Desigualdades na esperança de vida saudável por Unidades da Federação

Célia Landmann Szwarcwald Dália Elena Romero Montilla Aline Pinto Marques Giseli Nogueira Damacena Wanessa da Silva de Almeida Deborah Carvalho Malta Sobre os autores

RESUMO

OBJETIVO

Estimar a esperança de vida saudável aos 60 anos por sexo e Unidade da Federação e investigar as desigualdades geográficas e por nível socioeconômico.

MÉTODOS

A esperança de vida saudável foi estimada pelo método de Sullivan, com base nas informações da Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Foram adotados três critérios para definição de estado “não saudável”: autoavaliação de saúde ruim, funcionalidade para realização das atividades da vida diária, e presença de doença crônica não transmissível com grau intenso de limitação. O indicador de nível socioeconômico foi construído com base no número de bens no domicílio e grau de escolaridade do responsável. Para analisar as desigualdades geográficas e por nível socioeconômico, foram calculadas medidas de desigualdade, como a razão, a diferença e o coeficiente angular.

RESULTADOS

A esperança de vida saudável entre os homens variou de 13,8 (Alagoas) a 20,9 (Espírito Santo) para o critério de autoavaliação de saúde ruim. Entre as mulheres, as estimativas correspondentes foram sempre mais altas e variaram de 14,9 (Maranhão) a 22,2 (São Paulo). Quanto à razão de desigualdades por Unidade da Federação, as medianas foram sempre maiores para a esperança de vida saudável do que para a esperança de vida, independentemente da definição adotada para estado saudável. Quanto às diferenças por Unidade da Federação, a esperança de vida saudável chegou a ser sete anos maior em um estado do que em outro. Por nível socioeconômico, foram encontradas diferenças de três e quatro anos, aproximadamente, entre os últimos e primeiro quintos, para homens e mulheres, respectivamente.

CONCLUSÕES

Além de os indicadores de mortalidade estarem associados às condições de vida, as desigualdades são ainda mais pronunciadas quando o bem-estar e as limitações nas atividades habituais são levados em consideração, mostrando a necessidade de promover ações e programas para diminuir o gradiente socioespacial.

Expectativa de Vida; Fatores Socioeconômicos; Desigualdades em Saúde; Inquéritos Epidemiológicos

INTRODUÇÃO

A parcela da população mundial idosa (com 60 anos ou mais de idade) cresceu de 8%, em 1950, para 13%, em 201311. United Nations, Department of Economic and Social Affairs, Population Division. World Population Ageing 2013. New York: United Nations Publications; 2013. (ST/ESA/SER.A/348).. Obedecendo a um ritmo cada vez mais rápido de crescimento, a população idosa representará 21% do total em 205011. United Nations, Department of Economic and Social Affairs, Population Division. World Population Ageing 2013. New York: United Nations Publications; 2013. (ST/ESA/SER.A/348).. Com o envelhecimento da população tanto nos países em desenvolvimento como nos desenvolvidos, as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) passaram a constituir o problema de saúde de maior relevância na maioria dos países, gerando incapacidades e alto grau de limitação das pessoas doentes em suas atividades de trabalho e de lazer22. Global Burden of Disease Study 2013 Collaborators. Global, regional, and national incidence, prevalence, and years lived with disability for 301 acute and chronic diseases and injuries in 188 countries, 1990-2013: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2013. Lancet. 2015;386(9995):743-800. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(15)60692-4.
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O aumento da longevidade nos países desenvolvidos trouxe a necessidade de elaboração de novos indicadores de saúde que incluíssem medidas da qualidade de vida33. Asada Y, Ohkusa Y. Analysis of health-related quality of life (HRQL), its distribution, and its distribution by income in Japan, 1989 and 1998. Soc Sci Med. 2004;59(7):1423-33. https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2004.01.025.
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. Uma vez que uma vida longa não significa necessariamente uma vida saudável, os indicadores de mortalidade são, hoje, considerados insuficientes para caracterizar adequadamente o estado de saúde de uma população44. Luy M, Minagawa Y. Gender gaps: life expectancy and proportion of life in poor health. Health Rep. 2014;25(12):12-9..

