Violência armada, saúde mental e racismo: reflexões a partir do caso do Rio de Janeiro, Brasil

Violencia armada, salud mental y racismo, reflexiones a partir del caso de Río de Janeiro, Brasil

Mayalu Matos Silva Fernanda Mendes Lages Ribeiro Fernanda Serpeloni Sobre os autores

Resumos

O artigo tem como objetivo refletir sobre os efeitos da violência armada sobre a saúde mental da população moradora e trabalhadora de territórios de favela, tendo como foco o estado do Rio de Janeiro, Brasil. Trata-se de um estudo teórico e crítico, com subsídio de pesquisas empíricas desenvolvidas pelas autoras a partir de uma abordagem pós-colonial, tomando como elemento central o fenômeno do racismo. Discute-se a violência armada no Rio de Janeiro, seus impactos sobre a saúde mental e algumas ações de seu enfrentamento, identificando como territórios favelizados e sua população, em sua maioria negra, estão no centro do problema, sofrendo efeitos que matam e fazem adoecer. Ainda que insuficientes, ações de enfrentamento angariadas pelo setor público e pela sociedade civil buscam dar visibilidade ao problema e ser formas de denúncia e resistência quanto aos efeitos deletérios da violência armada na saúde.

Palavras-chave
Violência; Violência com armas de fogo; Áreas de pobreza; Racismo; Saúde mental


El objetivo de este artículo es reflexionar sobre los efectos de la violencia armada sobre la salud mental de la población moradora y trabajadora de territorios de favela, enfocándose en el estado de Río de Janeiro/Brasil. Se trata de un estudio teórico y crítico, con subsidio de investigaciones empíricas desarrolladas por las autoras, a partir de un abordaje postcolonial, considerando como elemento central el fenómeno del racismo. Se discute la violencia armada en Río de Janeiro, sus impactos sobre la salud mental y algunas acciones de enfrentamiento, identificando cómo territorios favelizados y su población, en su mayoría negra, están en el centro del problema, sufriendo efectos que matan y causan enfermedades. Aunque insuficientes, acciones de enfrentamiento realizadas por el sector público y por la sociedad civil buscan proporcionar visibilidad al problema y constituir formas de denuncia y resistencia en lo que se refiere a los efectos perjudiciales de la violencia armada sobre la salud.

Palabras clave
Violencia; Violencia con armas de fuego; Áreas de pobreza; Racismo; Salud mental


Introdução

A violência é um problema complexo, interseccional, socio-historicamente determinado e que representa uma violação de direitos humanos. Os altos números de homicídios no Brasil11 Cerqueira D, Bueno S, coordenadores. Atlas da violência 2023. Brasília: Ipea, FBSP; 2023. demonstram sua centralidade na produção de adoecimentos e mortes que provocam grande lastro de sofrimento, além de impactos econômicos e sociais. A violência armada é responsável pela maioria dos homicídios no país, com um crescimento percentual dos perpetrados por armas de fogo (AF) de 40% para 71%, entre 1980 e 201622 Cerqueira D, coordenador. Atlas da violência 2018. São Paulo: FBSP; 2018., o que segue praticamente estável até 202111 Cerqueira D, Bueno S, coordenadores. Atlas da violência 2023. Brasília: Ipea, FBSP; 2023.. Além das mortes, há importantes consequências sobre a morbidade que atinge os sobreviventes da violência armada, seus parentes e vizinhos, como deficiências e marcas muitas vezes invisíveis que se expressam em sofrimento mental33 Silva MM, Ribeiro FML, Frossard VC, Souza RM, Schenker M, Minayo MCS. “No meio do fogo cruzado”: reflexões sobre os impactos da violência armada na Atenção Primária em Saúde no município do Rio de Janeiro. Cienc Saude Colet. 2021; 26(6):2109-18.

4 Ribeiro FML, Silva MM, Andrade CB, Nascimento MMS, Oliveira CA, Barbosa ICL, et al. Sumário executivo “Violência armada e saúde: investigando os sentidos e os impactos da violência entre moradores e trabalhadores da saúde e da educação em Manguinhos/Rio de Janeiro/RJ - estudo de caso”. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2020.
-55 Araujo VS, Souza ER, Silva VLM. “Eles vão certeiros nos nossos filhos”: adoecimentos e resistências de mães de vítimas de ação policial no Rio de Janeiro, Brasil. Cienc Saude Colet. 2022; 27:1327-36..

Porém, esse traço marcante de nossa cultura não atinge a população de forma homogênea, afetando, sobretudo, grupos vulnerabilizados em função de desigualdades sociais, compostos, em grande medida, por homens jovens, negros e pobres11 Cerqueira D, Bueno S, coordenadores. Atlas da violência 2023. Brasília: Ipea, FBSP; 2023.,66 Flauzina ALP. Corpo negro caído no chão: o sistema penal e o projeto genocida do Estado brasileiro. Rio de Janeiro: Contraponto; 2022.. O percentual de homicídios no país está concentrado na população negra, que tem representado em média 70% da vitimização, chegando a 77% em 2021. Se temos observado uma redução nos homicídios entre 2018 e 2021, tal fenômeno se concentra entre a população não negra. O risco de morte por essa causa – 2,9 vezes maior para a população negra – dá a medida da desigualdade racial da violência11 Cerqueira D, Bueno S, coordenadores. Atlas da violência 2023. Brasília: Ipea, FBSP; 2023.. A pregnância da violência armada que atinge essa população expressa a perpetuação de uma dinâmica de poder colonial cujas marcas são a violência e a expropriação77 Santos BS. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: Santos BS, Meneses MPG, organizadores. Epistemologias do Sul. Coimbra: Almedina; 2014, p. 23-71.. Consideramos que o conceito de racismo estrutural é fundamental nesse contexto, uma vez que mais de três quartos da história nacional são marcados pela escravização de africano(a)s trazido(a)s à força, violentado(a)s, expropriado(a)s de suas vidas e posto(a)s em liberdade tardiamente, sem nenhum tipo de acesso a uma política reparadora que promovesse condições mínimas de vida. Dessa forma, o racismo estrutural se expressa em quatro dimensões principais da vida social: econômica, que diz respeito à reprodução da vida material; jurídica, relativa às normas que balizam o funcionamento da sociedade; institucional, relacionada ao funcionamento das instituições sociais; e ideológica, que tangencia o imaginário social88 Almeida SL. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento; 2018..

O racismo legitima as relações coloniais que se perpetuam subjetiva e materialmente, dando base à reprodução de relações hierárquicas e desiguais de poder que delimitam diferenciados espaços de atuação socioeconômica, política e institucional a partir de características fenotípicas, nas quais a população negra se encontra na base da pirâmide da exploração e subjugação77 Santos BS. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: Santos BS, Meneses MPG, organizadores. Epistemologias do Sul. Coimbra: Almedina; 2014, p. 23-71.,99 Quijano A. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: Lander E, organizador. A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO; 2005. p. 117-42.. Embora biologicamente não haja “raças”1010 UNESCO. The race question: publication 791 [Internet]. Paris: UNESCO; 1950 [citado 3 Maio 2023]. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000128291
https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf...
, o racismo, enquanto fenômeno social, é extremamente pregnante na configuração das relações sociais no Brasil e tem consequências profundas e perversas ao criar espaços de vulnerabilidade e zonas do não ser1111 Fanon F. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA; 2008., nos quais a dignidade humana não é considerada e reduz-se a vida à vida nua1212 Agamben G. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: UFMG; 2002., institucionalizando e legitimando a violência.

A intencionalidade política da atuação do estado fluminense nas favelas tem sido marcada por exclusão e violência. Estas são tomadas como bode expiatório dos problemas sociais, cujo agente periculoso está na figura do jovem homem negro como inimigo a ser combatido, produção social efeito do racismo estrutural e alimento do racismo institucional atualizado cotidianamente pelas instituições de justiça e policiais. Por meio da (re)produção sistemática de segregação étnico-racial por meio de normas, práticas e comportamentos discriminatórios cotidianos, o racismo reifica desvantagens e discriminações contra a população negra1313 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Saúde Integral da População Negra: uma política para o SUS. Brasília: Ministério da Saúde; 2013., particularmente no que diz respeito à ausência de uma efetiva segurança pública cidadã.

