Resumos
Este artigo apresenta resultados de uma pesquisa qualitativa que teve como objetivo analisar a implementação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH) em território amazônico, tomando como referência a cidade de Belém do Pará. Foram realizadas entrevistas com gestores, trabalhadores e usuários e potenciais usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). A partir do referencial teórico-metodológico das práticas discursivas, em psicologia social, a análise do material identificou a pouca institucionalidade nas ações realizadas, a intensa rotatividade nos cargos de gestão, equipes reduzidas, escassez de recursos financeiros e relatos de discriminação contra homens da população LGBTQIA+ e indígenas. Conclui-se que os caminhos para superar os desafios na implementação da PNAISH envolvem a necessidade de uma leitura interseccional que considere as particularidades do território amazônico, além de uma maior relevância da política na dinâmica dos serviços e da gestão.
Palavras-chave
Saúde do homem; Políticas de saúde; Amazônia
This article presents the results of a qualitative research that aimed to analyze the implementation of the National Policy for Comprehensive Men's Health Care (PNAISH) in the Amazonian territory, taking the city of Belém (Pará) as a reference. Interviews were conducted with managers, workers, users and potential users of the Brazilian National Health System (SUS). Based on theoretical-methodological framework of the discursive practices, in social psychology, the analysis of the material identified the little institutionality in the actions carried out, the intense turnover in management positions, reduced teams, scarcity of financial resources and reports of discrimination against men from the LGBTQIA+ population and indigenous people. It is concluded that the ways to overcome the challenges in the implementation of PNAISH involve the need for an intersectional reading that considers the particularities of the Amazon territory, in addition to a greater relevance of the policy in the dynamics of services and management.
Keywords
Men's health; Health policy; Amazon
Este artículo presenta los resultados de una investigación cualitativa que tuvo como objetivo analizar la implementación de la Política Nacional de Atención Integral a la Salud del Hombre (PNAISH) en el territorio amazónico, tomando como referencia la ciudad de Belém (Pará). Se realizaron entrevistas con directivos, trabajadores y (potenciales) usuarios del Sistema Brasileño de Salud (SUS). A partir del marco teórico-metodológico de las prácticas discursivas, el análisis del material identificó la poca institucionalidad en las acciones realizadas, la intensa rotación en los cargos directivos, la reducción de equipos, la escasez de recursos financieros y las denuncias de discriminación hacia los hombres de la población LGBTQIA+ e indígenas. Se concluye que las formas de superar los desafíos en la implementación del PNAISH implican la necesidad de una lectura interseccional que considere las particularidades del territorio amazónico, además de una mayor pertinencia de la política en la dinámica de servicios y gestión.
Palabras clave
Salud de los hombres; Política de salud; Amazonia
Introdução
Pesquisas sobre condições de adoecimento e morte dos homens em diferentes países apresentam um padrão semelhante. Há, via de regra, sobremortalidade masculina e menor expectativa de vida para os homens quando comparados às mulheres, assim como maior probabilidade de morte por câncer, doenças cardiovasculares, suicídio, acidentes de trânsito, consumo excessivo de cigarro, álcool e de alimentos prejudiciais à saúde11 Baker P. Men’s health: time for a new approach. Phys Ther Rev. 2018; 23(2):144-50.. Na América Latina, são as doenças cardiovasculares, a violência interpessoal e acidentes de trânsito que vêm sendo apontadas como as principais causas da mortalidade de homens jovens e adultos22 Organización Panamericana de la Salud. Masculinidades y salud en la Región de las Américas. Washington: OPS; 2019..
Este cenário é também comum ao Brasil, onde aspectos como a pobreza, a desigualdade social e o racismo possuem relação estreita com a condição de saúde, internações e a morbi-mortalidade dos homens, principalmente os negros e jovens33 Cesaro BC, Santos HB, Silva FNM. Masculinidades inerentes à política brasileira de saúde do homem. Rev Panam Salud Publica. 2019; 42:e119.
4 Lyra J. Homem, jovem, negro e pobre: um novo sujeito para as políticas públicas? In: Lyra J, Medrado B, Oliveira AR, Sobrinho A, editores. Juventude, mobilização social e saúde: interlocuções com políticas públicas [Internet]. 2a ed. Recife: Instituto Papai / MAB /Canto Jovem; 2010 [citado 01 Dez 2022]. p. 109-30. Disponível em: http://www.unfpa.org.br/Arquivos/ena.pdf
http://www.unfpa.org.br/Arquivos/ena.pdf... -55 Medrado B, Lyra J, Valente MB, Azevedo M, Noca NM. A construção de uma Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. In: AraújoTrindade Z, Menandro MCS, Nascimento CRR, editores. Masculinidades e Práticas de Saúde. Vitória: GM Editora; 2011. p. 27-36..
