Saúde Digital no Sistema Único de Saúde (SUS)

Salud Digital en el Sistema Brasileño de Salud (SUS)

Ana Estela Haddad Nísia Trindade Lima Sobre os autores

No plano internacional, a Estratégia Global de Saúde Digital da Organização Mundial da Saúde11 World Health Organization. Global strategy on digital health 2020-2025 [Internet]. Geneva: WHO; 2021 [citado 20 Out 2023]. Disponível em: https://www.who.int/docs/default-source/documents/gs4dhdaa2a9f352b0445bafbc79ca799dce4d.pdf
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consolida-se em apoio aos esforços dos sistemas de saúde para alcançar a cobertura universal de saúde. Nesse contexto, “Saúde Digital” se define como “o campo do conhecimento e da prática associado ao desenvolvimento e ao uso de tecnologias digitais para melhorar a saúde”11 World Health Organization. Global strategy on digital health 2020-2025 [Internet]. Geneva: WHO; 2021 [citado 20 Out 2023]. Disponível em: https://www.who.int/docs/default-source/documents/gs4dhdaa2a9f352b0445bafbc79ca799dce4d.pdf
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(p. 11).
Assim definida, a noção de Saúde Digital é mais abrangente do que e-Saúde e, para além da Informática Médica e da Telessaúde, incorpora novos conceitos e recentes avanços sociotécnicos, tais como aplicações nas mídias sociais, Internet das Coisas (IoT) e Inteligência Artificial (IA), entre outras. O conceito e o escopo do que atualmente denominamos Saúde Digital têm se transformado e seguirão se (re)significando em ritmo acelerado, na medida em que tecnologias emergentes e disruptivas desafiam nossa compreensão convencional, apontando novas formas de promover a saúde e, ao mesmo tempo, trazendo riscos e perigos que até então não imaginávamos existir.

O Plano de Ação para Fortalecimento dos Sistemas de Informação para a Saúde (2019-2023)22 Organização Pan-Americana da Saúde. Plano de ação para o fortalecimento dos sistemas de informação para a saúde 2019-2023. 57° Conselho Diretor, 71ª Sessão do Comitê Regional da OMS para as Américas; 30 de setembro a 4 de Outubro de 2019; Washington, DC. Washington: OPAS; 2019 [citado 14 Abr 2021]. (Documento CD57/9, Rev.1). Disponível em: https://www3.paho.org/hq/index.php?option=com_docman&view=download&alias=496 77-cd57-9-p-pda-sistemas-informacao&category_slug=cd57-pt&Itemid=270&lang=pt
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, lançado pela Organização Pan-Americana da Saúde, organiza suas metas e indicadores em quatro linhas:

  • Gestão e governança dos sistemas de informação;

  • Gestão de dados e tecnologias de informação;

  • Informação e gestão do conhecimento;

  • Inovação, integração e convergência.

No Brasil, a transformação digital em curso no SUS avança a passos largos. Na Atenção Primária à Saúde, amplia-se a digitalização do histórico de saúde dos cidadãos, melhorando a resolubilidade das ações, fortalecendo o vínculo e a continuidade do cuidado. Em paralelo, atualiza-se o conceito de telessaúde como cuidado em saúde mediado por metapresencialidade, em lugar de clínica médica a distância orientada por telediagnóstico e teleconsultoria, conforme artigo publicado neste número da revista Interface – Comunicação, Saúde, Educação33 Almeida-Filho N. Metapresencialidade, saúde digital e saúde coletiva. Interface (Botucatu). 2024; 28:e230473. doi: https://doi.org/10.1590/interface.230473.
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. Na atenção especializada, está em fase de planejamento uma maior integração da telessaúde ao prontuário eletrônico, às bases de dados e ao complexo regulador da atenção, apoiando a promoção da integralidade da Atenção à Saúde no SUS.

Em todos os níveis da atenção no SUS, enfrentamos o desafio de transformar o mar de dados produzidos em informações-indicadores para subsidiar tomadas de decisão e a gestão participativa do sistema de saúde. As bases de dados da saúde estão gradual e progressivamente interoperáveis na Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS). A integração de dados da saúde com dados de fontes intersetoriais é essencial para uma visão mais completa da saúde, que inclua os determinantes sociais da saúde e aspectos bioclimáticos nas análises dos contextos locais e regionais.