Tomando o caso do estado do Rio de Janeiro, pode-se afirmar que há, nas favelas e periferias de suas cidades, a configuração de um Estado bastante diverso à ideia de contrato social moderno, no qual o Estado tem o monopólio da força a fim de controlar a violência1414 Weber M. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Cultrix; 2011.. Em grande medida, esses territórios, majoritariamente negros, são alvo de abordagens cotidianas violentas por parte das forças de segurança e de grupos armados com domínio de território1515 Zaluar A, Barcellos C. Mortes prematuras e conflito armado pelo domínio das favelas no Rio de Janeiro. Rev Bras Cienc Soc. 2013; 28(81):17-31.. O suposto monopólio da força pelo Estado é poroso e se exerce por meio de negociações entre atores públicos – sobretudo membros das forças policiais, mas não só – e outros, pertencentes a grupos armados – como os que atuam no comércio varejista de drogas ilícitas e milícias – configurando uma sociabilidade violenta1616 Silva LAM. Sociabilidade violenta: por uma interpretação da criminalidade contemporânea no Brasil urbano. Soc Estado. 2004; 19(1):53-84. e marcada pela onipresença da violência armada. Há, nesses espaços, a reprodução de um ciclo vicioso de violência por AF que afeta gerações de moradore(a)s e, em menor medida, trabalhadore(a)s de serviços locais33 Silva MM, Ribeiro FML, Frossard VC, Souza RM, Schenker M, Minayo MCS. “No meio do fogo cruzado”: reflexões sobre os impactos da violência armada na Atenção Primária em Saúde no município do Rio de Janeiro. Cienc Saude Colet. 2021; 26(6):2109-18.,44 Ribeiro FML, Silva MM, Andrade CB, Nascimento MMS, Oliveira CA, Barbosa ICL, et al. Sumário executivo “Violência armada e saúde: investigando os sentidos e os impactos da violência entre moradores e trabalhadores da saúde e da educação em Manguinhos/Rio de Janeiro/RJ - estudo de caso”. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2020..

A violência armada é um problema para diversas sociedades, que contabilizam seus custos econômicos e sociais. Conflitos envolvendo interesses econômicos e políticos, disputas territoriais, religião, entre outros fatores, são protagonizados e, por vezes, articulados por governos, grupos organizados, narcotráfico, milícias e forças públicas de segurança. Em tais situações, as AF, ferramentas com enorme diversidade de potência destrutiva, são usadas para domínio ou extermínio daquele considerado inimigo. Em 2017, havia mais de um bilhão de AF no mundo, a grande maioria nas mãos de civis (85%): no Brasil, eram 17.510.000, ou 8,3 armas a cada cem pessoas, sendo menos da metade registrada (n = 8.080.295)1717 Small Arms Survey. Global firearms holdings [Internet]. Geneva: Small Arms Survey; 2020 [citado 18 Out 2023]. Disponível em: https://www.smallarmssurvey.org/database/global-firearms-holdings
https://www.smallarmssurvey.org/database...
. Estima-se que haja, no país, 7,5 vezes mais AF em mãos civis do que em mãos de membros das forças de segurança, o que foi acompanhado pelo aumento do acesso à munição1818 Pellanda A, Santos CA, Dadico CM, Cara D, Madi FR, Orsati FT, et al. Relatório ao governo de transição: o ultraconservadorismo e extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil, ataques às instituições de ensino e alternativas para a ação governamental [Internet]. São Paulo: Campanha Nacional pelo direito à educação; 2022 [citado 18 Out 2023]. Disponível em: https://campanha.org.br/acervo/relatorio-ao-governo-de-transicao-o-ultraconservadorismo-e-extremismo-de-direita-entre-adolescentes-e-jovens-no-brasil-ataques-as-instituicoes-de-ensino-e-alternativas-para-a-acao-governamental/
https://campanha.org.br/acervo/relatorio...
, sobretudo a partir das mudanças legislativas que ocorreram durante o governo Bolsonaro (2019-2022).

A literatura internacional, no que tange à atenção aos impactos da violência armada na saúde de populações vulnerabilizadas, é ainda incipiente, concentrando-se nos problemas de segurança pública e violência urbana por uma perspectiva macropolítica, no que apontamos a relevância da presente contribuição. Ademais, grande parte da produção científica e política internacional se debruça sobre situações caracterizadas como “conflito armado”, cuja normativa encontra-se estabelecida e exclui formas consideradas menores de violência como distúrbios civis, motins e atos isolados de terrorismo e esporádicos de violência que se dão em contextos de paz1919 Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Como o Direito Internacional Humanitário define “conflitos armados”? [Internet]. Brasília: CICV; 2008 [citado 20 Abr 2022]. Disponível em: https://www.icrc.org/sites/default/files/external/doc/pt/assets/files/other/rev-definicao-de-conflitos-armados.pdf
https://www.icrc.org/sites/default/files...
,2020 Hamann-Nielebock E, Carvalho IS. A violência armada e seus impactos sobre a população civil: um fardo necessário? Rev Bras Seg Publica. 2012; 2(1):104-18..

Nesse contexto, denominado por Moura2121 Moura T. Novíssimas guerras, novíssimas pazes. Desafios conceptuais e políticos. Rev Crit Cienc Soc. 2005; 71:77-96. de “novíssimas guerras”, desenvolve-se um novo tipo de violência armada organizada que ocorre em uma escala micro, mas que se manifesta de forma global em “zonas de indefinição, onde a guerra se confunde com a paz”2121 Moura T. Novíssimas guerras, novíssimas pazes. Desafios conceptuais e políticos. Rev Crit Cienc Soc. 2005; 71:77-96. (p. 81). Assim, intensificam-se formas de violência urbana, em territórios circunscritos, mas em contexto de paz institucionalizada. A América Latina é um dos cenários mais expressivos desse tipo de violência. Desigualdade social, pobreza, baixo crescimento econômico, desemprego, crescimento urbano desordenado, ineficiência de serviços públicos, crescente disponibilidade de armas ligeiras, comércio ilícito de drogas, presença de grupos armados com domínio de território, cultura da violência e forças estatais de segurança corruptas ou ineficazes conformam um cenário no qual, em determinados espaços da cidade, para determinado perfil da população, os números desta violência são próximos ou mesmo superam os de países em guerra.

Recente revisão de literatura sobre a produção latino-americana a respeito da relação entre violência armada e saúde2222 Ribeiro FML, Andrade CB, Dias CAO, Almeida BC. Violência armada e saúde na América Latina: revisão de literatura. Rev CS. 2023; 40:141-79. identificou estudos que buscaram mapear e registrar os impactos da violência armada sobre populações vulnerabilizadas. Destaca-se que, na América Latina, os jovens, sobretudo negros e moradores de periferias, foram identificados como um grupo extremamente exposto, que contabiliza adoecimentos e mortes, expressando também o racismo estrutural e institucional já referido.

Metodologia

O artigo é resultado do acúmulo de pesquisas empíricas das autoras na área de violência e saúde, em diálogo interdisciplinar com os campos da saúde coletiva e da Psicologia e a literatura nacional e internacional. Buscamos, a partir dessas diversas experiências, tecer uma análise crítica de uma problemática recorrentemente identificada em nossa práxis de pesquisa, trazendo como aporte a abordagem pós-colonial que nos dá subsídios para refletir, no contexto brasileiro e fluminense, sobre a relação entre racismo e violência armada e seus efeitos na saúde mental de quem vive e trabalha em territórios de favela altamente impactados por essas violências. Para tanto, tomamos como base de análise investigações por nós realizadas33 Silva MM, Ribeiro FML, Frossard VC, Souza RM, Schenker M, Minayo MCS. “No meio do fogo cruzado”: reflexões sobre os impactos da violência armada na Atenção Primária em Saúde no município do Rio de Janeiro. Cienc Saude Colet. 2021; 26(6):2109-18.,44 Ribeiro FML, Silva MM, Andrade CB, Nascimento MMS, Oliveira CA, Barbosa ICL, et al. Sumário executivo “Violência armada e saúde: investigando os sentidos e os impactos da violência entre moradores e trabalhadores da saúde e da educação em Manguinhos/Rio de Janeiro/RJ - estudo de caso”. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2020.,2323 Silva MM. Controle de substâncias ilícitas e seus impactos em violência e saúde: estudo de caso no Rio de Janeiro (Brasil) e Lisboa (Portugal) [tese]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública; 2023.

