Contrafeitiçaria na pandemia: arte e corpo nas ações de cuidado em Terapia Ocupacional**O texto do artigo é resultado da pesquisa de doutorado intitulada “Cartografias da interface corpo, arte, cultura e terapia ocupacional em tempos de pandemia no Brasil”, aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), CAAE: 35701920.9.0000.5505, n. do parecer 4.214.033.

Contrahechicería en la pandemia: arte y cuerpo en las acciones de cuidado en terapia ocupacional

Mariana Louver Mendes Flavia Liberman Sobre os autores

Resumos

O artigo é fruto de uma pesquisa de doutorado que cartografa o campo da Terapia Ocupacional na interface com o corpo, as artes e a cultura, por meio das trajetórias, ações e mobilizações de 12 terapeutas ocupacionais entrevistadas. Trabalhamos com o método de pesquisa-intervenção da cartografia. A pesquisa integra o acontecimento pandêmico, mapeia as ações desenvolvidas nesse período e analisa as contribuições das práticas com arte e corpo em um contexto de isolamento radical e de enfraquecimento da potência vital. Neste artigo, apresentamos algumas das iniciativas desenvolvidas por duas das profissionais entrevistadas, visibilizando suas reinvenções nesse período e analisando as contribuições das práticas diante dos impactos da pandemia na vida das pessoas. Destaca-se a potência da criatividade, a mobilização de outras formas de afetação por meio das experimentações artísticas, bem como a produção de relações que os dispositivos grupais permitem.

Palavras-chave
Terapia Ocupacional; Pandemia; Arte; Cuidado; Grupo


El artículo es fruto de una investigación de doctorado que cartografía el campo de la terapia ocupacional en la interfaz con el cuerpo, las artes y la cultura por medio de las trayectorias, acciones y movilizaciones de 12 terapeutas ocupacionales entrevistadas. Trabajamos con el método de investigación-intervención de la cartografía. La investigación integra el acontecimiento pandémico, mapea las acciones desarrolladas en este período y analiza las contribuciones de las prácticas con arte y cuerpo en un contexto de aislamiento radical y de debilitación de la potencia vital. En este artículo, presentamos algunas de las iniciativas desarrolladas por dos de las profesionales entrevistadas, dando visibilidad a sus reinvenciones en este período y analizando las contribuciones de las prácticas ante los impactos de la pandemia en la vida de las personas. Se destaca la potencia de la creatividad, la movilización de otras formas de afectación por medio de las experimentaciones artísticas, así como la producción de relaciones que los dispositivos grupales permiten.

Palabras clave
Terapia ocupacional; Pandemia; Arte; Cuidado; Grupo


Introdução

A pesquisa de doutorado da qual decorre este artigo produz cartografias atuais do campo de interface da Terapia Ocupacional com as artes, o corpo e a cultura por meio da escuta a 12 terapeutas ocupacionais e do mapeamento de suas trajetórias, ações e mobilizações. Essas cartografias apresentam novas problemáticas, multiplicam compreensões e permitem uma reflexão crítica e contextualizada do campo hoje. A pesquisa integra o acontecimento pandêmico como um atravessamento que inevitavelmente impacta o campo, refazendo algumas práticas, mobilizando outras e provocando novos modos de pensar. O recorte da pesquisa apresentado neste artigo busca visibilizar algumas dessas práticas e, por meio delas, analisar as contribuições das ações com arte e corpo no contexto da pandemia e diante do impacto do distanciamento social na vida das pessoas.

A escuta às terapeutas ocupacionais se deu por meio de entrevistas individuais. No primeiro semestre de 2020, o convite para participação foi enviado ao mailing do Grupo de Pesquisa Atividades Humanas e Terapia Ocupacional (AHTO)(c(c)Endereço para acessar informações sobre o grupo de pesquisa no CNPq: dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/4883473894010050 ). A partir de um primeiro número de interessadas, que tiveram suas entrevistas agendadas, percebemos a necessidade de ampliar o perfil buscando maior diversidade em relação a quatro pontos: regional; relacionado à abordagem das práticas; étnico-racial; e relacionado a locais de atuação (universidade e campo de práticas). Assim, expandimos o convite a grupos de terapeutas ocupacionais por meio das redes sociais e atraímos novas interessadas. No período compreendido entre os meses de julho e dezembro de 2020, auge da pandemia e do distanciamento social, foram realizadas as entrevistas com todas as terapeutas ocupacionais que responderam ao convite. Estas ocorreram por meio de uma plataforma virtual e incluíram a escuta aos impactos que a pandemia da Covid-19 e seus manejos político-institucionais tiveram em suas ações, bem como os efeitos das proposições nas pessoas acompanhadas.

Em consonância com as questões propostas pela pesquisa, trabalhamos com o método da cartografia, compreendida como método de pesquisa-intervenção que implica a coemergência entre conhecer, agir e criar11 Pozzana L. A formação do cartógrafo é o mundo: corporificação e afetabilidade. Fractal Rev Psicol [Internet]. 2013 [citado 12 Maio 2021]; 25(2):323-38. Disponível em: https://periodicos.uff.br/fractal/article/view/4945
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. Esse método traça um plano de experiência e acompanha os efeitos do percurso de investigação no objeto de pesquisa, no pesquisador e na produção de conhecimento.

