Resumos
OBJETIVOS:
Determinar a duração do aleitamento materno e verificar os fatores associados ao aleitamento exclusivo/predominante (AMEP), em crianças menores de dois anos de idade.
MÉTODOS:
Estudo transversal realizado nos municípios de Gameleira, situado na Zona da Mata Sul do Estado de Pernambuco e em São João do Tigre, pertencente à Zona Semi-Árida do Estado da Paraíba, no período de março a junho de 2005. A amostra foi composta por 504 crianças menores de dois anos (280 residentes em Gameleira e 224 em São João do Tigre). Utilizou-se a análise de sobrevida para estimar a mediana do aleitamento materno e das associações com a condição socioeconômica, com fatores relacionados às mães e crianças e assistência à saúde.
RESULTADOS:
As durações medianas do tempo de sobrevida do aleitamento materno exclusivo, exclusivo/predominante e aleitamento materno foram de 19, 79 e 179 dias em Gameleira e de 23, 91, e 169 dias em São João do Tigre, respectivamente. Mães com melhores condições socioeconômicas, representadas pela escolaridade, saneamento básico e posse de bens de consumo apresentaram maior duração do aleitamento exclusivo/predominante em ambos os municípios. Assistência pré-natal representada pelo maior número de consultas, início mais precoce e com orientação referente à alimentação e ao aleitamento materno influenciaram positivamente na duração do aleitamento exclusivo/predominante.
CONCLUSÕES:
A duração do aleitamento esteve aquém da recomendada. Apesar das precárias condições de vida das famílias, uma melhor condição socioeconômica e assistência ao pré-natal foram fatores protetores na duração do aleitamento exclusivo/predominante nessas áreas.
Aleitamento materno; Desmame precoce; Fatores associados; Baixa renda; Lactentes
Introdução
O aleitamento materno exclusivo nos primeiros seis meses de vida e a manutenção da amamentação, complementada por outros alimentos, até os dois anos de idade ou mais, é considerado o método de alimentação por excelência para o bebê, por sua eficiente contribuição para a saúde e por ser considerado o método mais sensível, econômico e eficaz de intervenção para redução da morbimortalidade infantil1.
Apesar de ser um processo natural, o aleitamento materno sofre influência de diversos fatores (biológicos, socioeconômicos, culturais, demográficos) que podem interferir no êxito da amamentação. Pesquisas pontuais realizadas em vários estados brasileiros mostram que mães que obtiveram menor sucesso no aleitamento materno eram mais jovens (idade inferior a 20 anos), solteiras, com menor grau de instrução, com baixa condição socioeconômica, primíparas, sem experiência prévia positiva com o aleitamento e com necessidade de trabalhar fora do lar2-6.
Verifica-se que vem ocorrendo nas últimas décadas uma elevação na frequên-cia do aleitamento materno no Brasil, evidenciado em vários estudos, entre eles a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher - PNDS. Observou-se que a duração mediana do aleitamento materno em menores de 36 meses de idade passou de 7 meses em 1996 para 9 meses em 2006. Quando se considerou o aleitamento materno exclusivo a duração foi de apenas 2 meses em 2006, discretamente superior ao dado da PNDS de 19967,8. Com relação ao Nordeste não ocorreu variações em relação à duração do aleitamento materno, mantendo-se em torno dos 9 meses e para o aleitamento materno exclusivo, verificou-se um comportamento semelhante aos valores observados no país como um todo.
Estes achados apontam que, apesar do aumento da prevalência da amamentação nos últimos anos, o desmame precoce ainda é um importante problema de saúde pública no Brasil, especialmente na Região Nordeste. As zonas da mata e do semiárido do Nordeste são consideradas como uma das grandes prioridades e, ao mesmo tempo, como um dos maiores desafios da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, pela magnitude dos problemas, condições de pobreza e contingente populacional exposto9. Sendo assim, a realização de diagnósticos locais da situação da amamentação é de fundamental importância para subsidiar as medidas de intervenção necessárias para reduzir o desmame precoce e minimizar as suas consequências. Portanto, o presente estudo teve como objetivo verificar a duração do aleitamento materno e seus fatores determinantes em lactentes residentes em conglomerados urbanos e rurais de dois municípios com baixo índice de desenvolvimento humano (IDH).