Reconhecendo as particularidades do contexto de vida dos homens e buscando desenvolver ações de saúde voltadas para a população masculina, foi instituída por meio da Portaria GM/MS nº 1944, em 27 de agosto de 2009, em território nacional, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH)66 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Política nacional de atenção integral à saúde do homem: princípios e diretrizes. Brasília: Ministério da Saúde; 2009.. Trata-se de uma proposta pioneira na América Latina, tornando o Brasil um dos poucos países no mundo com uma política pública voltada especificamente para a população masculina. No entanto, apesar da relevância desta política, algumas pesquisas criticam o distanciamento, na prática, dos princípios que a fundamentam, muitas vezes resvalando em uma visão biomédica de saúde, construída com pouco espaço para diálogos entre distintas concepções de saúde do homem77 Hemmi APA, Baptista TWDF, Rezende MD. O processo de construção da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. Physis. 2020; 30:e300321..
Além disso, não são poucos os desafios de implementação dessa política, considerando especialmente a extensão e complexidade do território brasileiro, formado por cinco regiões (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul), cada qual com suas particularidades88 Lyra J, Medrado B. Relatório da Pesquisa “Análise da implementação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem – PNAISH”. Brasília, Recife: Coordenação de Saúde do Homem / Ministério da Saúde, Universidade Federal de Pernambuco; 2021..
De acordo com Oliveira99 Oliveira PTR. Desigualdade Regional e o Território da Saúde na Amazônia. Belém: EDUFPA; 2008., a região da Amazônia Legal ainda é a região com o menor desenvolvimento social e econômico do Brasil. Isso confere uma desigualdade na distribuição de recursos e, consequentemente, na estrutura e acesso aos serviços de saúde1010 Rocha R, Camargo M, Falcão L, Silveira M, Thomazinho G. A Saúde na Amazônia Legal: Uma Agenda para Ação. [s.l.]: IMAZON, IEPS, PUC Rio, Climate Policy Initiative; 2022 [citado 01 Dez 2022]. Disponível em: https://amazonia2030.org.br/wp-content/uploads/2022/03/AMZ2030-35.pdf
https://amazonia2030.org.br/wp-content/u... .
Resultados do relatório intitulado “Análise da Implementação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem”, de Lyra e Medrado88 Lyra J, Medrado B. Relatório da Pesquisa “Análise da implementação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem – PNAISH”. Brasília, Recife: Coordenação de Saúde do Homem / Ministério da Saúde, Universidade Federal de Pernambuco; 2021., ajudam a compreender o contexto da Região Norte relacionado à saúde do homem. É a única dentre as regiões do país em que as doenças do aparelho circulatório não estão em primeiro lugar em taxa de mortalidade. Nesta, as mortes por causas externas lideram, sendo seguidas pelas doenças do aparelho circulatório, neoplasias (tumores) e doenças do aparelho respiratório.
Diante dessa realidade, há o desafio de implementar uma política específica para atender às necessidades de saúde da população na Região Norte. Experiências em sua implementação mostram que a insuficiência de recursos financeiros é um dos maiores entraves1111 Mozer IT, Paula Corrêa ÁC. Gestão do processo de implementação da política de saúde do homem. Rev Enferm UERJ. 2016; 24(1):e9483., assim como a centralização em ações de detecção precoce do câncer de próstata1212 Mozer IT, Corrêa ÁCDP. Implementation of the National Policy for Men's Health: case in a Brazilian capital. Esc Anna Nery. 2014; 18:578-85..
Além disso, pesquisas evidenciam que profissionais de saúde enfatizam a baixa capacidade das gestões das esferas municipal, estadual e federal em fornecer estratégias para levar os cuidados em saúde até os homens e a descontinuidade das ações de implementação da PNAISH, que privilegiam diversas vezes o período da campanha do Novembro Azul, mas depois são abandonadas1313 Sousa ARD, Oliveira JAD, Almeida MSD, Pereira Á, Almeida ÉS, Vergara Escobar OJ. Implementação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem: desafios vivenciados por enfermeiras. Rev Esc Enferm USP. 2021;55.. Já os homens têm relatado desconhecer a política e se sentem desestimulados a buscar os serviços por conta da longa espera nas Unidades Básicas de Saúde e na marcação de consultas e exames1414 Júnior CDS, de Souza JR, Silva NS, de Almeida SP, Torres LM. Saúde do homem na atenção básica: fatores que influenciam a busca pelo atendimento. Rev Ciênc Plural. 2022;8(2):1-18..
Considerando esse contexto e estudos que vêm sendo realizados no estado do Pará e na Região Norte sobre saúde dos homens1515 Da Costa VDRG. Eu uso andiroba pra tudo: práticas de cuidado em saúde de homens em Belém-PA [dissertação de mestrado]. Belém: Universidade Federal do Pará; 2021. e masculinidades na Amazônia1616 Oliveira RCL, Alvarenga EC. Masculinidades na Amazônia: pensamentos a partir de uma perspectiva decolonial. In: Lemos FCS, Galindo D, Bicalho PPG, Lima AF, Barros JPP, Benelli SJ, Moraes Junior MR, Barros Neta FT, eds. Ética e política contracolonial: encontros entre Filosofia, Psicologia e História. CRV; 2024. p. 429-462. https://doi.org/10.24824/978652515769.6.
https://doi.org/10.24824/978652515769.6... , o objetivo deste artigo é analisar a implementação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem em território amazônico, tomando como referência a cidade de Belém (Pará).
