O legado de Paulo Freire e as perspectivas para a Saúde Coletiva

Pedro José Santos Carneiro Cruz Reni Aparecida Barsaglini Tatiana Engel Gerhardt Katia Reis de Souza Renata Pekelman Sobre os autores

A educação se antecipa a uma verdadeira política popular e lhe sugere novos horizontes.

(Freire, 1983, p. 26)

As obras de Paulo Freire têm inspirado diversas contribuições para os vários grupos e setores da Saúde Coletiva brasileira, tendo como principal marca a provocação quanto à necessidade de constituição de trabalhos (seja na pesquisa, na formação, na gestão, na ação política, nos movimentos sociais ou no cuidado em saúde) com intencionalidade e compromisso crítico, político humanizador e emancipatório11 Freire P. Pedagogia do oprimido. 50ª ed. São Paulo: Paz e Terra; 2014..

Freire, seus escritos e as muitas produções com sua perspectiva teórica e metodológica vêm instigando os(as) protagonistas da Saúde Coletiva a examinarem as metodologias de suas práticas e estudos, na perspectiva de formas de condução e de organização que reconheçam, valorizem e potencializem a autonomia das pessoas e sua participação ativa na construção da saúde em seu sentido mais amplo e como direito social. No plano histórico, vale registrar que o ano de 2024, momento de publicação do presente Dossiê Temático, é marcado pela memória de 60 anos do golpe civil-militar que prendeu e exilou Paulo Freire e tantos outros brasileiros que lutaram pela democracia política no país. O livro Educação como prática de liberdade, onde Freire22 Freire P. Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1983. aborda o tema da democracia como condição vivencial para a prática da educação de natureza crítica e emancipatória, pode ser considerado um dos símbolos da resistência política e pedagógica na história da educação no Brasil.

Ao longo das últimas décadas, coletivos e movimentos têm se organizado para socializar, difundir e estudar mais profundamente o legado freiriano e suas contribuições à Saúde Coletiva. Diferentes avanços foram registrados historicamente como consequência, na medida em que a perspectiva freiriana pôde colaborar com a produção de diversas políticas públicas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e com a institucionalização de processos educativos dialógicos e de participação social em saúde.

Na ocasião da comemoração do centenário natalício de Paulo Freire, no ano de 2021, bem como reforçando o amplo conjunto de iniciativas que, ao longo do referido ano, marcaram homenagens à Freire, sua obra, seu pensamento e suas contribuições, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO) desenvolveu, através de sua Diretoria e de vários de seus Grupos Temáticos, Fóruns e Comissões, uma série de Ágoras intitulada Centenário Paulo Freire: Ágoras da Saúde Coletiva (disponíveis no canal da TV Abrasco/Youtube: https://www.youtube.com/@TVAbrasco).

Cada Ágora teve um enfoque específico, de maneira que a primeira enfatizou a trajetória, o pensamento e as contribuições de Paulo Freire à Saúde Coletiva. No segundo momento, foram enfocadas experiências de cuidado desenvolvidas nos territórios. Finalmente, no terceiro momento discutiu-se experiências de formação e de pesquisa em Saúde Coletiva. Como resultado desse processo, apresentamos à comunidade acadêmica o presente Dossiê Temático na Revista Ciência & Saúde Coletiva, contemplando 5 manuscritos, dentre estudos, pesquisas e reflexões em torno de algumas das questões tratadas nas Ágoras.

Paulo Freire provoca a Saúde Coletiva a (re)considerar a significante importância de uma ação profissional e acadêmica que esteja permeada pela convivência com a realidade social e seus protagonistas, com os saberes, dinâmicas e diversidades inerente aos territórios. Para tanto, Freire ainda nos ensina a centralidade do diálogo como metodologia capaz de potencializar a convivência solidária, respeitosa e fraterna entre as diferenças nos saberes e fazeres em saúde. Centralmente, o diálogo como mediatizador de uma ação profissional que, também pedagógica e política, conduza à crítica, autonomia e emancipação das pessoas33 Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra; 1996..

Esperamos que esse conjunto de elaborações possa mobilizar reflexões e provocar novas experiências, ideias, produções, escritos e políticas públicas inovadoras.

Referências

  • 1
    Freire P. Pedagogia do oprimido. 50ª ed. São Paulo: Paz e Terra; 2014.
  • 2
    Freire P. Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1983.
  • 3
    Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra; 1996.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    Jun 2024
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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