ARTIGO ARTICLE


 

 

 

 

 

 






Dalva A. Mello 1

Maria Zélia Rouquayrol 2
Dominique Araújo 2
Marcelo Amadei 2
Janaina Souza 2
Lourdes F. Bento 3
Janaina Gondin 2
Janine Nascimento 3


Promoção à saúde e educação: diagnóstico de saneamento através da pesquisa participante articulada à educação popular (Distrito São João dos Queiróz, Quixadá, Ceará, Brasil)

Health promotion and education: a diagnosis of sanitation conditions using participatory research and community education (São João dos Queiróz, Quixadá, Ceará, Brazil)

 


1 Núcleo de Estudos em Saúde Pública, Universidade de Brasília. SQN 315, bloco B 504, Brasília, DF 70744-020, Brasil.
2 Departamento de Saúde Comunitária, Universidade Federal do Ceará.
Rua Professor Costa Mendes 1608, 5o andar, Fortaleza, CE 60430-140, Brasil.
3 Secretaria de Saúde.
Av. Plácido Castelo s/no, Quixadá, CE 63900-000, Brasil.
  Abstract This study was conducted in a rural community, São João dos Queiróz, a township in the county of Quixadá, Ceará, Brazil, using a combination of participatory research and community education in compliance with the health promotion reference and principles of the 1986 Ottawa Charter. The project was joined by representatives of several local government institutions and organizations from the grassroots community movement. The theme generating the research, as defined by an assembly meeting of the community association, was a diagnosis of sanitation conditions in the community. The starting point was the assessment of local conditions. Results showed adverse local conditions in sanitation, literacy, income, and employment. Suggestions for solving the problems were organized so as to be included in the planning agenda for local health policies. Evaluation was procedural and enriched with daily research activities. The problem-solving pedagogical approach developed during the educational process contributed to a critical reconstruction, appropriation, and sharing of the resulting knowledge.
Key words Health Education; Health Promotion; Consumer Participation; Sanitation

Resumo Este trabalho foi desenvolvido em uma comunidade rural ­ vila de São João dos Queiróz, Distrito do Município de Quixadá, Ceará, através da pesquisa participante articulada à educação popular, tendo como referencial a promoção à saúde de acordo com os princípios da Carta de Ottawa, 1986. Participaram do projeto representantes das diversas instituições públicas do distrito e entidades associativas ligadas ao movimento popular. O tema gerador, definido em assembléia da associação comunitária, foi o diagnóstico de saneamento, e o ponto de partida, o levantamento da condição situacional. Os resultados obtidos mostraram as precárias condições locais de saneamento, escolaridade, renda e trabalho. As sugestões para resoluções dos problemas foram organizadas para subsidiar a agenda de planejamento das políticas locais de saúde. A avaliação foi processual e enriquecida com práticas do cotidiano da pesquisa. A pedagogia problematizadora, desenvolvida durante o processo educativo, contribuiu para a construção e a reconstrução crítica dos conceitos de promoção à saúde e de saneamento, assim como para a efetivação da construção, apropriação e socialização dos conhecimentos produzidos.
Palavras-chave Educação em Saúde; Promoção à Saúde; Participação Comunitária; Saneamento

 

 

Introdução

 

As discussões sobre promoção à saúde (PS) foram iniciadas a partir da década de 70 e consolidadas na Carta de Ottawa (CO), marco referencial, tanto do ponto de vista conceitual, quanto de princípios (Ottawa Charter for Health, 1987). Este documento foi o produto final da I Conferência Internacional sobre PS, realizada pela Organização Mundial da Saúde, em 21 de novembro de 1986, em Ottawa, Canadá. Essa reunião retomou e absorveu o sentido e as determinações de Alma Ata ­ Saúde para Todos no Ano 2000 (OMS, 1979), formalizando uma declaração de princípios que demanda uma nova visão em saúde pública, cuja abordagem norteia caminhos pelos quais população, grupos e indivíduos no exercício de cidadania deverão seguir atuando e participando ativamente das políticas públicas do setor. A CO define cinco pontos básicos de ações interdependentes para a consecução dos seus objetivos: l) desenvolvimento de políticas saudáveis organizadas pelo setor público; 2) reforço à ação comunitária; 3) desenvolvimento de habilidades pessoais; 4) preocupação com o meio ambiente; 5) reorientação dos serviços de saúde. Estes pontos têm uma dimensão social transformadora e questionadora, que se apóia no desenvolvimento individual e coletivo, na solidariedade e ajuda mútua, destacando a participação e o controle social como fundamentais para implementar e consolidar ações em PS. Green & Raeburn (1988), analisando a definição de PS elaborada na CO, quer no seu significado epistemológico, quer no ideológico, sugerem que ela expressa, em si, a essência do poder legal de controle a ser exercido pela comunidade, foco pontual de integração e equilíbrio entre o sistema e o indivíduo.

A partir da Conferência de Ottawa, outros conclaves desse porte e reuniões diversas foram realizados, procurando mostrar que o caminho de PS trilha através de intervenção social e de processos que transcendem o objeto específico Saúde, onde novas estratégias de trabalho e ações políticas levam a rupturas de paradigmas tradicionais dos serviços de saúde, seja nas abordagens técnicas e conceituais, seja também na estrutura hierarquizada do poder dos profissionais da área. Nesse contexto, o caráter de interdisciplinaridade e de participação torna indispensáveis práticas cujas responsabilidades devem ser necessariamente compartilhadas por todos ­ profissionais técnicos dos diversos setores envolvidos e a população. Outras conclusões apontam como instrumentos potencializadores para PS a avaliação dos serviços de saúde e o desenvolvimento de pesquisas utilizando a metodologia da pesquisa participante e a pedagogia problematizadora (CSEPN, 1988; The Adelaide Recomendations, 1988; SSSE, 1991; PAHO, 1992; PAHO, 1993).