24 Silva M, Gonçalves LF, Freitas H. Padrões de violência urbana e determinação social no município do Rio De Janeiro [Internet]. In: Anais do 14o Congresso Internacional da Rede Unida. Saúde em Redes; 2020; Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: 2020 [citado 29 Maio 2021]. Disponível em: https://www.redeunida.org.br/pt-br/evento/8/standalone/anais/?title=10372
https://www.redeunida.org.br/pt-br/event...

25 Ribeiro FML, Silva MM, Andrade C, Nascimento MMS, Oliveira CA, Barbosa ICL, et al. Lives violência armada e saúde. Catálogo pesquisa violência armada e saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2021.

26 Serpelon F, Radtke K, Assis S, Henning F, Nätt D, Elbert T. Grandmaternal stress during pregnancy and DNA methylation of the third generation: an epigenome-wide association study. Transl Psychiatry. 2017; 7(8):e1202.

27 Serpeloni F, Radtke KM, Hecker T, Sill J, Vukojevic V, Assis SG, et al. Does prenatal stress shape postnatal resilience? An epigenome-wide study on violence and mental health in humans. Front Genet. 2019; 10:269.

28 Avanci J, Serpeloni F, Oliveira TP, Assis SG. Posttraumatic stress disorder among adolescents in Brazil: a cross-sectional study. BMC Psychiatry. 2021; 21(1):75.

29 Serpeloni F, Narrog JA, Assis SG, Avanci JQ, Carleial S, Köbach A. Narrative exposure therapy versus treatment as usual in a sample of trauma survivors who live under ongoing threat of violence in Rio de Janeiro, Brazil: study protocol for a randomised controlled trial. Trials. 2021; 22(165):1-10.
-3030 Serpeloni F, Narrog JA, Pickler B, Avanci JQ, Assis S, Koebach A. Terapia de exposição narrativa para o tratamento do transtorno de estresse pós-traumático com pessoas que passaram por violência doméstica e comunitária: estudo de série de casos em dois centros de saúde no Rio de Janeiro, Brasil. Cienc Saude Colet. 2023; 28:1619-30., buscando visibilizar o racismo como um elemento central no engendramento da violência e de seus impactos na saúde. Os objetivos, metodologias e principais resultados, assim como a observância dos princípios éticos, como a aprovação por Comitês de Ética em Pesquisa, podem ser conferidos no material referido.

Violência armada no Rio de Janeiro

A violência armada inclui diversas manifestações, como tiroteios, confrontos, “balas perdidas”, atuação de snipers, ostensividade da exposição de AF, ameaças com AF para controle do território ou roubos, uso de explosivos, entre outras33 Silva MM, Ribeiro FML, Frossard VC, Souza RM, Schenker M, Minayo MCS. “No meio do fogo cruzado”: reflexões sobre os impactos da violência armada na Atenção Primária em Saúde no município do Rio de Janeiro. Cienc Saude Colet. 2021; 26(6):2109-18.,44 Ribeiro FML, Silva MM, Andrade CB, Nascimento MMS, Oliveira CA, Barbosa ICL, et al. Sumário executivo “Violência armada e saúde: investigando os sentidos e os impactos da violência entre moradores e trabalhadores da saúde e da educação em Manguinhos/Rio de Janeiro/RJ - estudo de caso”. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2020., o que, no estado do Rio de Janeiro, está relacionado a confrontos entre grupos armados com domínio de território, sobretudo as chamadas facções criminosas que atuam no comércio varejista de drogas, milícias e forças de segurança pública1515 Zaluar A, Barcellos C. Mortes prematuras e conflito armado pelo domínio das favelas no Rio de Janeiro. Rev Bras Cienc Soc. 2013; 28(81):17-31.,3131 Silva J, Fernandes L-F, Willadino R. Grupos criminosos armados com domínio de território. In: Justiça Global, organizador. Segurança, tráfico e milícias no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Justiça Global; 2008. p. 16-24..

No Rio de Janeiro, favelas e outros territórios vulnerabilizados acumulam precariedades relacionadas à ineficácia na provisão de direitos sociais básicos. Mesmo sendo espaços heterogêneos, são, de forma geral, marcados por baixa cobertura sanitária, acesso precário à mobilidade urbana, presença de habitações insalubres e cobertura não universal a equipamentos urbanos como os de saúde e educação. Por outro lado, a vivência de episódios de violência armada é, muitas vezes, recorrente, o que aumenta o risco de uma pessoa ser alvejada por AF e implica em alterações no funcionamento de serviços de saúde, educação e transporte público, representando uma violação de direitos que impacta a saúde mental33 Silva MM, Ribeiro FML, Frossard VC, Souza RM, Schenker M, Minayo MCS. “No meio do fogo cruzado”: reflexões sobre os impactos da violência armada na Atenção Primária em Saúde no município do Rio de Janeiro. Cienc Saude Colet. 2021; 26(6):2109-18.

4 Ribeiro FML, Silva MM, Andrade CB, Nascimento MMS, Oliveira CA, Barbosa ICL, et al. Sumário executivo “Violência armada e saúde: investigando os sentidos e os impactos da violência entre moradores e trabalhadores da saúde e da educação em Manguinhos/Rio de Janeiro/RJ - estudo de caso”. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2020.
-55 Araujo VS, Souza ER, Silva VLM. “Eles vão certeiros nos nossos filhos”: adoecimentos e resistências de mães de vítimas de ação policial no Rio de Janeiro, Brasil. Cienc Saude Colet. 2022; 27:1327-36.,3232 Fazzioni NH. Tiro que mata, tiro que “cura”, tiro que fere: notas etnográficas sobre violência armada e direito à saúde. Antropolítica. 2020; 47:168-90..

Desde a década de 1980, observamos no país e no estado a consolidação de um elemento fundamental nesta equação: o narcotráfico3333 Zaluar A, Noronha JC, Albuquerque C. Violência: pobreza ou fraqueza institucional? Cad Saude Publica. 1994; 10 Supl 1:213-7., cujo enfrentamento tem sido feito por meio de uma estratégia militarizada baseada no ideário de Guerra às Drogas. No Rio de Janeiro, as polícias concentram suas operações nas áreas nas quais há presença do tráfico de drogas1515 Zaluar A, Barcellos C. Mortes prematuras e conflito armado pelo domínio das favelas no Rio de Janeiro. Rev Bras Cienc Soc. 2013; 28(81):17-31., com a justificativa do combate aos grupos armados responsáveis por esse comércio33 Silva MM, Ribeiro FML, Frossard VC, Souza RM, Schenker M, Minayo MCS. “No meio do fogo cruzado”: reflexões sobre os impactos da violência armada na Atenção Primária em Saúde no município do Rio de Janeiro. Cienc Saude Colet. 2021; 26(6):2109-18.,44 Ribeiro FML, Silva MM, Andrade CB, Nascimento MMS, Oliveira CA, Barbosa ICL, et al. Sumário executivo “Violência armada e saúde: investigando os sentidos e os impactos da violência entre moradores e trabalhadores da saúde e da educação em Manguinhos/Rio de Janeiro/RJ - estudo de caso”. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2020.,2323 Silva MM. Controle de substâncias ilícitas e seus impactos em violência e saúde: estudo de caso no Rio de Janeiro (Brasil) e Lisboa (Portugal) [tese]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública; 2023.. Critica-se a atuação repressiva centrada em pequenos negociantes de substâncias ilícitas, e não nos grandes traficantes e lavadores de dinheiro, apontando a forma perversa com que a juventude vulnerável é enredada nas tramas da violência e penalizada tanto pelas disputas entre grupos criminosos armados quanto pela violência policial2323 Silva MM. Controle de substâncias ilícitas e seus impactos em violência e saúde: estudo de caso no Rio de Janeiro (Brasil) e Lisboa (Portugal) [tese]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública; 2023.. Mesmo após quatro décadas de investimento, essa política de segurança não logrou atingir nem a redução da violência, nem o fim do narcotráfico, no entanto; perpetuam-se seus impactos sobre gerações de moradores de favela.

O cenário de violência extrema e permanente é um dos fatores que propiciou o fortalecimento das milícias, grupos que cresceram a partir do “oferecimento” de serviços de “proteção” para a população de territórios precarizados frente à ineficácia de sua garantia pelo Estado. Essa “oferta”, contudo, dá-se por meio da ameaça por AF, impondo a obrigatoriedade de pagamento de taxas para proteção e comercialização de serviços básicos1515 Zaluar A, Barcellos C. Mortes prematuras e conflito armado pelo domínio das favelas no Rio de Janeiro. Rev Bras Cienc Soc. 2013; 28(81):17-31.. Recente mapa mostra importante expressão desses grupos na geografia territorial do estado3434 GENI. Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos. Mapa dos Grupos Armados do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Universidade Federal Fluminense; 2020 [citado 20 Maio 2024]. Disponível em https://geni.uff.br/2022/09/13/mapa-historico-dos-grupos-armados-no-rio-de-janeiro/
https://geni.uff.br/2022/09/13/mapa-hist...
.