Os desafios de pensar o presente a partir dele mesmo são inúmeros. Estar colada em um acontecimento tão disruptivo e impensável como a pandemia de Covid-19 enquanto se produz uma pesquisa que considera o efeito desse momento nas práticas das terapeutas ocupacionais coloca o problema de estarmos tomadas pelas emoções, reféns das opiniões em curso e sem qualquer distância que talvez possibilitasse pensar outras coisas. Mas assim é uma pesquisa que se faz pela cartografia11 Pozzana L. A formação do cartógrafo é o mundo: corporificação e afetabilidade. Fractal Rev Psicol [Internet]. 2013 [citado 12 Maio 2021]; 25(2):323-38. Disponível em: https://periodicos.uff.br/fractal/article/view/4945
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2 Passos E, Kastrup V, Escóssia L. Pistas para o método da cartografia: pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina; 2009.
-33 Tedesco SH, Sade C, Caliman LV. A entrevista na pesquisa cartográfica: a experiência do dizer. Fractal Rev Psicol [Internet]. 2013 [citado 27 Abr 2021]; 25(2):299-322. Disponível em: https://periodicos.uff.br/fractal/article/view/4944/4786
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: entendemo-nos como parte do processo, mesmo, nesse caso, estando demasiadamente dentro dele. Talvez este seja também um valor: pensar a partir da imersão no que se passa agora oferece uma percepção situada; a atmosfera e intensidade de um momento; e uma perspectiva do impacto sobre o campo pesquisado.

Um acontecimento dessa magnitude é indissociável das camadas de passado próximo ou longínquo, pois trata-se de uma catástrofe que está em curso há muito tempo – desde pandemias e genocídios passados, até as estruturas escravagistas, o projeto colonial e seus efeitos. É sobretudo indissociável do avanço do capitalismo predatório, do neoliberalismo e do desenvolvimento do pensamento ocidental moderno que promove o paradigma do indivíduo independente e autossuficiente, proprietário de bens e que, tendo sua vida separada do corpo do planeta, vive à custa de sua exploração. Como resultado desse arranjo complexo de questões, testemunhamos, entre outros fenômenos, a emergência de novas crises socioambientais, zoonoses em escala planetária e mudanças climáticas irreversíveis44 Parra HZM. Retomar o per-curso. Tramadora [Internet]. 2020 [citado 21 Ago 2020]; . Disponível em: https://www.tramadora.net/2020/08/02/retomar-o-per-curso/
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Portanto, a pandemia evidencia manejos biopolíticos e necropolíticos que já estavam em curso mas que se intensificam no presente. Ao avaliar a política institucional no contexto pandêmico, a partir de Foucault e Espósito, Preciado55 Preciado PB. Aprendendo do vírus. Rev Punkto [Internet]. 2020 [citado 20 Jul 2020]; edição 27. (Cad. 8). Disponível em: https://www.revistapunkto.com/2020/04/aprendendo-com-o-virus-paul-b-preciado.html
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relembra que toda biopolítica é imunológica e pressupõe o estabelecimento de uma hierarquia entre os corpos: os que ficam isentos de impostos, e aqueles que a comunidade percebe como potencialmente perigosos. Estes últimos serão excluídos em um ato de proteção imunológica, e tal seria o paradoxo da biopolítica: todo ato de proteção implica uma definição que dará à comunidade a autoridade para sacrificar algumas vidas em benefício de sua própria soberania. Para Preciado, o estado de exceção é justamente a “normalização deste paradoxo insuportável”55 Preciado PB. Aprendendo do vírus. Rev Punkto [Internet]. 2020 [citado 20 Jul 2020]; edição 27. (Cad. 8). Disponível em: https://www.revistapunkto.com/2020/04/aprendendo-com-o-virus-paul-b-preciado.html
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É isso que assistimos no Brasil em termos de estratégia institucional de combate político à pandemia. Sob um regime autoritário, vimos a afirmação de que muitos devem morrer para que outros sobrevivam. O discurso não é de proteção integral da vida das pessoas, mas sim o contrário: o presidente do Brasil daquela época dizia que as mortes eram inevitáveis em nome do bem-estar do país e da população. É evidente que a expressão “mortes inevitáveis” refere-se à morte de alguns, e os grupos populacionais acompanhados pela Terapia Ocupacional são especialmente atingidos, vivendo estados de sofrimento intensificados por esse processo.

De acordo com Bardi et al.66 Bardi G, Bezerra WC, Monzeli GA,NenhumNenhum Pan LC, Braga IF, Macedo MDC. Pandemia, desigualdade social e necropolítica no Brasil: reflexões a partir da terapia ocupacional social. Rev Interinst Bras Ter Ocup [Internet]. 2020 [citado 13 Maio 2020]; 4(2):496-508. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/ribto/article/view/34402/pdf_2
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, o acento das contradições do capitalismo nesse contexto – principalmente a concentração de riqueza, em um polo, e expansão da miséria, em outro – impacta a todos, mas acirra-se quando consideramos questões de classe, gênero e raça. Essa e outras produções bibliográficas da Terapia Ocupacional nesse período denunciaram a necropolítica empreendida pelo Estado brasileiro, que negligenciou as demandas das populações mais pobres, fazendo recair sobre ela a responsabilidade de algo que é de ordem estrutural.