No Brasil, ao longo dos últimos 30 anos, também ocorreram acentuadas mudanças demográficas. Com o envelhecimento da população, o país experimenta uma transição epidemiológica, com transformações importantes no perfil de morbimortalidade. As DCNT têm respondido por mais de 70% das mortes e perda de qualidade de vida, com parcela substancial da carga total de doenças atribuída à ocorrência das DCNT entre as pessoas idosas55. Schmidt MI, Duncan BB, Azevedo e Silva G, Menezes AM, Monteiro CA, Barreto SM, et al. Chronic non-communicable diseases in Brazil: burden and current challenges. Lancet. 2011;377(9781):1949-61. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(11)60135-9.
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. Informações recentes mostram que um em cada dois idosos tem o diagnóstico de pelo menos uma DCNT66. Theme Filha MM, Souza Junior PR, Damacena GN, Szwarcwald CL. Prevalence of chronic non-communicable diseases and association with self-rated health: National Health Survey, 2013. Rev Bras Epidemiol. 2015;18 Supl 2:83-96. https://doi.org/10.1590/1980-5497201500060008.
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A partir dos anos 2000, diferentes indicadores de saúde foram propostos para complementar os estudos de mortalidade, considerando não só o perfil de morbimortalidade, mas também as limitações funcionais77. Leite IC, Valente JG, Schramm JMA, Daumas RP, Rodrigues RN, Santos MF, et al. Burden of disease in Brazil and its regions, 2008. Cad Saude Publica. 2015;31(7):1551-64. https://doi.org/10.1590/0102-311X00111614.
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. Nos inquéritos nacionais de saúde, a autopercepção de saúde e o diagnóstico referido de DCNT têm sido amplamente utilizados para estabelecer diferenças na morbidade entre grupos populacionais88. Meireles AL, Xavier CC, Andrade ACS, Friche AAL, Proietti FA, Caiaffa WT. Self-rated health in urban adults, perceptions of the physical and social environment, and reported comorbidities: The BH Health Study. Cad Saude Publica. 2015;31 Supl 1:120-35. https://doi.org/10.1590/0102-311X00076114.
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. Além disso, pesquisas têm dado enfoque à mensuração da qualidade dos últimos anos de vida e, visando a avaliar a assistência prestada e programas de prevenção, têm usado indicadores de saúde que combinam dados de mortalidade e de morbidade99. Camargos MCS, Gonzaga MR. Viver mais e melhor? Estimativas de expectativa de vida saudável para a população brasileira. Cad Saude Publica. 2015;31(7):1460-72. https://doi.org/10.1590/0102-311X00128914.
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,1010. Campolina AG, Adami F, Santos JLF, Lebrão ML. A transição de saúde e as mudanças na expectativa de vida saudável da população idosa: possíveis impactos da prevenção de doenças crônicas. Cad Saude Publica. 2013;29(6):1217-29. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2013000600018.
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Entre os indicadores de saúde que consideram informações de morbidade e de mortalidade em uma única medida, a esperança de vida saudável (EVS) obtida pelo método de Sullivan1111. Sullivan DF. A single index of mortality and morbidity. HSMHA Health Rep. 1971;86(4):347-54. https://doi.org/10.2307/4594169.
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tem sido o indicador mais utilizado, pela simplicidade de estimação e pela facilidade de interpretação dos resultados1212. Romero DE, Leite IC, Szwarcwald CL. Healthy life expectancy in Brazil: applying the Sullivan method. Cad Saude Publica. 2005;21 Supl 1:S7-18. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2005000700002.
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. A EVS é uma medida da saúde da população que estima o número esperado de “anos saudáveis” para os indivíduos de uma população em uma determinada idade. Definições de “saudável” são, geralmente, baseadas na autoavaliação de saúde e presença de doença crônica ou incapacidade e de limitações funcionais ou cognitivas1313. Mathers CD, Iburg KM, Salomon JA, Tandon A, Chatterji S, Ustün B, et al. Global patterns of healthy life expectancy in the year 2002. BMC Public Health. 2004;4:66. https://doi.org/10.1186/1471-2458-4-66.
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.

