Tendência e padrão espacial das notificações de estupro por parceiro íntimo contra mulheres no Nordeste do Brasil (2013–2022)

Marília Ramalho Oliveira Alberto Pereira Madeiro Fernando Ferraz Nascimento Jesusmar Ximenes Andrade Malvina Thais Pacheco Rodrigues Márcio Dênis Medeiros Mascarenhas Sobre os autores

RESUMO

Objetivo:

Analisar a tendência e o padrão espacial das notificações de estupro por parceiro íntimo contra mulheres no Nordeste do Brasil.

Métodos:

Estudo ecológico de série temporal e análise espacial com dados secundários do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) entre 2013 e 2022. Foram calculadas taxas brutas de estupro por tipo de parceiro íntimo e por faixa etária da vítima. Para o cálculo de tendência, utilizou-se a regressão de Prais-Winsten e, para a análise espacial, adotou-se o índice global e local de Moran.

Resultados:

Foram notificados 5.542 casos de estupro pelo parceiro íntimo. As taxas perpetradas pelo cônjuge variaram de 0,34/100 mil mulheres em 2013 para 0,51/100 mil em 2017, com maiores elevações entre 2018 (1,04/100 mil) e 2022 (1,28/100 mil). Houve tendência de aumento no Nordeste como um todo (VPA=19,47; IC95% 15,88–23,22) e em quase todos os estados, exceto Paraíba e Sergipe. Os casos perpetrados por namorados (VPA=23,90; IC95% 12,80–36,09) e entre mulheres de 15 a 19 anos (VPA=22,63; IC95% 4,18–44,35) exibiram maior variação anual. Observou-se concentração de altas taxas em diversos municípios no noroeste do Ceará e no sudeste de Pernambuco.

Conclusão:

A tendência das taxas de estupro contra mulheres perpetrado pelo parceiro íntimo aumentou no Nordeste, principalmente entre as mais jovens e por namorados, tendo maior aglomerado de notificações no Ceará e em Pernambuco.

Palavras-chave:
Violência contra a mulher; Violência por parceiro íntimo; Violência sexual; Estupro; Nordeste

INTRODUÇÃO

A violência por parceiro íntimo contra a mulher é uma importante questão de saúde pública e de direitos humanos em todo o mundo, uma vez que interfere na vida, na integridade física e na saúde das mulheres11 Sardinha L, Maheu-Giroux M, Stöckl H, Meyer SR, García-Moreno C. Global, regional, and national prevalence estimates of physical or sexual, or both, intimate partner violence against women in 2018. Lancet 2022; 339(10327): 803-13. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(21)02664-7
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,22 World Health Organization. Violence against women [Internet]. 2023 [cited on Jul 24, 2023]. Available at: https://www.who.int/health-topics/violence-against-women#tab=tab_1
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. Estima-se que 1 a cada 3 mulheres já tenha sofrido violência física e/ou sexual em algum momento da vida, principalmente por um parceiro íntimo33 World Health Organization. WHO multi-country study on women's health and domestic violence against women: initial results on prevalence, health outcomes and women's responses [Internet]. 2005 [cited on Jul 24, 2023]. Available at: https://www.who.int/publications/i/item/9241593512
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. A violência por parceiro íntimo é compreendida como qualquer comportamento dentro da relação conjugal que prejudique o parceiro — podendo também ser perpetrado por um ex-parceiro —, incluindo violência física, psicológica, sexual, moral, de propriedade e de controle11 Sardinha L, Maheu-Giroux M, Stöckl H, Meyer SR, García-Moreno C. Global, regional, and national prevalence estimates of physical or sexual, or both, intimate partner violence against women in 2018. Lancet 2022; 339(10327): 803-13. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(21)02664-7
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2 World Health Organization. Violence against women [Internet]. 2023 [cited on Jul 24, 2023]. Available at: https://www.who.int/health-topics/violence-against-women#tab=tab_1
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3 World Health Organization. WHO multi-country study on women's health and domestic violence against women: initial results on prevalence, health outcomes and women's responses [Internet]. 2005 [cited on Jul 24, 2023]. Available at: https://www.who.int/publications/i/item/9241593512
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-44 Moroskoski M, Brito FAM, Queiroz RO, Higarashi IH, Oliveira RR. Aumento da violência física contra a mulher perpetrada pelo parceiro íntimo: uma análise de tendência. Cien Saude Colet 2021; 26(Supl. 3): 4993-5002. https://doi.org/10.1590/1413-812320212611.3.02602020
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.

Sabe-se que a violência sexual é um dos principais tipos cometidos por parceiros íntimos. Ela é definida, de forma ampla, como qualquer contato sexual obtido sem consentimento22 World Health Organization. Violence against women [Internet]. 2023 [cited on Jul 24, 2023]. Available at: https://www.who.int/health-topics/violence-against-women#tab=tab_1
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,55 d’Oliveira AFPL, Schraiber LB, França-Junior I, Ludermir AB, Portella AP, Diniz CS, et al. Fatores associados à violência por parceiro íntimo em mulheres brasileiras. Rev Saude Publica 2009; 43(2): 299-311. https://doi.org/10.1590/S0034-89102009005000013
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,66 Leite FMC, Luis MA, Amorim MHC, Maciel ELN, Gigante DP. Violência contra a mulher e sua associação com o perfil do parceiro íntimo: estudo com usuárias da atenção primária. Rev Bras Epidemiol 2019; 22: e190056. https://doi.org/10.1590/1980-549720190056
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. Entre os diversos tipos de violência sexual, o estupro é considerado o mais grave. Segundo a legislação brasileira, o estupro é o ato de constranger e forçar, por grave ameaça ou força física, alguém a manter relações sexuais ou a praticar ou permitir que se pratique outro ato libidinoso77 Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009. Altera o Título VI da Parte Especial do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e o art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, que dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal e revoga a Lei nº 2.252, de 1º de julho de 1954, que trata de corrupção de menores [Internet]. Brasília: Diário Oficial da União; 2009 [cited on Aug 18, 2023]. Available at: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12015.html
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. Semelhante ao que ocorre quando o perpetrador é desconhecido, a violência sexual por parceiro íntimo também determina consequências graves para a saúde das mulheres, incluindo depressão, abuso de substâncias e ideação suicida88 Barker LC, Stewart DE, Vigod SN. Intimate partner sexual violence: an often overlooked problem. J Womens Health (Larchmt) 2019; 28(3): 363-74. https://doi.org/10.1089/jwh.2017.6811
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.