Farias e Leite Junior77 Farias MN, Leite Junior JD. Vulnerabilidade social e Covid-19: considerações com base na terapia ocupacional social. Cad Bras Ter Ocup. 2021; 29:e2099. doi: 10.1590/2526-8910.ctoEN2099.
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, por exemplo, evidenciaram que as questões sociais e as desigualdades estruturais têm relação direta com o desenvolvimento da doença e a forma como afeta os diferentes grupos populacionais. Ambrosio et al.88 Ambrosio L, Alves HC, Coelho FS, Cardoso PT, Silva CR. Reflexões para terapias ocupacionais do sul no contexto da pandemia: uma perspectiva crítica decolonial. In: Anais do XVII Encontro Nacional de Docentes em Terapia Ocupacional (ENDTO) [Internet]; 2020, São Carlos (SP). São Carlos: RENETO; 2020 [citado 9 Nov 2021]. p. 170-2. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1Bp_o10espyT_8PiOJs6rOenaF4XB6OvK/view
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sinalizaram que a pandemia, ao acirrar tais desigualdades, também aumentou a violência e o racismo estrutural sobre mulheres, negros e indígenas. Esse cenário convocou os terapeutas ocupacionais a engendrar ações multi e intersetoriais direcionadas aos grupos mais atingidos, contra os desinvestimentos nas políticas de seguridade social e pela garantia dos direitos constitucionais66 Bardi G, Bezerra WC, Monzeli GA,NenhumNenhum Pan LC, Braga IF, Macedo MDC. Pandemia, desigualdade social e necropolítica no Brasil: reflexões a partir da terapia ocupacional social. Rev Interinst Bras Ter Ocup [Internet]. 2020 [citado 13 Maio 2020]; 4(2):496-508. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/ribto/article/view/34402/pdf_2
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Especialmente durante a quarentena e os primeiros meses de pandemia, as vidas cotidianas estavam organizadas em torno desse fenômeno e profissionais de diferentes áreas buscavam responder aos desafios impostos no tempo-espaço da vida cotidiana. Em 2020, a Federação Mundial de Terapeutas Ocupacionais – World Federation of Occupational Therapists (WFOT) – lançou um posicionamento público enfatizando o papel dos terapeutas ocupacionais nas atividades diárias com seus significados e propósitos para a vida, ressaltando a importância da construção de estratégias para facilitar o desenvolvimento dessas atividades e considerando adaptações de acordo com as necessidades de cada pessoa, a divulgação de tecnologias assistivas e o teleatendimento como formato de trabalho99 Malfitano APS, Cruz DMC, Lopes RE. Terapia ocupacional em tempos de pandemia: seguridade social e garantias de um cotidiano possível para todos. Cad Bras Ter Ocup. 2020; 28(2):401-4. doi: 10.4322/2526-8910.ctoED22802.
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. Tal posicionamento destacou a importância de as pessoas se envolverem com suas ocupações e atividades cotidianas, reconhecendo a mudança no acesso e modo de realizá-las; e buscando manter um equilíbrio entre as medidas de controle do contágio e a necessidade de cuidar da saúde mental1010 Arthur MA, Santos VS, Oliver FC, Souto ACF. As práticas de terapia ocupacional no primeiro ano da pandemia de Covid-19 – revisão bibliográfica. Rev Ter Ocup USP. 2022; 32(1-3):e205891. doi: 10.11606/issn.2238-6149.v32i1-3pe205891.
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No Brasil, diversas iniciativas foram desenvolvidas nesse período no campo do ensino, das práticas e da pesquisa para problematizar e buscar respostas aos efeitos da pandemia na vida das pessoas e nas práticas de formação(d(d)Ver suplemento da Revista Interinstitucional Brasileira de Terapia Ocupacional (RevisbraTO) dedicado à pandemia, disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/ribto/issue/view/1474/showToc.).

Compreende-se que a pandemia de Covid-19 no Brasil acentuou as problemáticas decorrentes de um estado de torpor e enfeitiçamento produzido pelo sistema capitalista neoliberal que reduz ou impossibilita nossa capacidade de pensar e produzir alternativas criativas a ele. No entanto, são muitas as terapias ocupacionais que buscam resistir a esse "quebranto capitalista" criando estratégias de existência de modo pragmático com as populações acompanhadas1111 Cardoso PT. (R)existências afirmadas em terapia ocupacional: vestígios e fabulações [tese]. São Carlos: Programa de Pós-Graduação em Terapia Ocupacional, Universidade Federal de São Carlos; 2023.

12 Silvestrini MS, Silva CR, Almeida Prado ACS. Terapia ocupacional e cultura: dimensões ético-políticas e resistências. Cad Bras Ter Ocup. 2019; 27(4):929-40. doi: 10.4322/2526-8910.ctoARF1727.
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-1313 Cardinalli I, Cardoso PT, Silva CR, Castro ED. Constelações afetivas: cotidiano, atividades humanas, relações sociais e Terapia Ocupacional entrelaçados à cosmovisão Krenak. Interface (Botucatu). 2021; 25:e210262. doi: 10.1590/interface.210262.
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. Aí se encontram algumas das iniciativas das terapeutas ocupacionais entrevistadas pela pesquisa de doutorado, que promovem mais do que sobrevivência, construindo também modos de perseverar na existência por meio da sustentação de espaços coletivos de cuidado e criação, compostos por recursos das artes e do corpo, trazendo dois elementos importantes: o afeto e a cooperação. Importa às terapeutas a busca de tratamentos e vacinas; a luta contra os ataques e desinvestimentos nas políticas públicas que visam garantir acesso a direitos sociais; bem como o desenvolvimento de estratégias que produzam vida em meio a esse cenário1414 Quarentei MS, Paolillo AR, Silva CR, Freitas HI, Cardinalli I, Ambrosio L, et al. NÓS-EM-PANDEMIA: um ANTImanual do fazer em tempos de paradoxos na atividade. Rev Interinst Bras Ter Ocup. 2020; 4(3):302-17. doi: 10.47222/2526-3544.rbto34476.
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A seguir, apresentamos as narrativas de duas das terapeutas ocupacionais entrevistadas(e(e)Os nomes adotados no artigo são fictícios.), destacando algumas de suas ações no momento pandêmico. Elas foram escolhidas por apresentarem uma diferença importante em suas práticas: uma delas atua em um único serviço, uma unidade municipal de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) exclusivo da cidade de São Paulo, e a outra está envolvida em várias frentes por meio de inserções institucionais e práticas autônomas caracterizadas por um hibridismo da Terapia Ocupacional com as artes.

Julia e a força da grupalidade

Julia conta que sempre trabalhou e se interessou em atuar com grupos em uma perspectiva interdisciplinar e heterogênea. Esse caminho também a levou a se interessar e pesquisar a análise institucional e a cartografia. Atualmente, realiza suas ações em uma Unidade de Referência da Saúde do Idoso (URSI)(f(f)A URSI é um serviço de Atenção Secundária em Saúde exclusivo do município de São Paulo. A proposta do equipamento é cuidar da saúde do idoso de maneira integral, envolvendo profissionais de diversas áreas (Medicina, Enfermagem, Assistência Social, Fonoaudiologia, Fisioterapia, Terapia Ocupacional, Psicologia, Educação Física e Nutrição) e priorizando a atuação interdisciplinar.), na qual, antes da pandemia, teve 60% de sua carga horária voltada a práticas grupais, o que, além de seu interesse, revela também “um entendimento de que a terapia ocupacional tem uma potência na atuação em grupos”, segundo ela. Eram grupos diversos que atendiam demandas de convivência, alterações cognitivas, mudanças de comportamento de uma maneira geral, mudanças de humor por conta do envelhecimento “ou simplesmente vontade de experimentar novas possibilidades”.