No Brasil, a EVS foi estimada para a população adulta total99. Camargos MCS, Gonzaga MR. Viver mais e melhor? Estimativas de expectativa de vida saudável para a população brasileira. Cad Saude Publica. 2015;31(7):1460-72. https://doi.org/10.1590/0102-311X00128914.
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,1212. Romero DE, Leite IC, Szwarcwald CL. Healthy life expectancy in Brazil: applying the Sullivan method. Cad Saude Publica. 2005;21 Supl 1:S7-18. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2005000700002.
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,1414. Camargos MCS, Rodrigues RN, Machado CJ. Expectativa de vida saudável para idosos brasileiros, 2003. Cienc Saude Coletiva. 2009;14(5):1903-9. https://doi.org/10.1590/S1413-81232009000500032.
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, de acordo com o sexo e o grupo de idade, levando em consideração autoavaliação de saúde, presença de doença crônica, ou problemas que limitam as atividades habituais. Contudo, as diferenças por Unidade da Federação (UF) em termos de longevidade saudável ainda não foram pesquisadas. Tendo em vista que as diferentes condições de vida afetam o padrão regional de morbidade e mortalidade no país1515. Victora CG, Barreto ML, Leal MC, Monteiro CA, Schmidt MI, Paim J, et al. Health conditions and health-policy innovations in Brazil: the way forward. Lancet. 2011;377(9782):2042-53. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(11)60055-X.
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, este trabalho teve o objetivo de investigar as desigualdades socioespaciais da EVS por UF na população idosa brasileira.

MÉTODOS

A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) é uma pesquisa de base domiciliar, de âmbito nacional, realizada pelo Ministério da Saúde e pela Fundação Oswaldo Cruz, em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nos anos de 2013 e 2014. O projeto foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Parecer 328.159, de 26 junho de 2013).

A amostra da PNS é uma subamostra da Amostra Mestra do Sistema Integrado de Pesquisas Domiciliares (SIPD) do IBGE. A subamostra foi selecionada por amostragem por conglomerados em três estágios, com estratificação das unidades primárias de amostragem (setores censitários). No segundo estágio, em cada setor censitário, foi selecionado aleatoriamente um número fixo de domicílios. No terceiro estágio, em cada domicílio, um morador com 18 anos ou mais foi selecionado com equiprobabilidade1616. Souza Júnior PRB, Freitas MPS, Antonaci GA, Szwarcwald CL. Desenho da amostra da Pesquisa Nacional de Saúde 2013. Epidemiol Serv Saude. 2015;24(2):207-16. https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000200003.
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.

Ao final do trabalho de campo, foram visitados 81.254 domicílios. Desses domicílios, 69.994 estavam ocupados. Foram realizadas 64.348 entrevistas domiciliares e 60.202 entrevistas individuais com o morador selecionado no domicílio.

A EVS é uma medida da saúde da população que estima o número esperado de “anos saudáveis” (anos de vida em boa saúde) para os indivíduos da população em uma determinada faixa etária. Definições de “saudável” são, geralmente, baseadas em autoavaliação do estado de saúde, morbidade referida e presença de limitações funcionais ou cognitivas1212. Romero DE, Leite IC, Szwarcwald CL. Healthy life expectancy in Brazil: applying the Sullivan method. Cad Saude Publica. 2005;21 Supl 1:S7-18. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2005000700002.
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.

No presente estudo, a esperança de vida saudável foi estimada pelo método de Sullivan1111. Sullivan DF. A single index of mortality and morbidity. HSMHA Health Rep. 1971;86(4):347-54. https://doi.org/10.2307/4594169.
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na população idosa (60 anos ou mais) por sexo e UF. O método consiste em estimar a proporção de “anos vividos com saúde” do número total esperado de anos vividos por uma coorte de acordo com a equação matemática apresentada por Romero et al.1212. Romero DE, Leite IC, Szwarcwald CL. Healthy life expectancy in Brazil: applying the Sullivan method. Cad Saude Publica. 2005;21 Supl 1:S7-18. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2005000700002.
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. A esperança de vida aos 60 anos por sexo e UF foi fornecida pelo IBGEaaInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Tábua completa de mortalidade para o Brasil – 2013. Breve análise da mortalidade nos períodos 2012–2013 e 1980–2013. Diretoria de Pesquisas. Coordenação de População e Indicadores Sociais, 2014..

Para estabelecer o estado “não saudável”, foram usadas três medidas: autoavaliação de saúde, funcionalidade de idosos para realização das atividades da vida diária, e presença de pelo menos uma DCNT com limitações decorrentes da doença. A análise da autoavaliação de saúde foi baseada na seguinte pergunta do questionário individual: “Em geral, como o(a) sr.(a) avalia sua saúde?”. As respostas variaram de 1 (muito boa) a 5 (muito ruim), que foram agregadas em duas categorias: muito boa, boa ou regular; ruim ou muito ruim, correspondendo, respectivamente, aos estados “saudável” e “não saudável”.