A presença de grupos armados com domínio de território e a atuação violenta da polícia em contraposição a estes1515 Zaluar A, Barcellos C. Mortes prematuras e conflito armado pelo domínio das favelas no Rio de Janeiro. Rev Bras Cienc Soc. 2013; 28(81):17-31. instaura um regime de relações de poder desiguais, para além dos estatutos de legalidade democrática, que concede à parte mais forte o poder do veto sobre a vida da parte mais fraca, denominado de fascismo social77 Santos BS. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: Santos BS, Meneses MPG, organizadores. Epistemologias do Sul. Coimbra: Almedina; 2014, p. 23-71..

Historicamente, são direcionados à favela estereótipos classistas e racistas que criminalizam sua população. Tais estereótipos, repetidos e naturalizados à exaustão, criam uma espécie de permissividade social na opinião pública, que vê a violência ali como “algo comum”, “parte do cotidiano”, o que acaba por legitimar a forma como a política de segurança é operada. A banalização de discursos como “bandido bom é bandido morto” e “direitos humanos para humanos direitos” ilustra a intolerância da população com a criminalidade cotidiana e seus agentes; e mostra traços de autoritarismo e entendimento parcial e reducionista do problema. A insistência política em uma segurança pública seletiva, desigual e violenta materializa na prática a representação social que insiste em afirmar recursivamente a favela como locus do perigo e dos periculosos.

Assim, é legitimado o empreendimento da “guerra” voltada aos grupos armados comerciantes de drogas, mas que afeta toda a população que ali vive e trabalha. A metáfora da guerra é profícua para análise: em uma guerra, suspendem-se os direitos civis e instala-se um estado de exceção3535 Agamben G. Estado de exceção. São Paulo: Boitempo; 2004., no qual mortes são “efeitos colaterais” que, mesmo indesejados, são aceitos. Vivemos uma “guerra” (oficialmente, “às drogas”) que se perpetua por quarenta anos, alimentando um ciclo vicioso de violência no qual quem mais morre, adoece e tem a vida precarizada é a população já mais vulnerabilizada socialmente.

Impactos da violência armada na saúde

A morbimortalidade relacionada à violência armada tem enormes impactos em territórios “conflagrados”, categoria que se refere a espaços nos quais há confrontos frequentes e sobrerrepresentação de agravos relacionados às AF. Embora a violência esteja espraiada pela cidade, representando risco à toda a população, a medida desse risco é extremamente desigual, pendendo de forma crônica sobre tais territórios e sobre corpos masculinos negros. Dados do Sistema de Informação de Mortalidade do Ministério da Saúde mostram que, nas diferentes áreas programáticas da saúde do município do Rio de Janeiro, as que sofrem os menores impactos da violência armada são as de maior poder aquisitivo e cuja população é majoritariamente branca2424 Silva M, Gonçalves LF, Freitas H. Padrões de violência urbana e determinação social no município do Rio De Janeiro [Internet]. In: Anais do 14o Congresso Internacional da Rede Unida. Saúde em Redes; 2020; Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: 2020 [citado 29 Maio 2021]. Disponível em: https://www.redeunida.org.br/pt-br/evento/8/standalone/anais/?title=10372
https://www.redeunida.org.br/pt-br/event...
. Vale lembrar que, quando a violência armada eventualmente acontece nesses territórios e atinge um corpo branco, causa comoção e revolta, o que não acontece nas favelas e periferias, locais nos quais sua ocorrência e efeitos são banalizados e invisibilizados.

Com relação à saúde mental, trabalhamos neste artigo com uma concepção focada não apenas no sofrimento individual. Questões individuais são sobredeterminadas pela relação das pessoas com a sociedade e pelas contradições que a atravessam e que se relacionam às diversas determinações sociais, econômicas e políticas que, em sociedades marcadas pela colonização, têm no racismo um ponto de inflexão comum3636 Passos RG. “Crimes da paz”: as expressões do racismo na saúde mental da população negra. In: Magno PC, Passos RG, organizadores. Direitos humanos, saúde mental e racismo: diálogos à luz do pensamento de Frantz Fanon. Rio de Janeiro: Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro; 2020. p. 72-83. – especialmente quando esses sofrimentos mentais se relacionam à violência. O racismo, além de determinar desigualdades na forma de inserção social dos grupos racialmente oprimidos, está inscrito no inconsciente coletivo e reproduz situações de violência física e simbólica cujos impactos na dinâmica psíquica são perversos1111 Fanon F. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA; 2008.,3636 Passos RG. “Crimes da paz”: as expressões do racismo na saúde mental da população negra. In: Magno PC, Passos RG, organizadores. Direitos humanos, saúde mental e racismo: diálogos à luz do pensamento de Frantz Fanon. Rio de Janeiro: Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro; 2020. p. 72-83.. Cabe destacar que estudos sobre impactos do racismo na saúde mental são ainda um campo acadêmico incipiente3737 Damasceno MG, Zanello VML. Saúde mental e racismo contra negros: produção bibliográfica brasileira dos últimos quinze anos. Psicol Cienc. 2018; 38(3):450-64., que vem crescendo pouco a pouco.

A violência armada afeta a forma como o indivíduo percebe o mundo e a si mesmo, bem como constrói suas esperanças para o futuro ou sua exasperação em relação a ele. Suas consequências diretas incluem mortes, lesões graves, sofrimentos e adoecimentos físico e mental. Já as indiretas implicam desafios cotidianos de viver em ambientes inseguros, perder membros da família e ter serviços de saúde, educação e de suporte social desestruturados3838 Kadir A, Shenoda S, Goldhagen J, Pitterman S. The effects of armed conflict on children. Pediatrics. 2018; 142(6):e20182585..

Pesquisas realizadas em Manguinhos33 Silva MM, Ribeiro FML, Frossard VC, Souza RM, Schenker M, Minayo MCS. “No meio do fogo cruzado”: reflexões sobre os impactos da violência armada na Atenção Primária em Saúde no município do Rio de Janeiro. Cienc Saude Colet. 2021; 26(6):2109-18.,44 Ribeiro FML, Silva MM, Andrade CB, Nascimento MMS, Oliveira CA, Barbosa ICL, et al. Sumário executivo “Violência armada e saúde: investigando os sentidos e os impactos da violência entre moradores e trabalhadores da saúde e da educação em Manguinhos/Rio de Janeiro/RJ - estudo de caso”. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2020. e no Complexo do Alemão3232 Fazzioni NH. Tiro que mata, tiro que “cura”, tiro que fere: notas etnográficas sobre violência armada e direito à saúde. Antropolítica. 2020; 47:168-90., ambos conjuntos de favelas cariocas, identificaram situações de risco e impactos à saúde mental de gestore(a)s e trabalhadore(a)s de serviços de saúde, educação e organizações da sociedade civil, além da população moradora. Entre as manifestações de sofrimento mental estão: sensação de vulnerabilidade, angústia, medo, estresse, desânimo, desespero, instabilidade emocional, insônia, transtornos de ansiedade, episódios de pânico, depressão, letargia, paralisia, crises de choro, sensibilidade a sons que lembram disparos, Transtorno de Estresse Pós Traumático (TEPT), sentimento de impotência, desgaste e esgotamento emocional, cansaço excessivo, uso/abuso de medicamentos, agravamento de quadros de saúde, dores de cabeça e de estômago, taquicardia, surgimento ou descontrole de pressão arterial, diabetes e hematomas na pele em momentos de elevado estresse33 Silva MM, Ribeiro FML, Frossard VC, Souza RM, Schenker M, Minayo MCS. “No meio do fogo cruzado”: reflexões sobre os impactos da violência armada na Atenção Primária em Saúde no município do Rio de Janeiro. Cienc Saude Colet. 2021; 26(6):2109-18.,44 Ribeiro FML, Silva MM, Andrade CB, Nascimento MMS, Oliveira CA, Barbosa ICL, et al. Sumário executivo “Violência armada e saúde: investigando os sentidos e os impactos da violência entre moradores e trabalhadores da saúde e da educação em Manguinhos/Rio de Janeiro/RJ - estudo de caso”. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2020.. Na produção dos adoecimentos, tem importância a atuação das forças de segurança, como ilustra a fala de um jovem:

