DEBATE DEBATE
Fernando Lefèvre Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil. | Debate sobre el articulo de Briceño-León Debate on the paper by Briceño-León |
Nenhuma das sete teses do professor Briceño-León são, a meu ver, passíveis de refutação, na medida em que enunciam proposições aceitas consensualmente pela maioria daqueles que, de alguma forma, refletem e praticam a Educação, no terreno (minado ou movediço) da Saúde Coletiva.
Uma afirmação do artigo, contudo, dá margem a que se comece a pensar, não na insuficiência ou no eventual equívoco de alguma das sete teses, mas na fragilidade com que aparece a Educação em Saúde em si mesma e, por via de conseqüência, no sentimento de frustração que, como uma sombra má, parece acompanhar os praticantes ou "praxicantes" da "missão" educativa no campo da Saúde Coletiva.
A dita frase é: "A educação não pode modificar muitas condições objetivas, mas sim pode conseguir mudar a maneira como os indivíduos encaram as condições objetivas".
Fica, então, a pergunta: estaríamos na mesma situação da célebre piada do indivíduo que fez vinte anos de psicanálise para deixar de fazer xixi na cama e, ao final do tratamento, continuou a fazer xixi na cama mas agora sabendo por quê?
Se a Educação não pode modificar muitas (certamente as mais decisivas) das condições objetivas que, no caso da Saúde Coletiva, estão associadas às nossas precárias condições de saúde e de (qualidade de) vida, de que adianta os indivíduos encararem mais objetiva e claramente as ditas condições? Seria a Educação em Saúde, então, um empreendimento talvez belo, mas pragmaticamente inútil?
Na verdade, os referenciais teóricos que carregam consigo antinomias do tipo: condições objetivas versus condições subjetivas andam meio envelhecidos e sem muita força explicativa, em um mundo que é mais complexo do que se imaginava.
De qualquer forma, permanece, entre os educadores atuando na Saúde Coletiva, um grande sentimento de frustração quando se consegue, às vezes até em grande escala, a tal "participação" ou "mobilização" da comunidade (mesmo que não se saiba muito bem o que este último termo queira dizer, entre nós) e as coisas continuam iguais ou senão piores do que antes.
O problema então, me parece, reside - como a modernidade e a pós-modernidade estão nos ensinando - em "mudar de crise": não é a educação que está em crise mas, de maneira muito mais ampla, todas as "missões salvadoras".
Uma das importantes conseqüências desta crise mais ampla para a Educação em Saúde seria então a de que não há nada nem ninguém "a ser salvo", mesmo por uma Educação revista, comunitária, dialógica, participativa, porque a própria idéia de "salvação" - sejam quais forem os agentes, individuais ou coletivos, ou as modalidades desta ação "salvadora" - parece, no fundo, uma "naïvité" de que todos, em alguma medida, fomos vítimas.
Se não é para "salvar", para que serve então a Educação em Saúde, vista, convém assinalar, de maneira perfeitamente correta pelo Professor Briceño-León?
Por mais frustrante que isto possa parecer, a Educação em Saúde - junto com as demais "educações" - não "serve" para nada, porque "servir" implica, sempre, um ou vários "servidores" (públicos ou privados, não importa) e, conseqüentemente, em "missões", e tudo isso não existe mais hoje em dia (salvo para os pobres de espírito que acreditam que os Estados, os Governos, a Mitsubishi, a Microsoft, o Banco Econômico, a Bayer, têm alguma "missão" que não seja a de preservar a si mesmos e a seus interesses mesquinhos).
O que sobra, então, para a Educação em Saúde? A meu ver, para os que a praticam, o indeclinável dever de jogar mensagens dentro de garrafas no mar imenso da aldeia global, já que não há mais pastores a conduzir o rebanho humano, posto que, ou todos somos pastores, ou todos somos rebanho.