Este texto foi produzido no contexto do Projeto “Análise da implementação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem”, coordenado pelo Núcleo Feminista de Pesquisas em Gênero e Masculinidades (Gema/UFPE), em parceria com a Universidade Federal do Pará.
Metodologia
Fez-se uso de procedimentos diversos para a produção das informações na presente pesquisa, principalmente entrevistas, tanto individuais como em grupos, visando dialogar sobre a PNAISH com os diferentes interlocutores estratégicos: gestores em saúde, trabalhadores/as, usuários e potenciais usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). Ao todo, dialogamos com 33 pessoas durante o segundo semestre de 2018, ano que marca o aniversário de dez anos da PNAISH.
Foram entrevistados o coordenador estadual e um servidor que trabalha na coordenação estadual desde o início da implantação da PNAISH; e a coordenadora municipal da política de saúde do homem, além de uma técnica do município que atua na gestão. Na ocasião, a gestora municipal indicou uma Unidade Básica de Saúde para a posterior entrevistas com seus/suas trabalhadores/as e usuários.
Nessa Unidade, foram realizadas nove entrevistas: com uma médica, duas enfermeiras, uma técnica de enfermagem e cinco agentes comunitários de saúde.
A estratégia para escutar os usuários da Unidade foi a entrevista em grupo. Mesmo tendo sido convidados com antecedência, apenas cinco homens apareceram para o grupo focal. Os participantes eram todos negros e se declararam heterossexuais, tinham entre 43 e 68 anos, com filhos, sendo três deles casados e dois solteiros.
Visando ampliar a análise sobre produções discursivas dos homens sobre o cuidado em saúde, optou-se por realizar entrevistas com potenciais usuários do SUS, concebendo-os como aqueles homens que são ou podem vir a ser usuários do SUS. Assim, objetivando abarcar homens atravessados por marcadores sociais diversos, entrevistou-se 15 potenciais usuários, escolhidos a partir de uma amostragem por conveniência, que apresentasse uma condição desafiadora para a PNAISH88 Lyra J, Medrado B. Relatório da Pesquisa “Análise da implementação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem – PNAISH”. Brasília, Recife: Coordenação de Saúde do Homem / Ministério da Saúde, Universidade Federal de Pernambuco; 2021.: homens, que em virtude de alguma condição ou contingência, apresentavam maior dificuldade de acesso aos serviços, segundo os/as profissionais e gestores/as entrevistados/as. Entre esses, foram incluídos: caminhoneiro, homem com deficiência, homem em situação de rua, homem trans, homem vivendo com HIV, homossexual, idoso, indígena, jovem, pai, parceiro de companheira grávida, portuário, ribeirinho, quilombola e trabalhador braçal.
O referencial teórico-metodológico que deu sustentação às análises aqui empreendidas foi orientado pela abordagem das práticas discursivas em psicologia social1717 Spink MJ. Práticas discursivas e produção de sentidos no cotidiano: aproximações teóricas e metodológicas. Cortez; 2000., fazendo uso da técnica de mapas dialógicos, em uma perspectiva qualitativa de pesquisa1818 Denzin N, Lincoln Y. A disciplina e a prática da pesquisa qualitativa. In: Denzin N, Lincoln Y. O Planejamento da Pesquisa Qualitativa: teorias e abordagens. 2 ed. Porto Alegre: Artmed Bookman; 2006.. Para operacionalização da análise, aplicou-se uma adaptação do Modelo Operacional de Análise de Políticas Públicas, proposto por Araújo Júnior1919 Araújo Junior, JL. Health sector reform in Brazil, 1995-1998: an health policy analysis of a developing health system. Thesis (PhD in Health Services Studies) – The University of Leeds. 2000., como norteador para analisar especialmente o contexto histórico e funcionamento atual da política.
Esta proposta foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa cujo número do processo é CAAE 86897718.1.0000.5208.
Resultados
Como forma de sistematizar as informações produzidas apresentamos duas seções: 1) Implementação da PNAISH: histórico e funcionamento atual; 2) Diálogo com os eixos estruturantes da política nacional. Na primeira seção, destacamos aspectos relacionado a contextos e processos que configuram a implementação da PNAISH e, na segunda seção, focalizamos o conteúdo das práticas discursivas, tomando como referência um diálogo direto com os documentos que orientam as diretrizes da PNAISH, potencializando discussões com documentos e orientações preconizadas pela política nacional.
Implementação da PNAISH: histórico e funcionamento atual
Conforme gestores entrevistados, o acontecimento que marca o início de ações voltadas à temática “saúde do homem” no estado do Pará foi um projeto piloto do Ministério da Saúde para a implementação da PNAISH em três municípios: Belém, Altamira e Marabá. Desse modo, a Coordenação Estadual da Saúde do Homem e as coordenações municipais nas cidades escolhidas foram criadas em 2010.
