“Como eu fui me transformando”: juventude, prevenção do HIV e a contribuição de projetos sociais comunitários no Rio de Janeiro, RJ, Brasil

“How I transformed myself”: youth, HIV prevention and the contribution of community-based social projects in Rio de Janeiro, Brazil

“Como me fui transformando”: juventud, prevención de VIH y la contribución de proyectos sociales comunitarios en Río de Janeiro, RJ, Brasil

Simone Monteiro Vanessa do Nascimento Fonseca Marcos Nascimento Sobre os autores

Resumos

O artigo analisa os possíveis efeitos de projetos sociais desenvolvidos na década de 2000, em uma favela do Rio de Janeiro, na trajetória de vida e cuidado da saúde sexual e reprodutiva dos participantes. Foram entrevistados cinco mulheres e cinco homens egressos/as dessas intervenções. Segundo os resultados, a abordagem dos direitos humanos e desigualdades sociais e de gênero somada à participação juvenil e parcerias institucionais, assim como à expansão de políticas públicas para jovens no país, colaboraram para que seus integrantes tivessem relações de gênero mais igualitárias, postergassem a maternidade/paternidade e adotassem práticas preventivas ao HIV/IST. Ademais, favoreceram o acesso ao Ensino Superior, a melhoria das condições socioeconômicas e influenciaram suas escolhas profissionais. Tais resultados podem orientar a implementação de ações diante do aumento de casos de HIV/Aids entre jovens e do desmonte de políticas públicas para saúde sexual e reprodutiva.

Palavras-chave
HIV; Juventude; Gênero; Ação comunitária para a saúde


This article analyzes the effects of social projects developed in a favela in Rio de Janeiro in the 2000s on the life trajectory and sexual and reproductive health care of the participants. Five female and male participants were interviewed. The results show that the rights-based and social and gender equality approach, combined with youth participation and institutional partnerships, as well as the expansion of public policies for youth in the country, helped participants have more equal gender relations, postpone motherhood/fatherhood and adopt HIV/STI prevention practices. Furthermore, the approach helped promote access to higher education and improve participant socioeconomic status and influenced career choices. These results can help guide the implementation of actions in the face of an increase in cases of HIV/AIDS among young people and the dismantling of sexual and reproductive health policies.

Keywords
HIV; Youth; Gender; Community health action


El artículo analiza los posibles efectos de proyectos sociales desarrollados en la década de 2000 en una favela de Río de Janeiro en la trayectoria de vida y cuidado de la salud sexual y reproductiva de los participantes. Se entrevistaron cinco mujeres y cinco hombres egresados/as de esas intervenciones. De acuerdo con los resultados, el abordaje de los derechos humanos y las desigualdades sociales y de géneros, sumadas a la participación juvenil y alianzas institucionales, así como la expansión de políticas públicas para jóvenes en el país, colaboraron para que sus integrantes tuvieran relaciones de género más igualitarias, postergaran la maternidad/paternidad y adoptasen prácticas preventivas al VIH/ITS. Además, favoreció el acceso a la enseñanza superior, la mejora de las condiciones socioeconómicas e influyó en sus elecciones profesionales. Tales resultados pueden orientar la implementación de acciones frente al aumento de casos de VIH/SIDA entre jóvenes y el desmantelamiento de políticas públicas para salud sexual y reproductiva.

Palabras clave
VIH; Juventud; Género; Acción comunitaria para la salud


Introdução

Mediante as conquistas históricas nas respostas à epidemia de Aids11 Laurindo-Teodorescu L, Teixeira PR. Histórias da aids no Brasil, 1983-2003. Brasília: Ministério da Saúde/Secretaria de Vigilância em Saúde/Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais; 2015., este trabalho objetiva refletir sobre os fundamentos teórico-metodológicos de ações de prevenção do HIV entre jovens no Brasil desenvolvidas em décadas passadas. Tal enfoque visa estabelecer um contraponto com as atuais respostas no campo da prevenção do HIV.

Em anos recentes, a despeito do aumento de casos de HIV/Aids na faixa de 15 a 24 anos no país22 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim epidemiológico de HIV e Aids. Brasília: Ministério da Saúde; 2021., houve uma evidente redução de intervenções educativas, nacionais e locais, sobre o tema33 Malta M, Beyrer C. The HIV epidemic and human rights violations in Brazil. J Int Aids Soc. 2013; 16(1):18817.,44 Paiva V, Antunes MC, Sanchez MN. O direito à prevenção da Aids em tempos de retrocesso: religiosidade e sexualidade na escola. Interface (Botucatu). 2020; 24:e180625. doi: 10.1590/Interface.180625.
https://doi.org/10.1590/Interface.180625...
. Ademais, no início dos anos 2010, campanhas de prevenção do HIV para homens que fazem sexo com homens, mulheres trans e trabalhadoras sexuais foram censuradas pelo Ministério da Saúde. As justificativas às censuras explicitam o distanciamento da perspectiva histórica, centrada no enfrentamento das condições de vulnerabilidade ao HIV e dos direitos humanos, ao reduzir a prevenção às informações técnicas sobre o contágio55 Ayres JR, Paiva V, França I Jr. Conceitos e práticas de prevenção: da história natural da doença ao quadro da vulnerabilidade e direitos humanos. In: Paiva V, Ayres JRCM, Buchalla CM, coordenadores. Vulnerabilidade e direitos humanos: prevenção e promoção da saúde. Livro I - da doença à cidadania. Curitiba: Juruá; 2012. p. 71-94.,66 Leite V. “Em defesa das crianças e da família”: refletindo sobre discursos acionados por atores religiosos “conservadores” em controvérsias públicas envolvendo gênero e sexualidade. Sex Salud Soc (Rio J). 2019; (32):119-42..

A atual diretriz do governo brasileiro no enfrentamento do HIV/Aids é informada pela prevenção combinada, definida pelo uso conjunto de intervenções biomédicas, comportamentais e estruturais77 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento Nacional de DST, Aids e Hepatites Virais. Prevenção combinada do HIV: bases conceituais para profissionais, trabalhadores e gestores de saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2017.. Entretanto, análises críticas88 Monteiro SS, Brigeiro M, Vilella WV, Mora C, Parker R. Desafios do tratamento como prevenção do HIV no Brasil: uma análise a partir da literatura sobre testagem. Cienc Saude Colet. 2019; 24(5):1793-807. de cunho sociológico assinalam que na prática tem predominado a estratégia do tratamento como prevenção (TcP), caracterizada pelo investimento no acesso ao diagnóstico precoce, ao tratamento dos casos HIV positivos e à oferta das profilaxias pré e pós-exposição ao HIV.

