto das atividades e da metodologia empregada para o desenvolvimento do projeto promoveu a integração de atividades de ensino, pesquisa e extensão, articulando práticas da academia aos processos de vigilância, e permitindo a interação não só dos participantes do projeto, mas, também, com outros profissionais e serviços. Essa integração ofereceu um olhar diferenciado, aos estudantes e profissionais, para a importância de seu trabalho, muito mais do que somente de colaborador na formação de novos profissionais e de participação em atividades acadêmicas. Acima de tudo, reveste esta atuação cotidiana como parte de uma meta coletiva em saúde, que ultrapassa o cumprimento de requisitos normativos de um programa governamental.

Tal iniciativa de integração ensino-serviço é reconhecida, pelos estudantes da área da saúde, como uma oportunidade ímpar em sua formação. Contribuiu não apenas para a compreensão da complexidade dos processos de vigilância, dentro de um sistema, como uma rede de ações que dependem umas das outras, mas, sobretudo, para o desenvolvimento de profissionais dotados de senso crítico reflexivo, para um agir responsável e comprometido com a saúde, tornando-os competentes para a atuação e efetivação do SUS.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2015

Histórico

  • Recebido
    10 Out 2014
  • Aceito
    16 Mar 2015
UNESP Botucatu - SP - Brazil
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