ARTIGO ARTICLE
Fatores que interferem no tempo entre o nascimento e a primeira mamada
Factors that affect time between birth and first breastfeeding
Cristiano Siqueira BoccoliniI; Márcia Lázaro de CarvalhoII; Maria Inês Couto de OliveiraIII; Maria do Carmo LealII; Marilia Sá CarvalhoII
ISecretaria Municipal de Saúde de Queimados, Queimados, Brasil
IIEscola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil
IIIInstituto de Saúde da Comunidade, Universidade Federal Fluminense, Niterói, Brasil
RESUMO
Esse estudo investigou fatores associados ao tempo entre o nascimento e a primeira mamada. Amostra representativa de puérperas (10% do número previsto de partos realizados em 47 maternidades da cidade do Rio de Janeiro, Brasil) foi entrevistada (n = 10.072). Perguntou-se com quanto tempo de nascimento o bebê mamou pela primeira vez. Utilizou-se modelo de riscos proporcionais de sobrevida, com efeitos aleatórios para maternidades, em três níveis hierarquizados (um modelo para cada tipo de parto) com intervalo de 95% de confiança. O tempo mediano para a primeira mamada diferiu entre puérperas com parto vaginal (quatro horas) e cesariano (dez horas). Foram fatores com significância estatística: idade materna; paridade; intercorrências com recém-nato; atendimento ao recém-nato considerado "não ótimo" pela mãe; internação em berçário; e peso ao nascer. O modelo prediz 33% da variação do tempo até a primeira mamada ao nível individual. O tempo até a primeira mamada é postergado por fatores biológicos, pelo excesso de partos cesarianos e por práticas inadequadas de atenção ao parto e nascimento.
Aleitamento Materno; Avaliação de Serviços de Saúde; Maternidades
ABSTRACT
The current study investigated factors associated with time between birth and first breastfeeding. A representative sample of mothers (10% of deliveries in 47 maternity hospitals in Rio de Janeiro, Brazil) was interviewed (n = 10,077). A random effects proportional risks survival model (at the maternity ward level) was employed, in a three-tier hierarchical approach. Models were fitted separately for normal and cesarean delivery. Time to initiation of breastfeeding in the first 24 hours of life differed between mothers with vaginal delivery (median 4 hours) versus cesarean section (10 hours). Common risk and protective factors were identified: maternal age; neonatal complications; neonatal care considered sub-optimal by the mother; admission of the newborn to the nursery; parity; birth weight. The model predicted 33% of variance in first breastfeeding. In conclusion, time from delivery to first breastfeeding was increased by biological factors, high cesarean rates, and inadequate childbirth and neonatal care practices.
Breast Feeding; Health Services Evaluation; Maternity Hospitals
Introdução
Apesar da amamentação na primeira hora de vida ser uma prática recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) desde 1990 1 - passo 4 da Iniciativa Hospital Amigo da Criança - poucos estudos foram realizados para avaliar quais as barreiras para sua implementação nas maternidades e seu impacto na saúde das crianças.
O passo 4 da Iniciativa Hospital Amigo da Criança é um tema relevante e foi discutido em diversos países na Semana Mundial de Aleitamento Materno de 2007 2 . Esse passo baseia-se na capacidade de interação dos recém-nascidos com suas mães nos primeiros minutos de vida 3, uma vez que o contato precoce da mãe com o recém-nascido é fundamental para o estabelecimento do vínculo mãe-bebê, além de: aumentar a duração e garantir o sucesso do aleitamento materno 4,5,6,7,8; aumentar a incidência do início do aleitamento hospitalar 9; e reduzir a mortalidade infantil 10.
Apesar da relevância do tema, a única pesquisa nacional que avaliou a amamentação na primeira hora constatou que 32,8% dos recém-nascidos são amamentados nesse período, sendo esse índice de 70,8% no primeiro dia 11.
O que leva, no entanto, a pouco menos de um terço das mães a não amamentar seus bebês no primeiro dia de vida? Diversos fatores podem influenciar o início do aleitamento materno, podendo-se ressaltar, entre os fatores biológicos, que os recém-nascidos com baixo peso ao nascer 12, ou com anomalias congênitas 13 têm maior dificuldade para iniciar o aleitamento materno; e que mães HIV positivas 14 são desaconselhadas a amamentar seus filhos.
Além dos fatores biológicos, práticas obstétricas, como o parto cesariano, podem prorrogar o início do aleitamento materno, quando comparado com o parto vaginal 9.