As novas tecnologias representam um grande avanço no controle e no cuidado do HIV/Aids. Todavia, tal enfoque não tem contemplado intervenções estruturais e comportamentais exitosas, voltadas à redução das condições de vulnerabilidade. Desse modo, contrastam com ações históricas centradas no uso do preservativo, na testagem associada ao aconselhamento, nas campanhas educativas, na abordagem sociocultural da sexualidade e no enfrentamento da vulnerabilidade ao HIV e do estigma da Aids. Essas tendências, por vezes denominadas biomedicalização das respostas à epidemia88 Monteiro SS, Brigeiro M, Vilella WV, Mora C, Parker R. Desafios do tratamento como prevenção do HIV no Brasil: uma análise a partir da literatura sobre testagem. Cienc Saude Colet. 2019; 24(5):1793-807., haviam sido identificadas antes do surgimento da Covid-19. Mas se tornaram mais evidentes ao longo da pandemia, sendo expressas pelo apagamento da Aids como problema social, pela carência de ações e campanhas educativas e fragilização do movimento social de Aids e respostas comunitárias99 Edmundo K, Guimarães W, Vasconcellos MS, Baptista AP, Becker D. Network of communities in the fight against Aids: local actions to address health inequities and promote health in Rio de Janeiro, Brazil. Promot Educ. 2005; Suppl 3:15-9..

Em contraste com o cenário atual, a década de 2000 foi caracterizada pela expansão significativa de políticas públicas para a população infantojuvenil brasileira, motivada pelo cenário político1010 Ribeiro E, Macedo S. Notas sobre políticas públicas de juventude no Brasil: Conquistas e desafios. Rev Cienc Soc. 2018; 31(42):107-26., pelo crescimento de casos de HIV entre jovens e pela pressão de grupos comprometidos com a proteção da infância e da adolescência1111 Fundo de População das Nações Unidas. Direitos da população jovem: um marco para o desenvolvimento. Brasília: UNFPA; 2010.,1212 Pinheiro D, Ribeiro E, Venturi G, Novaes R, organizadores. Agenda Juventude Brasil: leituras sobre uma década de mudanças. Rio de Janeiro: Unirio; 2016.. Nessa direção, cabe citar o programa nacional Saúde e Prevenção nas Escolas (SPE), voltado para a promoção da saúde sexual e reprodutiva (SSR) de estudantes por meio da integração dos setores da saúde e da educação, demais instâncias governamentais e organizações da sociedade civil. Nas diretrizes do programa foram previstas a formação continuada de profissionais da educação e da saúde e de jovens multiplicadores, a produção de materiais didático-pedagógicos, a disponibilização de preservativos em escolas, entre outras atividades1313 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Diretrizes para implementação do projeto: saúde e prevenção nas escolas. Brasília: Ministério da Saúde; 2006. (Série Manuais; n. 77).. Outra iniciativa relevante se refere ao curso de formação Gênero e Diversidade na Escola (GDE), focado na formação de profissionais do Ensino Fundamental, visando sensibilizá-los(as) sobre aspectos históricos e socioculturais da sexualidade, incluindo gênero, orientação sexual e relações étnico-raciais, e estimulá-los(as) a realizar ações sobre os temas nas escolas1414 Soares ZP, Monteiro SS. Formação de professores/as em gênero e sexualidade: possibilidades e desafios. Educar Rev. 2019; 35(73):287-305.,1515 Carrara S, Nascimento M, Duque A, Tramontano L, Pereira ME. Gênero e diversidade na escola: avaliação de processos, resultados, impactos e projeções. Rio de Janeiro: CEPESC; 2017..

Ainda na década de 2000, o apoio de fundações internacionais ampliou a atuação das ONGs no campo da educação em sexualidade e Aids, tendo um importante papel na construção de ações mais sensíveis às discriminações e desigualdades sociais associadas à epidemia, com base na defesa da cidadania e dos direitos humanos. Convém lembrar que, na década anterior1616 Ramos S. O papel das ONGs na construção de políticas de saúde: a Aids, a saúde da mulher e a saúde mental. Cienc Saude Colet. 2004; 9(4):1067-78., os financiamentos para a Aids fomentaram a criação de novas organizações, sobretudo para a atenção às pessoas vivendo com HIV (PVHA), além de impulsionar instituições de natureza diversa por meio de projetos de prevenção para mulheres, jovens, público LGBTQIA+ e moradores de favela. A aliança entre os movimentos feministas, negro, de ONGs e das redes de profissionais do sexo, de homossexuais e PVHA, mais visíveis e fortalecidos no contexto de democratização do país, resultou em ganhos nas respostas à epidemia1717 Oliveira RMR. Gênero, direitos humanos e impacto socioeconômico da Aids no Brasil. Rev Saude Publica. 2006; 40 Supl:80-7..

Ademais, as agendas de trabalho de várias organizações, governamentais e não governamentais, consideravam os efeitos das hierarquias sociais da sociedade brasileira no exercício de direitos, na saúde, na educação e na maior vulnerabilidade ao HIV e demais Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST). Diante do impacto das iniquidades sociais, de sexualidade e gênero para a assistência e prevenção da Aids, era necessário buscar o alcance dos direitos e da saúde nas ações de enfrentamento da epidemia, principalmente nos contextos empobrecidos1818 Edmundo K, Guimarães W, Vasconcellos MS, Baptista AP, Becker D. Network of communities in the fight against AIDS: local actions to address health inequities and promote health in Rio de Janeiro, Brazil. Promot Educ. 2005; Suppl 3:15-9.. Segundo estudos em comunidades de baixa renda de zonas periféricas, também conhecidas como favelas, o trabalho realizado por ONGs e associações locais deu origem a uma complexa resposta local para além da divulgação de informações e da mudança comportamental individual1919 Fonseca VN. Saúde, cultura e comunidade: um estudo etnográfico do trabalho de agentes locais na prevenção da Aids [dissertação]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2004.. Por meio da politização da Aids promovida pelas ONGs, o silêncio e o isolamento social puderam ser substituídos por ações centradas na autonomia, na dignidade e na cidadania2020 Silva JM, Silva CRC. HIV/Aids e Violência: da opressão que cala à participação que acolhe e potencializa. Saude Soc. 2011; 20(3):635-46.. A formação de grupos pelas organizações pôde, nas palavras de Silva e Silva2020 Silva JM, Silva CRC. HIV/Aids e Violência: da opressão que cala à participação que acolhe e potencializa. Saude Soc. 2011; 20(3):635-46.:

[...] funcionar como um espaço de resistência às diferentes formas de opressão e preconceito ou contribuir com a criação de projetos de intervenção inovadores, marcados pela construção de novas parcerias e redes sociais. (p. 638)

A despeito dos limites e desafios de garantir maior proteção aos grupos considerados mais vulneráveis aos problemas sociais e agravos à saúde, havia um tom otimista nas análises sobre o contexto da virada do milênio2121 Paiva V, Peres C, Blessa C. Jovens e adolescentes em tempos de Aids: reflexões sobre uma década de trabalho de prevenção. Psicol USP. 2002; 13(1):55-78.. Tal perspectiva se apoiava na percepção do acúmulo de conhecimento e ações, mesmo que a passos lentos, na direção da promoção de mais SSR e do controle da Aids. Considerava-se a sociedade brasileira aberta ao debate sobre questões fundamentais no alcance dessas condições, como a educação em sexualidade e gênero. Havia, ainda, uma aposta na maior facilidade de os jovens adotarem práticas sexuais mais protegidas, em programas de educação em sexualidade não moralistas, capazes de propiciar espaços para desenvolver a capacidade de comunicação e gerar mobilização para acesso ao preservativo.