A pandemia da Covid-19 intensificou sobremaneira o tráfego on-line de dados e dados pessoais sensíveis, como os de saúde, deixando o setor da saúde digital vulnerável aos ataques cibernéticos, colocando em risco a saúde e a vida do usuário de sistemas de saúde. Dados de saúde são interoperáveis, de alto potencial lesivo, discriminatórios, muito valiosos na dark web e nos mercados de publicidade e consumo. Com a transformação digital, o tráfego de dados de saúde é cada vez mais constante, sincrônico, por meio de apps, cookies, taggings, plataformas como Google Analytics, e outros meios que compõem a intrincada “arquitetura de dados” do labiríntico ecossistema de saúde digital.

A inteligência artificial (IA) nos sistemas de saúde é uma realidade em expansão na vigilância em saúde, no telediagnóstico e no telecuidado, com a utilização de evidências traduzidas em algoritmos clínicos, farmacológicos e epidemiológicos. A automatização de decisões e processos nos sistemas de saúde pode refletir tendências à exclusão e à discriminação. Os algoritmos preenchidos com dados existentes refletem as desigualdades sociais e podem perpetuar a injustiça sistêmica, a menos que o algoritmo incorpore medidas compensatórias. Assim, alternativamente, a IA pode servir como instrumento para facilitar o acesso da população vulnerável às ações e ao cuidado em saúde com qualidade-equidade.

Uma característica dos sistemas de Big Data e IA é o poder super-humano para classificar dados das pessoas, que pode se prestar a consequências perigosas por ser essencialmente uma ferramenta de perfilagem (profiling) e estereotipação. Relativamente invisível para o público, a perfilagem digital enfrenta poucas barreiras para se expandir e é difícil de eliminar. Nesse sentido, é preciso desenvolver e aplicar sistemas de armazenamento e gestão de dados sensíveis capazes de proteger todos os dados que justificadamente não sejam necessários para os registros futuros, como determina a Lei n. 13.709, de 14 de agosto de 2018, Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD)44 Brasil. Presidência da República. Lei nº 13.709, de 14 de Agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) [Internet]. Brasília: Presidência da República; 2020 [citado 14 Abr 2021]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm
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. A lei europeia de direitos digitais, por exemplo, compreende o “direito a ser esquecido”.

Embora se observem avanços, a regulação ainda é insuficiente para garantir a efetiva proteção dos direitos humanos fundamentais, em especial os direitos de personalidade (vida, privacidade, intimidade, integridade física e moral etc.) e o direito à saúde. A LGPD fundou um novo regime jurídico referente ao tratamento de dados pessoais no Brasil, mais rigoroso quando se trata de informações genéticas, biométricas ou referentes à saúde ou à vida sexual de indivíduos. A LGPD possui lacunas que precisam de interpretação e regulamentação relacionadas à área da Saúde como, por exemplo, pesquisa científica envolvendo seres humanos; critérios para a obtenção, ou não, de vantagem econômica na área da Saúde (dados de saúde estão sendo hoje comercializados); a adequada aplicação de bases legais de tratamento para a dispensa do consentimento (há uma banalização da base legal “tutela da saúde” para dispensar o consentimento); a atuação de agentes de tratamento que não possuem licenças sanitárias, mas que tratam dados de saúde para a obtenção de vantagem econômica, entre outros conceitos.

As funções regulatórias do Estado se impõem desde a segurança de equipamentos que utilizam a saúde digital, passando pela garantia de acesso às inovações tecnológicas que vão se incorporando ao sistema de saúde, até o ambiente em que se desenvolvem e são testados os algoritmos de inteligência artificial em saúde. Em suma, a Saúde Digital e seus desdobramentos, como a inteligência artificial aplicada à saúde, representam um imenso benefício potencial para a sociedade, e ao mesmo tempo representam riscos enormes para a saúde individual e coletiva e para um conjunto expressivo de direitos humanos fundamentais.