Dados de 161 países em 2018 apontaram que 27% das mulheres de 15 a 49 anos já experimentaram violência física ou sexual (ou ambas) causada pelo parceiro íntimo ao longo de suas vidas11 Sardinha L, Maheu-Giroux M, Stöckl H, Meyer SR, García-Moreno C. Global, regional, and national prevalence estimates of physical or sexual, or both, intimate partner violence against women in 2018. Lancet 2022; 339(10327): 803-13. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(21)02664-7
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. Além disso, 38 a 50% de todos os assassinatos de mulheres no mundo são cometidos por parceiros ou ex-parceiros99 Stöckl H, Devries K, Rotstein A, Abrahams N, Campbell J, Watts C, et al. The global prevalence of intimate partner homicide: a systematic review. Lancet 2013; 382(9895): 859-65. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(13)61030-2
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. No Brasil, entre 2011 e 2017, 62,4% das notificações de violência contra a mulher foram perpetradas por parceiros íntimos, tendo a violência sexual apresentado maior proporção entre gestantes e portadoras de deficiência1010 Mascarenhas MDM, Tomaz GR, Meneses GMS, Rodrigues MTP, Pereira VOM, Corassa RB. Análise das notificações de violência por parceiro íntimo contra mulheres, Brasil, 2011-2017. Rev Bras Epidemiol 2020; 23(supl. 1): E2007. https://doi.org/10.1590/1980-549720200007.supl.1
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. Durante a pandemia de COVID-19 (março de 2020 a dezembro de 2021) foram contabilizados mais de 100 mil estupros de mulheres, tendo 18 Unidades da Federação (UFs) superado os patamares pré-pandemia, e com destaque para 6 estados do Nordeste (Paraíba, Maranhão, Alagoas, Piauí, Sergipe e Rio Grande do Norte)1111 Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Violência contra mulheres em 2021 [Internet]. 2021 [cited on Oct 07, 2023]. Available at: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2022/03/violencia-contra-mulher-2021-v5.pdf
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.

Mesmo com esses dados, a literatura carece de estudos que considerem o estupro por parceiros íntimos. Apesar de se saber que parceiros íntimos possuem mais chances de perpetuarem algum tipo de violência sexual contra suas parceiras ou ex-parceiras11 Sardinha L, Maheu-Giroux M, Stöckl H, Meyer SR, García-Moreno C. Global, regional, and national prevalence estimates of physical or sexual, or both, intimate partner violence against women in 2018. Lancet 2022; 339(10327): 803-13. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(21)02664-7
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,55 d’Oliveira AFPL, Schraiber LB, França-Junior I, Ludermir AB, Portella AP, Diniz CS, et al. Fatores associados à violência por parceiro íntimo em mulheres brasileiras. Rev Saude Publica 2009; 43(2): 299-311. https://doi.org/10.1590/S0034-89102009005000013
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,66 Leite FMC, Luis MA, Amorim MHC, Maciel ELN, Gigante DP. Violência contra a mulher e sua associação com o perfil do parceiro íntimo: estudo com usuárias da atenção primária. Rev Bras Epidemiol 2019; 22: e190056. https://doi.org/10.1590/1980-549720190056
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, esse tipo de agressão pode ser menos identificado pelas mulheres e, consequentemente, subnotificado. Muitas, por exemplo, podem não ter internalizado um dos estereótipos mais comuns sobre o estupro: que ele pode ocorrer dentro de um relacionamento íntimo11 Sardinha L, Maheu-Giroux M, Stöckl H, Meyer SR, García-Moreno C. Global, regional, and national prevalence estimates of physical or sexual, or both, intimate partner violence against women in 2018. Lancet 2022; 339(10327): 803-13. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(21)02664-7
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,22 World Health Organization. Violence against women [Internet]. 2023 [cited on Jul 24, 2023]. Available at: https://www.who.int/health-topics/violence-against-women#tab=tab_1
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Além disso, a região Nordeste recentemente tem sido apontada como tendo o maior percentual de exposição de violência entre adultos1212 Mascarenhas MDM, Melo AS, Rodrigues MTP, Bahia CA, Lima CM, Corassa RB, et al. Prevalência de exposição à violência entre adultos – Brasil, 2019. Rev Bras Epidemiol 2021; 24(supl. 2): E210019. https://doi.org/10.1590/1980-549720210019.supl.2
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e um local onde muitas mulheres ainda se encontram em um regime patriarcal com grande estratificação de gênero, classe e raça1313 Azevedo AKS, Dutra EMS. Era uma vez uma história sem história: pensando o ser mulher no Nordeste. Pesqui Prat Psicossociais 2019; 14(2): 1-14.. A partir desse dado, este estudo tem o objetivo de analisar a tendência e o padrão espacial das notificações de estupro por parceiro íntimo contra mulheres no Nordeste.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo ecológico de análise temporal e espacial, com caráter analítico. Utilizaram-se dados secundários de acesso público, disponíveis no Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), oriundos das notificações de violência interpessoal do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN). Todas as informações foram filtradas segundo as seguintes categorias: região Nordeste, sexo feminino, faixa etária >15 anos, estupro (sim) e parceiro íntimo (namorado, ex-namorado, cônjuge e ex-cônjuge). Foram consideradas como variáveis de interesse: ano de notificação, UF de ocorrência, município da ocorrência, raça/cor da pele, escolaridade, local da ocorrência, violência de repetição e suspeita de uso de álcool.

Considerou-se como variável independente o ano do estupro (2013–2022) e como variável dependente a taxa bruta de estupro, segundo UF, faixa etária e tipo de parceiro íntimo. As taxas brutas de estupro por parceiro íntimo foram calculadas dividindo-se as notificações de estupro de mulheres a partir de 15 anos por parceiro íntimo pela população de mulheres a partir de 15 anos residentes no mesmo local e período. Para o cálculo desse indicador, foram utilizadas as estimativas intercensitárias de 2013 a 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)1414 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Projeção da população do Brasil e das Unidades da Federação [Internet]. 2021 [cited on Jul 24, 2023]. Available at: https://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/index.html
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Realizou-se análise descritiva por frequência absoluta (n) e relativa (%), média (M) e desvio-padrão (DP). Para o cálculo de tendência temporal foi empregada a regressão de Prais-Winsten. Os valores de cada variável dependente foram transformados em logaritmos de base 10 para corrigir problemas de heterogeneidade de variância e calcular a variação percentual anual (VPA) e seu respectivo intervalo de confiança de 95% (IC95%)1515 Antunes JLF, Cardoso MRA. Uso da análise de séries temporais em estudos epidemiológicos. Epidemiol Serv Saude 2015; 24(3): 565-76. https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000300024
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. Considerou-se que, se o modelo da regressão for estatisticamente significativo (p<0,05) e a VPA positiva, há tendência de aumento. Se o modelo da regressão for estatisticamente significativo (p<0,05) e a VPA negativa, ocorre tendência de diminuição. Por sua vez, se o modelo de regressão não for estatisticamente significativo (p>0,05), estabelece-se tendência estacionária. Foram calculados os valores de Durbin-Watson (corrigidos pelo Prais-Winsten) para detectar a presença de autocorrelação de primeira ou segunda ordem (resultados entre 1,5 e 2,5 são considerados seguros para a interpretação da tendência).