Em suas iniciativas com arte e corpo, acredita ser fundamental acessar a dimensão sensível dos corpos e sua “porosidade”,criando condições de viver um acontecimento e, quem sabe, poder dele sair transformado. Para Julia, são justamente as ações com arte que:

[...] cuidam de regular uma membrana com o mundo, de afinar, engrossar, ficar mais porosa […], cuidam de fazer mediações para criar experiências possíveis com o mundo […] Então eu acho que sempre que eu penso em atividades para serem propostas eu acho fértil pensar com as pessoas o que isso pode ajudar com essa regulagem com o mundo, de uma forma que viver fique uma experiência absorvível.

(Julia)

Julia relata as grandes transformações que a pandemia impôs à URSI e o quanto deslocou equipe e pacientes. Com a suspensão provisória das práticas grupais no início da pandemia, a equipe sentiu-se alijada de seu dispositivo de cuidado central e reflexiva sobre como dar sequência aos acompanhamentos e cuidados. Inicialmente, parecia impossível o trabalho remoto em alguns casos – os grupos com pacientes mais graves, por exemplo, não tiveram sequência –, mas, com o tempo, a equipe foi desenhando possibilidades de ação com os outros grupos de pacientes. A ideia era promover qualidade de vida e a equipe entendeu que “qualquer pequena ação era muito importante naquele momento”, diz Julia.

A URSI recebeu relatos de que os acompanhados, em sua maioria, não tinham outros espaços de cuidado e convivência com os quais pudessem contar, vivenciando um empobrecimento de rotina importante e um grande isolamento sem as atividades da unidade; “foi então que houve a tentativa de fazer atendimentos individuais e em grupo de maneira remota”, de acordo com Julia.

O grupo de trabalhos manuais que já acontecia presencialmente foi um dos que passou a ter seus encontros realizados remotamente. O primeiro passo para essa mudança foi a escolha do aplicativo em que se encontrariam semanalmente, cujo critério era a possibilidade de todos se verem na tela. A imagem foi fundamental nesse momento, pois, com ela, era possível que as pessoas se vissem e trocassem entre si, bem como que a terapeuta acompanhasse como os participantes estavam através de seus corpos, expressões e ambientes.

Depois de compreendido como se dariam os encontros virtuais, o grupo fez rodas de leitura de obras literárias, escritas criativas disparadas por essas leituras e partilha das produções no grupo de WhatsApp. Além disso, arriscaram uma proposta ousada: produzir uma obra conjunta a distância para o "Festival CultivAR-TE"(g(g)O Festival CultivAR-TE é um projeto de extensão da UFSCar que propôs uma mostra virtual de produçõs e obras criadas no momento pandêmico, enviadas por artistas e “não-artistas”, tendo a principal intenção de atrair o público da saúde mental. A galeria do Festival está disponível em: https://informasus.ufscar.br/festival-cultura-cultivar-te/galeria-virtual/), promovido pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Julia conta do processo: uma das participantes confeccionou a tela-base, na qual se deu a obra, e enviou para as coordenadoras no serviço por meio de uma pessoa de sua confiança; semanalmente, elas se encontravam por aplicativo e, por meio da relação com a tela-base, pensavam como seguir a produção conjunta. Foram produzidos desenhos, bordados e pinturas que, aos poucos, eram enviados ao serviço e agregados à obra. Um dia, combinaram de fazer a montagem conjuntamente e:

[...] foi um baita trabalho, a gente colocou a base na mesa, minha colega ia filmando e eu ia montando conforme as participantes orientavam. E eu achei superinteressante, porque a figura era um barco, era uma montanha, um mar meio furioso, e nesse barco estávamos todas nós. E aí a gente brincou de dar o nome, de imaginar o que era aquilo, a gente foi imaginando muito […].

(Julia)

O grupo levou dois meses para produzir a obra conjunta e posteriormente inscrevê-la no edital, o que também foi um acontecimento, pois no formulário era necessário descrever a obra e justificar a relação com a pandemia, demandando do grupo engajamento, permanência e um investimento significativo de tempo. Julia comenta que a iniciativa “é uma coisa que parece muito pequena, mas que foi bem preciosa ao longo do caminho, e não é algo que teria imaginado ou feito fora desse contexto”.

As condições colocadas pelo distanciamento social e o compromisso em manter os encontros com vivacidade e ativando a criatividade geraram invenções que a surpreenderam. Suas iniciativas buscaram sustentar experimentos hesitantes na instituição que, por mais precários ou pequenos que fossem, importavam.

Alice e a reinvenção dos meios

Junto com a graduação em Terapia Ocupacional, Alice se formou em Artes Visuais em São Paulo. “[...] desde que eu me formei eu tenho esse ateliê aqui, então acho que isso também foi se formando e se constituindo comigo e com a minha trajetória, uma possibilidade de experimentação dessa prática híbrida…”, diz ela em relação ao ateliê, que é também um espaço de atendimentos a pacientes e grupos. Como artista, percebe sua produção estreitamente relacionada às práticas em Terapia Ocupacional: “Para mim, elas são ferramentas, tanto um para o outro, como do outro para um”. Também diz que sempre teve relação com as experimentações em artes e, portanto, com os fazeres.

Alice contou que a pandemia teve um forte impacto na sua ação como terapeuta ocupacional. Modular as coisas que fazia de modo mais sensível por meio das telas foi um dos grandes desafios. Percebe que o vínculo criado com muitos pacientes sustentou diversas adaptações das práticas e o período a distância, mas reconhece que, apesar das descobertas potentes desse período, certas intervenções não funcionavam nessa modalidade.