As descrições sobre abordagens preventivas do HIV na década de 2000, centradas nas condições de vulnerabilidade e na abordagem dos direitos humanos55 Ayres JR, Paiva V, França I Jr. Conceitos e práticas de prevenção: da história natural da doença ao quadro da vulnerabilidade e direitos humanos. In: Paiva V, Ayres JRCM, Buchalla CM, coordenadores. Vulnerabilidade e direitos humanos: prevenção e promoção da saúde. Livro I - da doença à cidadania. Curitiba: Juruá; 2012. p. 71-94., revelam diferenças em relação às respostas recentes caracterizadas pela ênfase nas estratégias biomédicas88 Monteiro SS, Brigeiro M, Vilella WV, Mora C, Parker R. Desafios do tratamento como prevenção do HIV no Brasil: uma análise a partir da literatura sobre testagem. Cienc Saude Colet. 2019; 24(5):1793-807.. Diante desse contraponto, o presente artigo objetiva analisar a contribuição de intervenções sociais realizadas em décadas passadas, na trajetória de vida e nos cuidados da saúde sexual dos sujeitos-alvo dessas ações, considerando a complexidade de fatores que as envolvem, sua relação com o território e a valorização de experiências construídas coletivamente no cotidiano.

As reflexões são baseadas em um estudo socioantropológico sobre a biografia de dez moradores da favela da Maré, no Rio de Janeiro, na faixa de 30 a 40 anos que, no início dos anos 2000 – ou seja, durante a sua juventude –, integraram projetos sociais locais voltados para promoção da SSR, participação comunitária e protagonismo juvenil. Embora não seja um estudo de avaliação dos projetos, a reflexão visa identificar os potenciais efeitos das intervenções sociais na trajetória biográfica dos/as egressos/as, tendo por base seus depoimentos.

A escolha pela Maré ocorreu pelo fato de, historicamente, abrigar inúmeras organizações sociais e culturais2222 Silva ES. Testemunhos da Maré. Rio de Janeiro: Aeroplano; 2012.. Embora seja um complexo de favelas, a Maré é o nono bairro mais populoso do Rio de Janeiro, com uma média de 2,91 residentes por domicílio. Os moradores sofrem as consequências dos conflitos armados entre grupos que atuam no tráfico de drogas e a polícia, além de problemas de saneamento básico, transporte público e serviços de saúde e educação de qualidade. Entretanto, as organizações comunitárias locais têm contribuído para enfrentar as condições de precariedade e a violência, com a valorização da cultura local e a formação cidadã dos moradores.

Em suma, na primeira década de 2000, havia vários projetos de promoção da SSR e prevenção do HIV que engajavam jovens na luta por melhores condições de saúde na comunidade da Maré e no âmbito das políticas públicas.

Metodologia

O estudo está fundamentado nas contribuições das ciências sociais, particularmente da Antropologia, na compreensão das visões e nas práticas sociais e de saúde2323 Minayo MCS. O desafio do conhecimento. Pesquisa qualitativa em saúde. 9a ed. São Paulo: Hucitec; 2006., além dos trabalhos sobre trajetórias juvenis, sobretudo de integrantes de projetos sociais2424 Souza PLA. “Um projeto chama outro”: trajetórias, relações pessoais e engajamento militante em contexto de projetos sociais para jovens moradores de favela. TOMO. 2015; 27:205-35.. Após a aprovação do estudo pelo Comitê de Ética em Pesquisa (n. 51286021.0.0000.5248), foram realizadas análises documental e bibliográfica e entrevistas semiestruturadas.

Primeiramente, foram selecionadas duas intervenções sociais de instituições distintas, doravante chamadas de projetos, mediante o levantamento e a análise de documentos e artigos acadêmicos e conversas com informantes locais. A seleção priorizou intervenções orientadas pela articulação dos fatores individuais, sociais e programáticos associados à vulnerabilidade às IST/Aids, historicamente reconhecidos como relevantes para o enfrentamento da epidemia55 Ayres JR, Paiva V, França I Jr. Conceitos e práticas de prevenção: da história natural da doença ao quadro da vulnerabilidade e direitos humanos. In: Paiva V, Ayres JRCM, Buchalla CM, coordenadores. Vulnerabilidade e direitos humanos: prevenção e promoção da saúde. Livro I - da doença à cidadania. Curitiba: Juruá; 2012. p. 71-94.. Cabe informar que uma das autoras do artigo (VF) atuou no planejamento e no desenvolvimento de atividades de um dos projetos nos anos 2000, mas não manteve contato ou visitas à localidade.

Em seguida, foram realizadas entrevistas individuais com a coordenação e os membros da equipe dos dois projetos na época, visando conhecer melhor os princípios norteadores, abordagens metodológicas e resultados. Nessa ocasião, foram solicitadas informações sobre os participantes, de forma aleatória, para localizar egressos(as) desses projetos. Com base nos nomes fornecidos pelas coordenações dos projetos selecionados, uma das autoras fez buscas no Facebook e pediu indicações aos/as egressos/as localizados/as. Tal busca resultou na identificação de 14 egressos/as, dos quais dez concordaram em participar de entrevistas individuais, cinco mulheres e cinco homens, majoritariamente cisgêneros, de 30 a 40 anos, com Ensino Superior, Técnico e Médio. O perfil dos/as entrevistados/as e o código fictício de identificação estão descritos no Quadro 1.

Quadro 1
Perfil dos(as) egresso(as) entrevistados(as)

Todas as entrevistas foram realizadas no ano de 2021 por uma das autoras do trabalho em local escolhido pelo(a) entrevistado(a). Os depoimentos foram gravados e seguiram os protocolos de segurança da pandemia da Covid-19 (uso de máscaras e disponibilidade de álcool gel); mas a maioria optou pela entrevista em ambiente digital. A entrevista abordou relações familiares e afetivo-sexuais, escolaridade, redes, discriminação, violência; prevenção e cuidados com a saúde, atuação profissional, política e comunitária; participação nos projetos sociais, saúde e direitos sexuais e reprodutivos.