Na análise espacial, adotou-se o Índice Global e Local de Moran (IGM/ILM) univariado. Para a criação desse modelo, foi empregada na cartografia toda a extensão da macrorregião nordestina, tendo como unidades de análises os municípios e como evento de interesse a taxa de estupro. O mapa foi proveniente da base cartográfica do IBGE (versão 2020).

O Índice de Moran verifica a existência de dependência espacial, ou seja, se o evento de interesse apresenta padrões comportamentais no mapa. O IGM é representado por valores que variam de -1 a +1, em que valores positivos (entre 0 e +1) indicam correlação direta (alto-alto ou baixo-baixo) e valores negativos (entre 0 e -1) correlação inversa (alto-baixo ou baixo-alto). Esses resultados, se estatisticamente significativos, indicam presença de dependência espacial geral no mapa. Contudo, o IGM não demonstra onde está o padrão de dependência, e, por isso, foi adotado o ILM para a localização dos agrupamentos (clusters) em cada município1616 Câmara G, Carvalho MS, Druck S, Monteiro AMV. análise espacial de dados geográficos. Brasília: Embrapa; 2004..

Para o mapeamento dos dados foram adotadas as Taxas Bayesianas Empíricas Espaciais (TBEE), sendo estas as mais apropriadas para geração de mapas que apresentem grandes diferenças regionais ou muitos polígonos, uma vez que elas consideram a matriz de vizinhança (média local dos vizinhos do município)1717 Carvalho AXY, Silva GDM, Almeida Júnior GR, Albuquerque PHM. Taxas bayesianas para o mapeamento de homicídios nos municípios brasileiros. Cad Saude Publica 2012; 28(7): 1249-62. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2012000700004
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. Para o cálculo dessa taxa, foram utilizados os casos de estupro somados (2013–2022), usando a população total somada no mesmo período, proveniente do Censo do IBGE1414 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Projeção da população do Brasil e das Unidades da Federação [Internet]. 2021 [cited on Jul 24, 2023]. Available at: https://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/index.html
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. Os parâmetros para o modelo foram a projeção cartográfica no Sistema de Referência Geocêntrico para as Américas 2000 (SIRGAS 2000) e a matriz de vizinhança queen contiguity (contiguidade da rainha) com vizinhos de primeira ordem (busca os primeiros vizinhos fronteiriços). Todos os municípios que não apresentaram ocorrência de estupro foram removidos da análise.

Para estimar a significância de todos os modelos gerados (IGM ou ILM), realizou-se o teste de pseudossignificância por meio de 99.999 permutações1616 Câmara G, Carvalho MS, Druck S, Monteiro AMV. análise espacial de dados geográficos. Brasília: Embrapa; 2004.. A demonstração cartográfica foi realizada pelo mapa de LISA (Local Indicators of Spatial Association), que categoriza municípios a partir dos ILM. O programa utilizado para análise de séries temporais foi o Stata (versão 17). Os IGM/ILM e as TBEE foram realizados no GeoDa (versão 1.20), e a geração dos mapas feita no QGIS 4.24 Tisler. Para as estimativas de tendência, adotou-se nível de significância de 5% (p<0,05), enquanto para os mapas a significância foi de 1% (p<0,01), objetivando eliminar o problema de múltiplas comparações (99.999 permutações).

Este estudo não foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa por se tratar de dados secundários, conforme a Resolução nº 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde1818 Brasil. Resolução nº 510, de 07 de abril de 2016 [Internet]. Brasil: Diário Oficial da União; 2016 [cited on Jul 24, 2023]. Available at: https://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2016/Reso510.pdf
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RESULTADOS

Foram notificados 5.542 casos de estupro pelo parceiro íntimo contra mulheres. Observou-se maior número de notificações em 2022 (18,9%) e menor em 2014 (4,0%). A Tabela 1 mostra que, em todo o período, Pernambuco obteve o maior número de notificações (42,4%), seguido da Bahia (17,9%). A maioria das vítimas tinha até 39 anos (76,5%), mas quase ¼ delas (23,3%) era adolescente. Além disso, houve frequência mais elevada de raça/cor da pele parda (63,1%), com escolaridade até Ensino Fundamental (39,9%), e violência ocasionada pelo cônjuge (41,3%) e ex-cônjuge (31,0%), ocorrida no domicílio (82,5%), de repetição (71,8%) e sem o agressor ter ingerido bebidas alcóolicas (48,2%).

Tabela 1
Número de notificações de estupros contra mulheres perpetrados pelo parceiro íntimo. Nordeste, Brasil, 2013-2022.

Houve incremento gradual das taxas brutas de notificação por estupro para todos os tipos de parceiros íntimos, com maiores taxas dos cônjuges. Entre 2013 e 2017 as taxas perpetradas pelo cônjuge variaram de 0,34/100 mil mulheres em 2013 para 0,51/100 mil em 2017, com maiores elevações entre 2018 (1,04/100 mil) e 2022 (1,28/100 mil). Para os demais parceiros íntimos, ocorreu incremento discreto das taxas durante o período. Exceto para o estupro ocasionado por namorado, o ano de 2022 evidenciou as maiores taxas de notificação da série temporal para os outros tipos de parceiros íntimos (Tabela 2).

Tabela 2
Taxas brutas de estupro contra mulheres, de acordo com o tipo de parceiro íntimo. Nordeste, Brasil, 2013-2022.