Pesquisas, políticas amplas e programas específicos em PS vêm sendo conduzidos com êxito em vários países desenvolvidos (PAHO, 1996), no entanto, na América Latina, as experiências têm sido tímidas, ocasionais, isoladas e marcadas por descontinuidades (HPDC, 1987; Hubley, 1988; Mello & Garrison, 1993).

No Brasil, a partir da Oitava Conferência Nacional de Saúde (MS, 1986), muito tem sido falado sobre PS. Embora a mesma esteja assinalada na Lei Orgânica de Saúde (Conasems, 1990, 1990a) e encontre ancoradouro nos encaminhamentos da Nona Conferência Nacional de Saúde, políticas e ações não têm sido implementadas no cotidiano dos serviços, observando-se com freqüência o uso inadequado do termo, geralmente confundido com práticas de prevenção, educação e comunicação em saúde.

Em 1995 elaboramos uma proposta ampla sobre educação e saúde no Município de Quixadá, Ceará, tendo por princípio PS. Essa proposta, com o referencial da CO, foi desenvolvida como um projeto de pesquisa articulado às ações do Programa Saúde da Família. Tal projeto teve por objetivo geral proporcionar a construção, apropriação e socialização de conhecimento, mediante processo metodológico participativo, buscando fortalecer as ações organizadas da comunidade. Entre os objetivos específicos, procuramos contribuir com elementos que viessem proporcionar à comunidade: 1) o entendimento da concepção integral de saúde e qualidade de vida; 2) descobertas e redescobertas de conhecimentos em saúde e seus determinantes, valorizando histórias de vida e conhecimentos vivenciais; 3) a motivação para identificação de problemas e necessidades percebidas e sentidas, bem como a compreensão dos mesmos, além das manifestações imediatas e individuais; 4) a motivação para a organização social, compreendendo-a como força de intervenção primordial para desencadear ações coletivas; 5) o prosseguimento no processo de conscientização, estimulando a autoconfiança, solidariedade e participação na esfera institucional através da construção do Conselho de Saúde; 6) o estímulo para o desenvolvimento de trabalho, conjugando conhecimento e ação, no campo de um 'agir' e 'fazer' atuantes em nível de planejamento, acompanhamento e avaliação de ações do serviço de saúde; 7) o desenvolvimento de atitudes e práticas de cidadania.

 

 

Metodologia e desenvolvimento da pesquisa

 

O trabalho foi desenvolvido nos meses de abril de 1995 a maio de 1996, em São João dos Queiróz (SJQ), Distrito do Município de Quixadá, Ceará, que se localiza na região semi-árida do Sertão Central do Estado do Ceará, a 176 km da capital. Caracterizado por uma economia agrária de pouca produtividade, Quixadá, além da sede, tem sete distritos rurais e uma população aproximada de sessenta mil habitantes. No decorrer da investigação, o Município era administrado por uma coligação de partidos de esquerda, que vinha trabalhando dinamicamente a construção da participação da população no processo da gestão governamental. Entre os diversos programas da Secretaria de Saúde de Quixadá, o Programa Saúde da Família, destacava-se pela proposta geral que pontuava "buscar a criação de uma infra-estrutura de saúde preventiva, coletiva no campo da atenção primária de saúde, a nível das áreas descentralizadas de saúde do Distrito Sanitário de Quixadá" (SMS, 1993).

A escolha do Distrito de São João dos Queiróz (SJQ) para desenvolver a pesquisa foi resultante de várias reuniões conjuntas entre a equipe da Secretaria de Saúde, com a participação, inclusive, de representantes dos diversos distritos sanitários e da Universidade Federal do Ceará. São João dos Queiróz está distante 27 km de Quixadá, sendo 21 km de asfalto e 6 km de estrada de terra. Foram levantados os seguintes dados básicos para sua caracterização como área de trabalho: população ­ aproximadamente quatro mil habitantes; número de famílias ­ em torno de seiscentas; número de comunidades ­ 37; número de entidades efetivamente organizadas ­ três; número de grupos informais ­ três; tipo de economia ­ agricultura, criação de animais domésticos para subsistência e incipiente comércio de varejo; estabelecimentos públicos ­ uma escola de primeiro grau, uma creche, dois postos de saúde com dez profissionais (um médico, uma enfermeira de nível superior, um atendente e sete agentes de Saúde); um posto telefônico.

O trabalho se desenvolveu através da pesquisa participante (PP), cuja abordagem processual de articulação de um conhecer e agir contribui diretamente para resolução de problemas de interesse coletivo (Bortef, 1984; Brandão, 1984; Gajardo, 1986; Demo, 1989; Corcega, 1992; Laurell et al., 1992; Abbott et al., 1993; Hollanda, 1993; Mello, 1994, 1996; Mello et al. 1995; Cornwall & Jewkes, 1995). De caráter dialético emancipatório, essa metodologia tem como princípio fundamental uma forma de participação onde todos ­ pesquisadores e população ­ são sujeitos de um mesmo processo de exercício de cidadania objetivando transformação social.