Métodos
Este estudo faz parte de uma pesquisa mais ampla realizada nos municípios de Gameleira, situado na Zona da Mata Sul do Estado de Pernambuco e em São João do Tigre, pertencente à Zona Semiárida do Estado da Paraíba, intencionalmente escolhidos em função de suas precárias condições de vida, refletidos nos baixos índices de desenvolvimento humano. Teve como objetivo principal comparar a situação alimentar e nutricional, aspectos de saúde e fatores associados à sua ocorrência em conglomerados de famílias das duas situações geográficas. Os municípios de Gameleira e São João do Tigre apresentam IDH de 0,59 e 0,53, respectivamente, em uma escala de 0 a 110.
O estudo consistiu de um corte transversal e a amostra foi calculada levando-se em consideração uma prevalência de aproximadamente 60% de insegurança alimentar para o Nordeste, com base nos resultados da PNAD, 2004 (IBGE, 2006)11, estimando um erro máximo de 5% para um nível de significância de 95%, que, acrescido de 10% para compensar possíveis perdas ou problemas de não resposta, resultou em um tamanho amostral mínimo de 440 famílias para cada município. Para o cálculo utilizou-se o programa Statcalc do Epi Info, versão 6.04.
Tendo em vista o interesse epidemiológico da criança como grupo biológico mais vulnerável aos agravos nutricionais, estabeleceu-se como condição de inclusão na amostra a existência de pelo menos uma criança de até cinco anos de idade. Assim, a amostra total foi constituída por 959 famílias (501 em Gameleira e 458 em São João do Tigre), distribuídas nos extratos urbanos e rurais de ambos os municípios.
Para a investigação dos fatores associados à duração do aleitamento materno do presente estudo selecionou-se uma subamostra constituída por crianças com idade menor ou igual a dois anos, a fim de minimizar o viés recordatório materno em relação às informações do padrão alimentar das crianças. Foram excluídas do estudo as crianças que eram filhas de mães adotivas. Considerando-se os critérios descritos acima, obtivemos para o presente estudo uma amostra composta por 504 crianças (280 residentes em Gameleira e 224 em São João do Tigre).
A coleta dos dados foi realizada nos dois municípios, no período de março a junho de 2005, por uma equipe de técnicos pré-selecionados e capacitados mediante treinamento. Os dados foram coletados através de entrevista com o responsável pela criança durante visitas domiciliares, utilizando-se formulário com perguntas fechadas e pré-codificadas. A classificação do aleitamento se baseou na informação materna recordatória sobre o tempo em que a criança foi amamentada e com que idade começou a receber água, chá, suco, leite artificial e alimentos sólidos.
As variáveis explanatórias estudadas foram: condições socioeconômicas (insegurança alimentar, renda familiar per capita, escolaridade materna, situação do domicílio, número de pessoas por dormitório, abastecimento de água, saneamento básico, posse de bens domésticos); dados relacionados às mães (idade e índice de massa corpóreo); assistência à saúde (realização de pré-natal, número de consultas e mês de início do pré-natal, orientação recebida sobre aleitamento materno e alimentação infantil, tipo de parto); dados relacionados às crianças (sexo, peso ao nascer, ocorrência de hospitalização nos últimos 12 meses e receber visita de agentes comunitários de saúde).
Para classificar os tipos de aleitamento materno foram adotadas as definições da Organização Pan-Americana de Saúde e da Organização Mundial de Saúde12. Aleitamento materno exclusivo consistiu em receber somente leite materno, sem o uso de água, chá, suco ou outros líquidos, exceto gotas ou xaropes contendo vitaminas, suplementos minerais ou medicamentos, sob recomendação médica; aleitamento materno predominante, receber leite materno e outros líquidos à base de água, como chás, sucos, água, infusões e sais de reidratação oral; aleitamento materno, receber leite materno, independente de outro tipo de alimento. A avaliação da insegurança alimentar foi efetuada mediante a aplicação da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar - EBIA13, devidamente validada para a realidade brasileira, composta de 15 perguntas fechadas, com respostas positivas e negativas, relativas à percepção dos entrevistados sobre a situação alimentar vivida nos últimos três meses anteriores à entrevista.