A Tabela 3 apresenta a tendência temporal das taxas brutas de estupro. Somente Paraíba (VPA=-0,35; IC95% -15,81–17,94) e Sergipe (VPA=12,65; IC95% -14,92–49,15) apresentaram tendência estacionária, enquanto os demais estados apresentaram tendência de aumento. O estado do Ceará exibiu maior percentual de crescimento anual (VPA=42,11; IC95% 22,46–64,91), seguido por Alagoas (VPA=34,51; IC95% 20,91–49,63), e o menor crescimento anual foi visto no Piauí (VPA=14,40; IC95% 1,94–28,38). No tocante ao principal agressor, houve aumento para todos os tipos, sendo os casos perpetrados por namorados (VPA=23,90; IC95% 12,80–36,09) e ex-namorados (VPA=22,39; IC95% 16,40–28,69) os que exibiram maior variação anual. Em relação à faixa etária, notou-se crescimento mais elevado das taxas de estupro entre mulheres de 15 a 19 anos (VPA=22,63; IC95% 4,18–44,35).

Tabela 3
Tendência da taxa bruta de estupro por 100 mil mulheres, segundo estados do Nordeste, principal agressor e faixa etária da vítima. Nordeste, Brasil, 2013-2022.

A Figura 1 apresenta a distribuição espacial das taxas bayesianas de estupro. Observou-se concentração de altas taxas em diversos municípios localizados nos estados do Ceará e de Pernambuco. Esse padrão é observado tanto nas taxas totais quanto nas ocorrências ocasionadas por cônjuge e namorado, nas quais há maior concentração de taxas de estupro. A análise de dependência espacial global (IGM) revelou que as taxas de estupro totais, além das perpetradas por cônjuge (I=0,333), namorado (I=0,472) e ex-namorado (I=0,308), apresentaram autocorrelação espacial direta (p<0,001). Globalmente, as ocorrências por ex-cônjuges não foram estatisticamente significativas (p=0,108).

Figura 1
Distribuição espacial da taxa bayesiana empírica de estupro por 100 mil mulheres, segundo municípios e estados nordestinos e principal agressor, Nordeste, 2013-2022.

A Figura 2 mostra os resultados dos índices locais de Moran, distribuídos segundo os tipos de agressores. Foram identificados conglomerados espaciais de altas taxas bayesianas de estupro em alguns municípios do Ceará e de Pernambuco. Exceto para os casos de estupro perpetrados por ex-cônjuges, os conglomerados se encontram em municípios ao noroeste do Ceará e ao sudeste de Pernambuco, próximo à fronteira com Alagoas.

Figura 2
Conglomerados espaciais da taxa bayesiana de estupro por 100 mil mulheres, segundo municípios e estados nordestinos e principal agressor, Nordeste, Brasil, 2013-2022.

DISCUSSÃO

O perfil das notificações mostrou predominância de mulheres jovens, pardas, cuja violência ocorreu no domicílio das vítimas e foi perpetrada pelo cônjuge sem o consumo de bebidas alcoólicas. Houve tendência de crescimento das taxas brutas de estupro em quase todos os estados, para todos os tipos de parceiros íntimos e para todas as faixas etárias das vítimas. Além disso, o padrão espacial demonstrou aglomeração dos casos em Pernambuco e no Ceará. A magnitude desses dados ratifica que o estupro contra mulheres pode ocorrer mesmo no âmbito de uma parceria conjugal11 Sardinha L, Maheu-Giroux M, Stöckl H, Meyer SR, García-Moreno C. Global, regional, and national prevalence estimates of physical or sexual, or both, intimate partner violence against women in 2018. Lancet 2022; 339(10327): 803-13. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(21)02664-7
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,1919 Fontes KB, Alarcão ACJ, Nihei OK, Pelloso SM, Andrade L, Carvalho MDB. Regional disparities in the intimate partner sexual violence rate against women in Paraná State, Brazil, 2009-2014: an ecological study. BMJ Open 2018; 8(2): e018437. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2017-018437
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,2020 Bott S, Guedes A, Ruiz-Celis AP, Mendoza JA. Intimate partner violence in the Americas: a systematic review and reanalysis of national prevalence estimates. Rev Panam Salud Publica 2019; 43: e26. https://doi.org/10.26633/RPSP.2019.26
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, sendo uma forma de violência particularmente humilhante, uma vez que é cometida por um parceiro com quem a vítima partilha um vínculo emocional estreito e frequentemente em um ambiente que deveria significar segurança e proteção11 Sardinha L, Maheu-Giroux M, Stöckl H, Meyer SR, García-Moreno C. Global, regional, and national prevalence estimates of physical or sexual, or both, intimate partner violence against women in 2018. Lancet 2022; 339(10327): 803-13. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(21)02664-7
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(21)02...
,88 Barker LC, Stewart DE, Vigod SN. Intimate partner sexual violence: an often overlooked problem. J Womens Health (Larchmt) 2019; 28(3): 363-74. https://doi.org/10.1089/jwh.2017.6811
https://doi.org/10.1089/jwh.2017.6811...
,2121 Acosta DF, Gomes VLO, Fonseca AD, Gomes GC. Violência contra a mulher por parceiro íntimo: (in)visibilidade do problema. Texto & Contexto Enferm 2015; 24(1): 121-7. https://doi.org/10.1590/0104-07072015001770013
https://doi.org/10.1590/0104-07072015001...
.

A maior parte das notificações foi observada entre mulheres com faixa etária até 39 anos, o que é consistente com outros estudos que analisaram a violência por parceiro íntimo em geral1111 Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Violência contra mulheres em 2021 [Internet]. 2021 [cited on Oct 07, 2023]. Available at: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2022/03/violencia-contra-mulher-2021-v5.pdf
https://forumseguranca.org.br/wp-content...
,1919 Fontes KB, Alarcão ACJ, Nihei OK, Pelloso SM, Andrade L, Carvalho MDB. Regional disparities in the intimate partner sexual violence rate against women in Paraná State, Brazil, 2009-2014: an ecological study. BMJ Open 2018; 8(2): e018437. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2017-018437
https://doi.org/10.1136/bmjopen-2017-018...
,2222 Waiselfisz JJ. Mapa da violência 2015: homicídio de mulheres no Brasil [Internet]. 2015 [cited on Sep 09, 2023]. Available at: http://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2016/04/MapaViolencia_2015_mulheres.pdf
http://www.onumulheres.org.br/wp-content...
,2323 Garcia LP, Silva GDM. Violência por parceiro íntimo: perfil dos atendimentos em serviços de urgência e emergência nas capitais dos estados brasileiros, 2014. Cad Saude Publica 2018; 34(4): e00062317. https://doi.org/10.1590/0102-311X00062317
https://doi.org/10.1590/0102-311X0006231...
. Dados de 86 serviços de urgência e emergência de 25 capitais brasileiras em 2014 evidenciaram que 65% das mulheres violentadas por parceiro íntimo tinham entre 20 e 30 anos. Uma pesquisa conduzida em 9 países entre 2000 e 2004 revelou que adolescentes e adultas jovens fazem parte do grupo de maior risco de sofrer violência física e/ou sexual por parceiro íntimo, que diminui com o avançar da idade2424 Stöckl H, March L, Pallito C, García-Moreno C; WHO Multi-country Study Team. Intimate partner violence among adolescents and young women: prevalence and associated factors in nine countries: a cross-sectional study. BMC Public Health 2014; 14: 751. https://doi.org/10.1186/1471-2458-14-751
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. São bem conhecidos o consumo de álcool e o comportamento controlador do parceiro como fatores de risco, enquanto o nível de escolaridade mais elevado e o casamento formal são considerados de proteção11 Sardinha L, Maheu-Giroux M, Stöckl H, Meyer SR, García-Moreno C. Global, regional, and national prevalence estimates of physical or sexual, or both, intimate partner violence against women in 2018. Lancet 2022; 339(10327): 803-13. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(21)02664-7
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(21)02...
,2424 Stöckl H, March L, Pallito C, García-Moreno C; WHO Multi-country Study Team. Intimate partner violence among adolescents and young women: prevalence and associated factors in nine countries: a cross-sectional study. BMC Public Health 2014; 14: 751. https://doi.org/10.1186/1471-2458-14-751
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.