A forma de participação da comunidade foi do tipo colegiada, isto é, as pessoas da comunidade são designadas por suas entidades a juntarem-se e envolverem-se ativamente na pesquisa, em um processo mútuo de aprendizado e de controle sobre o desenvolvimento dos trabalhos (Cornwall & Jewkes, 1995).

A educação, norteada pela filosofia de Paulo Freire (Freire, 1970) e ancorada na pedagogia problematizadora de concepção de popular (Freire, 1976, 1980; Freire & Nogueira, 1991; Minkler & Cox, 1980; Pontual, 1985; Labonte, 1987; Torres,1988; MacDonald & Warren, 1991-1992; Hurtado, 1993; Mello & Carmo, 1994; Meredith, 1994), derramou se durante todo o processo da investigação, articulando e mediatizando a construção, apropriação e socialização dos conhecimentos. Os potenciais de cada participante foram valorizados, enfatizando o estar juntos unidos, como força maior de transformação de uma situação-problema.

Com o objetivo de estimular a participação ativa e consciente e de dar suporte ao processo educativo, vários métodos e técnicas, formais e informais, dinamizadoras e motivadoras, foram utilizados: animação e interapresentação (buscou proporcionar clima de distensão, relaxamento e informalidade, estimulando confiança, afetividade e compromisso); sócio-drama; interpretativismo; grupos focais; mapa falante (Ipea/Iplan, 1989b; Marques, 1993; Mello & Carmo, 1994; Cornwall & Jewkes, 1995; Mello et al., 1995; Secker et al., 1995).

 

 

Avaliação

 

A avaliação utilizada na pesquisa foi processual e enriquecida continuamente com as práticas do cotidiano dos trabalhos. Para esse fim, foram seguidas as orientações sinalizadas em trabalhos de PP e educação popular (Bortef, 1984; Brandão, 1984; Pontual, 1985; Laurell et al., 1992; Mello & Carmo, 1994; Mello et al., 1995). O conjunto dessas orientações apontou um processo avaliativo, considerando tanto os aspectos qualitativos da pesquisa, quanto os quantitativos. Assim é que foram avaliados: a qualidade do 'fenômeno participativo', à exemplo do comparecimento e da participação ativa e colaborativa nas reuniões e outros eventos; o compromisso na execução de tarefas e práticas de solidariedade; a participação na construção, socialização e apropriação dos conhecimentos e a execução do desenho situacional da vila de SJQ, elaborado por meio de um levantamento de dados sociais, econômicos e culturais. Trabalhamos ainda com auto-avaliação (equipe coordenadora) mediante observação participante e reflexões coletivas. A dinâmica da avaliação era estabelecida a cada momento apropriado. O instrumental de apoio foi ancorado em um conjunto de diversos métodos e técnicas, tais como: mapa falante; observação participante; grupo focal; tempestade de idéias; oficinas de estudo; foros comunitários e encontros diversos; aplicação de questionário (Werner & Bower, 1987; Iplea/Iplan, 1989b; Fritzen, 1995; Mello et al., 1995; Secker et al., 1995).

 

 

Operacionalização e desenvolvimento da pesquisa e resultados

 

A operacionalização e o desenvolvimento da pesquisa ocorreram em duas fases: exploratória ­ preparatória e operacional ­ contextual, sendo adequadas às recomendações de Bortef (1984), Hurtado (1993) e Mello et al. (1995).

 

Fase exploratória ­ preparatória


 

Compreendeu a escolha e definição da área de trabalho; o envolvimento com o movimento social local; o aprofundamento da análise, discussão e reflexão do projeto; o treinamento da equipe e o ensaio e a avaliação preliminar da metodologia.

 

Fase operacional ­ contextual


 

Compreendeu a definição do tema gerador e do ponto de partida da investigação.

O tema gerador foi definido como 'diagnóstico de saneamento' da vila de São João dos Queiróz, durante a Assembléia da Associação Comunitária de São João dos Queiróz (ACSJQ), da qual participou também a diretoria da Associação de Pequenos Produtores Rurais de São João dos Queiróz (APPRSJQ) e do Comitê Olímpico de São João dos Queiróz (COSJQ). O tema gerador foi encaminhado de acordo com a percepção das necessidades sentidas e identificadas pela plenária, que também indicou cinco membros da ACSJQ para integrar a equipe coordenadora e executora da investigação.

Após várias reuniões para discutir os encaminhamentos da investigação, ficou definido como ponto de partida para desenvolver o tema gerador a aplicação de um questionário para obtenção de dados que dessem suporte ao diagnóstico situacional da vila de SJQ.

 

  Aplicação do questionário

 

O questionário foi elaborado de forma estruturada, abordando os seguintes aspectos: composição da população; nível de renda (salário mínimo); tipo de ocupação profissional; condição de escolaridade; condição estrutural das habitações, inclusive dos banheiros; origem, usos, destino e tratamento da água; destino dos dejetos e lixo. Antes da aplicação definitiva do referido questionário foi realizada uma testagem prévia em dez residências. Essa testagem foi analisada e avaliada, e pequenas modificações foram necessárias para melhor adequação. A aplicação de cada questionário foi realizada por duas pessoas, tendo sempre presente um elemento da ACSJQ.