O que vim trazer hoje é um relato do que o Estado faz com a saúde mental das pessoas. Os agentes da lei hoje nos deixam doentes, eles não protegem. Eles trazem a sensação de insegurança constante, quando estão dentro da comunidade temos a sensação de que a qualquer momento podemos ser agredidos ou mortos por bala perdida2525 Ribeiro FML, Silva MM, Andrade C, Nascimento MMS, Oliveira CA, Barbosa ICL, et al. Lives violência armada e saúde. Catálogo pesquisa violência armada e saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2021.. (p. 7)

A recorrência da criminalização da juventude negra e favelizada gera sentimentos de inferiorização e baixa autoestima, levando à sensação de não pertencimento e de desvalorização. No entanto, não apenas as forças de segurança estatais são um ator social relevante nessa produção, havendo também atuação violenta por parte de outros grupos armados. Destaca-se que “ambas as expressões da violência são silenciadas por medo de represálias, especialmente a relativa à facção local, uma vez que seu relato pode implicar em risco à vida”44 Ribeiro FML, Silva MM, Andrade CB, Nascimento MMS, Oliveira CA, Barbosa ICL, et al. Sumário executivo “Violência armada e saúde: investigando os sentidos e os impactos da violência entre moradores e trabalhadores da saúde e da educação em Manguinhos/Rio de Janeiro/RJ - estudo de caso”. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2020. (p. 11).

Muitas famílias de territórios atingidos pela violência armada convivem com adversidades relacionadas à violência por gerações. Estudo realizado na cidade de São Gonçalo, no estado do Rio de Janeiro, revelou que três gerações reportaram ver ou ouvir tiros serem disparados, pessoas mortas nas ruas do bairro e atuação do tráfico de drogas2626 Serpelon F, Radtke K, Assis S, Henning F, Nätt D, Elbert T. Grandmaternal stress during pregnancy and DNA methylation of the third generation: an epigenome-wide association study. Transl Psychiatry. 2017; 7(8):e1202.. Destaca-se a alta exposição à violência durante a gravidez, um período sensível para mulheres e crianças2727 Serpeloni F, Radtke KM, Hecker T, Sill J, Vukojevic V, Assis SG, et al. Does prenatal stress shape postnatal resilience? An epigenome-wide study on violence and mental health in humans. Front Genet. 2019; 10:269., e a coocorrência de diferentes tipos de violência, como violência armada, por parceiro íntimo, doméstica e sexual2828 Avanci J, Serpeloni F, Oliveira TP, Assis SG. Posttraumatic stress disorder among adolescents in Brazil: a cross-sectional study. BMC Psychiatry. 2021; 21(1):75..

Os impactos da violência na saúde mental variam para cada pessoa e seus efeitos dependem de uma articulação complexa entre diversos fatores, como tipo e proximidade com o evento, frequência de exposição, história de vida, suporte social, raça/etnia, gênero, idade e fatores biológicos e culturais. Nem todas as pessoas que vivenciam violências desenvolvem reações associadas ao trauma. No Brasil, estudo epidemiológico nas capitais Rio de Janeiro e São Paulo mostrou risco condicional de 11% para desenvolvimento de TEPT em adultos, no entanto, prevê-se que essa taxa seja ainda maior em regiões com maiores índices de violência3939 Luz MP, Coutinho ESF, Berger W, Mendlowicz MV, Vilete VMP, Mello MF, et al. Conditional risk for posttraumatic stress disorder in an epidemiological study of a Brazilian urban population. J Psychiatr Res. 2016; 72:51-57.. Um fator importante para o desenvolvimento de sofrimento associado ao trauma refere-se ao efeito cumulativo de eventos vivenciados, chamado de building block4040 Neuner F, Schauer M, Karunakara U, Klaschik C, Robert C, Elbert T. Psychological trauma and evidence for enhanced vulnerability for posttraumatic stress disorder through previous trauma among West Nile refugees. BMC Psychiatry. 2004; 4(1):1-7., ou seja, quanto maior o número de exposições à violência, maior a probabilidade de desenvolver o estresse pós-traumático. Importante destacar a prevalência da coocorrência de violência armada, violência policial e discriminação racial, levando ao desenvolvimento de um estresse traumático de base racial4141 Carter RT, Kirkinis K, Johnson VE. Relationships between trauma symptoms and race-based traumatic stress. Traumatology. 2020; 26(1):11-8..

Grande parte das pessoas que passam por situações de violência estão em sofrimento e, muitas vezes, impossibilitadas de compartilhar suas histórias. Há um conflito entre não pensar sobre o que aconteceu e a necessidade de expressar a extensão das atrocidades vividas4242 Schauer M, Neuner F, Elbert T. Narrative exposure therapy: a short-term treatment for traumatic stress disorders. 2a ed. Göttingen: Hogrefe Publishing; 2011.. Para além da saúde mental, falar sobre as experiências de violência também tem dimensões sociais e políticas, porém, muitas vezes, o ambiente pode ser pouco propício à vivência do luto e à expressão do sofrimento e revolta causados pela violência armada, havendo silenciamento, como é o caso de territórios marcados pela atuação ostensiva e violenta tanto de forças de segurança quanto de grupos armados33 Silva MM, Ribeiro FML, Frossard VC, Souza RM, Schenker M, Minayo MCS. “No meio do fogo cruzado”: reflexões sobre os impactos da violência armada na Atenção Primária em Saúde no município do Rio de Janeiro. Cienc Saude Colet. 2021; 26(6):2109-18.,44 Ribeiro FML, Silva MM, Andrade CB, Nascimento MMS, Oliveira CA, Barbosa ICL, et al. Sumário executivo “Violência armada e saúde: investigando os sentidos e os impactos da violência entre moradores e trabalhadores da saúde e da educação em Manguinhos/Rio de Janeiro/RJ - estudo de caso”. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2020..

Apesar de fortemente presente, a violência armada aparece, muitas vezes, como uma espécie de pano de fundo no atendimento em saúde em territórios favelizados, ora tida por alguns como naturalizada pela população, ora invisibilizada pelos profissionais que, devido à enorme complexidade das situações, questionam-se como produzir cuidado33 Silva MM, Ribeiro FML, Frossard VC, Souza RM, Schenker M, Minayo MCS. “No meio do fogo cruzado”: reflexões sobre os impactos da violência armada na Atenção Primária em Saúde no município do Rio de Janeiro. Cienc Saude Colet. 2021; 26(6):2109-18.,44 Ribeiro FML, Silva MM, Andrade CB, Nascimento MMS, Oliveira CA, Barbosa ICL, et al. Sumário executivo “Violência armada e saúde: investigando os sentidos e os impactos da violência entre moradores e trabalhadores da saúde e da educação em Manguinhos/Rio de Janeiro/RJ - estudo de caso”. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2020.. A atuação clínica sobre os sintomas que decorrem da violência armada é fundamental para cuidar das pessoas e reduzir danos associados à violência, mas é insuficiente como ação isolada, na medida em que a causa motriz do adoecimento é social e coletiva.

Frequentemente, pessoas com sintomas de transtornos associados ao trauma não são identificadas nos serviços de saúde, principalmente devido à somatização existente. Por um lado, é reportada alta prevalência de estresse traumático nos serviços de saúde e, por outro, existe um sub-reconhecimento clínico sobre o fenômeno4343 Silva HC, Rosa MM, Berger W, Luz MP, Mendlowicz M, Coutinho ES, et al. PTSD in mental health outpatient settings: highly prevalent and under-recognized. Braz J Psychiatry. 2019; 41(3):213-7.. Muitas pessoas acabam se engajando em tratamentos psicofarmacológicos voltados para amenização de sintomas ou comorbidades – como depressão, ansiedade, dores crônicas, dificuldade para dormir e hipertensão –, mas sem considerar suas origens, sendo a violência novamente invisibilizada.