Pergunta-se como seguir com as ações que são tão práticas, vivenciais e experimentais na Terapia Ocupacional, e que convocam outras linguagens além da verbal, uma vez que muitos dos pacientes têm dificuldades nessa dimensão e eventualmente até alguma deficiência intelectual. A presença corporal e as ferramentas que utilizamos na Terapia Ocupacional, como dispositivos artísticos de registro e narrativa, são fundamentais para ela e, na pandemia, sentiu-se desprovida de tais recursos.

Diante dessa desestabilização, ela cria novas práticas. Em um Hospital-Dia do Idoso no qual trabalha, experimentou fazer podcasts levando orientações sobre autocuidado e realização de atividades físicas; e suscitando reflexões sobre o cotidiano pandêmico dentro da instituição. Já a partir da composição com o Grupo de Experimentações Poéticas e Políticas do Sensível (GEPPS)(h(h)O GEPPS nasceu dentro da Universidade de São Paulo (USP), no contexto da pós-graduação do Programa Interunidades em Estética e História da Arte (PGEHA/USP), com mestrandos e doutorandos da professora doutora Eliane Dias de Castro, e posteriormente se emancipou da universidade seguindo em atividade até hoje. Formado por terapeutas ocupacionais e um escritor e comunicador social, o grupo busca criar diálogo e interação entre universidade, pesquisas independentes nos âmbitos da arte, da clínica e da cultura, e as necessidades das pessoas na vida em comum.), ela gravou em áudio textos da sessão “Pandemia Crítica” da editora N-1 Edições, e posteriormente disponibilizou no site do grupo. São escritos de filósofos, artistas, ambientalistas e outros, de diversas partes do mundo, que pensam criticamente sobre o momento pandêmico. Alice conta que a iniciativa nasceu ao perceber muitas de suas colegas terapeutas ocupacionais sobrecarregadas com as tarefas de casa, o cuidado com os filhos e os compromissos de trabalho; e a impossibilidade de parar para fazer atividades como ler um texto, por exemplo.

Então, como é que dá acesso enquanto eu lavo louça, fazendo uma comida, como é que podíamos ir ouvindo e também nos nutrindo com o que nos chega pelos ouvidos? E também tinha o cansaço das telas, a gente tava num bombardeio absurdo de informações, então como que faz chegar uma outra coisa com uma sonoridade, uma alternância, e que você pode fechar os olhos e ouvir, porque essa coisa da imagem, das telas, são muito cansativas…

(Alice)

Buscando manter a dimensão do afeto e do sensível em suas reinvenções, ela cita outras duas experiências: o envio de cartas aos idosos do Hospital-Dia, contendo flores colhidas por eles em um dos encontros do grupo, pouco tempo antes da pandemia; e o projeto “Cartas da Pandemia”, criado com o GEPPS, que publicou no site do grupo escritos, imagens e produções poéticas realizadas e enviadas por um público geral. Esse material foi disponibilizado em uma barra de rolagem única, sem autoria identificada, como uma “carta polifônica” ou um “diário comum”, composto de muitas vozes que expressavam o cotidiano das pessoas naquele contexto. A iniciativa foi posteriormente publicada na Revista Interface(i(i)Disponível em: https://doi.org/10.1590/interface.200881.).

Os Acompanhamentos Terapêuticos (AT) de Alice também foram reestruturados de acordo com as necessidades e possibilidades do momento. Ela fez associações com outros terapeutas para criar grupos variados de curta duração com propostas de filme, música, entre outras, e diz que teve que agenciar eventos inesperados nessas iniciativas.

A gente é o tempo todo convocado a isso como TO [terapeuta ocupacional], porque muita coisa não funciona conforme as receitas de bolo e os scripts dados, não tem cartilha para cada paciente que nos chega, para cada situação ou cada coletividade, então acho que a gente tá acostumado a lidar com uma invenção a cada encontro, e acho que isso é uma coisa muito singular e muito importante, de como a gente se adapta eticamente.

(Alice)

Para Alice, esse momento elevou ao máximo o exercício de plasticidade e flexibilidade na relação com diferentes contextos e problemáticas, algo que ela já percebe como componente do seu exercício como terapeuta ocupacional.

Responsabilização e cuidado contra a feitiçaria capitalista

Acompanhando os impactos da pandemia nas práticas das terapeutas ocupacionais, percebemos a persistência e versatilidade em seus compromissos de cuidado com os pacientes. Elas encontram potência no inusitado e persistem na importância do encontro e do fazer junto, arriscando e reinventando formas de atuar; e criando práticas com recursos que têm à mão ou que criam circunstancialmente.

As ações quase sempre são enunciadas como fruto do incômodo e da inquietação no sentido de querer “fazer algo” diante do experienciado no momento pandêmico. São iniciativas que emergem de um processo de responsabilização e implicação que responde ao chamado de um cuidado compartilhado com o mundo, o que ocorre, não por acaso, por meio de ações concretas – uma vez que o cuidado na Terapia Ocupacional se dá por meio de ações, fazeres e atividades, faz sentido que as terapeutas também respondam ao acontecimento por essa via.

Frédéric Gros, em sua obra “Desobedecer”, trata de diferentes dimensões da responsabilidade, e uma delas é justamente a “responsabilidade do mundo: a ideia de que somos solidários das injustiças produzidas em todos os lugares”1515 Bensusan N. Alice no país da pandemia. Instituto Socioambiental [Internet]. 2020 [citado 20 Jul 2023]. Disponível em: https://site-antigo.socioambiental.org/pt-br/blog/blog-do-isa/alice-no-pais-da-pandemia
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. Solidários no sentido de que não é possível que essas injustiças não nos digam respeito, pois há sempre uma nuance a partir da qual nos ligamos a elas. Outra dimensão colocada pelo autor é denominada “responsabilidade infinita”, ou “responsabilidade do frágil”, referente à vulnerabilidade e à fragilidade do outro que chega como um chamado para nos responsabilizamos por ele.