Orientados pelas etapas previstas na análise de conteúdo temática2525 Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2011., os depoimentos foram transcritos, lidos de forma exaustiva e classificados com base na identificação dos núcleos de sentido. O processo de sistematização foi feito no software Nvivo por duas categorias temáticas: 1) trajetória de vida: família, escolaridade, situações de violência, oportunidades, condição socioeconômica, inserção profissional; 2) sexualidade, reprodução e cuidados: conjugalidade, práticas de cuidado em saúde, uso de métodos contraceptivos/preventivos, aborto, maternidade e paternidade. Na interpretação dos achados foram considerados os depoimentos dos/as entrevistados/as e documentos institucionais e artigos, não citados pelo compromisso com o sigilo.

O estudo de Manzanero2626 Manzanero JRL. Youth in Latin America and the Caribbean in perspective: overview of the situation, challenges and promising intervention. Cienc Saude Colet. 2021; 26(7):2565-73. evidenciou que grupos de menor renda e escolaridade tendem a iniciar as relações sexuais e a engravidar mais cedo, a usar preservativos com menos frequência e a ter menos informações sobre Aids. A maior concentração de casos de Aids entre indivíduos com Ensino Fundamental incompleto22 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim epidemiológico de HIV e Aids. Brasília: Ministério da Saúde; 2021. reitera que o grau de escolaridade é fator de vulnerabilidade ao HIV2727 Gomes RRFM, Ceccato MGB, Kerr LRFS, Guimarães MDC. Fatores associados ao baixo conhecimento sobre HIV/AIDS entre homens que fazem sexo com homens no Brasil. Cad Saude Publica. 2017; 33(10):e00125515.. Igualmente, um estudo realizado por uma das autoras2828 Monteiro S, Cecchetto F. Trayectorias juveniles e intervenciones sociales. Cad Saude Publica. 2006; 22(1):193-200. assinalou que projetos sociais voltados a jovens de camadas populares podem colaborar para a ampliação das perspectivas de vida e capital simbólico dessa população, com impactos positivos na SSR. Tendo por base tais reflexões, a análise da trajetória dos(as) egressos(as) contemplou: as possíveis influências dos projetos sociais na escolarização, nas condições de vida, na inserção profissional e em indicadores associados à SSR e à prevenção do HIV.

Resultados e discussão

Os projetos selecionados foram desenvolvidos entre 2002 e 2006 visando o fomento de práticas de cuidado da SSR, incluindo a prevenção do HIV, entre homens e mulheres jovens, moradores(as) da Maré. Ambos tinham como diretrizes a valorização da participação juvenil e do contexto sociocultural e econômico local e a construção social do gênero.

O projeto coordenado pelo governo municipal foi iniciado em 2002 em parceria com uma organização local e contou com 85 jovens, sendo 15 monitores e setenta promotores. O outro projeto foi desenvolvido por uma ONG externa à comunidade, entre 2005 e 2006, em colaboração com ONGs locais e envolveu a participação de dez jovens, sendo dois coordenadores e dois promotores. No trabalho de prevenção ao HIV/Aids, ambos adotavam abordagens participativas, concepções sobre direitos, sexualidade, gênero e contextos de vulnerabilidade. O estímulo à atuação juvenil na produção de intervenções e as parcerias institucionais resultaram em atividades sobre temas do cotidiano vinculados, direta ou indiretamente, à prevenção ao HIV. Tal enfoque se diferenciava da perspectiva biomédica e individualizante, centrada na transmissão de informações e na responsabilidade individual. Desse modo, contrapunha-se aos modelos de ação preconcebidos, muitas vezes impostos em contextos de vulnerabilidade social2929 Silva PR Jr, Mayorga C. Experiências de jovens pobres participantes de programas de aprendizagem profissional. Psicol Soc. 2016; 28(2):298-308.. Uma reflexão mais aprofundada sobre os dois projetos foi apresentada em outro artigo3030 Fonseca VN, Nascimento M, Monteiro S. Aids e prevenção: um olhar retrospectivo sobre projetos sociais com jovens no Rio de Janeiro. Saude Debate. 2022; 46 Spec No 7:48-61..

No que se refere aos depoimentos dos/as egressos/as, os achados sobre a formação acadêmica indicaram que seis entrevistados(as) cursaram a universidade e ingressaram em programas de Pós-Graduação (lato sensu/Mestrado), duas pessoas estavam fazendo o Mestrado, uma cursava o Doutorado nos Estados Unidos e outras duas afirmaram que a formação em cursos técnicos possibilitou qualificação suficiente para suas atuações profissionais. Cabe considerar que menos de 38% da população da Maré concluiu o Ensino Fundamental e 19,7% dos(as) adolescentes entre 15 e 17 anos estão fora da escola. As taxas são de 1% no Ensino Superior e 0,03% na Pós-Graduação3131 Redes da Maré. Censo populacional da Maré. Rio de Janeiro: Autor; 2019.; bastante inferiores aos indicadores nacionais, em que 17,4% da população com 25 anos ou mais concluiu a Graduação3232 Semesp. Mapa do ensino superior no Brasil - 2019 [Internet]. São Paulo: Semesp; 2019 [citado 21 Fev 2024]. Disponível em: https://www.semesp.org.br/wp-content/uploads/2019/06/Semesp_Mapa_2019_Web.pdf
https://www.semesp.org.br/wp-content/upl...
.

Destaca-se ainda que todos(as) os(as) egressos(as) fazem parte da primeira geração de suas famílias a entrar na universidade ou mesmo a completar o Ensino Fundamental. Segundo seus depoimentos, o incentivo das equipes dos projetos sobre seus interesses profissionais e a ajuda de custo pela participação nas ações desenvolvidas contribuíram para que eles(as) saíssem de empregos precários para se dedicar aos estudos. Como relatado, essa decisão também foi influenciada pelos exemplos de jovens da Maré que ingressaram na universidade por meio do pré-vestibular comunitário, oferecido na comunidade desde 1998 pelo Programa Rede de Saberes. Tais fatores foram fundamentais para enfrentar a ideia de não pertencimento à universidade, convergindo com o estudo de Silva3333 Silva JS. “Por que uns e não outros?”: caminhada de jovens pobres para a universidade. Rio de Janeiro: 7Letras; 2003. sobre a trajetória social de jovens moradores da Maré com formação superior.

Três ingressaram na universidade pública pelo sistema de cotas, política que tem contribuído para ampliar o acesso de jovens pobres e negros ao Ensino Superior3434 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Diretoria de Pesquisa. Coordenação de Trabalho e Rendimento. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua 2016-2017 [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2018 [citado 21 Fev 2024]. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101576_informativo.pdf
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza...
. Entre os demais egressos(as) universitários(as) não beneficiados(as) pelo regime de cotas, um financiou o curso trabalhando como porteiro e fazendo “bicos” na área de informática; duas pessoas obtiveram bolsas em instituições privadas por indicação de representantes das ONGs locais. Em função do desempenho nas ações comunitárias, esses(as) jovens foram indicados para as vagas gratuitas ou receberam subsídios de organizações que financiam o Ensino Superior de jovens pobres.