Há considerável medicalização do sofrimento nas classes populares, o que acaba por gerar encobrimento e individualização das causas do adoecimento4444 Valla VV. Pobreza, emoção e saúde: uma discussão sobre pentecostalismo e saúde no Brasil. Rev Bras Educ. 2002; (19):63-75.. Como consequência, no nível individual, tem-se o sofrimento crônico, maior dependência dos serviços de saúde e alto custo do tratamento medicamentoso que afeta tanto o usuário quanto o próprio Sistema Único de Saúde (SUS). Coletivamente, são altos os custos que recaem sobre a assistência à saúde de usuário(a)s e profissionais; e sobre o funcionamento de unidades e serviços de saúde (mas também de educação, assistência social e da sociedade civil organizada) que são recorrentemente fechados total ou parcialmente por episódios de violência armada. Atividades são suspensas, estruturas físicas sofrem danos e, consequentemente, há uma série de prejuízos econômicos e sociais33 Silva MM, Ribeiro FML, Frossard VC, Souza RM, Schenker M, Minayo MCS. “No meio do fogo cruzado”: reflexões sobre os impactos da violência armada na Atenção Primária em Saúde no município do Rio de Janeiro. Cienc Saude Colet. 2021; 26(6):2109-18.,44 Ribeiro FML, Silva MM, Andrade CB, Nascimento MMS, Oliveira CA, Barbosa ICL, et al. Sumário executivo “Violência armada e saúde: investigando os sentidos e os impactos da violência entre moradores e trabalhadores da saúde e da educação em Manguinhos/Rio de Janeiro/RJ - estudo de caso”. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2020.. Estima-se que as perdas com a violência cheguem a 6% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, valor que corresponde ao investimento na educação, destacando-se como maiores impactos os custos intangíveis dos homicídios, que chegam a 2,5%4545 Cerqueira D, coordenador. Atlas da violência 2019. São Paulo: IPEA, FBSP; 2019..

Ações de enfrentamento

Apesar de ter diversas implicações na saúde mental da população, a violência armada enquanto geradora de sofrimento não é objeto direto de políticas públicas. Embora desde 2001 o país possua uma Política Nacional de Redução de Morbimortalidade por Acidentes e Violências4646 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências. Brasília: Ministério da Saúde; 2005., nos últimos anos, o SUS vem sofrendo perdas no âmbito tanto do orçamento quanto no da garantia de programas e políticas, o que impacta na possibilidade de inovações na área, sobretudo na rede de saúde mental, cuja demanda é bem maior e mais complexa do que os serviços oferecidos conseguem dar conta.

Algumas unidades de saúde possuem serviços de saúde mental que atendem a população ou contam com equipe multiprofissional e, para casos mais graves, o SUS preconiza o cuidado nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Profissionais de saúde e população apontam, no entanto, a insuficiência das ações de cuidado frente à enorme demanda e a necessidade de ampliação e desenvolvimento de outras estratégias44 Ribeiro FML, Silva MM, Andrade CB, Nascimento MMS, Oliveira CA, Barbosa ICL, et al. Sumário executivo “Violência armada e saúde: investigando os sentidos e os impactos da violência entre moradores e trabalhadores da saúde e da educação em Manguinhos/Rio de Janeiro/RJ - estudo de caso”. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2020.. Destaca-se o movimento retrógrado e de base manicomial que vem se fortalecendo no Brasil, sobretudo desde 2018, quando unidades de cuidado de cunho manicomial e comunidades terapêuticas religiosas passaram a receber grande parte do financiamento, em detrimento das estruturas de cuidado do SUS, como os CAPS4747 Ribeiro FML, Minayo MC. As mudanças na política brasileira de drogas: o avanço da lógica da justiça sobre a saúde. Cult Droga. 2020; 25(29):17-39.. Esse tipo de financiamento público vem recebendo críticas devido a denúncias de violação de direitos, como a liberdade de pensamento e de crença4848 Napolião P, Castro G. Imposição da fé como política pública: comunidades terapêuticas no Rio de Janeiro [Internet]. Rio de Janeiro: CESeC; 2022 [citado 5 Out 2023]. Disponível em: https://cesecseguranca.com.br/livro/imposicao-da-fe-como-politica-publica-comunidades-terapeuticas-no-rio-de-janeiro/
https://cesecseguranca.com.br/livro/impo...
.

No entanto, a sociedade fluminense vem resistindo e procurando desenvolver ações de enfrentamento à violência armada, que incluem a perspectiva clínica; a produção de informações pela sociedade civil e instituições acadêmicas; e a criação de frentes de resistência mais amplas, fruto da luta de movimentos sociais.

Foi desenvolvido no Rio de Janeiro o projeto de Terapia de Exposição Narrativa (NET), com o objetivo de capacitar profissionais da Atenção Primária para identificar, acolher e oferecer tratamento clínico para pessoas que passaram por situações de violência e apresentavam estresse pós-traumático2929 Serpeloni F, Narrog JA, Assis SG, Avanci JQ, Carleial S, Köbach A. Narrative exposure therapy versus treatment as usual in a sample of trauma survivors who live under ongoing threat of violence in Rio de Janeiro, Brazil: study protocol for a randomised controlled trial. Trials. 2021; 22(165):1-10.. A NET é uma terapia breve, baseada em evidências, desenvolvida para pessoas que passaram por múltiplos traumas4242 Schauer M, Neuner F, Elbert T. Narrative exposure therapy: a short-term treatment for traumatic stress disorders. 2a ed. Göttingen: Hogrefe Publishing; 2011.. Como resultado, foi observada a redução do estresse pós-traumático mesmo seis meses após a terapia ter sido finalizada3030 Serpeloni F, Narrog JA, Pickler B, Avanci JQ, Assis S, Koebach A. Terapia de exposição narrativa para o tratamento do transtorno de estresse pós-traumático com pessoas que passaram por violência doméstica e comunitária: estudo de série de casos em dois centros de saúde no Rio de Janeiro, Brasil. Cienc Saude Colet. 2023; 28:1619-30.. A NET foi bem recebida pelos profissionais da saúde, sendo viável nesse contexto e com alto potencial de disseminação. Contudo, foi visto que a instabilidade do contexto político e a falta de investimento em capacitação e em recursos humanos são obstáculos para a sua sustentabilidade nos serviços no longo prazo4949 Catarino FC. Terapia de exposição narrativa: estudo de avaliabilidade em dois serviços de saúde no município do Rio de Janeiro [dissertação]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública; 2020..

Outra experiência importante no contexto fluminense é a proposta do Comitê Internacional da Cruz Vermelha voltada à proteção de profissionais de equipamentos de saúde e educação localizados em áreas de elevado risco de violência armada, em parceria com as Secretarias Municipais de Saúde e de Educação. O Acesso Mais Seguro funciona com base em um protocolo de proteção, desenvolvido de forma coletiva com os trabalhadores, visando à redução de riscos e danos relacionados à violência armada44 Ribeiro FML, Silva MM, Andrade CB, Nascimento MMS, Oliveira CA, Barbosa ICL, et al. Sumário executivo “Violência armada e saúde: investigando os sentidos e os impactos da violência entre moradores e trabalhadores da saúde e da educação em Manguinhos/Rio de Janeiro/RJ - estudo de caso”. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2020.,5050 Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Manual orientador para gestores acesso mais seguro. Brasília: CICV; 2021 [citado 5 Out 2023]. Disponível em: https://www.icrc.org/pt/publication/manual-orientador-para-gestores-sobre-acesso-mais-seguro
https://www.icrc.org/pt/publication/manu...
. Tal protocolo prevê a mudança de funcionamento dos equipamentos, indo desde a suspensão de algumas atividades até o fechamento total.

Um terceiro conjunto de iniciativas se dá no âmbito da produção de informações sobre violência armada, como é o caso das plataformas colaborativas Fogo Cruzado e Onde tem Tiroteio. Ambas merecem destaque por serem iniciativas da sociedade civil organizada que vêm denunciando a quantidade de tiroteios, sua localização e impactos; e por funcionarem como estratégia de proteção à população em geral.

Diversos movimentos sociais vêm apontando a violência cotidiana em territórios vulnerabilizados, atuando em seu enfrentamento. Movimento Moleque, Mães de Manguinhos, Mães da Maré, Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência, Café das Fortes, Mães Vítimas da Chacina da Baixada, Mães Vítimas de Violência do Estado, Vidas Negras Importam, Fórum Grita Baixada e Parem de nos Matar são alguns importantes atores que denunciam a violência armada e cobram respostas. Também é digno de nota o importante movimento Policiais Antifascismo, que questiona a própria atuação estatal baseada na violência.