Para a coordenação dessa complexa e nova dimensão da política de saúde, a Estratégia de Saúde Digital (ESD) 2020-202855 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria-Executiva. Departamento de Informática do SUS. Estratégia de saúde digital para o Brasil 2020-2028. Brasília: Ministério da Saúde; 2020. desdobra-se ao longo de uma década, com base na Política Nacional de Informação e Informática em Saúde (PIIS)66 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria-Executiva. Departamento de Informática do SUS. Política Nacional de Informação e Informática em Saúde - PIIS. Brasília: Ministério da Saúde; 2015., e inclui o Plano de Ação, Monitoramento e Avaliação da Saúde Digital para o Brasil (PAM&A 2019-2023)77 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria-Executiva. Departamento de Informática do SUS. Plano de Ação, Monitoramento e Avaliação da Saúde Digital para o Brasil (PAM&A 2019-2023). Brasília: Ministério da Saúde; 2019.. Nesse referencial de planejamento estratégico, destacam-se o eixo 2 – construir o arcabouço organizacional, legal, regulatório e de governança, que viabilize a colaboração efetiva em Saúde Digital; e o eixo 3 – implementar um ambiente conceitual, normativo, educacional e tecnológico que compõe a ESD 2020-28.

Como avançar na transformação digital da saúde no caminho da inclusão digital, da solidariedade, da conectividade, da qualificação dos dados de saúde como bens públicos, do combate à desinformação, do fortalecimento da democracia? Como consolidar um ecossistema de saúde digital seguro e humanizado, dentro dos princípios basilares do Sistema Único de Saúde, a serviço da integralidade e da promoção da cobertura universal da Atenção à Saúde? Esses são os principais desafios que se apresentam para o Ministério da Saúde, com a recém-criada Secretaria de Informação e Saúde Digital, abrindo novas oportunidades para todas as pessoas e os grupos que participam da construção do SUS, maior política pública da história nacional.

Referências

  • 1
    World Health Organization. Global strategy on digital health 2020-2025 [Internet]. Geneva: WHO; 2021 [citado 20 Out 2023]. Disponível em: https://www.who.int/docs/default-source/documents/gs4dhdaa2a9f352b0445bafbc79ca799dce4d.pdf
    » https://www.who.int/docs/default-source/documents/gs4dhdaa2a9f352b0445bafbc79ca799dce4d.pdf
  • 2
    Organização Pan-Americana da Saúde. Plano de ação para o fortalecimento dos sistemas de informação para a saúde 2019-2023. 57° Conselho Diretor, 71ª Sessão do Comitê Regional da OMS para as Américas; 30 de setembro a 4 de Outubro de 2019; Washington, DC. Washington: OPAS; 2019 [citado 14 Abr 2021]. (Documento CD57/9, Rev.1). Disponível em: https://www3.paho.org/hq/index.php?option=com_docman&view=download&alias=496 77-cd57-9-p-pda-sistemas-informacao&category_slug=cd57-pt&Itemid=270&lang=pt
    » https://www3.paho.org/hq/index.php?option=com_docman&view=download&alias=496 77-cd57-9-p-pda-sistemas-informacao&category_slug=cd57-pt&Itemid=270&lang=pt
  • 3
    Almeida-Filho N. Metapresencialidade, saúde digital e saúde coletiva. Interface (Botucatu). 2024; 28:e230473. doi: https://doi.org/10.1590/interface.230473.
    » https://doi.org/10.1590/interface.230473
  • 4
    Brasil. Presidência da República. Lei nº 13.709, de 14 de Agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) [Internet]. Brasília: Presidência da República; 2020 [citado 14 Abr 2021]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm
    » https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm
  • 5
    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria-Executiva. Departamento de Informática do SUS. Estratégia de saúde digital para o Brasil 2020-2028. Brasília: Ministério da Saúde; 2020.
  • 6
    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria-Executiva. Departamento de Informática do SUS. Política Nacional de Informação e Informática em Saúde - PIIS. Brasília: Ministério da Saúde; 2015.
  • 7
    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria-Executiva. Departamento de Informática do SUS. Plano de Ação, Monitoramento e Avaliação da Saúde Digital para o Brasil (PAM&A 2019-2023). Brasília: Ministério da Saúde; 2019.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    23 Nov 2023
  • Aceito
    15 Jan 2024
UNESP Botucatu - SP - Brazil
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