No total foram aplicados 181 questionários, correspondendo a 181 habitações de SJQ, e alcançando aproximadamente 90% dos domicílios. Como desprezamos as dez primeiras entrevistas, por ser uma testagem, a análise dos dados abordou 85,5% do universo residencial (171).

As Tabelas 1 a 7 apresentam os resultados quantitativos de todos os itens abordados, isto é: composição etária da população; condição de alfabetização; condição de ocupação; renda famíliar; características básicas da estrutura habitacional; fontes de água e seus devidos usos e tratamento; destinação do lixo, dejetos e águas residuárias. Esses resultados desenharam um quadro situacional que refletiu as condições de precariedade e abandono da vila, traduzindo a incipiente qualidade de vida da população local.

Na Tabela 1 estão os dados sobre a composição, por idade e sexo, da população recenseada. Foi identificado, no universo dos questionários aplicados, uma população de 745 indivíduos distribuídos entre 375 do sexo masculino e 370 do feminino. A maior concentração de pessoas correspondeu à faixa etária de 20-59 anos (305 pessoas), enquanto a menor ficou entre os menores de dois anos de idade (52). Na faixa etária de dois a quatro e de sessenta anos ou mais, registraram-se, respectivamente, 67 e 73 indivíduos.

 

 

Os dados sobre a condição do nível de alfabetização estão contidos na Tabela 2. Entre 693 respostas a esse item, 285 (41,1%) eram de pessoas identificadas como analfabetas e 231 (33,4%), como alfabetizadas. Entre estas, foram identificados os adultos que declararam saber ler e escrever e os adolescentes de 12 a 19 anos que freqüentavam a escola. O grupo abaixo de 12 anos (131 = 18%), desde que estivesse freqüentando a creche ou a escola, foi considerado como em processo de alfabetização.

 

 

Na Tabela 3 estão os dados sobre pessoas que declararam possuir rendimentos e/ou ocupação definida. Verificamos nesses dados alto percentual de aposentados, compreendendo 74 indivíduos (29,0%). A ocupação identificada como predominante foi a de trabalhador rural (39,6%). Esta categoria caracterizou-se principalmente pela condição de meeiros.

 

 

A Tabela 4 apresenta os dados sobre a renda famíliar, em termos de salário mínimo. O número total de famílias que declararam ter renda identificada foi de 148 (86,5%). Entre estas, apenas 15 (10,1%) declararam ganhar acima de dois salários e cinqüenta (33,8%), menos de um salário. A grande maioria, isto é 83 famílias (56,8%) situou-se na categoria de um a dois salários. Na Tabela 5 estão as características básicas da estrutura habitacional da vila de SJQ. Entre as 171 residências analisadas, 144 (84,2%) eram de paredes de tijolo; 26 (15,2 %), de taipa, e uma (0,6 %), de tijolo/taipa. Em 111 (64,9%) habitações, o piso era de cimento; em 28 (16,4%) era de tijolo/cimento e nas 32 (18,7%) restantes variava entre cimento/barro, tijolo/barro e outras modalidades. Todas as casas tinham cobertura de telha e encontravam-se em estado habitável, embora a situação dos banheiros fosse crítica. Em apenas em 36 (21,1%) residências, os banheiros encontravam-se em condições adequadas para uso, enquanto em 135 (78,9%) não existiam em qualquer condição, ou estavam danificados.

 

 

 

 

Na Tabela 6 estão as respostas em relação às diversas fontes de água, usos e tratamento. Para beber, a população entrevistada apontou como fontes principais de água os açudes das fazendas próximas da vila (141 = 81,5%) e, secundariamente, cisternas de coleta pluvial (25 = 14,0%). Para limpeza doméstica e banho, a água utilizada vem principalmente do cacimbão público da vila (141 = 81,5%). Em relação ao tratamento da água utilizada para beber, apenas 46 (25,8%) dos entrevistados responderam que cloravam, enquanto setenta (39,3%) não utilizavam qualquer tipo de tratamento. Outras abordagens ao tratamento da água foram especificadas da seguinte maneira: uso de filtro ­ 22 (12,4%); coagem em pano ­ 18 (10,1%); fervura ­ nove (5,2%); respostas múltiplas ­ 11 (6,1%).

 

 

Na Tabela 7 encontramos os dados obtidos em relação ao destino do lixo, dejetos e águas residuárias. Em relação ao lixo, 75 (43,9%) pessoas responderam que era recolhido pela carrocinha da prefeitura, e 96 (56,1%) davam um destino por conta própria, lançando-o no rio, terreno vazio ou mato. Quanto aos dejetos, 96 (56,1%) respostas indicaram que vão diretamente para as fossas, e 61 (35,7%), para o rio ou mato. Quanto às águas residuárias, 165 respostas (96,5%) apontaram o caminho do 'a céu aberto'.

 

 

Os resultados finais dos dados sintetizados nas tabelas se transformaram no eixo temático da investigação e foram o material desencadeador do processo educativo.