Os dados foram processados com dupla entrada no Epi-info, versão 6,04, para verificar a consistência da digitação. Utilizou-se a análise de sobrevida através do método atuarial para estimar a duração mediana das práticas do aleitamento materno, considerando-se pelo menos um dia de aleitamento materno para todas as crianças do estudo. Para a apresentação gráfica do padrão alimentar foram utilizados os diferenciais das medianas mensais das práticas de aleitamento resultantes da análise de sobrevida. As crianças em aleitamento exclusivo e predominante foram agregadas em uma categoria que foi utilizada como desfecho nas análises de associação com as possíveis variáveis explanatórias, sendo apresentadas sob a forma de medianas do tempo de sobrevida desta categoria de aleitamento materno.
As curvas de probabilidade de sobrevida acumulada para o aleitamento materno exclusivo/predominante entre as diferentes categorias de cada variável explanatória foram avaliadas através do teste de Wilcoxon (Gehan), considerando-se como significante o valor de P < 0,05. Essas análises foram realizadas com o Statistical Package for the Social Science (SPSS), versão 12,0.
Os projetos foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP), atendendo às normas regulamentares de pesquisas envolvendo seres humanos - Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde, sob o registro n° 386. Os entrevistados que aceitaram participar do estudo foram previamente informados dos objetivos da pesquisa, bem como da confidencialidade dos dados, tendo o responsável pela criança assinado um termo de consentimento livre e esclarecido.
Resultados
A Tabela 1 mostra que as famílias em ambos os municípios apresentaram elevados percentuais de insegurança alimentar (90%), predominando as condições de insegurança grave (38,6%) em Gameleira e moderada (36,6%) em São João do Tigre. Observou-se um elevado percentual de mães que não chegaram a completar 8 anos de estudo e que vivem em sua maioria abaixo da linha de pobreza, com rendimento familiar per capita menor que 1/2 salário mínimo por mês, o que reflete as precárias condições de habitação e de saneamento básico.
Na Tabela 2 verifica-se que a maioria das mães eram adultas jovens, e cerca de metade apresentou IMC adequado em ambos os municípios, tendo 70% delas iniciado o pré-natal no primeiro trimestre gestacional; no entanto, em Gameleira, quase metade das mães realizou menos de seis consultas. Em relação às crianças, a maioria nasceu com peso adequado e recebeu visita dos agentes comunitários de saúde em ambos os municípios.
Ao se comparar as diferentes práticas do aleitamento materno (Figuras 1 e 2), verifica-se comportamento semelhante nos dois municípios, com declínio dos segmentos iniciais das curvas, demonstrando alta taxa de desmame já nos primeiros dias de vida, sendo maior em relação ao aleitamento exclusivo. A duração mediana do tempo de sobrevida do aleitamento materno exclusivo foi muito baixa em ambos os locais, sendo de apenas 19 dias em Gameleira e 23 dias em São João do Tigre. Quando consideramos o aleitamento exclusivo/predominante, a duração elevou-se para 79 e 91 dias em cada município, respectivamente. No que se refere ao aleitamento materno, encontrou-se uma mediana do tempo de sobrevida de 179 dias em Gameleira e 169 dias em São João do Tigre.
Padrões de aleitamento em crianças menores de dois anos de idade. São João do Tigre (PB), 2005.
Em relação aos fatores associados ao aleitamento materno exclusivo/predominante, a Tabela 1 mostra que as mães com durações medianas do tempo de sobrevida mais elevadas foram aquelas com melhores condições socioeconômicas, representadas pela escolaridade, saneamento básico e posse de bens de consumo em ambos os municípios.