A atuação dos movimentos sociais tem buscado produzir intervenções concretas na política de segurança pública. Em novembro de 2019 foi ajuizada no Supremo Tribunal Federal (STF) a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 635, conhecida como ADPF das Favelas. Construída coletivamente por movimentos de favela e instituições públicas e privadas, tem como objetivo denunciar violações de direitos constitucionais decorrentes da política de segurança pública empreendida pelo estado do Rio de Janeiro e exigir respostas que contenham essa escalada5151 Brasil. Supremo Tribunal Federal. ADPF - Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635, de 19 de Novembro de 2019. Brasília: Supremo Tribunal Federal; 2019.. Ela tem caráter estruturante e propõe implementar mudanças amplas no funcionamento de serviços públicos de segurança pública, incitando ao cumprimento da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos relativa ao caso Nova Brasília, referente ao estabelecimento de metas e políticas de redução da letalidade e da violência policial, incluindo o uso de câmeras nos uniformes e nas viaturas das forças policiais envolvidas em operações. A ADPF n. 635 vem se configurando como uma ação importante no enfrentamento da violência policial e no racismo institucional, sendo um marco histórico na visibilidade e nos esforços de controle da violência na política de segurança pública do estado.

Considerações finais

A situação da violência armada no estado do Rio de Janeiro nos provoca a refletir sobre a sociedade que temos e a que queremos. A perpetuação, ao longo de décadas, de territórios dominados pelo crime por meio das AF e da opressão à população é uma questão premente para a qual nossas instituições não têm conseguido dar respostas – ao contrário: as forças de segurança têm atuado recorrentemente de forma abusiva; são sucessivos os relatos de violações de direitos. Ao longo de décadas, a criminalização de territórios e corpos negros e a lógica de “bandidos” versus “mocinhos” vem dando base para uma escalada da violência armada, por meio de confrontos militarizados que fazem nada mais do que perpetuar a situação e trazer sofrimento e morte não apenas para moradores de favelas e periferias, mas também para membros das forças de segurança.

Assistimos a uma lógica de resolução de conflitos na qual o Estado Democrático de Direito e as garantias constitucionais são nada mais do que uma promessa longínqua. Os conflitos são resolvidos à força pelo grupo mais bem armado que consegue se impor ou não são resolvidos, mas se perpetuam em uma lógica na qual todos perdem. A recorrência da violência sobre corpos e territórios negros reifica uma história de colonização baseada na opressão e subjugação de escravizado(a) e seus descendentes.

Os efeitos dessas práticas são profundos, perpetuando-se em diversas camadas de sofrimento físico e mental. Ao mesmo tempo, o elogio da violência se coloca de forma cristalina em falas, ações e omissões de autoridades públicas, não obstante a ausência de resultados. Não há respostas fáceis, mas certamente mais violência, negação de direitos e criminalização de territórios negros não é o caminho. É inegável que o racismo, tanto no seu aspecto estrutural quanto institucional, é um fator essencial para o funcionamento dessa engrenagem. O racismo, por estar enraizado na estrutura social, está presente nas práticas e no imaginário popular, perpetuando violências e expropriações que marcam o país e afetam a população negra.

Ao longo do artigo, buscamos mostrar diversas consequências da violência armada na saúde da população fluminense, presentes por décadas e gerações. Seus impactos são profundos, afetam a saúde e, sobretudo, a dignidade de comunidades inteiras, assoladas pela iminência da violência e da morte. No momento presente, talvez as consequências dessa violência estejam um pouco mais visíveis devido à resistência dos movimentos sociais e da sociedade civil, que continuam incansavelmente atuando para sua publicização e visibilização das contradições que formam a sociedade. Uma bandeira constantemente repetida por esses atores é “transformando o luto em luta”, a qual cabe a nós da academia apoiar e fortalecer. Finalizamos este texto com a pergunta feita por uma vítima da violência armada, que em vida sempre lutou contra as violências e que, após seu assassinato covarde, virou um símbolo desta luta – a vereadora e ativista Marielle Franco: “Quantos mais têm que morrer para essa guerra acabar?”.

  • Silva MM, Ribeiro FML, Serpeloni F. Violência armada, saúde mental e racismo: reflexões a partir do caso do Rio de Janeiro, Brasil. Interface (Botucatu). 2024; 28: e230517 https://doi.org/10.1590/interface.230517
  • Financiamento

    O presente trabalho foi realizado com os seguintes apoios: Ulster University Research Project “‘When the police fire from a helicopter it traumatises the children’: militarised policing and the right mental health”, financiado pela United Kingdom Research and Innovation. Fernanda Serpeloni obteve bolsa de pós-doutorado Faperj Nota-10 e Jovem Pesquisador Fluminense Faperj; Fernanda Mendes Lages Ribeiro obteve bolsa da CNPq – universal e pós-doutorado júnior; e Mayalu Matos Silva obteve bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) – Brasil, código de financiamento 001. O presente artigo foi publicado com o apoio da Vice-Direção de Pesquisa e Inovação da Ensp/Fiocruz.