 


Desenvolvimento do processo educativo

 

Teve por objetivo efetivar a construção, apropriação e socialização dos conhecimentos produzidos no decorrer da investigação. Para isso foram percorridas diversas etapas, listadas a seguir, para efetivar a sua consecução.

a) elaboração e distribuição de um documento-relatório, consolidando os resultados obtidos através do questionário, o qual foi distribuído para discussão e avaliação entre profissionais do SLS da vila, membros da ACSJQ que participavam da equipe de trabalho, participantes da Primeira Pré-Conferência Local de Saúde e do CLS. O referido documento foi objeto de profunda análise e reflexão, ressaltando a importância do levantamento situacional de SJQ, uma vez que os dados obtidos diagnosticaram o estado de precariedade das condições de vida da população. Esses dados foram ainda considerados como elementos informativos importantes para o planejamento das políticas local de saúde, já que refletiam diretamente as condições de saúde e saneamento de SQJ. Nesse sentido, tendo como objetivo, por um lado, divulgar as informações e interagir com outros movimentos sociais da comunidade e, por outro, reforçar a atuação política efetiva do próprio CLS, foi deliberada a realização de uma oficina de trabalho, contextualizada no processo educativo da investigação.

b) O planejamento pedagógico e a execução da oficina de trabalho tiveram como preocupação central dois aspectos básicos: o aprofundamento da análise e compreensão dos resultados sobre o diagnóstico situacional da condições de vida de SJQ e a ampliação da participação de outros segmentos da comunidade. Dessa forma, participaram da oficina, além da equipe coordenadora da investigação, 27 representantes de grupos, instituições oficiais e entidades socialmente organizadas, tais como: creche (mães, monitoras e coordenadora); escola (estudante e professor); ACSJQ; grupo de idosos; grupo de teatro; COSJQ; APPRSJQS; posto de saúde (agente e auxiliar) e CLS.

A oficina, considerada espaço de exercício de teorização, cujo objetivo é a compreensão conceitual da realidade conjuntural e estrutural, teve um temário básico, produzido e consolidado com base em fontes referenciais diversas (artigos científicos, textos técnicos, manuais, livros e artigos de jornais), como segue: leis, políticas e financiamento de saneamento; a terra e a renda; a educação e a alfabetização; a participação e o saneamento; águas, açudes e aproveitamento dos recursos hídricos; habitação e fossas. Esse temário, acompanhado de suas fontes referenciais, foi o instrumento que subsidiou os monitores para as discussões e análises.

c) A oficina foi iniciada com a interapresentação das pessoas (nomes, entidades, expectativas em relação ao trabalho etc.) e o resgate da história do projeto de educação e saúde, situando o encaminhamento do tema gerador, isto é, o diagnóstico de saneamento da vila de São João dos Queiróz. Em seguida, sua execução se desenvolveu em duas etapas como seguem:

Primeira etapa ­ as análises e discussões estiveram diretamente relacionadas com os resultados do questionário: condição de alfabetização; ocupação e renda e a questão da terra; esgotamento sanitário, incluindo condição e destino dos dejetos e águas residuárias; destino do lixo, dificuldades e possibilidades de soluções; origem da água e condições das fontes hídricas utilizadas pela população de SJQ no que se refere à qualidade, aos diferentes usos, dificuldades e potencialidades do uso pela comunidade e tipos de tratamento adotado; poluição e contaminação ambiental; a saúde de SJQ e a relação com as condições de saneamento.

Segunda Etapa ­ foram realizadas discussões e análises críticas da legislação e das diretrizes políticas dos serviços públicos que, direta ou indiretamente, têm interesse para a Saúde em SJQ. Os assuntos abordados foram: legislação sobre saneamento; serviços responsáveis pelo abastecimento de água, saneamento e coleta de lixo; questões relativas ao emprego e desemprego e o analfabetismo e suas conseqüências para a saúde; formação profissional, situação salarial e condições de trabalho dos professores; condições de moradia e saneamento em SJQ; questões de política agrícola; leitura, discussão e reflexão sobre a Carta da Terra (Sousa, s/data); reflexões finais sobre o direito de viver com dignidade e ter qualidade de vida.

Após uma reflexão coletiva, foi construído, também coletivamente, o conceito de saneamento, na perspectiva da compreensão de promoção à saúde, e no entendimento dos seus aspectos técnicos e interdisciplinares, sendo, respectivamente: "o trabalho que promove o crescimento e desenvolvimento, a melhoria da qualidade de vida, o estímulo às lideranças comunitárias da união, com e entre os moradores, a relação da Saúde com condições de higiene-moradia-alimentação-renda, a organização e planejamento das ações na direção de ficar de bem com a vida, tendo boa moradia, ambiente e alimentação com qualidade" e "ter esgoto, banheiro, depósito e coleta de lixo, água tratada, condições de higiene, calçamento da ruas, educação, trabalho, renda, moradia e estrada". Após essas duas etapas, foram formados grupos focais (quatro ao todo), que trabalharam criticamente de forma problematizadora os seguintes temas: 1) condição de alfabetização e a escola, educação e saneamento; 2) terra/trabalho/renda; 3) água e o potencial de aproveitamento, situação de habitação e banheiros; 4) leis, políticas e financiamento de saneamento. Esses grupos, com o objetivo de subsidiar o CLS no planejamento das políticas e ações em saúde de SJQ, consolidaram a síntese dos problemas diagnosticados e as sugestões propostas para soluções dos mesmos, como seguem:

 

 

Problemas diagnosticados


 

  • Educação
  •  

    Precárias condições de alfabetização, em decorrência do incipiente nível de ensino; elevada proporção de adolescentes e adultos analfabetos; escola em precárias condições físicas e professores com baixos salários; dificuldades dos alunos que habitam outras comunidades além da sede de SJQ, no deslocamento para a escola, em relação às distâncias, à qualidade das estradas e à carência de transporte coletivo; precárias condições físicas e de higiene da creche, baixos salários das monitoras e coordenadora.