As entrevistas com o gestor estadual e a gestora do município de Belém mostram que desde então houve pouca institucionalidade nas ações realizadas referentes à saúde do homem. Isto também é observado ao analisar os sites das coordenações de saúde do homem (estado e município de Belém): as poucas informações existentes estão desatualizadas há anos. Como exemplo, a Referência Técnica em Saúde do Homem não constava no organograma da Secretaria de Saúde do Município (SESMA).
A instabilidade dos cargos de coordenação é algo constante, principalmente na coordenação estadual, que sofreu repetidas reconfigurações durante a realização desta pesquisa, que durou entre 2018 e 2021. Foi verificado que alguns nomes ficaram menos de dez dias na gestão, o que impossibilita o desenvolvimento de um trabalho significativo na área e avaliação contínua e progressiva. No município, apesar de apresentar uma longevidade maior de coordenadoras no cargo, a instabilidade era constantemente referida. A gestora relatou monitorar os diários oficiais do município a fim de que pudesse saber de um eventual desligamento. Devido à rotatividade intensa da equipe, a atuação era majoritariamente pensada a curto prazo, com pouco espaço para planejamentos efetivos.
Um dos aspectos que merece destaque no contexto de implementação da PNAISH foi a precariedade do trabalho na gestão desta política, marcada por equipes reduzidas, muitas vezes composta de uma pessoa só, a ponto de questionarmos até se devemos chamar de equipe o trabalho feito, na maioria, por uma única pessoa (conhecida jocosamente como “euquipe”).
Acrescenta-se a isso o quase inexistente orçamento destinado diretamente para a implementação da política no Pará e no município de Belém. Sendo assim, as possibilidades de atuação são bastante limitadas. Para viabilizar as ações, as gestões trabalham em parceria com outras áreas técnicas que possuem repasse financeiro, tais como saúde do idoso, IST e Aids, tuberculose e hanseníase, hepatites virais e nutrição.
Outro ponto a ser destacado é que o estado do Pará possui uma baixa cobertura da atenção primária em saúde, inclusive na cidade de Belém2020 Alvarenga EC, Oliveira PDTRD, Pinheiro HHCC, Carneiro VCCB. Condições de trabalho de equipes de saúde da família do Pará. Rev. NUFEN. 2018., influenciando diretamente a política de saúde do homem, uma vez que tem na atenção primária seu ponto central de atuação.
Grande parte das ações que as coordenações estaduais e municipais estabeleciam tem caráter de oficinas, palestras e de ações educativas para capacitação e apresentação da política para trabalhadoras/es da atenção primária, não sendo realizadas ações para aprofundamento da temática em outros níveis de atenção à saúde.
Portanto, percebe-se que mesmo sendo implantada em 2010, e apesar dos esforços dos/as gestores/as da política, a PNAISH ainda é realizada de forma pouco expressiva no estado do Pará e no município de Belém. A falta de (re)conhecimento da política dentro das secretarias de saúde, a instabilidade dos cargos de gestão, ausência de repasse financeiro, assim como profissionais atuantes nas coordenadorias de saúde do homem são as fragilidades mais evidenciadas no território pesquisado.
Diálogo com os eixos da política nacional
A análise dos diálogos com os/as 33 interlocutores/as estratégicos/as da pesquisa apresentam aspectos relevantes para pensar as potencialidades e as dificuldades de implementação da PNAISH em território amazônico, as quais apresentamos aqui a partir dos cinco eixos orientadores da política nacional: a) Acesso e acolhimento; b) Saúde sexual e reprodutiva; c) Paternidade e cuidado; d) Doenças prevalentes na população masculina; e) Prevenção de violências e acidentes.
Acesso e acolhimento
Os homens entrevistados falam pouco sobre o acesso e acolhimento nos serviços de atenção primária à saúde em Belém; dão maior ênfase aos outros níveis de atenção (secundária e terciária), talvez pela maior procura se desenvolver nestes planos. Ser atendido em consultas especializadas, fazer exames que dependem de um maquinário de alta tecnologia ou realizar cirurgias pode demorar meses. As longas esperas em filas fazem com que diversos homens relatem desmotivação em buscar por cuidados em saúde.
Outra questão frequentemente mencionada é a jornada de trabalho dos homens em conjunto com o horário de atendimento das unidades básicas de saúde. O modo como o trabalho se configura no sistema capitalista, que perpassa uma intensificação e flexibilidade das atividades por meio do acúmulo cada vez maior de tarefas, a redução no tamanho de equipes de trabalho e a precariedade das condições em que atuam2121 Sennett R. The corrosion of character: The personal consequences of work in the new capitalism. WW Norton & Company; 1998.,2222 Harvey D. The Condition of Postmodernity: An Enquiry into the Origins of Cultural Change. Basil Blackwell Ldt; 1992., faz com que os homens e as mulheres tenham mais dificuldades para conseguir buscar cuidados em saúde.
O recente aumento na quantidade de pessoas trabalhando na informalidade2323 Marques L. Trajetórias da informalidade no Brasil contemporâneo. Fundação Perseu Abramo; 2021. também prejudica esse cenário, pois este tipo de atividade não garante qualquer regulamentação em relação a horário, remuneração e outros direitos. Logo, várias pessoas deixam de ir aos serviços, pois isso significa perdas financeiras.