Durante a faculdade, eles(as) vivenciaram discriminações e obstáculos que revelavam as desigualdades sociais do país. O classismo e o racismo faziam parte desde o trajeto até a universidade, onde a abordagem policial na entrada dos campi comumente associava sua permanência no local ao tráfico de drogas, com base em suas vestimentas e cor da pele. Ademais, faziam-se presentes durante o curso pela ausência de pares ou pela produção de saberes descolados da diversidade cultural e racial, como no relato abaixo.

A universidade me adoeceu com certeza. A gente sabe que existe racismo. A gente sabe que existe todo tipo de fobia, principalmente, quando a gente vem da favela. Mas o fato de eu ser artista e o fato de eu também ser pesquisador, porque, desde novo, eu fiquei num projeto [....] tinha um encontro internacional a cada dois anos [...]. Eu já tinha viajado internacionalmente, eu já circulava no Rio de Janeiro como professor. A questão é que, quando você chega na universidade, os poucos negros que eu via, porque eu passei em 2011, antes do sistema de cota entrar em vigor ali [...] além de mim, na universidade inteira, mais cinco negros e que não estavam necessariamente nas turmas em que eu estava.

(W10, homem cis-hetero, negro, solteiro, sem filhos, cursando Mestrado)

Com base nos depoimentos, identificamos que a experiência nos projetos criou repertório para o enfrentamento das discriminações associadas a cor/raça, identidade de gênero, orientação sexual e origem social, embora não os(as) livrasse do sofrimento. Os debates sobre esses temas, promovidos pelos projetos, estimulavam e davam subsídios para os(as) egressos(as) expressarem sua indignação, tendo influenciado suas carreiras acadêmicas e profissionais.

Quanto à inserção profissional, a maioria dos(as) egressos(as) trabalha hoje com temas abordados nos projetos sociais, como promoção de saúde, prevenção da Aids e enfrentamento das discriminações de gênero, orientação sexual e raça. Duas afirmaram que, em função da experiência nos projetos e das parcerias com os serviços, se tornaram profissionais de saúde (agente comunitária e técnica em enfermagem). Outros, atualmente, trabalham em organizações sociais, prestando serviço de design ou atuando como ativistas em causas sociais relativas à garantia dos direitos da população LGBTQIA+, ao cuidado da SSR e ao enfrentamento ao racismo. Uma egressa se tornou ativista premiada e reconhecida nacionalmente por defender que os estudos e ações de SSR, destinadas ao público LGBTQIA+ de favela, precisam considerar como as condições de vulnerabilidade individual, social e programática impactam a saúde. Outra recebeu prêmios por suas ações relacionadas à equidade de gênero e foi convidada para organizar eventos e publicar textos em livro e revistas científicas. Os(as) demais, nos dias atuais, desenvolvem pesquisas acadêmicas sobre assuntos tratados durante sua permanência nos projetos, como a situação de jovens moradores de favelas; projetos culturais e sociais que abordam hierarquias de gênero e raça, população LGBTQIA+, entre outros.

Os relatos dos(as) egressos(as) atestam que a participação nos projetos sociais influenciou o interesse por atividades variadas, como: conhecer determinadas funções profissionais (ex. desenho e diagramação de materiais educativos, enfermagem, educação), se encantar por uma temática (ex. gênero e raça), se identificar com a luta social, ter novas experiências (ex. acesso a espaços culturais) e adquirir uma rede de contatos.

Antes de entender direito o que era design, eu já tava lidando com isso [no projeto] e isso foi muito legal ver como eles trabalham muito, o processo criativo, foi colaborativo. [...] Isso me ajudou muito para outras coisas, para o trabalho.

(R2, homem, cis-hetero, branco, solteiro, 1 filho, fez curso técnico)

Apenas um dos(as) interlocutores(as) não atua na área social. Embora reconheça a importância de projetos voltados a questões sociais e de saúde com jovens de favela, queixou-se do foco excessivo dos pré-vestibulares comunitários no ingresso em graduações da área de ciências sociais e humanas, em detrimento das ciências exatas, que, em geral, são mais competitivas.

Quanto às atuais condições de vida dos(as) egressos(as), seus depoimentos atestam uma melhora considerável em relação à situação das suas famílias de origem. Parte do grupo mencionou ter tido uma infância bastante pobre, morando de favor em espaços pequenos, onde, por vezes, cozinhava-se a lenha para economizar gás de cozinha. Com uma renda média superior a três mil reais, quando as entrevistas foram realizadas, os(as) egressos(as) recebiam acima do salário médio nacional, no valor de R$ 2.548,00, em 20213535 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Diretoria de Pesquisa. Coordenação de Trabalho e Rendimento. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua. Rendimento de todas as fontes 2021 [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2022 [citado 21 Fev 2024]. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101950_informativo.pdf
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza...
. Demais ganhos em termos da mobilidade social dizem respeito ao acesso a bens de consumo (comida, roupas e livros) e à circulação em espaços sociais da cidade (museus, teatros, bairros de classe média) e de outras regiões, dentro e fora do país. Tais possibilidades foram primeiramente vivenciadas durante a participação nos projetos sociais, o que permitiu a expansão de seus horizontes de circulação em espaços antes não vislumbrados por eles(as).

Quando eu converso com alguém da minha geração, que foi criado comigo, quando eu conto experiências, vou te dar só esse exemplo, de comida, as coisas diferentes que eu comia foi por causa do [projeto] [...] eu aprendi a conhecer coisas assim de comida [...] tinha um molho com champignon. Eu chegava e falava com a minha mãe, pô, nunca comeram, nunca viram nada disso.

(A1, mulher, cis-hetero, negra, casada, 1 filha, cursando Doutorado)

A mobilidade socioeconômica também pôde ser verificada pela possibilidade de escolha do local de moradia. Cinco atualmente moram na Maré, em sua maioria em função dos laços construídos e por ter casa própria no local. Desses(as) cinco, quatro já moraram em outros bairros da cidade, principalmente em função de relacionamentos afetivos. Todavia, semelhante ao estudo de Alves3636 Alves DG. Viver em contextos violentos: significações de jovens moradores do complexo da Maré/RJ [dissertação]. Rio de Janeiro: Instituto Fernandes Figueira, Fiocruz; 2018., a experiência da parentalidade influenciou a opção de J3 de mudar de endereço para que seus filhos não presenciassem a violência. Seu depoimento ilustra que a opção por morar em outro bairro não significa uma desqualificação do seu lugar de origem, marcado por laços comunitários, mas pela exposição dos moradores a situações de violência, como o conflito entre grupos armados.