Em relação à funcionalidade de idosos, foi utilizado o indicador de limitação funcional para realizar atividades de vida diária (AVD): comer sozinho, incluindo segurar um garfo, cortar alimentos e beber em um copo; tomar banho sozinho, incluindo entrar e sair do chuveiro ou banheira; ir ao banheiro sozinho, incluindo sentar e levantar do vaso sanitário; se vestir sozinho, incluindo calçar meias e sapatos, fechar o zíper, fechar e abrir botões; andar em casa sozinho de um cômodo a outro da casa; deitar ou levantar sozinho da cama. A variável correspondente ao caso do idoso ter grande dificuldade (“não consegue” ou “tem grande dificuldade”) para realização de pelo menos uma das AVD foi usada para o estabelecimento do estado “não saudável”.

Em relação à presença de DCNT, a variável foi composta pelas respostas a todas às questões relativas ao diagnóstico de doenças crônicas, incluindo hipertensão arterial, diabetes, doença do coração, acidente vascular cerebral (AVC), asma, artrite, problema crônico de coluna, distúrbio osteomuscular relacionado ao trabalho (Dort), depressão, outra doença mental, doença do pulmão, câncer, insuficiência renal crônica, ou outra doença crônica física ou mental não especificada anteriormente. No caso de resposta afirmativa para alguma DCNT, foi realizada questão sobre o grau de limitação para realização das atividades habituais em decorrência da doença. O indicador relativo à presença de pelo menos uma DCNT com grau de limitação intenso ou muito intenso para realização das atividades habituais foi adotado para definir estado “não saudável”.

Para a análise das desigualdades geográficas da EVS aos 60 anos por UF, foi considerado um indicador de nível socioeconômico (NSE), adaptado do indicador da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa, por meio do número de bens no domicílio, grau de instrução do chefe do domicílio, e presença de empregada doméstica paga mensalmente. O indicador de NSE foi utilizado sob a forma de pontos obtidos em cada domicílio, considerando-se a média por UF.

Os desfechos considerados neste estudo foram a esperança de vida aos 60 anos, fornecida pelo IBGE; a esperança de vida saudável aos 60 anos, calculada por meio das três definições de estado saudável; e número total de anos vividos com percepção ruim da saúde. Foram utilizadas as seguintes medidas de desigualdades geográficas: razão de desigualdades, dada pela razão entre os valores encontrados por UF e o valor mínimo; diferença, dada pela diferença entre os valores encontrados por UF e o valor mínimo.

Quanto às desigualdades por NSE, foram utilizadas as seguintes medidas1717. Schneider MC, Castillo-Salgado C, Bacallao J, Loyola E, Mujica OJ, Vidaurre M, et al. Métodos de medición de las desigualdades de salud. Rev Panam Salud Publica. 2002;12(6):398-415. https://doi.org/10.1590/S1020-49892002001200006.
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: coeficiente angular de desigualdades, correspondente ao coeficiente angular da regressão de cada desfecho com o indicador de NSE; razão e diferença entre as estimativas no último e primeiro quinto do indicador de NSE. Para a estimação do coeficiente angular de desigualdades, utilizou-se o procedimento estatístico de regressão linear tendo como variável independente o indicador de NSE. Foram estimados os coeficientes angulares e os valores do nível de significância estatística para cada desfecho.

Por se tratar de uma pesquisa com estratificação das unidades primárias de amostragem e seleção por conglomerados em três estágios, o desenho complexo de amostragem foi levado em consideração em toda a análise estatística dos dados.

RESULTADOS

Na Tabela 1, apresentam-se as variáveis utilizadas para a definição de estado não saudável: proporção de idosos com autoavaliação de saúde ruim ou muito ruim, proporção de idosos com alguma dificuldade para realização das atividades da vida diária, e proporção de idosos com diagnóstico de alguma DCNT e grau de limitação intenso ou muito intenso para realização das atividades habituais em decorrência da doença. A proporção de pessoas com autoavaliação de saúde ruim ou muito ruim mostrou ampla variação, de 2,5% a 24,0%, para o sexo masculino, e de 7,7% a 31,9%, para o feminino, com os valores máximos encontrados no Alagoas e no Maranhão, respectivamente, e os mínimos, no Espírito Santo e Rio de Janeiro, apresentando uma nítida disparidade Norte-Sul.