Na Tabela 2 verifica-se que as mães adolescentes e adultas jovens (idade entre 20 a 29 anos) apresentaram uma maior duração mediana do tempo de sobrevida do aleitamento exclusivo/predominante em ambos os locais. A assistência pré-natal mostrou-se de grande importância para a duração da amamentação nos dois municípios, com duração mais elevada entre as mães que fizeram o pré-natal (Gameleira) ou que realizaram seis ou mais consultas e que iniciaram o pré-natal mais precocemente (São João do Tigre). As orientações relacionadas à alimentação e ao aleitamento materno durante o pré-natal estiveram associadas a uma maior duração do aleitamento exclusivo/predominante em Gameleira. A ocorrência de hospitalização prévia e a visita rotineira dos agentes comunitários de saúde não apresentaram associação significante com a duração do aleitamento exclusivo/predominante, em ambos os municípios, apesar de se verificar uma duração mais prolongada nas crianças que não foram hospitalizadas nos últimos 12 meses que antecederam a entrevista.
Discussão
Os resultados do presente estudo foram obtidos a partir de uma amostra de indivíduos de precárias condições socioeconômicas, residentes em dois municípios com uns dos mais baixos índices de desenvolvimento humano da região Nordeste do Brasil e com um elevado número de famílias em condições de insegurança alimentar. A análise da duração da amamentação foi realizada através da técnica da análise de sobrevida, que tem a vantagem de possibilitar uma estimativa longitudinal com dados coletados transversalmente. No entanto, apesar dessa técnica ser amplamente utilizada, a leitura dos dados deve ser analisada cautelosamente devido aos vieses próprios dos estudos transversais, em especial sobre aleitamento materno, pois esses quase sempre são realizados com informações recordatórias, o que pode levar a erros de memória do entrevistado. Contudo, a faixa etária estudada no presente estudo foi de crianças menores de dois anos, o que tende a minimizar o viés recordatório materno.
A duração mediana do tempo de sobrevida do aleitamento materno exclusivo foi inferior a um mês nos municípios de Gameleira e São João do Tigre, medianas estas ainda menores do que a observada na Região Nordeste, que apresenta a pior estimativa de duração da amamentação exclusiva entre as regiões brasileiras, com uma mediana de 35 dias, de acordo com a última pesquisa de prevalência do aleitamento materno nas capitais brasileiras e Distrito Federal, realizada em 200814. Contudo, estudo transversal aninhado em uma coorte prospectiva realizada na Zona da Mata do Estado de Pernambuco em 1998, com 364 crianças de quatro cidades do interior urbano (Palmares, Catende, Joaquim Nabuco e Água Preta), verificou que a duração mediana do AME foi de zero dia, com 72% das crianças recebendo água e chá no primeiro dia de vida e 80% na primeira semana do nascimento. A prevalência do AME aos seis meses foi de apenas 0,6%15. Esses resultados, assim como os observados no presente trabalho, encontram-se bastante aquém do desejado, tendo em vista que 100% das crianças nesta faixa etária deveriam estar mamando exclusivamente.
As durações medianas do tempo de sobrevida do aleitamento materno exclusivo/predominante e do aleitamento materno encontradas no estudo atual também não são satisfatórias. Ao comparar os resultados do presente estudo com os obtidos na cidade de João Pessoa verifica-se que a mediana do aleitamento materno exclusivo/predominante (53 dias) foi inferior às obtidas nos municípios de Gameleira e São João do Tigre, porém a duração do aleitamento materno foi um pouco superior (195 dias). No mesmo inquérito, a cidade de Florianópolis obteve durações medianas bem mais elevadas, de 94 dias para o aleitamento materno exclusivo/predominante e de 238 dias para o aleitamento materno16. Venâncio et al., analisando a situação da amamentação em 84 municípios do Estado de São Paulo, observaram que apenas dois municípios apresentaram prevalência do aleitamento materno exclusivo/predominante abaixo de 20% entre as crianças menores de 4 meses17. Esses resultados demonstram uma situação bem melhor do aleitamento materno no Sul do país, possivelmente devido à maior escolaridade e melhores condições de renda das mães residentes nestas últimas regiões.
A introdução precoce de água e chá (aleitamento predominante) é uma prática frequente, mesmo em populações orientadas para não utilizá-los. Está arraigado na nossa cultura que os chás apresentam propriedades calmantes e laxativas e é necessária a oferta de água para saciar a sede do bebê, principalmente em dias mais quentes. Entretanto, essa associação diminui a proteção do leite materno contra processos infecciosos, assim como a duração do aleitamento materno, e constitui uma prática desnecessária quando a criança está amamentando exclusivamente18.