A respeito do acolhimento dos homens nos serviços, observou-se que as/os trabalhadoras/es da saúde relatam a importância da escuta, uma tecnologia leve fundamental no processo de trabalho em saúde2424 Franco TB, Merhy EE. Trabalho, produção do cuidado e subjetividade em saúde: textos reunidos. São Paulo: Hucitec; 2013.. Contudo, o discurso dos homens usuários e potenciais usuários traz outra concepção: o de um cuidado realizado a partir de uma perspectiva estritamente biomédica. Sob essa abordagem, o homem é visto quase que exclusivamente a partir de sua doença. Isto produz incômodos nestes homens, que relatam acolhimentos feitos com pouco contato visual e em atendimentos rápidos.
Aqui é necessário se discutir também o contexto do trabalho em saúde que diversas vezes é marcado por uma formação biomédica e por condições de trabalho que reforçam este tipo de atendimento. As metas elevadas de atendimentos diários, a baixa cobertura dos serviços de saúde e o intenso número de demandas espontâneas dos usuários impulsionam para um trabalho baseado em tecnologias duras e leve-duras2424 Franco TB, Merhy EE. Trabalho, produção do cuidado e subjetividade em saúde: textos reunidos. São Paulo: Hucitec; 2013., com pouca escuta, toques, olhares e outras tecnologias leves.
Existe uma dificuldade dos participantes de identificarem o que seria um serviço específico para a saúde do homem e o que eles deveriam buscar nas unidades. Um dos nossos entrevistados acredita que os serviços deveriam oferecer mais informações sobre o que os homens devem fazer e quais médicos procurar. Os serviços ainda precisam investir no acolhimento aos homens para que eles se sintam mais integrados às rotinas das unidades de saúde, como proposto na PNAISH.
O acesso e acolhimento aos homens deve também levar em consideração a diversidade de contextos e marcadores sociais que atravessam este segmento da população. Alguns potenciais usuários relataram sofrer discriminação e racismo quando procuraram as unidades de saúde. O homem indígena relatou que se sentiu constrangido pelos olhares de estranhamento dos/as trabalhadores/as da Unidade devido às pinturas corporais próprias da sua etnia. Uma revisão integrativa da literatura indicou que um dos obstáculos de acesso de indígenas sul-americanos aos serviços da atenção básica é o medo do indígena sofrer discriminação ou humilhação nas unidades de saúde2525 Sandes LFF, Freitas DA, Souza MFNS, Leite KBS. Atenção primária à saúde de indígenas sul-americanos: revisão integrativa da literatura. Rev Panam Salud Publica. 2018;42:e163. https://doi.org/10.26633/RPSP.2018.163
https://doi.org/10.26633/RPSP.2018.163... . Esse aspecto é particularmente preocupante, uma vez que mais da metade da população indígena do Brasil (51,2%) vive na região da Amazônia Legal2626 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo demográfico 2022: resultados preliminares. Rio de Janeiro: IBGE; 2023., fazendo-se necessária maior atenção a esse grupo populacional nesse território.
O homem trans também mencionou não se sentir à vontade nos serviços de saúde, pois dificilmente é respeitado o seu nome social, coadunando, portanto, com os achados de uma revisão integrativa de literatura nacional sobre o acesso aos serviços de saúde por homens transexuais, que identificou nas atitudes discriminatórias dos/as profissionais um dos principais desafios para a atenção à saúde dessa população2727 Gomes M dos S, Sousa FJG de, Fraga FA, Ribeiro CR, Lemos A. Transsexual men and access to health services: integrative review. RSD [Internet]. 2021Feb.2 [cited 2024Oct.7];10(2):e2110212018. Available from: https://rsdjournal.org/index.php/rsd/article/view/12018
https://rsdjournal.org/index.php/rsd/art... .
Faz-se necessário uma análise interseccional – importante legado teórico e político do feminismo negro – para compreender as formas de articulação de poder estruturais do racismo, capitalismo e patriarcado que colocam grupos sociais em situação de maior vulnerabilidade que outros2828 Vigoya MV. As cores da masculinidade: experiências interseccionais e práticas de poder na Nossa América. Rio de Janeiro: Papéis Selvagens; 2018.. O exemplo de discriminação apontado pelos entrevistados revisita a necessidade de questionar para quais homens a PNAISH se destina e se há a preocupação de tornar o acesso aos serviços de saúde universal e equitativo.
Os atendimentos às demandas específicas dos homens precisam abranger um conjunto de ações executadas nos mais diferentes níveis de atenção. Para tal, é necessário incluir em estratégias de educação permanente dos/as trabalhadores/as do SUS temas que estejam relacionados à saúde do homem e às diversas formas de ser homem. Há a necessidade de reorganização de ações em saúde de maneira que seja mais inclusiva dentro da diversidade das masculinidades para que, assim, homens percebam serviços de saúde também como espaços masculinos.