     

  • Terra e renda
  •  

    População predominantemente sobrevivendo de atividade agrícola pouco produtiva e de baixo rendimento financeiro (R$ 4,00 diária), formada por meeiros e proprietários de pequenas áreas, ausência de formação e assistência técnica; ausência de cultivos de frutas e hortaliças; subutilização dos açudes, seja em nível de irrigação, piscicultura e cultivo das vazantes.

     

  • Recursos hídricos e uso doméstico
  •  

    Açudes, rios e cacimbões nas proximidades de SJQ, com alto potencial de contaminação e poluição; famílias com muita resistência ao tratamento da água com o hipoclorito; grandes distâncias para a população ter acesso às coleções de água; ausência de lazer adequado no uso dos açudes.

     

  • Coleta de lixo e destino dos dejetos e outros resíduos domésticos
  •  

    Precária coleta pública do lixo; lixo depositado com freqüência na margem do rio que passa pela vila, ou próximo dos cacimbões e residências; fossas não apropriadas ou em péssimo estado de conservação; dejetos e águas residuárias jogadas a céu aberto e também próximo das habitações; ruas sujas, com animais domésticos criados soltos e sem a devida proteção à população.

     

  • Outros aspectos considerados importantes
  •  

    Falta de informação da comunidade em relação às leis, fontes de financiamento público ou privado e falta de união da comunidade.

     

    Sugestões propostas para as soluções dos problemas


     

  • Educação
  •  

    Melhoria dos salários e das condições de trabalho dos professores, promovendo também treinamento e reciclagem; criação de curso noturno para adultos, incluindo programa de alfabetização; criação de programa específico de educação voltado para preservação e tratamento dos recursos hídricos; programa de educação que estimule o uso de filtros e do hipoclorito.


     

  • Estradas
  •  

    Melhoria das estradas e transportes de atendimento à população, pois isto beneficiará o escoamento do leite e dos produtos agrícolas, melhorando, conseqüentemente renda, educação e saúde.


     

  • Terra e renda
  •  

    Criação de hortas comunitárias e domiciliares e de cooperativas para armazenamento de grãos; implantação de programas de aproveitamento de açudes, incluindo as áreas de vazantes e o uso de irrigação; efetivação de apoio técnico da Ematerce (Empresa de Assistência Técnica, Extensão Rural Ceará).


     

  • Água
  •  

    Proteção das fontes de água de uso doméstico; tratamento da água usada para beber e criação de chafarizes públicos.

     

  • Lixo
  •  

    Construção de aterro sanitário; programa de reciclagem do lixo; viabilização de pocilgas comunitárias; recuperação e ampliação do calçamento da vila.

     

  • Destino dos dejetos e águas residuárias
  •  

    Programa de construção de banheiros e a criação de rede de esgoto para as águas residuárias.

     

     

    Comentários e conclusões

     

    O presente trabalho nos remeteu a um tema ­ promoção à saúde ­ de relevância para políticas de planejamento e ação em Saúde. No Brasil, como destacado na introdução deste trabalho, estamos carentes não somente de políticas e ações em PS, como de investigações científicas que contribuam para apontar estratégias apropriadas e adequadas a cada contexto.

    A pesquisa desenvolvida em SJQ, embora pontual, utilizando a metodologia da Pesquisa Participante, demonstrou a capacidade dos participantes quanto ao reconhecimento crítico e consciente do significado e da importância de PS como meta política de ação no setor.

    As várias análises e suas conclusões, no que se refere aos dados coletados em SJQ através do questionário (Tabelas 1 a 7), foram substanciais para os participantes desenvolverem reflexões críticas e síntese analítica sobre a realidade conjuntural e com visão totalizadora. Dessa forma foram construídos conceitos de saúde e saneamento, de acordo com o próprio universo lexical, cujos significados nos remeteu à PS.

    Recolocada a necessidade de saneamento na vila, objeto e tema gerador da pesquisa, foram enfatizadas, no decorrer das discussões, a abordagem interdisciplinar e intersetorial e a participação de diferentes profissionais e do movimento social. As várias análises e discussões durante a oficina de trabalho reforçaram que a resolução e/ou melhoria dos problemas situacionais de SJQ ­ educação, estradas, terra, renda etc. ­ deve necessariamente anteceder as medidas técnicas de saneamento. Algumas intervenções, entre outras, apontaram que: "Saneamento é direito de todos, mas precisa união, organização para reivindicar". "A educação é importante para compreender, realizar... educando crianças e mães...". "A educação na escola seria um meio de trazer a informação para dentro de casa...". Asfaltar as estradas para facilitar o deslocamento dos estudantes e professores...". "Falta consciência e informação por parte da população, os agentes de saúde poderiam orientar casa a casa, pois muita gente, por exemplo, desvia para lavagem de roupa o cloro distribuído para o tratamento da água". "Todos concordam com a construção do aterro, mas precisa de mudança dos hábitos da comunidade... é costume tomar banho dentro dos cacimbões... os animais domésticos (porcos, galinhas, cavalos, cachorros etc.) ficam sujando as ruas". "Há falta de renda para construir fossas e banheiros e isso é motivo de reclamações de todos".