A minha maior motivação de sair de lá foi essa, porque quando ele tava com dois pra três aninhos, tava naquela época que era muito tiroteio, foi uma das piores épocas que a gente ficou lá, né, assim, tiveram várias fases de conflito mais intensos ali, mas essa eu peguei, eu tava num momento da minha vida profissional em que assim dava pra fazer um esforço e sair [...] eu falei: “Cara, se acontecer alguma coisa com meu filho, eu não vou me perdoar” [...] não é nem a questão de abandonar o lugar, porque minhas raízes estão lá, as casas estão lá, mas é que, cara, não dava assim, você faz opção, né, é sobreviver.

(J3, homem cis-hetero, branco, 1 filho, casado, cursou Ensino Superior)

Os dados relativos aos conhecimentos e práticas em SSR e a prevenção do HIV igualmente sugerem os efeitos das ações dos projetos na vida dos(as) egressos(as). De acordo com os depoimentos, a participação nas ações de promoção da saúde e equidade de gênero e o conhecimento adquirido têm sido aplicados no cuidado de si. Nenhum foi infectado pelo HIV. Ademais, eles(as) reconhecem que a abordagem dos projetos acerca das diferenças socioeconômicas e hierarquias de gênero contribuiu para o cuidado com a SSR e a prevenção das IST ao longo da vida. Nesse sentido, os(as) egressos(as) indicaram conhecimento da rede de serviços locais para o cuidado e a prevenção do HIV e reconhecem a persistência de situações discriminatórias decorrentes do estigma do HIV associado à população LGBTQIA+.

Cabe mencionar que atitudes discriminatórias sobre diversidade sexual foram abordadas no decorrer dos projetos por meio de debates coletivos, visitas a ONGs e ações voltadas à causa LGBTQIA+. Essas atividades foram descritas por alguns dos entrevistados como fundamentais para mudar suas perspectivas e para o engajamento no combate ao preconceito e à violência contra essa população no cotidiano.

Em termos das práticas, o controle da reprodução e o adiamento da parentalidade podem ser ilustrados pelo fato de os(as) cinco egressos(as) que se tornaram mãe ou pai terem decidido ter filhos em determinadas situações, como ter parceiro(a) fixo(a) e alguma condição financeira. Nos cinco casos, a gravidez ocorreu após os 25 anos de idade. Tais dados merecem destaque, haja vista que 35% dos moradores da Maré entre 20 e 24 anos têm ou já tiveram pelo menos um filho, sendo 44,3% no universo feminino3131 Redes da Maré. Censo populacional da Maré. Rio de Janeiro: Autor; 2019.. Quanto aos indicadores nacionais, as jovens com menores condições socioeconômicas têm cinco vezes mais chances de engravidar em relação àquelas com melhor renda3737 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Coordenação de População e Indicadores Sociais. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2015 [citado 21 Fev 2024]. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv95011.pdf
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza...
. Embora entre 2006 e 2016 tenha havido uma redução dos casos de gravidezes nas faixas de 15 a 19 anos (de 605 mil para 477) e de 10 a 14 anos (de 28 mil para 24 mil), o impacto das desigualdades socioeconômicas na gravidez não intencional ainda é significativo3737 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Coordenação de População e Indicadores Sociais. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2015 [citado 21 Fev 2024]. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv95011.pdf
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza...
.

Importa salientar que a incorporação, na atualidade, das discussões acerca das implicações das hierarquias de gênero, promovidas durante os projetos, pode ser observada nos relatos dos egressos homens sobre a partilha com suas parceiras das tarefas domésticas e do cuidado com as crianças.

Era uma divisão mesmo [...] às vezes eu chegava mais cedo do trabalho, cuidava. [...] até os 5 aninhos ele teve muito problema respiratório. Então, toda vez que nós íamos ao médico, acho que em 90% eu ia [...] todo dia à noite, que a gente tava sempre junto pra tá apoiando, enfim, um dormia, o outro acordava [...]

(J3 homem cis-hetero, branco, 1 filho, casado, cursou Ensino Superior)

[Após separação do casal] a gente hoje tenta fazer o máximo pra tá presente, claro que ela tem as demandas dela de trabalho, ela tá evoluindo, estudando, eu tenho as minhas. [Quando] começou a ficar semana sim, semana não, foi muito mais legal, a convivência. [...]eu curtia mais ela, ela me curtia mais, a gente tinha tempo para cuidar de assuntos que eram sensíveis [...] e daí a [mãe] também tinha mais tempo para ela também. [...] daí todo mundo concordou que era mais legal semana aqui, semana lá.

(R2 homem cis-hetero, pardo, 1 filho, separado/solteiro, cursou Ensino Superior)

Segundo algumas egressas, os debates sobre hierarquias de gênero possibilitaram que elas se conscientizassem, naquele período, das relações abusivas de seus parceiros; como ilustra o depoimento de A1, que terminou um namoro abusivo após sair do projeto.

No [projeto], foi quando a gente começou a [debater gênero]. [...] eu acho que essa parte também teórica, de entender papéis sociais, desnaturalização, foi mexendo muito com a minha cabeça, né, porque eu tava percebendo na prática tudo aquilo que eu tava vivendo, né? Naquele namoro que me impedia de fazer coisas que eu gostava, não sei se eu tinha essa reflexão, mas, de alguma forma, eu pude ir sentindo e percebendo que tinha um babado ali. E aí eu fiquei no projeto até 19 anos, aí quando acabou eu terminei o namoro, saí da igreja e logo em seguida comecei a trabalhar na ONG. Então assim, fui construindo essa carreira, esse caminho [do ativismo em gênero], mas muito também em como eu fui me transformando por conta de ter contato com essas conversas, uma coisa foi influenciando a outra.

(A1, mulher, cis-hetero, negra, casada, 1 filha, cursa o Doutorado)

Com base nos dados apresentados, depreendemos que as ações dos projetos sociais, somadas à atuação de demais organizações locais, favoreceram a trajetória acadêmica e profissional dos(as) egressos(as), criando um diferencial em relação aos demais moradores da comunidade. Ademais, colaboraram para fortalecer a confiança em si mesmos, construir relações de gênero mais igualitárias e adotar práticas de SSR e prevenção ao HIV, reduzindo as condições de vulnerabilidade social e de saúde.

Importa registrar que de 2005 a 2015 houve um conjunto de políticas públicas para juventude no Brasil no campo da educação, trabalho, cultura, entre outros, orientadas pelo paradigma do direito, da cidadania e da participação dos jovens como sujeitos de direitos. A despeito dos desafios da sua implementação, Ribeiro & Macedo1010 Ribeiro E, Macedo S. Notas sobre políticas públicas de juventude no Brasil: Conquistas e desafios. Rev Cienc Soc. 2018; 31(42):107-26. argumentam que tais iniciativas abriram espaços para possibilidades e oportunidades entre grupos juvenis diversos. Consideramos que tal cenário também pode ter contribuído para a ampliação do campo de possibilidades e perspectivas de vida dos(as) egressos(as) aqui assinaladas.