Ainda que ocorra intersecção com outras variáveis, como baixo nível socioeconômico e desemprego, ter menor escolaridade parece favorecer a violência por parceiro íntimo11 Sardinha L, Maheu-Giroux M, Stöckl H, Meyer SR, García-Moreno C. Global, regional, and national prevalence estimates of physical or sexual, or both, intimate partner violence against women in 2018. Lancet 2022; 339(10327): 803-13. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(21)02664-7
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(21)02...
,2424 Stöckl H, March L, Pallito C, García-Moreno C; WHO Multi-country Study Team. Intimate partner violence among adolescents and young women: prevalence and associated factors in nine countries: a cross-sectional study. BMC Public Health 2014; 14: 751. https://doi.org/10.1186/1471-2458-14-751
https://doi.org/10.1186/1471-2458-14-751...
,2525 Schraiber LB, D’Oliveira AFPL, França Junior I. Violência sexual por parceiro íntimo entre homens e mulheres no Brasil urbano, 2005. Rev Saude Publica 2008; 42(Supl 1): 127-37. https://doi.org/10.1590/S0034-89102008000800015
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, como verificado neste trabalho. Um estudo de base populacional entre 2009 e 2010, em Florianópolis (SC), evidenciou que mulheres com escolaridade inferior a 5 anos têm taxas 3 vezes mais elevadas de violência moderada e 5 vezes mais altas de violência grave pelo parceiro íntimo, quando comparadas àquelas com 5 anos ou mais de estudos2626 Lindner SR, Coelho EBS, Bolsoni CC, Rojas PF, Boing AF. Prevalência de violência física por parceiro íntimo em homens e mulheres de Florianópolis, Santa Catarina, Brasil: estudo de base populacional. Cad Saude Publica 2015; 31(4): 815-26. https://doi.org/10.1590/0102-311X00159913
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. Já entre mulheres com menor escolaridade e renda, foi mais prevalente o sexo forçado por medo ou forçado fisicamente2525 Schraiber LB, D’Oliveira AFPL, França Junior I. Violência sexual por parceiro íntimo entre homens e mulheres no Brasil urbano, 2005. Rev Saude Publica 2008; 42(Supl 1): 127-37. https://doi.org/10.1590/S0034-89102008000800015
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. Outras pesquisas apontam para risco aumentado de violência por parceiro íntimo quando há disparidade no nível de escolaridade entre os pares, principalmente quando a mulher possui grau educacional mais elevado2727 Abramsky T, Watts CH, García-Moreno C, Devries K, Kiss L, Elsberg M, et al. What factors are associated with recent intimate partner violence? Findings from the WHO multi-country study on women's health and domestic violence. BMC Public Health 2011; 11: 109. https://doi.org/10.1186/1471-2458-11-109
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. É possível que, com o aumento da escolaridade e da independência financeira, as mulheres fiquem menos propensas a tolerar a violência por parceria íntima88 Barker LC, Stewart DE, Vigod SN. Intimate partner sexual violence: an often overlooked problem. J Womens Health (Larchmt) 2019; 28(3): 363-74. https://doi.org/10.1089/jwh.2017.6811
https://doi.org/10.1089/jwh.2017.6811...
,2424 Stöckl H, March L, Pallito C, García-Moreno C; WHO Multi-country Study Team. Intimate partner violence among adolescents and young women: prevalence and associated factors in nine countries: a cross-sectional study. BMC Public Health 2014; 14: 751. https://doi.org/10.1186/1471-2458-14-751
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.

Semelhante ao atual estudo, investigações prévias mostram que a violência sexual é mais comum entre parceiros atuais, sejam eles caracterizados como maridos ou namorados, com mais da metade dos casos notificados de estupro ocasionados pelo cônjuge1919 Fontes KB, Alarcão ACJ, Nihei OK, Pelloso SM, Andrade L, Carvalho MDB. Regional disparities in the intimate partner sexual violence rate against women in Paraná State, Brazil, 2009-2014: an ecological study. BMJ Open 2018; 8(2): e018437. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2017-018437
https://doi.org/10.1136/bmjopen-2017-018...
,2020 Bott S, Guedes A, Ruiz-Celis AP, Mendoza JA. Intimate partner violence in the Americas: a systematic review and reanalysis of national prevalence estimates. Rev Panam Salud Publica 2019; 43: e26. https://doi.org/10.26633/RPSP.2019.26
https://doi.org/10.26633/RPSP.2019.26...
,2222 Waiselfisz JJ. Mapa da violência 2015: homicídio de mulheres no Brasil [Internet]. 2015 [cited on Sep 09, 2023]. Available at: http://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2016/04/MapaViolencia_2015_mulheres.pdf
http://www.onumulheres.org.br/wp-content...
. No entanto, o estado civil está intimamente associado à violência por parceiro íntimo, tendo mulheres que coabitam maiores probabilidades de relatar violência em comparação às casadas formalmente2626 Lindner SR, Coelho EBS, Bolsoni CC, Rojas PF, Boing AF. Prevalência de violência física por parceiro íntimo em homens e mulheres de Florianópolis, Santa Catarina, Brasil: estudo de base populacional. Cad Saude Publica 2015; 31(4): 815-26. https://doi.org/10.1590/0102-311X00159913
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,2727 Abramsky T, Watts CH, García-Moreno C, Devries K, Kiss L, Elsberg M, et al. What factors are associated with recent intimate partner violence? Findings from the WHO multi-country study on women's health and domestic violence. BMC Public Health 2011; 11: 109. https://doi.org/10.1186/1471-2458-11-109
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.