Saúde sexual e reprodutiva
Houve poucas referências à saúde sexual e reprodutiva nas entrevistas com os/as participantes da pesquisa. Quem ainda mencionou a respeito desse eixo foram os gestores, mais especificamente no que tange à intenção ou não dos homens de realizarem a vasectomia. O gestor estadual afirma que os homens evitam o procedimento por medo de que possa afetar o desejo e/ou desempenho sexual. De outro lado, a gestora municipal lamenta que o estado do Pará não ofereça o serviço em nenhum município, uma vez que há procura pela população masculina. Os métodos de contracepção costumam incidir mais sobre o corpo da mulher do que o do homem, sendo a laqueadura das trompas mais frequente do que a vasectomia2929 Ribeiro CR, Gomes R, Moreira MCN. Encontros e desencontros entre a saúde do homem, a promoção da paternidade participativa e a saúde sexual e reprodutiva na atenção básica. Physis [Internet]. 2017Jan;27(1):41–60. Available from: https://doi.org/10.1590/S0103-73312017000100003
https://doi.org/10.1590/S0103-7331201700... . Além disso, a região Norte apresenta o menor quantitativo de vasectomias entre todas as regiões3030 Santos DR dos, Mangabeira JV da C, Silva MVA, José BMPA, Valente MA, Dias P dos S, Gomes CB da S, Silva AFT da, Pinto LOD, Barros CAV de. Crescimento da vasectomia no Sistema Único de Saúde entre 2009 a 2018: um estudo retrospectivo. REAS [Internet]. 5mar.2020 [citado 7out.2024];12(3):e2822. Available from: https://acervomais.com.br/index.php/saude/article/view/2822
https://acervomais.com.br/index.php/saud... .
Outro aspecto relacionado à saúde sexual e reprodutiva foi a estrita relação que a gestora municipal fez entre a saúde de homens gays e a infecção pelo vírus HIV. A única menção feita à saúde de homens gays foi a relacionando com a distribuição de camisinhas e as ações feitas pela Coordenadoria da IST/Aids. Isso mostra uma visão reducionista a respeito desta população, limitando as possibilidades de saúde integral de cuidados aos homens não heterossexuais.
É importante destacar a invisibilidade da discussão sobre orientação sexual e identidade de gênero não hegemônicas nos discursos de todas as categorias entrevistadas. Com exceção dos potenciais usuários gay e transexual, a temática de direitos sexuais não aparece nas entrevistas realizadas, inclusive entre os gestores e trabalhadoras/es de saúde, que deveriam estar atentos à diversidade de formas de ser homem e viver as masculinidades.
Paternidade e cuidado
A Estratégia do Pré-natal do Parceiro é a principal maneira com que o eixo de paternidade e cuidado tem sido abordado no contexto do estado do Pará e da cidade de Belém. Tal estratégia busca contextualizar a importância de um desenvolvimento consciente e ativo dos homens em todas as ações voltadas ao planejamento reprodutivo.
A estratégia amplia o acesso e acolhimento dos homens aos serviços da atenção básica em saúde, uma vez que o usuário tem acesso a testes rápidos, exame de rotina, atualização do cartão de vacina, além da participação no momento do parto3131 Hermann A, et al. Guia do pré-natal do parceiro para profissionais de saúde. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde; 2016..
O Guia do Pré-Natal do Parceiro para Profissionais de Saúde3232 Ribeiro CR, Gomes R, Moreira MCN. Encontros e desencontros entre a saúde do homem, a promoção da paternidade participativa e a saúde sexual e reprodutiva na atenção básica. Physis. 2017;27:41-60. apresenta a necessidade de participação do público masculino, a importância de se exercer a paternidade e de se fazer presente na gestação e criação das crianças. Contudo, observa-se resistência de uma parcela da população à ideia de homens participarem das atividades consideradas “femininas”, como o cuidado com bebês, por exemplo. É necessário estruturar estratégias para que as/os trabalhadoras/es e o público em geral possam reconhecer e valorizar as formas de cuidado que os homens podem (e devem) fazer.
Um participante relatou ter uma nova concepção de ser homem a partir do nascimento de seu filho: agora era preciso ser responsável, prover recursos financeiros à família. Para diversos homens, ser pai não é apenas “fazer filhos”; está relacionado também à capacidade de sustentá-los e propiciar educação. Isso faz com que o trabalho remunerado seja algo primordial na sua paternidade e masculinidade; logo, “fazer o filho” comprova um atributo físico da masculinidade, da mesma maneira que o sustentar e educar comprova seu atributo moral. Ter um filho, portanto, concretiza ideias como a virilidade heterossexual3232 Ribeiro CR, Gomes R, Moreira MCN. Encontros e desencontros entre a saúde do homem, a promoção da paternidade participativa e a saúde sexual e reprodutiva na atenção básica. Physis. 2017;27:41-60., ao mesmo tempo em que se constitui como porta de entrada para uma efetiva implementação de uma política de cuidado e autocuidado ofertada aos homens.