    Esses argumentos diversos nos remeteram a três documentos importantes sobre elaboração de programas de saneamento. O primeiro (Simpson-Hebert, 1983) destacou a implantação de programas de suprimento de água e de outras medidas técnicas de saneamento em populações de baixa renda, acompanhada de atividades em promoção e educação em saúde. Os outros dois documentos (Ipea/Iplan, 1989, 1989a) situaram a problemática de saneamento no contexto de um desenvolvimento decorrente de concentração de renda e exclusão, vinculado "às condições de vida e dia-a-dia da população...", requerendo uma abordagem integrada que inclui um conjunto amplo de conhecimentos. Esses documentos ressaltaram também que, para a implantação de projetos de saneamento, a participação comunitária e a educação em saúde como processos são imprescindíveis ­ "antes, durante e depois".

    O processo educativo de concepção popular, conduzido com base na pedagogia problematizadora e ancorado em um conjunto de métodos e técnicas (Freire, 1970, 1976, 1980; Freire & Nogueira, 1991; Minkler & Cox, 1980; Pontual, 1985; Werner & Bower, 1987; Torres, 1988; Ipea, 1989b; Mello & Carmo, 1994; Mello et al., 1995; Meredith, 1994; Secker at al., 1995), proporcionou o estímulo à reflexão crítica da realidade, assim como a efetivação da construção, apropriação e socialização dos conhecimentos produzidos no decorrer da investigação, os quais se converteram em instrumentos da análise situacional de SJQ. Assim é que os dados expostos nas Tabelas de 1 a 7 foram aprendidos e apreendidos conscientemente pelo conjunto do coletivo da investigação, nos encontros diversos e foros comunitários.

    Minkler & Cox (1980), trabalhando em projetos de saúde com processo educativo de conscientização balisado na filosofia de Paulo Freire, descreveram duas experiências realizadas em contextos diferentes. A primeira foi desenvolvida, com êxito, em área rural no interior de Honduras. Os trabalhos foram integrados aos 'clubes de donas de casa' e voltados para formação de promotores em saúde. A segunda experiência, de êxito limitado, foi desenvolvida com grupo de idosos vivendo em condições de pobreza em Tenderloin, área considerada gueto urbano de São Francisco, Califórnia ­ USA, e mergulhada em profunda marginalização econômica, social e cultural. Essa experiência teve por objetivo dar suporte estrutural e social aos abrigos de idosos por intermédio de um programa educativo em saúde abordando diferentes temas. Para as autoras, o sucesso da primeira experiência foi creditado à interação da pesquisa a uma rede do movimento social organizado e às comunidades locais, enquanto na segunda pesquisa o sucesso limitado foi atribuído à ausência de organização e isolamento social dos idosos. No entanto, apesar das diferenças de êxitos de resultados, as autoras ressaltaram que a metodologia da educação para conscientização contribuiu efetivamente para mudanças no campo da saúde.

    Labonte (1987), analisando PS a partir da CO, destacou a importância da educação popular como eixo central de processo educativo que enfatize a participação ativa e horizontal nas relações de poder. Esse autor considerou que o conjunto de métodos e técnicas que instrumentalizam práticas em educação popular, independente da condição de alfabetização dos participantes, é estimulador ao desenvolvimento de um trabalho prazeroso que encoraja análises e reflexões críticas de problemáticas sociais que tenham importância para a saúde.

    Macdonald & Warren (1991-1992), fazendo uma leitura teórica da Atenção Primária à Saúde, procuram distinguir, em uma dimensão histórica, as diferenças entre treinamento e formação, enfatizando a importância da filosofia de Paulo Freire. Concluem que o modelo de conscientização crítica contribui efetivamente para uma práxis de reflexão e ação transformadora da sociedade. Esses autores pontuam que as práticas de educação popular utilizadas em Atenção Primária à Saúde encorajam reflexões amplas sobre saúde, e o aprender começa pelos próprios conhecimentos e experiências do povo, o diálogo parte do processo de conscientização crítica de sujeitos construtores de história e da sociedade.

    Meredith (1994), em recente publicação, relatou a experiência de uma investigação de educação popular em saúde, desenvolvida com imigrantes latino-americanos, na instituição La Clínica de la Raza, situada em Oakland, Califórnia ­ USA. O projeto denominado 'Casa en Casa' foi baseado no processo educativo da pedagogia crítica de Paulo Freire e objetivou: promover a formação de lideranças na comunidade que fossem capazes de fazer relação causal entre as condições de saúde e os problemas relacionados com desemprego e violência; promover espaços para o desenvolvimento de processos de organização social dos promotores, tornando-os capazes de planejar e executar diretamente projetos de educação em saúde. A autora, ao proceder a avaliação da investigação, concluiu que foi uma grande contribuição demonstrar a importância do uso da metodologia da educação popular e de processos de organização social em ações educativas de saúde. Destacou ainda que a metodologia proporcionou claramente uma transformação político-crítica de muitos membros da comunidade que vivenciaram a investigação. Esses indivíduos desenvolveram autoconfiança e habilidades voltadas para a melhoria das condições de saúde da comunidade, resgatando identidade cultural e aliviando o isolamento social de muitas famílias. A criação da Escola de Promotores foi outro ponto importante do projeto. Muitos promotores se envolveram com outros membros da comunidade em negociações políticas reivindicativas de teor diverso, a exemplo da merenda escolar. Os limites e dificuldades identificados no projeto estiveram relacionados aos seguintes aspectos: a ausência de um processo sistematizador e contínuo que contribuísse para superar a fragilidade da relação entre a teoria e a prática; a falta de garantia de recursos financeiros para manutenção das atividades; a falta de clareza e consenso por parte da equipe executora quanto aos objetivos do projeto e quanto à interpretação e entendimento da filosofia de Paulo Freire e a incipiente fixação das famílias que vivem em constante mobilização em busca de melhores condições de vida.