Em países da África subsaariana, entre 2010 e 2019, mulheres casadas e com maior autonomia sexual — demonstrada pela capacidade de recusar sexo ou pedir ao parceiro para utilizar o preservativo — exibem probabilidade mais elevada de sofrer violência sexual por parceiro íntimo2828 Aboagye RG, Dadzie LK, Arthur-Holmes F, Okyere J, Agbalo E, Ahinkorah BO, et al. Intimate partner violence against married and cohabiting women in sub-Saharan Africa: does sexual autonomy matter? Reprod Health 2022; 19(1): 79. https://doi.org/10.1186/s12978-022-01382-1
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. Sabe-se que em contextos com normas culturais enraizadas de submissão da mulher aos desejos masculinos, os maridos possivelmente interpretam a recusa ou o questionamento como desafio à sua autoridade, o que deflagraria a ação sexual violenta contra suas parceiras1313 Azevedo AKS, Dutra EMS. Era uma vez uma história sem história: pensando o ser mulher no Nordeste. Pesqui Prat Psicossociais 2019; 14(2): 1-14.,2929 Sunmola AM, Mayunbgo DA, Fayehun OA, Opayemi RS, Morakinyo LA. Is women tendency to negotiate safer sex another opportunity for intimate partner violence in Nigeria? J Interpers Violence 2021; 36(7-8): NP3624-NP3645. https://doi.org/10.1177/0886260518779071
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.

Embora seja amplamente reconhecido que a violência por parceiro íntimo ocorra em todas as classes sociais, raças, religiões, níveis educacionais e, inclusive, durante a gravidez, também há consenso de que alguns fatores podem contribuir para a agressão, como a ingestão de álcool11 Sardinha L, Maheu-Giroux M, Stöckl H, Meyer SR, García-Moreno C. Global, regional, and national prevalence estimates of physical or sexual, or both, intimate partner violence against women in 2018. Lancet 2022; 339(10327): 803-13. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(21)02664-7
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,1010 Mascarenhas MDM, Tomaz GR, Meneses GMS, Rodrigues MTP, Pereira VOM, Corassa RB. Análise das notificações de violência por parceiro íntimo contra mulheres, Brasil, 2011-2017. Rev Bras Epidemiol 2020; 23(supl. 1): E2007. https://doi.org/10.1590/1980-549720200007.supl.1
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,2424 Stöckl H, March L, Pallito C, García-Moreno C; WHO Multi-country Study Team. Intimate partner violence among adolescents and young women: prevalence and associated factors in nine countries: a cross-sectional study. BMC Public Health 2014; 14: 751. https://doi.org/10.1186/1471-2458-14-751
https://doi.org/10.1186/1471-2458-14-751...
,2727 Abramsky T, Watts CH, García-Moreno C, Devries K, Kiss L, Elsberg M, et al. What factors are associated with recent intimate partner violence? Findings from the WHO multi-country study on women's health and domestic violence. BMC Public Health 2011; 11: 109. https://doi.org/10.1186/1471-2458-11-109
https://doi.org/10.1186/1471-2458-11-109...
,2828 Aboagye RG, Dadzie LK, Arthur-Holmes F, Okyere J, Agbalo E, Ahinkorah BO, et al. Intimate partner violence against married and cohabiting women in sub-Saharan Africa: does sexual autonomy matter? Reprod Health 2022; 19(1): 79. https://doi.org/10.1186/s12978-022-01382-1
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,3030 Conceição HN, Coelho SF, Madeiro AP. Prevalência e fatores associados à violência por parceiro íntimo na gestação em Caxias, Maranhão, 2019-2020. Epidemiol Serv Saude 2021; 30(2): e2020848. https://doi.org/10.1590/S1679-49742021000200012
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. O consumo de bebida alcóolica pela parceria íntima aumenta a chance de comportamento agressivo, de abuso emocional e de má conduta sexual2424 Stöckl H, March L, Pallito C, García-Moreno C; WHO Multi-country Study Team. Intimate partner violence among adolescents and young women: prevalence and associated factors in nine countries: a cross-sectional study. BMC Public Health 2014; 14: 751. https://doi.org/10.1186/1471-2458-14-751
https://doi.org/10.1186/1471-2458-14-751...
,2626 Lindner SR, Coelho EBS, Bolsoni CC, Rojas PF, Boing AF. Prevalência de violência física por parceiro íntimo em homens e mulheres de Florianópolis, Santa Catarina, Brasil: estudo de base populacional. Cad Saude Publica 2015; 31(4): 815-26. https://doi.org/10.1590/0102-311X00159913
https://doi.org/10.1590/0102-311X0015991...
,3030 Conceição HN, Coelho SF, Madeiro AP. Prevalência e fatores associados à violência por parceiro íntimo na gestação em Caxias, Maranhão, 2019-2020. Epidemiol Serv Saude 2021; 30(2): e2020848. https://doi.org/10.1590/S1679-49742021000200012
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,3131 Aboagye RG, Ahinkorah BO, Tengan CL, Salifu I, Acheampong HY, Seidu AA. Partner alcohol consumption and intimate partner violence Against women in sub-Saharan Africa. PLoS One 2022; 17(12): e0278196. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0278196
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, porém com bidirecionalidade entre o abuso da substância e a violência conjugal55 d’Oliveira AFPL, Schraiber LB, França-Junior I, Ludermir AB, Portella AP, Diniz CS, et al. Fatores associados à violência por parceiro íntimo em mulheres brasileiras. Rev Saude Publica 2009; 43(2): 299-311. https://doi.org/10.1590/S0034-89102009005000013
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,2626 Lindner SR, Coelho EBS, Bolsoni CC, Rojas PF, Boing AF. Prevalência de violência física por parceiro íntimo em homens e mulheres de Florianópolis, Santa Catarina, Brasil: estudo de base populacional. Cad Saude Publica 2015; 31(4): 815-26. https://doi.org/10.1590/0102-311X00159913
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. Ao afetar tanto homens como mulheres, o abuso dessa substância pode levar à diminuição do autocontrole e ao comprometimento da função cognitiva, deteriorando o relacionamento conjugal e sendo catalisador do comportamento violento3232 Ally EZ, Laranjeira R, Viana MC, Pinsky I, Caetano R, Mitsuhiro S, et al. Intimate partner violence trends in Brazil: data from two waves of Brazilian National Alcohol and Drugs Survey. Braz J Psychiatry 2016; 38(2): 98-105. https://doi.org/10.1590/1516-4446-2015-1798
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. No entanto, os dados da atual pesquisa mostraram maior proporção de notificações de estupro sem suspeita do uso de álcool pelos parceiros, devendo esse dado ser avaliado com cuidado em decorrência de o consumo de bebida alcoólica pelo parceiro ser baseado apenas na percepção da mulher e, ainda, da frequência elevada de respostas ausentes/em branco sobre esse tópico.