Considerações finais

Na década de 2000, o cenário de democratização do país foi favorável aos debates sobre sexualidade juvenil, com grande incentivo aos projetos sociais centrados na autonomia, na dignidade e na cidadania em comunidades de baixa renda. Essas evidências nos permitem contrapor ações de um passado recente com o atual esvaziamento das estratégias preventivas ao HIV/Aids de seus componentes político-social, sexual e de direitos.

Além do desmonte das respostas sociais e programáticas no campo dos direitos e da SSR no país, e da descontinuidade de políticas públicas para juventude1010 Ribeiro E, Macedo S. Notas sobre políticas públicas de juventude no Brasil: Conquistas e desafios. Rev Cienc Soc. 2018; 31(42):107-26., os últimos anos têm sido marcados pelos efeitos da pandemia da Covid-19, trazendo desafios adicionais para a prevenção ao HIV/Aids99 Edmundo K, Guimarães W, Vasconcellos MS, Baptista AP, Becker D. Network of communities in the fight against Aids: local actions to address health inequities and promote health in Rio de Janeiro, Brazil. Promot Educ. 2005; Suppl 3:15-9.. Ou seja, o negacionismo e a falta de alinhamento do governo federal com o conhecimento científico e as experiências exitosas de enfrentamento da pandemia ampliaram a vulnerabilidade das populações mais pobres e marginalizadas aos agravos de saúde3838 Ortega F, Orsini M. Governing covid-19 without government in Brazil: Ignorance, neoliberal authoritarianism, and the collapse of public health leadership. Glob Public Health. 2020; 15(9):1257-77..

Tal como observado em estudo anterior2828 Monteiro S, Cecchetto F. Trayectorias juveniles e intervenciones sociales. Cad Saude Publica. 2006; 22(1):193-200., a análise das trajetórias dos(as) dez egressos(as) indicou que as intervenções sociais, em parceria com outras instituições, favorecerem a ampliação das perspectivas de vida de segmentos de baixo poder aquisitivo, seus cuidados em saúde e autonomia. Com base nos depoimentos, depreendemos que a participação nos projetos contribuiu para o uso de estratégias preventivas ao HIV, demais IST e da gravidez; assim como para habilidades de negociação com o(a) parceiro(a), reconhecimento de relacionamentos abusivos, autocuidado e cuidado do outro. A incorporação de uma abordagem mais igualitária das relações de gênero também foi observada pelo gerenciamento do adiamento da maternidade/paternidade e pelas preocupações dos homens com a SSR, a divisão das tarefas domésticas e os cuidados dos(as) filhos(as) com a parceira.

Os achados sugerem que a participação nos projetos igualmente ampliou as perspectivas de acesso ao Ensino Superior e as condições socioeconômicas dos(as) egressos(as) em relação às suas famílias de origem e influenciou a sua inserção profissional. Tais fatores têm contribuído para reduzir as condições de vulnerabilidade social e de saúde e, consequentemente, a vulnerabilidade ao HIV e demais IST.

Existem limites no alcance dessas iniciativas, na medida em que os projetos contemplam um número reduzido de jovens participantes. Todavia, os desdobramentos dos projetos para a comunidade podem ser ilustrados pelo engajamento de egressos(as) na criação de uma ONG LGBTQIA+, local de referência nacional, bem como na intervenção comunitária voltada para o empoderamento de mulheres, premiada internacionalmente (não citada pelo compromisso com sigilo). Ademais, um dos projetos serviu de referência para um programa municipal, alcançando várias comunidades.

A despeito dos limites do escopo da pesquisa, pelo foco em um contexto específico e pelo número reduzido de informantes, os achados indicam ganhos significativos nas trajetórias dos(as) egressos(as). Desse modo, sugerem que o atual desmonte das políticas de prevenção e das políticas para jovens, baseadas na promoção dos direitos e na crítica às desigualdades sociais, é uma grande perda para as conquistas alcançadas nas primeiras décadas de epidemia de Aids, principalmente para as populações em maiores condições de vulnerabilidade social.

Os resultados igualmente ganham relevância diante da escassez de ações sobre saúde sexual (governamentais e não governamentais) na Maré e o desconhecimento dos/as jovens moradores sobre Aids e demais IST e o uso inconsistente de preservativo, evidenciado em recente estudo etnográfico(d(d)Monteiro S, Fonseca V. Relatório da pesquisa desenvolvida no Complexo da Maré no Rio de Janeiro relativo ao projeto “Contextos de vulnerabilidade ao HIV entre jovens de camadas populares: um estudo multicêntrico em cinco cidades do Brasil”. CNPq/MS-DCCI (processo 442618/2019-0). 2021.). Em suma, por um olhar retrospectivo, as reflexões desenvolvidas podem iluminar ações futuras, de maior alcance, diante do agravamento das desigualdades sociais e de saúde e de biomedicalização nas respostas à Aids.

  • (d)
    Monteiro S, Fonseca V. Relatório da pesquisa desenvolvida no Complexo da Maré no Rio de Janeiro relativo ao projeto “Contextos de vulnerabilidade ao HIV entre jovens de camadas populares: um estudo multicêntrico em cinco cidades do Brasil”. CNPq/MS-DCCI (processo 442618/2019-0). 2021.

Agradecimentos

Aos egressos(as) e coordenadoras dos projetos que nos concederam as entrevistas e aos pareceristas do artigo.

  • Monteiro S, Fonseca VN, Nascimento M. “Como eu fui me transformando”: juventude, prevenção do HIV e a contribuição de projetos sociais comunitários no Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Interface (Botucatu). 2024; 28: e230206 https://doi.org/10.1590/interface.230206
  • Financiamento