    Retomando a análise do desenvolvimento e resultados da investigação em SJQ, verificamos que o espaço dialógico durante os trabalhos proporcionou efetivamente a democratização do saber, chave detonadora da deconstrução ­ construção ­ reconstrução de um novo saber, decodificado e reproduzido coletivamente. Esse novo saber se transformou em sugestões para ações objetivas e reais, voltadas para subsidiar uma agenda de planejamento das políticas locais de saúde, de conteúdo transformador das condições de vida de SJQ. Cabe destacar também que o conjunto de métodos e técnicas utilizados no processo educativo foi de fundamental importância para facilitar a participação e a interação dos sujeitos envolvidos no processo investigativo; interpretar as informações acumuladas ao longo do desenvolvimento dos trabalhos em uma perspectiva global; estimular a percepção da realidade vivencial de forma crítica, explicitando a relação das condições de saúde x saneamento x problemas situacionais (Educação ­ escolaridade incipiente, alto índice de analfabetismo, ausência de capacitação profissional, salários insuficientes e condições inadequadas de trabalho dos professores. Comunicação ­ dificultada pela precariedade das estradas, transporte incipiente e falta de informação. Renda ­ desemprego, mão-de-obra de pouca qualificação e baixos salários. Terra ­ condição de meeiros e/ou trabalhador rural diarista com baixo salário, escasso apoio técnico e financeiro que incentive uma produção agrícola adequada e o aproveitamento dos açudes.), como determinantes das condições de vida de SJQ.

    Outras atividades importantes ocorreram paralelamente, durante a pesquisa e depois de sua conclusão. Essas atividades foram detonadas em duas outras instâncias da comunidade: apoio político educativo no processo de construção do CLS de SJQ e desenvolvimento de um trabalho educativo com a creche da vila, envolvendo funcionários e mães, objetivando analisar as causas do absenteísmo das crianças e identificar formas adequadas de intervenção (Mello et al., 1996).

    Mais recentemente, quando já estávamos ausentes da comunidade há nove meses, fomos informados por pessoas de SJQ, que participaram e/ou se envolveram na equipe coordenadora e eventos diversos do projeto, da criação de uma nova entidade associativa, denominada Associação Comunitária de Cipó de Baixo. Essas pessoas creditaram à pesquisa de saneamento em SJQ a facilitação à apreensão dos conhecimentos obtidos, que se transformaram em instrumentos de fundamental importância para a militância ativa, desenvolvida no decorrer do processo de construção da entidade. Esse depoimento traduz objetivamente, por um lado, a concretização de tomada de consciência durante a investigação, de forma semelhante à originalmente descrita por Freire (1980), e, por outro, o papel relevante da pesquisa como espaço de formação de agentes políticos, multiplicadores de processos.

    Para finalizar, gostaríamos de fazer alguns comentários sobre dificuldades, de duas fácies expressivas, ocorridas durante o andamento da investigação. A primeira, de ordem financeira, foi solucionada com o apoio substantivo da Secretaria de Saúde do Município e da diretoria da ACSJQ. A segunda situou-se no plano de conflitos pessoais relacionados à interação entre os segmentos participantes da equipe coordenadora e executora, atendo-se principalmente aos confrontos diante do desenvolvimento de uma experiência nova com uma metodologia de trabalho, cujo planejamento foi sendo moldado ao longo da prática, não se enquadrando nos moldes institucionais formais e acadêmicos de investigação científica tradicional. Essas dificuldades, no nível tanto da equipe, quanto dos outros segmentos participantes, foram sendo trabalhadas conjuntamente, nos espaços de reuniões diversas, inclusive foro comunitário. À medida que a investigação foi evoluindo, as interações foram amadurecendo, em um constante espaço de diálogo franco e transparente, e os problemas foram sendo minimizados e solucionados dentro dos seus limites. Essa dinâmica provocou desafios que levou a mudanças de atitudes e comportamentos, embora muitas vezes sutis. A flexibilidade e a tolerância contribuíram para que todos se conscientizassem da necessidade do uso de uma linguagem comunicativa adequada à realidade, expondo como ponto fundamental a necessidade do compromisso social e político, assim como o desejo e o prazer em atuar na pesquisa, de forma participativa.

     

     

    Agradecimentos

     

    Trabalho apoiado pelo CNPq (Proc.300518/94-3), Departamento de Saúde Comunitária, Universidade Fededral do Ceará e Secretaria de Saúde do Município de Quixadá, CE. Agradecemos o apoio de Dr. Odorico de Andrade (Secretário de Saúde do Município de Quixadá, CE), ao Sr. Manoel T. dos Santos (Presidente da Associação Comunitária de São João dos Queiróz), a Maria Nazaré Aureliana, M. Lúcia T. Alexandre, Fátima Aglaê Alexandre, Francisco de Freitas, Raimunda Nonata Ferreira (Suzete) e Rozimeire V. de Souza. Estendemos também nossos agradecimentos à comunidade da vila de São João dos Queiróz, que nos acolheu com tanto carinho, consideração e compreensão das nossas tarefas.

     

     

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Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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