Tabela 1
Proporção de idosos em estado “não saudável” segundo diferentes definições, segundo sexo e Unidade da Federação. Pesquisa Nacional de Saúde, 2013.

A proporção de idosos com alguma DCNT e grau intenso de limitação também variou substancialmente segundo a UF. Porém, por depender do diagnóstico de alguma doença crônica, os valores mínimos e máximos foram encontrados em estados da Região Norte para ambos os sexos. Já o indicador que mostrou os valores mais baixos e a menor amplitude de variação por UF foi a proporção de pessoas com algum problema de funcionalidade para realização das AVD, com valores mínimos de 4,2% e 4,9%, e máximos de 9,3% e 12,0%, entre homens e mulheres, respectivamente (Tabela 1).

No Brasil, a menor proporção de pessoas vivendo em estado “não saudável” foi obtida para o indicador de problemas de funcionalidade, enquanto os outros dois mostraram valores similares. Para qualquer um dos três indicadores considerados, a proporção de mulheres em estado “não saudável” é maior do que entre os homens (Tabela 1).

Ainda na Tabela 1, apresentam-se as estimativas do indicador de nível socioeconômico, calculadas pelo número médio de pontos atribuídos aos domicílios da UF. O valor mínimo foi de 13,5 no Maranhão e o máximo de 25,5 no Distrito Federal.

Na Tabela 2, encontram-se as estimativas da esperança de vida aos 60 anos e da EVS por sexo segundo as UF, considerando-se as diferentes definições de estado saudável. Para o sexo masculino, a esperança de vida aos 60 anos variou de 17,7 (Piauí) a 21,4 (Espírito Santo), e foi de 19,9 no Brasil. A EVS variou de 13,8 (Alagoas) a 20,9 (Espírito Santo) para o critério de autoavaliação de saúde ruim, e de 13,5 (Roraima) a 19,2 (Distrito Federal) para a presença de DCNT com grau intenso de limitação. Para o sexo feminino, as estimativas correspondentes foram sempre mais altas, e variaram de 20,0 (Roraima) a 25,4 (Espírito Santo), de 14,9 (Maranhão) a 22,2 (São Paulo), e de 14,8 (Tocantins) a 22,50 (Espírito Santo), respectivamente. Devido à pouca variação nas proporções de idosos com limitações de funcionalidade por UF em ambos os sexos, a EVS estimada com esse critério obedece a um padrão sociogeográfico semelhante ao da esperança de vida aos 60 anos.

Tabela 2
Estimativas da esperança de vida (EV) e da esperança de vida saudável (EVS) aos 60 anos de acordo com as diferentes definições de estado “não saudável”, segundo sexo e Unidade da Federação. Pesquisa Nacional de Saúde, 2013.

Para a totalidade do país, o número de anos perdidos por limitações funcionais na realização de AVD foi de 1,2 entre os homens, de 1,7 entre as mulheres, e de 1,5 para o total. O maior número de anos perdidos correspondeu à presença de DCNT com grau intenso de limitação em função da doença, de 3,2 entre as mulheres, e de 2,0 entre os homens. Resultados semelhantes foram encontrados para as estimativas baseadas na autopercepção de saúde.

Na Tabela 3, apresentam-se as medidas de desigualdades geográficas e por NSE para os desfechos considerados no estudo. No tocante à razão de desigualdades entre as UF, as medianas da razão foram sempre maiores para a EVS do que para a esperança de vida, independentemente da definição adotada para estado saudável. O valor máximo da razão de desigualdades ultrapassou 1,5, tanto entre os idosos do sexo masculino como entre os do sexo feminino, quando o estado “não saudável” foi definido pela avaliação ruim da própria saúde. Quanto às diferenças por UF, a EVS chegou a ser sete anos maior em um estado do que em outro.

Tabela 3
Medidas de desigualdades geográficas e por nível socioeconômico (NSE) nas estimativas da esperança de vida saudável (EVS) aos 60 anos de acordo com as diferentes definições de “estado não saudável”, segundo sexo. Pesquisa Nacional de Saúde, 2013.