    Programa Inova Fiocruz – Pós-doutorado júnior

Referências

  • 1
    Laurindo-Teodorescu L, Teixeira PR. Histórias da aids no Brasil, 1983-2003. Brasília: Ministério da Saúde/Secretaria de Vigilância em Saúde/Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais; 2015.
  • 2
    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim epidemiológico de HIV e Aids. Brasília: Ministério da Saúde; 2021.
  • 3
    Malta M, Beyrer C. The HIV epidemic and human rights violations in Brazil. J Int Aids Soc. 2013; 16(1):18817.
  • 4
    Paiva V, Antunes MC, Sanchez MN. O direito à prevenção da Aids em tempos de retrocesso: religiosidade e sexualidade na escola. Interface (Botucatu). 2020; 24:e180625. doi: 10.1590/Interface.180625.
    » https://doi.org/10.1590/Interface.180625
  • 5
    Ayres JR, Paiva V, França I Jr. Conceitos e práticas de prevenção: da história natural da doença ao quadro da vulnerabilidade e direitos humanos. In: Paiva V, Ayres JRCM, Buchalla CM, coordenadores. Vulnerabilidade e direitos humanos: prevenção e promoção da saúde. Livro I - da doença à cidadania. Curitiba: Juruá; 2012. p. 71-94.
  • 6
    Leite V. “Em defesa das crianças e da família”: refletindo sobre discursos acionados por atores religiosos “conservadores” em controvérsias públicas envolvendo gênero e sexualidade. Sex Salud Soc (Rio J). 2019; (32):119-42.
  • 7
    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento Nacional de DST, Aids e Hepatites Virais. Prevenção combinada do HIV: bases conceituais para profissionais, trabalhadores e gestores de saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2017.
  • 8
    Monteiro SS, Brigeiro M, Vilella WV, Mora C, Parker R. Desafios do tratamento como prevenção do HIV no Brasil: uma análise a partir da literatura sobre testagem. Cienc Saude Colet. 2019; 24(5):1793-807.
  • 9
    Edmundo K, Guimarães W, Vasconcellos MS, Baptista AP, Becker D. Network of communities in the fight against Aids: local actions to address health inequities and promote health in Rio de Janeiro, Brazil. Promot Educ. 2005; Suppl 3:15-9.
  • 10
    Ribeiro E, Macedo S. Notas sobre políticas públicas de juventude no Brasil: Conquistas e desafios. Rev Cienc Soc. 2018; 31(42):107-26.
  • 11
    Fundo de População das Nações Unidas. Direitos da população jovem: um marco para o desenvolvimento. Brasília: UNFPA; 2010.
  • 12
    Pinheiro D, Ribeiro E, Venturi G, Novaes R, organizadores. Agenda Juventude Brasil: leituras sobre uma década de mudanças. Rio de Janeiro: Unirio; 2016.
  • 13
    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Diretrizes para implementação do projeto: saúde e prevenção nas escolas. Brasília: Ministério da Saúde; 2006. (Série Manuais; n. 77).
  • 14
    Soares ZP, Monteiro SS. Formação de professores/as em gênero e sexualidade: possibilidades e desafios. Educar Rev. 2019; 35(73):287-305.
  • 15
    Carrara S, Nascimento M, Duque A, Tramontano L, Pereira ME. Gênero e diversidade na escola: avaliação de processos, resultados, impactos e projeções. Rio de Janeiro: CEPESC; 2017.
  • 16
    Ramos S. O papel das ONGs na construção de políticas de saúde: a Aids, a saúde da mulher e a saúde mental. Cienc Saude Colet. 2004; 9(4):1067-78.
  • 17
    Oliveira RMR. Gênero, direitos humanos e impacto socioeconômico da Aids no Brasil. Rev Saude Publica. 2006; 40 Supl:80-7.
  • 18
    Edmundo K, Guimarães W, Vasconcellos MS, Baptista AP, Becker D. Network of communities in the fight against AIDS: local actions to address health inequities and promote health in Rio de Janeiro, Brazil. Promot Educ. 2005; Suppl 3:15-9.
  • 19
    Fonseca VN. Saúde, cultura e comunidade: um estudo etnográfico do trabalho de agentes locais na prevenção da Aids [dissertação]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2004.
  • 20
    Silva JM, Silva CRC. HIV/Aids e Violência: da opressão que cala à participação que acolhe e potencializa. Saude Soc. 2011; 20(3):635-46.
  • 21
    Paiva V, Peres C, Blessa C. Jovens e adolescentes em tempos de Aids: reflexões sobre uma década de trabalho de prevenção. Psicol USP. 2002; 13(1):55-78.
  • 22
    Silva ES. Testemunhos da Maré. Rio de Janeiro: Aeroplano; 2012.
  • 23
    Minayo MCS. O desafio do conhecimento. Pesquisa qualitativa em saúde. 9a ed. São Paulo: Hucitec; 2006.
  • 24
    Souza PLA. “Um projeto chama outro”: trajetórias, relações pessoais e engajamento militante em contexto de projetos sociais para jovens moradores de favela. TOMO. 2015; 27:205-35.
  • 25
    Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2011.
  • 26
    Manzanero JRL. Youth in Latin America and the Caribbean in perspective: overview of the situation, challenges and promising intervention. Cienc Saude Colet. 2021; 26(7):2565-73.
  • 27
    Gomes RRFM, Ceccato MGB, Kerr LRFS, Guimarães MDC. Fatores associados ao baixo conhecimento sobre HIV/AIDS entre homens que fazem sexo com homens no Brasil. Cad Saude Publica. 2017; 33(10):e00125515.
  • 28
    Monteiro S, Cecchetto F. Trayectorias juveniles e intervenciones sociales. Cad Saude Publica. 2006; 22(1):193-200.
  • 29
    Silva PR Jr, Mayorga C. Experiências de jovens pobres participantes de programas de aprendizagem profissional. Psicol Soc. 2016; 28(2):298-308.
  • 30
    Fonseca VN, Nascimento M, Monteiro S. Aids e prevenção: um olhar retrospectivo sobre projetos sociais com jovens no Rio de Janeiro. Saude Debate. 2022; 46 Spec No 7:48-61.
  • 31
    Redes da Maré. Censo populacional da Maré. Rio de Janeiro: Autor; 2019.
  • 32
    Semesp. Mapa do ensino superior no Brasil - 2019 [Internet]. São Paulo: Semesp; 2019 [citado 21 Fev 2024]. Disponível em: https://www.semesp.org.br/wp-content/uploads/2019/06/Semesp_Mapa_2019_Web.pdf
    » https://www.semesp.org.br/wp-content/uploads/2019/06/Semesp_Mapa_2019_Web.pdf
  • 33
    Silva JS. “Por que uns e não outros?”: caminhada de jovens pobres para a universidade. Rio de Janeiro: 7Letras; 2003.
  • 34
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Diretoria de Pesquisa. Coordenação de Trabalho e Rendimento. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua 2016-2017 [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2018 [citado 21 Fev 2024]. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101576_informativo.pdf
    » https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101576_informativo.pdf
  • 35
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Diretoria de Pesquisa. Coordenação de Trabalho e Rendimento. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua. Rendimento de todas as fontes 2021 [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2022 [citado 21 Fev 2024]. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101950_informativo.pdf
    » https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101950_informativo.pdf
  • 36
    Alves DG. Viver em contextos violentos: significações de jovens moradores do complexo da Maré/RJ [dissertação]. Rio de Janeiro: Instituto Fernandes Figueira, Fiocruz; 2018.
  • 37
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Coordenação de População e Indicadores Sociais. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2015 [citado 21 Fev 2024]. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv95011.pdf
    » https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv95011.pdf
  • 38
    Ortega F, Orsini M. Governing covid-19 without government in Brazil: Ignorance, neoliberal authoritarianism, and the collapse of public health leadership. Glob Public Health. 2020; 15(9):1257-77.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    11 Maio 2023
  • Aceito
    09 Fev 2024
UNESP Botucatu - SP - Brazil
E-mail: intface@fmb.unesp.br