Nesse sentido, ainda que a participação mais ativa do pai nas consultas de pré-natal tem se mostrado benéfica para a saúde da criança e da família3333 Almeida DCS, Donaduzzi DS da S, Fettermann FA, Cortes LF, Sehnem GD. Potentialities and weaknesses related to the participation of the father/partner in prenatal care in the perception of nurses. RSD [Internet]. 2020 Jun. 29 [cited 2024Oct.7];9(8):e183985434. Available from: https://rsdjournal.org/index.php/rsd/article/view/5434
https://rsdjournal.org/index.php/rsd/art... , a presença dos homens ainda é muito baixa, assim como o número de registros de consultas de pré-natal do parceiro3434 Ferraz J da SP, Santos M do ES e, Gaspar MC da S, Guide TV, Ribeiro AE. PANORAMA EPIDEMIOLÓGICO DO PRÉ-NATAL DO PARCEIRO E PRÉ-NATAL DA GESTANTE NO BRASIL. REASE [Internet]. 30º de abril de 2022 [citado 7º de outubro de 2024];8(4):948-57. Disponível em: https://periodicorease.pro.br/rease/article/view/4995
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Doenças prevalentes na população masculina
O câncer de próstata está muito presente no discurso dos participantes, principalmente os mais velhos, uma vez que a realização do exame de próstata aparece como um cuidado preventivo em saúde a ser realizado anualmente. No entanto, é interessante notar que essa não é a principal causa de morte ou morbidade a que os homens estão expostos, como reconhece a gestora municipal entrevistada.
De acordo com Lyra e Medrado88 Lyra J, Medrado B. Relatório da Pesquisa “Análise da implementação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem – PNAISH”. Brasília, Recife: Coordenação de Saúde do Homem / Ministério da Saúde, Universidade Federal de Pernambuco; 2021., as mortes por causas externas lideram as taxas de mortalidade de homens na Região Norte, sendo seguidas pelas doenças do aparelho circulatório, neoplasias (tumores) e doenças do aparelho respiratório. Mesmo entre as taxas de morbidade, as causas externas continuam em primeiro lugar, seguidas respectivamente pelas doenças do aparelho respiratório, algumas doenças infecciosas e parasitárias, doenças do aparelho digestivo e doenças do aparelho circulatório
O câncer de próstata é uma preocupação dentre os agravos em saúde na população masculina, porém sua presença no imaginário dos entrevistados não se justifica pela sua alta incidência nos homens, mas talvez se justifique pela importância do órgão genital masculino como marca socialmente construída como fundamental da masculinidade3535 Gomes R. Saúde do homem em debate. Editora Fiocruz; 2011..
Outra possibilidade é a percepção de que a PNAISH se restringe a tratar os problemas urológicos3636 Gomes R, Leal AF, Knauth D, Silva GSN. Sentidos atribuídos à política voltada para a Saúde do Homem. Ciênc Saúde Coletiva. 2012; 17:2589-2596.. Nesse aspecto, é preciso destacar a forte presença da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) na construção desta política, uma vez que esta entidade realizou uma série de campanhas no período anterior à criação da PNAISH visando conscientizar a população sobre a necessidade de prevenção e tratar doenças como a disfunção erétil, a andropausa e as doenças da próstata3737 Carrara S, Russo JA, Faro L. A política de atenção à saúde do homem no Brasil: os paradoxos da medicalização do corpo masculino. Physis. 2009;19:659-678..
As ações mais citadas em relação ao tema “saúde do homem” estão diretamente vinculadas a duas datas comemorativas: o dia do homem (15 de julho) e principalmente o “Novembro Azul”, a ação mais mencionada nas entrevistas, especialmente entre gestores/as e trabalhadoras/es de saúde. A campanha “Novembro Azul” objetiva primordialmente estimular o rastreamento do câncer de próstata. No entanto, o Ministério da Saúde, por meio da Nota Técnica nº 9/2023-COSAH/CGACI/DGCI/SAPS/MS, de 2023, não recomenda o rastreamento do câncer de próstata devido à falta de pesquisas que atestem seu benefício para a saúde dos homens. Antes desta nota, já não havia evidências quanto à eficácia e a determinação da relação custo-benefício da estratégia3838 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Rastreamento / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde; 2010.. Como afirma Modesto e colaboradores3939 Modesto AAD, et al. Um novembro não tão azul: debatendo rastreamento de câncer de próstata e saúde do homem. Interface. 2018;22(64):251-262. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832018000100251&lng=pt&nrm=iso. Acessado em: 17 nov. 2019.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s... , Richard Ablin, cientista que descobriu o teste de dosagem de antígeno prostático específico (PSA) nos anos 1970, publicou artigo lamentando seu uso como rastreamento populacional. Percebe-se, portanto, que não há justificativa para estimular o rastreamento de câncer de próstata por qualquer método, em homens de qualquer idade.