Neste estudo, a análise de tendência temporal revelou crescimento das taxas de estupro por parceiro íntimo na região Nordeste, como um todo, e em quase todos os estados. Não há dados nacionais para comparação, mas uma revisão sistemática, que analisou a violência contra mulheres por parceiro íntimo nas Américas, detectou que a prevalência da violência sexual ao longo da vida decresceu significativamente em 6 países (Colômbia, Guatemala, Haiti, México, Nicarágua e Peru) dos 24 avaliados no período de 1998–20182020 Bott S, Guedes A, Ruiz-Celis AP, Mendoza JA. Intimate partner violence in the Americas: a systematic review and reanalysis of national prevalence estimates. Rev Panam Salud Publica 2019; 43: e26. https://doi.org/10.26633/RPSP.2019.26
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. Parte da explicação sobre o aumento da tendência da violência sexual observado na presente investigação pode estar relacionada ao maior acesso das mulheres à informação e ao apoio de serviços de saúde e de segurança para descontinuar a sequência de violência e favorecer a denúncia do parceiro íntimo. Por outro lado, outros motivos que também devem ser aventados dizem respeito à perpetuação de diferentes vulnerabilidades sociais e econômicas que estão associadas à violência praticada pelo parceiro íntimo, limitando a capacidade das mulheres de abandonar relações abusivas1919 Fontes KB, Alarcão ACJ, Nihei OK, Pelloso SM, Andrade L, Carvalho MDB. Regional disparities in the intimate partner sexual violence rate against women in Paraná State, Brazil, 2009-2014: an ecological study. BMJ Open 2018; 8(2): e018437. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2017-018437
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.

Mesmo que tenha sido observada tendência de aumento das taxas de estupro entre todos os tipos de parceiros íntimos e em todas as faixas etárias, chama a atenção que o maior percentual de crescimento anual tenha ocorrido entre os casos perpetrados por namorados/ex-namorados e entre vítimas de 15 a 19 anos. Tais dados ressaltam a relevância da violência no contexto do namoro, evidenciada em outras pesquisas3333 Clayton HB, Kilmer G, DeGue S, Estefan LF, Le VD, Suarez NA, et al. Dating violence, sexual violence, and bullying victimization among high school students – Youth Risk Behavior Survey, United States, 2021. MMWR Suppl 2023; 72(1): 66-74. http://doi.org/10.15585/mmwr.su7201a8
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,3434 Patrocino LB, Bevilacqua PD. Sobre risco, violência e gênero: revisão da produção de saúde sobre sexting entre jovens. Cienc Saude Colet 2021; 26(7): 2709-18. https://doi.org/10.1590/1413-81232021267.07482021
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, cujas principais vítimas são as mulheres quando a agressão é sexual e/ou física. Destaca-se, ainda, que esse tipo de violência é atualmente amplificado pelo uso de tecnologias, como a publicação de imagens e vídeos sexuais sem consentimento3333 Clayton HB, Kilmer G, DeGue S, Estefan LF, Le VD, Suarez NA, et al. Dating violence, sexual violence, and bullying victimization among high school students – Youth Risk Behavior Survey, United States, 2021. MMWR Suppl 2023; 72(1): 66-74. http://doi.org/10.15585/mmwr.su7201a8
http://doi.org/10.15585/mmwr.su7201a8...
,3434 Patrocino LB, Bevilacqua PD. Sobre risco, violência e gênero: revisão da produção de saúde sobre sexting entre jovens. Cienc Saude Colet 2021; 26(7): 2709-18. https://doi.org/10.1590/1413-81232021267.07482021
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. Um estudo que analisou as taxas de notificações de violência sexual entre adolescentes mostrou tendência crescente em todas as regiões do Brasil entre 2011 e 2018, embora o Nordeste tenha exibido as menores taxas e variação percentual3535 Viana VAO, Madeiro AP, Mascarenhas MDM, Rodrigues MTP. Tendência temporal da violência sexual contra mulheres adolescentes no Brasil, 2011-2018. Cienc Saude Colet 2022; 27(6): 2363-71. https://doi.org/10.1590/1413-81232022276.14992021
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. Resultados de uma revisão sistemática mostraram que mulheres jovens que coabitam com seus parceiros são ainda mais vulneráveis à violência em geral, incluindo a sexual, pela falta de oportunidades educacionais, pelo desequilíbrio de poder entre os pares e pela maior dependência econômica, restringindo sua autonomia e predispondo à agressão3636 Finnie RKC, Okasako-Schmucher DL, Buchanan L, Carty D, Wethington H, Mercer SL, et al. Intimate partner and sexual violence prevention among youth: a community guide systematic review. Am J Prev Med 2022; 62(1): e45-e55. https://doi.org/10.1016/j.amepre.2021.06.021
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.

Constatou-se, neste estudo, heterogeneidade espacial nas taxas brutas de notificações de estupro por parceiro íntimo no Nordeste, com conglomerados mais altos nos estados do Ceará e de Pernambuco. Entre 2009 e 2014, a maioria dos municípios do Paraná que contribuíram para a formação de clusters do tipo alto-alto apresentaram associação com índices de desenvolvimento humano mais baixos, maior proporção de mulheres economicamente ativas e renda média feminina mais elevada1919 Fontes KB, Alarcão ACJ, Nihei OK, Pelloso SM, Andrade L, Carvalho MDB. Regional disparities in the intimate partner sexual violence rate against women in Paraná State, Brazil, 2009-2014: an ecological study. BMJ Open 2018; 8(2): e018437. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2017-018437
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. Por um lado, além desse alinhamento geográfico com determinantes sociodemográficos, é possível que a promoção e sustentação da violência também estejam vinculadas a normas sociais e culturais sobre ideais de masculinidade e relações de gênero que reforçam o sexismo dominante na sociedade, ainda tão comum em muitas localidades do Nordeste3737 Brilhante AVM, Nations MK, Catrib AMF. "Taca cachaça que ela libera": violência de gênero nas letras e nas festas de forró no Nordeste do Brasil. Cad Saude Publica 2018; 34(3): e00009317. https://doi.org/10.1590/0102-311X00009317
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. Contudo, sabe-se que mulheres residentes em municípios de menor porte ou em contextos rurais podem apresentar maior dificuldade de denunciar a violência doméstica ou o estupro3838 Stochero L, Pinto LW. Violência contra mulheres que vivem em contextos rurais: uma revisão integrativa. Saude Soc 2023; 32(3): e210595pt. http://doi.org/10.1590/S0104-12902023210595pt
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.

Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) evidenciam que menos de 40% das mulheres que sofrem qualquer forma de violência procuram algum tipo de assistência. A maioria delas recorre às suas redes de apoio, principalmente familiares e amigos, e, em percentual menor, a espaços institucionais, como serviços de saúde e de segurança (menos de 10% das que procuram assistência optam por envolver a polícia)3939 World Health Organization. World health statistics 2015 [Internet]. 2015 [acessado em 6 ago. 2023]. Disponível em: https://www.who.int/docs/default-source/gho-documents/world-health-statistic-reports/world-health-statistics-2015.pdf
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. Apesar de avanços, a rede de atendimento à mulher vítima de violência no Nordeste ainda é limitada. Apenas 10,7% das Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher funcionavam com plantão 24h em 20224040 Brasil. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Secretaria Nacional de Segurança Pública. Ministério das Mulheres. Secretaria Nacional de Enfrentamento à Violência contra Mulheres. Observatório Brasil da Igualdade de Gênero. 8º Diagnóstico das Unidades de Polícia Civil Especializadas em Atendimento às Mulheres [Internet]. Brasília: Ministério da Justiça; 2023 [cited on Feb 02, 2024]. Available at: https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/sua-seguranca/seguranca-publica/estatistica/download/pesquisa-perfil/outrasperfil/deams/relatorio-8o-diagnostico-nacional-das-unidades-especializadas-em-atendimento-a-mulher-2022.pdf
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e, em 2018, a região detinha 23,5% da rede especializada de atendimento e 23,8% de casas-abrigo para situações de ameaças de morte4141 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Perfil dos municípios brasileiros: 2018 [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2019 [cited on Feb 02, 2024]. Available at: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101668.pdf
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. Um estudo realizado na Espanha com 849 casos de violência sexual por parceiro íntimo evidenciou que os motivos mais declarados para não dar queixa foram o término do relacionamento, o desconhecimento da possibilidade de denunciar e, ainda, a expressão de sentimentos de vergonha, culpa ou medo de descrédito no relato4242 Pastor-Moreno G, Ruiz-Pérez I, Sordo L, Henares-Montiel J. Frequency, types, and manifestations of partner sexual violence, non-partner sexual violence and sexual harassment: a population study in Spain. Int J Environ Res Public Health 2022; 19(13): 8108. https://doi.org/10.3390/ijerph19138108
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.

Por fim, algumas limitações deste estudo devem ser mencionadas. Primeiro, é possível que tenha ocorrido subnotificação do estupro, tanto por conta da dificuldade de identificação da violência pela mulher como por provável barreira de acesso às unidades de saúde, uma vez que há número ainda insuficiente de unidades com atendimento especializado à violência sexual, estas geralmente concentradas em municípios de maior porte4343 Melo CM, Soares MQ, Bevilacqua PD. Violência sexual: avaliação dos casos e da atenção às mulheres em unidades de saúde especializadas e não especializadas. Cienc Saude Colet 2022; 27(9): 3715-28. http://doi.org/10.1590/1413-81232022279.07242022
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. Depois, é necessário interpretar com cautela a comparação das taxas e da VPA entre os estados, levando em consideração a heterogeneidade da qualidade dos dados e a grande variação na completitude de vários campos da ficha de notificação4444 Sousa CMS, Mascarenhas MDM, Lima PVC, Rodrigues MTP. Incompletude do preenchimento das notificações compulsórias de violência – Brasil, 2011-2014. Cad Saude Colet 2020; 28(4): 477-87. https://doi.org/10.1590/1414-462X202028040139
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,4545 Platt VB, Coelho EBS, Bolsoni C, Höfelmann DA. Completitude, consistência e não duplicidade dos registros de violência sexual infantil no Sistema de Informação de Agravos de Notificação em Santa Catarina, 2009-2019. Epidemiol Serv Saude 2022; 31(2): e2021441. https://doi.org/10.1590/S2237-96222022000100012
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. Outra limitação é decorrente do fato de que as variáveis analisadas foram as disponíveis no SINAN, porém outras informações comuns à dinâmica da violência por parceria íntima — como se houve sobreposição com agressão física e/ou psicológica ou se a mulher vítima também estava sob efeito de álcool/drogas ilícitas — ajudariam a melhor compreensão do fenômeno. Ainda merece ser considerado que, dada a característica da base de dados, não havia possibilidade de seleção de mais de uma resposta para o tipo de parceria íntima. Como a revitimização e a polivitimização de mulheres são frequentes22 World Health Organization. Violence against women [Internet]. 2023 [cited on Jul 24, 2023]. Available at: https://www.who.int/health-topics/violence-against-women#tab=tab_1
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,33 World Health Organization. WHO multi-country study on women's health and domestic violence against women: initial results on prevalence, health outcomes and women's responses [Internet]. 2005 [cited on Jul 24, 2023]. Available at: https://www.who.int/publications/i/item/9241593512
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, ocorreu impossibilidade de comparar a prevalência cometida pela parceria atual/mais recente com a avaliação da violência por qualquer parceiro ao longo da vida.

Os achados deste estudo reforçam que a violência sexual contra mulheres por parceiros íntimos é um problema a ser enfrentado no Nordeste do Brasil. Visando à compreensão mais abrangente do fenômeno, seria valioso que pesquisas futuras obtivessem estimativas em diferentes contextos socioculturais. Além disso, é relevante que os serviços de saúde voltados à saúde da mulher possam abordar o assunto de forma que as vítimas se sintam mais seguras para notificar. A tendência crescente em quase toda a região, em todos os tipos de parceiros íntimos e em todas as faixas etárias das vítimas, aliada à identificação de áreas geográficas de maior vulnerabilidade, aponta para a necessidade de esforços continuados para a prevenção e resposta à violência.

  • FONTE DE FINANCIAMENTO: nenhuma.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    15 Dez 2023
  • Revisado
    04 Mar 2024
  • Aceito
    08 Mar 2024
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