Considerando o aleitamento materno como um todo, Pernambuco obteve uma duração mediana de 183 dias em 2006, de acordo com a última Pesquisa Estadual de Saúde e Nutrição19. Em São José do Rio Preto (São Paulo), a duração mediana da amamentação foi de 206 dias20 e em Itaúna (Minas Gerais) foi de 237 dias21. No Estado da Paraíba, estudo transversal realizado em 70 municípios observou que 75% das crianças menores de seis meses estavam sendo amamentadas22. A prevalência da amamentação entre as crianças menores de um ano em Feira de Santana (Bahia), outra cidade de Estado do Nordeste brasileiro, foi de 69%3. Tais percentuais e durações medianas apontam as cidades de Gameleira e São João do Tigre com as piores situações do aleitamento materno, em comparação com os municípios acima citados.
Ao se analisar os fatores associados à duração do aleitamento exclusivo/predominante no presente estudo através das curvas de probabilidade de sobrevida, verifica-se que o nível de instrução da mãe, a renda familiar per capita e a (in)segurança alimentar não se relacionaram de forma significante com esta prática, no município de Gameleira, havendo significância apenas para o nível de instrução materna em São João do Tigre. Estudo realizado no mesmo Estado por Bittencourt et al. observou que a escolaridade e a renda mais elevadas atuaram como fatores de proteção ao aleitamento materno exclusivo4.
Venâncio et al., investigando os fatores de risco para a interrupção da amamentação no Estado de São Paulo observaram que, quanto maior a escolaridade materna, maior a probabilidade de a criança estar em amamentação exclusiva, sendo que as mulheres com até quatro anos de escolaridade têm 2,2 vezes mais chances de introduzir outro alimento na dieta de seus filhos nos primeiros meses de vida quando comparadas às mulheres com 13 anos ou mais de escolaridade17. Outros estudos também encontraram esta associação5,23 e Kummer et al. concluíram que mulheres com maior nível de instrução estão em fase de valorização do aleitamento materno exclusivo, e que essa tendência não atingiu estratos socioeconômicos menos favorecidos24.
As condições ambientais, como a disponibilidade de saneamento básico, abastecimento de água e coleta de lixo refletem as condições socioeconômicas da família e são utilizados como indicadores desta situação. Neste estudo, as crianças que residiam em moradias com melhores condições de abastecimento de água, coleta de lixo e esgotamento sanitário tiveram uma maior duração da amamentação exclusiva/predominante. Escobar et al., avaliando as condições socioeconômico-culturais de crianças acompanhadas no Hospital das Clínicas de São Paulo, também verificaram que as mães que residiam em habitação com presença de rede de esgoto apresentaram um maior tempo de aleitamento2.
Em relação à área geográfica, houve uma maior predominância de aleitamento exclusivo/predominante entre as mães residentes na zona urbana. Possivelmente, a proximidade de um maior número e de acesso aos serviços de saúde qualificados, assim como as estratégias adotadas pelas políticas públicas de incentivo e promoção do aleitamento materno nas áreas urbanas, poderiam responder por essa melhor situação, também observadas em diferentes estudos como os de Vasconcelos et al. e Figueiredo et al.5,20.
Os efeitos do estado nutricional materno sobre a duração da amamentação são inconsistentes na literatura; contudo, Gigante et al., investigando os efeitos da situação nutricional materna sobre a prevalência da amamentação em crianças de Pelotas, verificaram que as mulheres que iniciaram a gestação com 49kg ou mais apresentaram maiores índices de aleitamento materno quando comparadas com as que tinham um peso pré-gestacional inferior25. No presente estudo, não se observou associação entre o índice de massa corpóreo da mãe com a duração da amamentação exclusiva/predominante.