Prevenção de violências e acidentes
As únicas menções que contemplam este eixo envolvem a realização de oficinas e ações bastante pontuais feitas pelos/as gestores/as. A coordenadoria municipal tem atuado com a capacitação dos motoristas da SESMA sobre violência e acidentes no trânsito. Matérias publicadas no site da prefeitura de Belém informam que a SESMA trabalhou esta questão por meio do “Programa Vida no Trânsito”. Segundo dados fornecidos pelo Hospital Metropolitano de Urgência e Emergência (HMUE), região metropolitana de Belém, revelou que 34.67% do total de internações em 2021 foi de vítimas de acidentes de trânsito, sendo que o perfil dessas vítimas é formado, principalmente, por homens entre 20 e 39 anos4040 G1. Acidente de trânsito envolvendo homens jovens foi a principal causa de internação no Metropolitano em 2021. G1 Pará. 2022 jan 21. Disponível em: https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2022/01/21/acidente-de-transito-envolvendo-homens-jovens-foi-a-principal-causa-de-internacao-no-metropolitano-em-2021.ghtml. Acesso em: 13 jul. 2024.
https://g1.globo.com/pa/para/noticia/202... .
Já a coordenadoria estadual, citou oficinas sobre enfrentamento da violência familiar e doméstica, sem informar, porém, o público-alvo. A violência é um problema que necessita de um olhar diferenciado dentro das políticas de saúde do homem em Belém e no estado do Pará. Dados do Atlas de Violência 2024 demonstraram que vários estados do Norte do país, por estarem sujeitos à atuação intensa de organizações criminosas envolvidas com o narcotráfico e por apresentarem quantitativo populacional menor, “possuem maiores variâncias nas taxas de homicídio ao longo do tempo, uma vez que contendas locais ligadas ao narcotráfico já são suficientes para impulsionar substancialmente os indicadores”4141 Cerqueira D, Bueno S, et al. Atlas da violência 2024. Brasília: Ipea; FBSP; 2024. Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/14031.
https://repositorio.ipea.gov.br/handle/1... (p. 12).
A Região Norte é a única região brasileira onde as mortes por causas externas ocupam o primeiro lugar nas estatísticas de mortalidade de homens88 Lyra J, Medrado B. Relatório da Pesquisa “Análise da implementação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem – PNAISH”. Brasília, Recife: Coordenação de Saúde do Homem / Ministério da Saúde, Universidade Federal de Pernambuco; 2021.. Quando verificamos as ações realizadas dentro do eixo de prevenção a violência e acidentes, compreendemos que elas não podem se restringir a ações pontuais a respeito de violência no trânsito ou doméstica. Há diversos aspectos relacionados à maneira como os homens são subjetivados na sociedade brasileira, a partir de uma exaltação da valentia, da coragem e da necessidade de estarem o tempo inteiro demonstrando virilidade4242 Albuquerque FPD. Homens, masculinidades e saúde mental. 1st ed. Curitiba: Appris; 2023.. Isto impacta nos índices de violências que costumeiramente têm sido maiores entre os homens. Violências estas que devem ser olhadas a partir de sua complexidade de gênero, raça, classe social e regionalidade, sendo os homens negros, pobres e das regiões Norte e Nordeste a população que mais necessita desta atenção.
Considerações finais
A implementação da PNAISH no Pará e na cidade de Belém carregam consigo as dificuldades de atuação no contexto da Região Amazônica, que é de intensa desigualdade, baixos recursos financeiros e pouca infraestrutura dos serviços de saúde, em um território de logística extremamente complexa.
Vale destacar a pouca institucionalidade das ações realizadas para implementação da PNAISH em Belém e no estado do Pará: intensa rotatividade dos cargos de gestão, equipes bastante reduzidas, o quase inexistente recurso financeiro. Desse modo, as possibilidades de atuação das/os trabalhadoras/es da gestão são bastante limitadas.
Quanto aos eixos da PNAISH, é destacada a dificuldade de acesso dos homens aos serviços de atenção secundária e terciária, espaços aos quais os homens geralmente demandam. Outro aspecto de destaque é que a temática de direitos sexuais não aparece nos diálogos com nossos interlocutores/as, inclusive entre os gestores e trabalhadoras/es de saúde, indicando a pouca associação da saúde do homem com os direitos sexuais e reprodutivos, a não ser a discreta menção ao procedimento da vasectomia. Nesse âmbito, a estratégia do pré-natal do parceiro é a principal maneira com que o eixo de paternidade e cuidado tem sido abordado na região.
Em relação às doenças prevalentes na população masculina, o câncer de próstata permanece muito presente no discurso dos participantes, principalmente os mais velhos. Quanto à prevenção de violências e acidentes, há raras ações nesse sentido sugerindo sua pouca relevância entre os/as gestores ou demais grupos entrevistados.
Este estudo, à medida que identifica dificuldades e potencialidades do processo de implementação da PNAISH, pode (e deve) servir como um ponto de partida para o planejamento de ações mais efetivas relacionadas à saúde do homem na região — tais como a destinação de recursos financeiros, contratação de trabalhadoras/es, com estabilidade e melhores condições de trabalho — com o intuito de aumentar o acesso dos homens aos serviços de saúde e a melhora dos índices de saúde entre a população masculina.
- Medrado B, Lyra J, Alvarenga EC, Lima MLC. Análise da implementação da política nacional de atenção integral à saúde do homem em território amazônico. Interface (Botucatu). 2025; 29 (Supl. 1): e240372 https://doi.org/10.1590/interface.240372
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
20 Dez 2024 - Data do Fascículo
2025
Histórico
- Recebido
02 Ago 2024 - Aceito
13 Nov 2024