Há no processo de responsabilização uma dimensão de luta, que requer sair da posição de espectador e produzir pensamento e ação diante de um acontecimento.

Saímos da posição espectadora quando nos tornamos capazes de pensar e atuar. E nos tornamos capazes de pensar e atuar produzindo […] um “agarramento” ou um “ponto de apoio”. Ou seja, um espaço de pensamento e ação a partir de um problema concreto. Nesse momento já não estamos diante da tela, opinando e à espera, mas envolvidos numa “situação de luta”. Tanto hoje quanto ontem, são essas situações de luta que criam novos enfoques, novos possíveis e põem a sociedade em movimento.99 Malfitano APS, Cruz DMC, Lopes RE. Terapia ocupacional em tempos de pandemia: seguridade social e garantias de um cotidiano possível para todos. Cad Bras Ter Ocup. 2020; 28(2):401-4. doi: 10.4322/2526-8910.ctoED22802.
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Segundo Guy Debord, o espectador é um ser enganado e manipulado, alguém que não entra em contato com o mundo e o acontecimento, apenas o assiste; o separa do contexto e de situações concretas em que está inserido; e o virtualiza. Ele observa, julga, generaliza e espera. Por isso, é incapaz de realizar pensamento e ação, tornando-se uma figura do isolamento e da impotência1616 Fernández-Savater A. Pensar: uma necessidade contemporânea. URUCUM Novas Formas de Vida [Internet]Nenhum.Nenhum 2018 [citado 9 Mar 2021]. Disponível em: https://urucum.milharal.org/2018/09/23/pensar-uma-necessidade-contemporanea/
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Isabelle Stengers e Philippe Pignarre, em “La sorcellerie capitaliste”, deslocam e ampliam essa questão ao afirmarem que não se trata de mentiras ou ilusões, mas sim de “feitiçaria”. O termo “feitiçaria” é evocado para dramatizar a empreitada capitalista que se intensificou nas últimas décadas. Os autores advertem que o capitalismo é baseado na produção de um poder que entorpece as pessoas, que as impede de ver o próprio rosto e que produz impotência. Nele, nossa capacidade de imaginação é capturada e nossa potência de pensamento, bloqueada1717 Sztutman R. Reativar a feitiçaria e outras receitas de resistência – pensando com Isabelle Stengers. Rev Inst Est Bras. 2018; (69):338-60. doi: 10.11606/issn.2316-901X.v0i69p338-360.
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Para desenfeitiçar-nos, diz Stengers1717 Sztutman R. Reativar a feitiçaria e outras receitas de resistência – pensando com Isabelle Stengers. Rev Inst Est Bras. 2018; (69):338-60. doi: 10.11606/issn.2316-901X.v0i69p338-360.
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, seria necessário pensar modos de resistência minoritários que ressaltem um trabalho de experimentação ativa, aberto ao imponderável e ao imprevisível, que promova transformações concretas da atenção, da percepção e da sensibilidade. Isso implica retomar nossa habilidade de imaginar, de nos movermos sem medo e de criar novas lutas, lançando mão de dispositivos propriamente pragmáticos.

Nas iniciativas das terapeutas ocupacionais aqui apresentadas, vemos o agenciamento de possíveis respostas locais e criativas à feitiçaria capitalista que envenena a vida. São práticas experimentais e situadas; implicadas ética e politicamente; e que buscam retomar a potência do viver e o sentido do encontro e da coletividade. Trata-se menos de receitas ou acontecimentos épicos, gestos heroicos, e mais de ações ordinárias que promovem sutis transformações concretas das vidas, cotidianos e histórias de pessoas quaisquer. Nessas experimentações, há elementos essenciais mobilizados por essas terapeutas.

Na contrafeitiçaria das terapeutas ocupacionais: corpo, arte e grupo

Julia e Alice, de diferentes formas, buscam produzir relações e reativar a inventividade e plasticidade necessárias à vida, sobretudo em estados de exceção como o produzido pela pandemia. Para tanto, elas instauram pequenas comunidades de criação e convivência no ambiente virtual, com recursos das artes e do corpo, que nutrem a vida e um cotidiano empobrecido de troca e relações e muitas vezes do desejo de viver. Diante do enfraquecimento da potência vital e em um contexto de isolamento radical das pessoas que acompanham (idosos e pessoas com sofrimentos psíquicos e deficiências diversas), as terapeutas ocupacionais buscam promover outras formas de afetação que possam fazer rebrotar a vida em si e nos outros.

Para experimentar um estado de afecção pelo mundo e nele viver experiências, elas destacam a importância da sensibilização dos corpos e subjetividades. Para Larrosa, a experiência é aquilo “que nos acontece, o que nos toca”1818 Bondía JL. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Tradução: João Wanderley Gerald. Rev Bras Educ. 2002; (19):20-8. doi: 10.1590/S1413-24782002000100003.
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(p. 21), carregando o sentido de experimentar, saborear a vida e deixar-se atravessar por sua potência. Na perspectiva dessas terapeutas, as atividades estéticas e as experimentações artísticas são modos de desobstruir os canais de contato com o fora e de ativar certa receptividade e disponibilidade para viver e se afetar pelo o que se passa. Quando elas convocam a “porosidade” dos corpos, estão se referindo a esse grau de abertura que torna os corpos-subjetividades mais ou menos sensíveis e permeáveis aos ambientes e acontecimentos, permitindo-os viver uma experiência e podendo dela sair transformados.

Assim, em suas iniciativas, as experimentações estéticas não visam à produção de obras, mesmo que haja obras como resultado, mas servem a esse processo de sensibilização e, igualmente, ao exercício da imaginação. Tais experimentações, nos ambientes criados por elas, estimulam associações inusitadas e ativam a capacidade de reinvenção e fabulação, desbloqueando a criatividade para a vida prosseguir em novos arranjos.