Referências

  • 1
    Cerqueira D, Bueno S, coordenadores. Atlas da violência 2023. Brasília: Ipea, FBSP; 2023.
  • 2
    Cerqueira D, coordenador. Atlas da violência 2018. São Paulo: FBSP; 2018.
  • 3
    Silva MM, Ribeiro FML, Frossard VC, Souza RM, Schenker M, Minayo MCS. “No meio do fogo cruzado”: reflexões sobre os impactos da violência armada na Atenção Primária em Saúde no município do Rio de Janeiro. Cienc Saude Colet. 2021; 26(6):2109-18.
  • 4
    Ribeiro FML, Silva MM, Andrade CB, Nascimento MMS, Oliveira CA, Barbosa ICL, et al. Sumário executivo “Violência armada e saúde: investigando os sentidos e os impactos da violência entre moradores e trabalhadores da saúde e da educação em Manguinhos/Rio de Janeiro/RJ - estudo de caso”. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2020.
  • 5
    Araujo VS, Souza ER, Silva VLM. “Eles vão certeiros nos nossos filhos”: adoecimentos e resistências de mães de vítimas de ação policial no Rio de Janeiro, Brasil. Cienc Saude Colet. 2022; 27:1327-36.
  • 6
    Flauzina ALP. Corpo negro caído no chão: o sistema penal e o projeto genocida do Estado brasileiro. Rio de Janeiro: Contraponto; 2022.
  • 7
    Santos BS. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: Santos BS, Meneses MPG, organizadores. Epistemologias do Sul. Coimbra: Almedina; 2014, p. 23-71.
  • 8
    Almeida SL. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento; 2018.
  • 9
    Quijano A. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: Lander E, organizador. A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO; 2005. p. 117-42.
  • 10
    UNESCO. The race question: publication 791 [Internet]. Paris: UNESCO; 1950 [citado 3 Maio 2023]. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000128291
    » https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000128291
  • 11
    Fanon F. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA; 2008.
  • 12
    Agamben G. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: UFMG; 2002.
  • 13
    Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Saúde Integral da População Negra: uma política para o SUS. Brasília: Ministério da Saúde; 2013.
  • 14
    Weber M. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Cultrix; 2011.
  • 15
    Zaluar A, Barcellos C. Mortes prematuras e conflito armado pelo domínio das favelas no Rio de Janeiro. Rev Bras Cienc Soc. 2013; 28(81):17-31.
  • 16
    Silva LAM. Sociabilidade violenta: por uma interpretação da criminalidade contemporânea no Brasil urbano. Soc Estado. 2004; 19(1):53-84.
  • 17
    Small Arms Survey. Global firearms holdings [Internet]. Geneva: Small Arms Survey; 2020 [citado 18 Out 2023]. Disponível em: https://www.smallarmssurvey.org/database/global-firearms-holdings
    » https://www.smallarmssurvey.org/database/global-firearms-holdings
  • 18
    Pellanda A, Santos CA, Dadico CM, Cara D, Madi FR, Orsati FT, et al. Relatório ao governo de transição: o ultraconservadorismo e extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil, ataques às instituições de ensino e alternativas para a ação governamental [Internet]. São Paulo: Campanha Nacional pelo direito à educação; 2022 [citado 18 Out 2023]. Disponível em: https://campanha.org.br/acervo/relatorio-ao-governo-de-transicao-o-ultraconservadorismo-e-extremismo-de-direita-entre-adolescentes-e-jovens-no-brasil-ataques-as-instituicoes-de-ensino-e-alternativas-para-a-acao-governamental/
    » https://campanha.org.br/acervo/relatorio-ao-governo-de-transicao-o-ultraconservadorismo-e-extremismo-de-direita-entre-adolescentes-e-jovens-no-brasil-ataques-as-instituicoes-de-ensino-e-alternativas-para-a-acao-governamental/
  • 19
    Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Como o Direito Internacional Humanitário define “conflitos armados”? [Internet]. Brasília: CICV; 2008 [citado 20 Abr 2022]. Disponível em: https://www.icrc.org/sites/default/files/external/doc/pt/assets/files/other/rev-definicao-de-conflitos-armados.pdf
    » https://www.icrc.org/sites/default/files/external/doc/pt/assets/files/other/rev-definicao-de-conflitos-armados.pdf
  • 20
    Hamann-Nielebock E, Carvalho IS. A violência armada e seus impactos sobre a população civil: um fardo necessário? Rev Bras Seg Publica. 2012; 2(1):104-18.
  • 21
    Moura T. Novíssimas guerras, novíssimas pazes. Desafios conceptuais e políticos. Rev Crit Cienc Soc. 2005; 71:77-96.
  • 22
    Ribeiro FML, Andrade CB, Dias CAO, Almeida BC. Violência armada e saúde na América Latina: revisão de literatura. Rev CS. 2023; 40:141-79.
  • 23
    Silva MM. Controle de substâncias ilícitas e seus impactos em violência e saúde: estudo de caso no Rio de Janeiro (Brasil) e Lisboa (Portugal) [tese]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública; 2023.
  • 24
    Silva M, Gonçalves LF, Freitas H. Padrões de violência urbana e determinação social no município do Rio De Janeiro [Internet]. In: Anais do 14o Congresso Internacional da Rede Unida. Saúde em Redes; 2020; Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: 2020 [citado 29 Maio 2021]. Disponível em: https://www.redeunida.org.br/pt-br/evento/8/standalone/anais/?title=10372
    » https://www.redeunida.org.br/pt-br/evento/8/standalone/anais/?title=10372
  • 25
    Ribeiro FML, Silva MM, Andrade C, Nascimento MMS, Oliveira CA, Barbosa ICL, et al. Lives violência armada e saúde. Catálogo pesquisa violência armada e saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2021.
  • 26
    Serpelon F, Radtke K, Assis S, Henning F, Nätt D, Elbert T. Grandmaternal stress during pregnancy and DNA methylation of the third generation: an epigenome-wide association study. Transl Psychiatry. 2017; 7(8):e1202.
  • 27
    Serpeloni F, Radtke KM, Hecker T, Sill J, Vukojevic V, Assis SG, et al. Does prenatal stress shape postnatal resilience? An epigenome-wide study on violence and mental health in humans. Front Genet. 2019; 10:269.
  • 28
    Avanci J, Serpeloni F, Oliveira TP, Assis SG. Posttraumatic stress disorder among adolescents in Brazil: a cross-sectional study. BMC Psychiatry. 2021; 21(1):75.
  • 29
    Serpeloni F, Narrog JA, Assis SG, Avanci JQ, Carleial S, Köbach A. Narrative exposure therapy versus treatment as usual in a sample of trauma survivors who live under ongoing threat of violence in Rio de Janeiro, Brazil: study protocol for a randomised controlled trial. Trials. 2021; 22(165):1-10.
  • 30
    Serpeloni F, Narrog JA, Pickler B, Avanci JQ, Assis S, Koebach A. Terapia de exposição narrativa para o tratamento do transtorno de estresse pós-traumático com pessoas que passaram por violência doméstica e comunitária: estudo de série de casos em dois centros de saúde no Rio de Janeiro, Brasil. Cienc Saude Colet. 2023; 28:1619-30.
  • 31
    Silva J, Fernandes L-F, Willadino R. Grupos criminosos armados com domínio de território. In: Justiça Global, organizador. Segurança, tráfico e milícias no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Justiça Global; 2008. p. 16-24.
  • 32
    Fazzioni NH. Tiro que mata, tiro que “cura”, tiro que fere: notas etnográficas sobre violência armada e direito à saúde. Antropolítica. 2020; 47:168-90.
  • 33
    Zaluar A, Noronha JC, Albuquerque C. Violência: pobreza ou fraqueza institucional? Cad Saude Publica. 1994; 10 Supl 1:213-7.
  • 34
    GENI. Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos. Mapa dos Grupos Armados do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Universidade Federal Fluminense; 2020 [citado 20 Maio 2024]. Disponível em https://geni.uff.br/2022/09/13/mapa-historico-dos-grupos-armados-no-rio-de-janeiro/
    » https://geni.uff.br/2022/09/13/mapa-historico-dos-grupos-armados-no-rio-de-janeiro/
  • 35
    Agamben G. Estado de exceção. São Paulo: Boitempo; 2004.
  • 36
    Passos RG. “Crimes da paz”: as expressões do racismo na saúde mental da população negra. In: Magno PC, Passos RG, organizadores. Direitos humanos, saúde mental e racismo: diálogos à luz do pensamento de Frantz Fanon. Rio de Janeiro: Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro; 2020. p. 72-83.
  • 37
    Damasceno MG, Zanello VML. Saúde mental e racismo contra negros: produção bibliográfica brasileira dos últimos quinze anos. Psicol Cienc. 2018; 38(3):450-64.
  • 38
    Kadir A, Shenoda S, Goldhagen J, Pitterman S. The effects of armed conflict on children. Pediatrics. 2018; 142(6):e20182585.
  • 39
    Luz MP, Coutinho ESF, Berger W, Mendlowicz MV, Vilete VMP, Mello MF, et al. Conditional risk for posttraumatic stress disorder in an epidemiological study of a Brazilian urban population. J Psychiatr Res. 2016; 72:51-57.
  • 40
    Neuner F, Schauer M, Karunakara U, Klaschik C, Robert C, Elbert T. Psychological trauma and evidence for enhanced vulnerability for posttraumatic stress disorder through previous trauma among West Nile refugees. BMC Psychiatry. 2004; 4(1):1-7.
  • 41
    Carter RT, Kirkinis K, Johnson VE. Relationships between trauma symptoms and race-based traumatic stress. Traumatology. 2020; 26(1):11-8.
  • 42
    Schauer M, Neuner F, Elbert T. Narrative exposure therapy: a short-term treatment for traumatic stress disorders. 2a ed. Göttingen: Hogrefe Publishing; 2011.
  • 43
    Silva HC, Rosa MM, Berger W, Luz MP, Mendlowicz M, Coutinho ES, et al. PTSD in mental health outpatient settings: highly prevalent and under-recognized. Braz J Psychiatry. 2019; 41(3):213-7.
  • 44
    Valla VV. Pobreza, emoção e saúde: uma discussão sobre pentecostalismo e saúde no Brasil. Rev Bras Educ. 2002; (19):63-75.
  • 45
    Cerqueira D, coordenador. Atlas da violência 2019. São Paulo: IPEA, FBSP; 2019.
  • 46
    Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências. Brasília: Ministério da Saúde; 2005.
  • 47
    Ribeiro FML, Minayo MC. As mudanças na política brasileira de drogas: o avanço da lógica da justiça sobre a saúde. Cult Droga. 2020; 25(29):17-39.
  • 48
    Napolião P, Castro G. Imposição da fé como política pública: comunidades terapêuticas no Rio de Janeiro [Internet]. Rio de Janeiro: CESeC; 2022 [citado 5 Out 2023]. Disponível em: https://cesecseguranca.com.br/livro/imposicao-da-fe-como-politica-publica-comunidades-terapeuticas-no-rio-de-janeiro/
    » https://cesecseguranca.com.br/livro/imposicao-da-fe-como-politica-publica-comunidades-terapeuticas-no-rio-de-janeiro/
  • 49
    Catarino FC. Terapia de exposição narrativa: estudo de avaliabilidade em dois serviços de saúde no município do Rio de Janeiro [dissertação]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública; 2020.
  • 50
    Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Manual orientador para gestores acesso mais seguro. Brasília: CICV; 2021 [citado 5 Out 2023]. Disponível em: https://www.icrc.org/pt/publication/manual-orientador-para-gestores-sobre-acesso-mais-seguro
    » https://www.icrc.org/pt/publication/manual-orientador-para-gestores-sobre-acesso-mais-seguro
  • 51
    Brasil. Supremo Tribunal Federal. ADPF - Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635, de 19 de Novembro de 2019. Brasília: Supremo Tribunal Federal; 2019.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    26 Out 2023
  • Aceito
    15 Jun 2024
UNESP Botucatu - SP - Brazil
E-mail: intface@fmb.unesp.br