Já quando se considera a distribuição do indicador de NSE levando em conta a população idosa de cada UF, foram encontradas diferenças de três e quatro anos, aproximadamente, entre o último e primeiro quinto, para homens e mulheres, respectivamente, na EVS estimada com o critério de autoavaliação ruim ou muito ruim (Tabela 3).

Em relação aos coeficientes de desigualdade por nível socioeconômico, calculados pelos coeficientes angulares dos modelos de regressão ajustados aos quatro desfechos e tendo o índice de NSE como variável independente, percebem-se associações positivas e significativas tanto na esperança de vida como na EVS, para ambos os sexos. Adicionalmente, quando se consideram a autoavaliação de saúde ruim ou as limitações funcionais para a realização das AVD para a definição de estado “não saudável”, os gradientes por NSE são mais acentuados do que os obtidos para a esperança de vida aos 60 anos (Tabela 3 e Figura).

Figura
Valores preditos da esperança de vida e da esperança de vida saudável segundo as três definições de “estado saudável” de acordo com o indicador de nível socioeconômico. Pesquisa Nacional de Saúde, 2013.

DISCUSSÃO

O presente artigo é o primeiro estudo nacional a mostrar as desigualdades na esperança de vida saudável por UF. Quanto aos aspectos gerais, os resultados foram consistentes com estudos anteriores: embora as mulheres vivam mais do que os homens, elas vivem relativamente menos anos com boa saúde1818. Belon AP, Lima MG, Barros MB. Gender differences in healthy life expectancy among Brazilian elderly. Health Qual Life Outcomes. 2014;12:88. https://doi.org/10.1186/1477-7525-12-88.
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. Além da variação da esperança de vida ao nascer, marcadas desigualdades foram encontradas na longevidade saudável entre os estados das regiões mais e menos desenvolvidas do Brasil.

Para calcular a EVS, foi utilizado o método de Sullivan, adotando-se três diferentes critérios para definir o estado não saudável. O primeiro critério foi baseado na autoavaliação de saúde, uma vez que o conceito ampliado de saúde transcende a ausência de morte, doença e incapacidade e incorpora conceitos de bem-estar e qualidade de vida. Diferentemente da avaliação médica do estado de saúde, que identifica uma doença por um conjunto de sinais, sintomas e dados laboratoriais, a autopercepção da saúde combina componentes subjetivos, físicos e emocionais do bem-estar1919. Blank N, Diderichsen F. The prediction of different experiences of longterm illness: a longitudinal approach in Sweden. J Epidemiol Community Health. 1996;50(2):156-61. https://doi.org/10.1136/jech.50.2.156.
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. O segundo critério foi fundamentado na funcionalidade de idosos, entendendo-se que as limitações funcionais para a realização das atividades diárias constituem uma perda importante na qualidade de vida. Finalmente, o terceiro critério foi baseado na ocorrência de grau intenso de limitação para realização das atividades habituais decorrente de uma DCNT.

Os resultados mostraram razões de desigualdade elevadas da EVS aos 60 anos por UF, sempre superiores às obtidas para a esperança de vida, independentemente do indicador utilizado para a definição de estado saudável. Para a EVS estimada com base na percepção ruim da própria saúde, a razão de desigualdades chegou a alcançar valores superiores a 1,50, significando que o número esperado de anos vividos com boa saúde pela população idosa de um determinado estado chega a ser 50% maior que a de outro estado do Brasil.

No que diz respeito aos coeficientes de desigualdade da EVS segundo a variável representativa de NSE, os gradientes foram todos significativos, tanto para os homens como para as mulheres, e mais acentuados do que os obtidos para a esperança de vida, com exceção das estimativas calculadas pela presença de limitação intensa decorrente de alguma DCNT. No contexto da comparação de estimativas da EVS por NSE, definições de estado não saudáveis com base na morbidade referida não funcionam bem, pois dependem do acesso ao diagnóstico, reconhecidamente desigual por região e área de residência (urbana/rural)2020. Silva ZP, Ribeiro MCSA, Barata RB, Almeida MF. Perfil sociodemográfico e padrão de utilização dos serviços de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS), 2003-2008. Cienc Saude Coletiva. 2011;16(9):3807-16. https://doi.org/10.1590/S1413-81232011001000016.
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.