A experiência estética vivida por meio das artes tem uma função especulativa, de invenção daquilo que não existe, de criação de mundos ou de produção de diferença em determinados mundos/realidades. É como um “gesto menor”1919 Manning E. Proposições para um movimento menor. Moringa Artes Espetaculo [Internet]. 2019 [citado 29 Abr 2019]; 10(2):11-24. doi: 10.22478/ufpb.2177-8841.2019v10n2.49811. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/index.php/moringa/article/view/49811
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cuja potência é mudar as condições da experiência e orientar processos por vir. O “menor”, para Manning1919 Manning E. Proposições para um movimento menor. Moringa Artes Espetaculo [Internet]. 2019 [citado 29 Abr 2019]; 10(2):11-24. doi: 10.22478/ufpb.2177-8841.2019v10n2.49811. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/index.php/moringa/article/view/49811
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, propõe uma variação onde o acontecimento poderia de outra forma se fixar, e por isso pode produzir gestos que inaugurem o novo e que ativem uma futuridade presente em ato.

Essas experiências podem promover ampliação, renovação e criação constante da palavra, do gesto e da matéria. Nessa aposta, as terapeutas ocupacionais criam também espaços de partilha de expressões e sentimentos que incitam formas de elaborar o acontecimento por meio de invenções poéticas. Tendo capacidade de sustentar e hospedar o indizível, as artes possibilitam outras formas de expressão, não submetidas à racionalidade, a sistemas cartesianos e gramáticas do pensamento e da linguagem, e por isso têm a contribuir em um momento como este. Na busca por descobrir matérias de expressão e composições de linguagens que favorecem a passagem das intensidades que percorrem os corpos, as artes participam da potencialização do desejo no seu caráter de criador de mundos2020 Rolnik S. Cartografia sentimental: transformações contemporâneas do desejo. Porto Alegre: Sulina/Editora da UFRGS; 2007..

As experimentações com arte e corpo promovidas por estas e pelas outras terapeutas ocupacionais acompanhadas pela pesquisa se dão invariavelmente em grupo. Nas iniciativas, vemos o grupo não como uma entidade a priori, abstrata, que antecede seu próprio funcionamento, mas sim feito de linhas de força que, em permanente tensão, produzem novos fluxos subjetivos no decorrer de processos. De acordo com Benevides2121 Barros RB. Grupo: a afirmação de um simulacro. 3a ed. 2013. Porto Alegre: Sulina/Editora da UFRGS; 2009., o dispositivo grupal altera processos hegemônicos de subjetivação que remetem a indivíduos, separando-os dos movimentos coletivos, sociais, ecológicos, técnicos etc. que os produzem. Sendo uma "máquina de decomposição de verdades, de concepções tomadas como naturais e universais, o grupo pode acionar confrontos entre expressões do modo-indivíduo vigente."2121 Barros RB. Grupo: a afirmação de um simulacro. 3a ed. 2013. Porto Alegre: Sulina/Editora da UFRGS; 2009. (p. 325).

Com o tempo dedicado ao estar junto nos dispositivos grupais, criam-se territórios comuns provisórios, lampejos de uma certa multidão, na qual se pode experimentar modos de se relacionar e fazer acordos; viver frustrações, conflitos e alegrias; elaborar acontecimentos conjuntamente, entre outras ações. No exercício contínuo do grupo e na experimentação dessas vivências, relações são produzidas e é possível que vínculos se construam. O vínculo se faz por meio de ciclos de proximidade e distância; e cria trilhas emocionais e somáticas entre uma pessoa e outra, sendo que cada qual é parte desse sistema. Quando o vínculo se forma, a pessoa se torna parte do self de alguém2222 Keleman S. Amor e vínculos. São Paulo: Summus; 1996..

Na Terapia Ocupacional, os dispositivos grupais, mobilizados em torno de um ou mais fazeres e da realização de atividades oferecem ainda a potência da criação conjunta e da inventividade coletiva. Nessas experiências, cada pessoa leva sua expressão e seus saberes para a roda, suas histórias e seus modos de fazer, sendo que, com isso, o grupo se enriquece, os vínculos são fortalecidos, os afetos são cultivados e novas memórias são produzidas. A realização da atividade, nessas ocasiões, segue como um fio que vai tecendo o encontro, grudando palavras nos gestos que compõem o fazer; emoções, nas formas que se criam; e saber coletivo, na produção.

No que diz respeito ao momento pandêmico, os grupos propostos pelas terapeutas ocupacionais possibilitaram retirar as pessoas de um intenso isolamento, introduzindo algum sentido, movimento e criação no cotidiano; e ofertando a possibilidade de desfrutar o convívio que enriquece a vida. Julia e Alice notam que essas práticas contribuíram para promover companhia, redes de apoio e sustentação, bem como espaço de “respiro” diante de sufocamentos promovidos pelo momento.

Considerando a sociedade do desamparo que nos tornamos, refazer os laços entre as pessoas e fortalecer a dimensão criadora da vida são ações importantes para se produzir uma outra saúde da qual necessitamos. Uma saúde conectada com as necessidades dos viventes e com a criação de territórios existenciais singulares e potentes, que se fazem e refazem incessantemente, dialogando com as variações cíclicas de uma vida, bem como com suas intempestividades.

Considerações finais

É importante destacar ainda outros dois componentes que atravessam as práticas de todas as terapeutas ocupacionais entrevistadas pela pesquisa, e não apenas das que são aqui destacadas: o afeto e a cooperação. Elas expressam a necessidade de se posicionar de um modo técnico, mas também afetivo, e de desenvolver ações que respondam às urgências do nosso tempo, e não apenas a protocolos colocados pelas diversas instituições nas quais atuam.