Outro fator muito estudado é a intervenção dos profissionais de saúde durante o pré-natal interferindo positivamente na amamentação. Vários trabalhos já observaram esta associação4-6,21, e este estudo vem a confirmar que, a realização do pré-natal, tê-lo iniciado no primeiro trimestre gestacional, assistido no mínimo a seis consultas e recebido orientação sobre alimentação e aleitamento materno são fatores protetores para uma maior duração da amamentação. A visita rotineira dos agentes comunitários de saúde não influenciou a duração do aleitamento em ambos os municípios, apesar de em alguns estudos vir demonstrando a importância da intervenção destes profissionais devidamente capacitados na melhoria dos índices de aleitamento materno26,27.
O tipo de parto e o peso ao nascer da criança não apresentaram associação significante com o aleitamento materno no presente trabalho. A influência do tipo de parto na duração da amamentação tem sido estudada por diversos autores4,20,28,29, encontrando-se resultados controversos. Entretanto, alguns trabalhos verificaram uma maior frequência de amamentação entre os bebês nascidos de parto normal6,20,30, sugerindo que o parto cesário pode ser um fator de risco para a interrupção da lactação. Dentre as possíveis explicações sugere-se que o parto cesário leva a uma recuperação pós-parto mais lenta, aumentando o desconforto físico da mãe e o uso de anestésicos e analgésicos, prolongando o tempo de hospitalização e dificultando a prática do alojamento conjunto, podendo retardar o primeiro contato entre mãe e filho e favorecer a introdução precoce de outros alimentos na dieta da criança. O parto cesário, como fator de risco para o desmame precoce, necessita ser levado em consideração nas políticas de estímulo ao aleitamento materno devido à sua elevada frequência em nosso país. Portanto, se faz necessário ampliar as atividades educativas em relação ao aleitamento materno, no alojamento conjunto, aproveitando o tempo em que as mães passam internadas para fornecer um maior apoio e esclarecimento em relação à prática da amamentação.
Em relação ao peso ao nascer, tem-se encontrado na literatura que bebês nascidos com peso inferior a 2.500g foram amamentados por um menor tempo, quando comparados com os demais3,21,28,31. Este fato pode ser explicado devido à maior dificuldade que esses bebês apresentam para amamentar, e também pela crença, por parte de alguns profissionais de saúde, de que o grande benefício para esses bebês seria o ganho ponderal mais acelerado, lançando mão, para tanto, de fórmulas infantis, farinhas, leite de vaca e açúcar21. Tem-se verificado que esta conduta pode constituir um dos fatores de risco para a obesidade na adolescência e posterior instalação da síndrome metabólica32.
É interessante ressaltar que a duração do aleitamento exclusivo/predominante foi superior em crianças do sexo feminino, em ambos os municípios (estatisticamente significante apenas em Gameleira), resultado este não esperado pelos padrões culturais da população brasileira em não privilegiar a alimentação da criança em relação ao sexo.
Observou-se uma maior duração de aleitamento entre as crianças que não foram hospitalizadas nos últimos 12 meses que antecederam a entrevista, quando comparadas às que passaram por algum tipo de internamento. Este achado reflete o papel protetor do aleitamento materno, reduzindo os processos infecciosos e, consequentemente, levando a uma menor ocorrência de hospitalização.
A realização do diagnóstico da situação da amamentação nesses municípios mostrou que o desmame vem acontecendo muito precocemente e que os índices de aleitamento materno estão bem aquém do recomendado pelos consensos nacionais e internacionais, o que pode contribuir para uma elevação na morbimortalidade das crianças residentes nestas regiões, especialmente por serem populações de precárias condições socioeconômicas e ambientais, em que o risco de morrer por doenças infecciosas nas crianças não amamentadas é maior.
Assim, espera-se que esses achados sirvam de alerta para a necessidade de reestruturação das estratégias de apoio e incentivo ao aleitamento materno em áreas com condições socioeconômicas similares às do presente estudo, considerando os fatores que influenciam o aleitamento materno na operacionalização de tais ações.
Ao Conselho Nacional de Desen-volvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo apoio financeiro que possibilitou a realização destas pesquisas e pelas Bolsas de Produtividade em pesquisa concedidas a Marilia Lima e Pedro Lira. Às famílias participantes, a equipe de entrevistadores do trabalho de campo e aos coordenadores das Pesquisas.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Mar 2013
Histórico
- Recebido
13 Maio 2011 - Revisado
02 Set 2011 - Aceito
09 Set 2011