Com o atual crescimento da longevidade experimentado por populações em todo o mundo, a proporção de anos não saudáveis também tende a aumentar, e as medidas de longevidade saudável tornam-se cada vez mais importantes. Diferentes técnicas têm sido propostas para refinar as medidas binárias simples de estado de saúde, como o índice composto de bem-estar do Canadá com base em oito domínios de saúde2121. Muhajarine N, Labonte R, Winquist BD. The Canadian Index of Wellbeing: key findings from the healthy populations domain. Can J Public Health. 2012;103(5):e342-7.. No caso da EVS calculada com a autovaliação de saúde ruim, por exemplo, as diferenças por NSE refletem não só a influência dos determinantes socioestruturais, mas também as consequências de ter um problema de saúde em áreas socialmente desfavorecidas1818. Belon AP, Lima MG, Barros MB. Gender differences in healthy life expectancy among Brazilian elderly. Health Qual Life Outcomes. 2014;12:88. https://doi.org/10.1186/1477-7525-12-88.
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. Apesar dessa limitação, a utilização recorrente de autopercepção de saúde vem de sua validade, estabelecida por sua associação com medidas objetivas dos problemas de saúde66. Theme Filha MM, Souza Junior PR, Damacena GN, Szwarcwald CL. Prevalence of chronic non-communicable diseases and association with self-rated health: National Health Survey, 2013. Rev Bras Epidemiol. 2015;18 Supl 2:83-96. https://doi.org/10.1590/1980-5497201500060008.
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. No presente estudo, a EVS calculada com base na autoavaliação ruim foi a mais sensível para mostrar as desigualdades tanto geográficas como por nível socioeconômico.

Efeitos das desigualdades socioeconômicas sobre a longevidade saudável têm sido evidenciados em estudos nacionais e internacionais, com resultados invariavelmente piores nos grupos desfavorecidos socialmente. No Rio de Janeiro, entre pessoas de 65 anos ou mais, a EVS foi duas vezes menor no setor com maior concentração de população favelada do que na área mais rica da cidade2222. Szwarcwald CL, Mota JC, Damacena GN, Pereira TGS. Health inequalities in Rio de Janeiro, Brazil: lower healthy life expectancy in socioeconomically disadvantaged areas. Am J Public Health. 2011;101(3):517-23. https://doi.org/10.2105/AJPH.2010.195453.
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. Na Inglaterra, em estudo que combinou indicadores de qualidade de vida relacionada à saúde com dados de mortalidade, foi encontrada uma diferença de 11 anos na EVS entre o pior e o melhor quinto socioeconômico2323. Newton JN, Briggs AD, Murray CJ, Dicker D, Foreman KJ, Wang H, et al. Changes in health in England, with analysis by English regions and areas of deprivation, 1990-2013: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2013. Lancet. 2015;386(10010):2257-74. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(15)00195-6.
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. Análise comparativa da EVS aos 50 anos em países europeus no período de 2005 a 2010 mostrou desigualdade crescente, explicada, possivelmente, pela piora nas condições de vida e no aumento do desemprego2424. Fouweather T, Gillies C, Wohland P, Van Oyen H, Nusselder W, Robine JM, et al. Comparison of socio-economic indicators explaining inequalities in Healthy Life Years at age 50 in Europe: 2005 and 2010. Eur J Public Health. 2015;25(6):978-83. https://doi.org/10.1093/eurpub/ckv070.
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.

Uma das limitações do presente estudo diz respeito ao tamanho de amostra da PNS entre indivíduos com 60 anos ou mais, insuficiente para a estimação da EVS por faixa de idade, por exemplo, aos 70 anos. Além disso, os dados sobre rendimento da PNS ainda não foram divulgados, restringindo os estudos das desigualdades por nível socioeconômico ao indicador construído a partir dos bens no domicílio e do grau de instrução da pessoa responsável pelo domicílio.

Com os resultados deste trabalho, foi possível concluir que não só os indicadores de mortalidade estão associados com as condições de vida, mas que as desigualdades são ainda mais pronunciadas quando o bem-estar e as limitações nas atividades habituais são levados em consideração, apontando para a necessidade de promover ações e programas para diminuir o gradiente socioespacial. No contexto epidemiológico atual, é essencial o desenvolvimento de estratégias locais não só para prestar assistência a todas as pessoas que necessitem de cuidados, mas também para apoiar as políticas de prevenção e adoção de comportamentos saudáveis, fundamentais para alcançar a longevidade com qualidade.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    29 Jun 2016
  • Aceito
    23 Out 2016
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
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