O afeto é compreendido como um elemento aglutinador, que estreita, acalenta e aquece (corpos, relações e memórias). Para Junior e Arán2323 Peixoto Junior CA, Arán M. O lugar da experiência afetiva na gênese dos processos de subjetivação. Psicol USP. 2011; 22(4):725-46. doi: 10.1590/S0103-65642011005000032.
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, o afeto, assim como a emoção e a paixão, vão além da vontade e da consciência, não estando no controle de nossas intenções e desejos. “Afeto” é o particípio passado de afficere e indica o caráter passivo da experiência subjetiva em questão, algo experimentado, padecido. Ele é uma subjetividade em estado nascente e presente “no sonho, no delírio, na exaltação criadora, no sentimento amoroso”2323 Peixoto Junior CA, Arán M. O lugar da experiência afetiva na gênese dos processos de subjetivação. Psicol USP. 2011; 22(4):725-46. doi: 10.1590/S0103-65642011005000032.
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(p. 728), bem como nas práticas de cuidado.

Já a cooperação foi mais intensamente acionada entre as terapeutas ocupacionais e seus parceiros de trabalho neste período, visando à sustentação de suas proposições e o cuidado de si e dos colegas. Diante de sobrecargas, cansaço, luto e adoecimentos, elas criaram novas parcerias de trabalho e propuseram ações que envolviam um número maior de pessoas na coordenação. Algumas ainda mobilizaram, entre os colegas, espaços de escuta e de experimentação de atividades com música, yoga, respiração e práticas integrativas do cuidado.

As experiências de cooperação e colaboração levam em conta o fato de que somos seres interdependentes e vinculares, e que, portanto, é uma necessidade humana, sobretudo em tempos atuais, reencontrar modos de viver junto. A cooperação implica crescimento e amadurecimento dos corpos; um corpo adulto maduro quer se conectar e cooperar (com os ambientes e com outros corpos). Nas palavras de Regina Favre2424 Favre R. Um corpo na multidão: do molecular ao vivido. Interface (Botucatu). 2011; 15(37):621-8. doi: 10.1590/S1414-32832011000200025.
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(p. 626), a “conexão, em sua condição adulta, se dá pela cooperação dos corpos.”. Cooperar, para a autora2424 Favre R. Um corpo na multidão: do molecular ao vivido. Interface (Botucatu). 2011; 15(37):621-8. doi: 10.1590/S1414-32832011000200025.
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, significa reconhecer-se como apenas parte de processos maiores e agir como parte.

Fazer junto e cooperar é desafiador em uma sociedade individualista como a que vivemos, mas, além de permitir nos surpreender com o encontro de habilidades desconhecidas ou esquecidas em si e no outro, esses arranjos promovem apoio mútuo, que é essencial para a sustentação das vidas pessoais e da vida coletiva. Justamente em razão de a pandemia ter imposto a necessidade de um distanciamento social, ficou ainda mais evidente a importância da vida comum e de se criar redes de solidariedade por toda parte.

Por fim, não se pode negar a violência de um acontecimento como a pandemia de Covid-19 e os manejos que foram dados a ela a depender de cada país. No entanto, vale ressaltar que tal acontecimento se tornou ocasião propícia para que certos tipos de práticas ganhassem visibilidade enquanto antes pareciam sem valor, como é o caso de algumas ações das terapeutas ocupacionais. Como são práticas que, por menores que sejam, reativam dimensões necessárias para o viver e para responder a situações de crise – como a inventividade, a criação, os vínculos, o afeto e a cooperação –, o que essas terapeutas ocupacionais fazem se tornou evidentemente potente em uma situação extrema de desarranjo da vida e das relações. Com o olhar voltado às ações que buscavam atenuar os impactos da pandemia na vida das pessoas, passamos a ver também quem as desenvolve e por quais caminhos de pensamento o fazem.

  • (c)
    Endereço para acessar informações sobre o grupo de pesquisa no CNPq: dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/4883473894010050
  • (d)
    Ver suplemento da Revista Interinstitucional Brasileira de Terapia Ocupacional (RevisbraTO) dedicado à pandemia, disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/ribto/issue/view/1474/showToc.
  • (e)
    Os nomes adotados no artigo são fictícios.
  • (f)
    A URSI é um serviço de Atenção Secundária em Saúde exclusivo do município de São Paulo. A proposta do equipamento é cuidar da saúde do idoso de maneira integral, envolvendo profissionais de diversas áreas (Medicina, Enfermagem, Assistência Social, Fonoaudiologia, Fisioterapia, Terapia Ocupacional, Psicologia, Educação Física e Nutrição) e priorizando a atuação interdisciplinar.
  • (g)
    O Festival CultivAR-TE é um projeto de extensão da UFSCar que propôs uma mostra virtual de produçõs e obras criadas no momento pandêmico, enviadas por artistas e “não-artistas”, tendo a principal intenção de atrair o público da saúde mental. A galeria do Festival está disponível em: https://informasus.ufscar.br/festival-cultura-cultivar-te/galeria-virtual/
  • (h)
    O GEPPS nasceu dentro da Universidade de São Paulo (USP), no contexto da pós-graduação do Programa Interunidades em Estética e História da Arte (PGEHA/USP), com mestrandos e doutorandos da professora doutora Eliane Dias de Castro, e posteriormente se emancipou da universidade seguindo em atividade até hoje. Formado por terapeutas ocupacionais e um escritor e comunicador social, o grupo busca criar diálogo e interação entre universidade, pesquisas independentes nos âmbitos da arte, da clínica e da cultura, e as necessidades das pessoas na vida em comum.
  • (i)

Agradecimentos

A todas as terapeutas ocupacionais entrevistadas pela pesquisa de doutorado.

  • Mendes ML, Liberman F. Contrafeitiçaria na pandemia: arte e corpo nas ações de cuidado em Terapia Ocupacional. Interface (Botucatu). 2024; 28: e220683 https://doi.org/10.1590/interface.220683
  • Financiamento

    A pesquisa de doutorado teve o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) – Brasil.

  • *
    O texto do artigo é resultado da pesquisa de doutorado intitulada “Cartografias da interface corpo, arte, cultura e terapia ocupacional em tempos de pandemia no Brasil”, aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), CAAE: 35701920.9.0000.5505, n. do parecer 4.214.033.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    19 Dez 2022
  • Aceito
    21 Out 2023
UNESP Botucatu - SP - Brazil
E-mail: intface@fmb.unesp.br