O início do aleitamento materno também pode variar de acordo com os estabelecimentos de saúde. O período de "observação" após o nascimento (tempo em que a criança ficava afastada da mãe) variava de três a oito horas nos 45 hospitais avaliados na cidade de São Paulo 15.
A análise do tempo até a primeira mamada não deve se limitar apenas à primeira hora de vida, pois parece haver um efeito do tipo "dose-resposta" nas taxas de mortalidade infantil. Quanto mais se prorroga a primeira mamada, maiores as chances de mortalidade neonatal 10.
A identificação de fatores que interferem no momento da primeira mamada é de fundamental importância e pode subsidiar a definição de estratégias para implementação do passo 4 da Iniciativa Hospital Amigo da Criança no âmbito hospitalar.
O presente estudo investiga os fatores que interferem no tempo entre o nascimento e o início do aleitamento materno, nas primeiras 24 horas de vida, em uma amostra representativa de mães com partos hospitalares na cidade do Rio de Janeiro, contribuindo para elaboração de recomendações em saúde pública que visem estimular o início do aleitamento materno.
Metodologia
Trata-se de estudo seccional, que utilizou o banco de dados oriundo de pesquisa realizada entre 1999-2001 16, na qual foi feita amostra estratificada proporcional ao número de partos esperados no período. Todas as maternidades do Município do Rio de Janeiro foram consideradas, exceto aquelas com menos de 200 partos por ano, que foram excluídas por corresponderem a 3,7% do total de partos. Os 47 estabelecimentos de saúde analisados foram agrupados em três estratos: (1) municipais e federais (n = 12, com 34,8% dos partos); (2) filantrópicos e privados conveniados com o Sistema Único de Saúde (SUS), militares e estaduais (n = 10, com 34,4% dos partos); (3) estabelecimentos privados (n = 35, com 30,8% dos partos). Em cada estrato foi selecionada amostra de, aproximadamente, 10% de parturientes do número previsto de partos em todos os estabelecimentos de saúde. O tamanho da amostra foi estabelecido com o objetivo de comparar proporções em amostras iguais no nível de significância de 5% e detectar diferenças de pelo menos 3% com poder do teste de 90%.
Considerando-se a possibilidade de perdas, o total da amostra em cada estrato foi estabelecido em 3.500 puérperas. A partir da definição do número de puérperas, entrevistadores padronizados, sob supervisão, realizavam entrevistas diariamente, inclusive nos finais de semana e feriados, nas instituições selecionadas, permanecendo o tempo necessário para completar o número de puérperas amostrado. O único critério de inelegibilidade das mães foram os casos de aborto (idade gestacional menor do que 22 semanas). A amostra final foi de 10.071 partos com informações válidas.
Foram utilizados três tipos de questionários para todas as puérperas. O primeiro foi aplicado à mãe no pós-parto imediato. O segundo foi preenchido com base em dados disponíveis no prontuário médico. O terceiro levantou informações sobre as condições de alta ou óbito da mãe e do concepto 16.
Nesse estudo foram consideradas para análise as puérperas supostamente aptas para iniciar o aleitamento materno nas primeiras 24 horas de vida, sendo o desfecho obtido do questionário de entrevista com a puérpera - "Com quanto tempo de nascido você amamentou seu neném pela primeira vez?" - através de recordatório de 24 horas.
Foram excluídos da amostra inicial, baseando-se na incapacidade e/ou impedimento para estabelecer o aleitamento materno, partos com uma ou mais das seguintes características: recém-nascidos com muito baixo peso ao nascer - peso ao nascer inferior a 1.500g; idade gestacional (método Capurro) menor que 32 semanas; óbito fetal ou neonatal precoce; óbito materno; destino do recém-nascido - Unidade de Terapia Intensiva (UTI); destino da puérpera - UTI; sorologia positiva para HIV no pré-natal registrada em prontuário; e APGAR no 5º minuto menor que 7; o que totalizou 895 partos (8,9% do total da amostra).
Dos 9.176 partos elegíveis, cerca de 8,5% das mães (n = 779) não quiseram, ou não souberam, responder a pergunta sobre o desfecho (missings), restando 8397 partos para a análise. Os grupos dos missings e não missings se mostraram semelhantes (intervalo de 95% de confiança - IC95%) quanto às principais variáveis do estudo, como idade, escolaridade e paridade.
Enfim, das 8.397 mães, 101 tiveram dois ou mais conceptos. Nos casos de gemelaridade, considerou-se o tempo até o primeiro filho mamar.
Foi utilizada análise de sobrevida para avaliar o desfecho, sendo o R Statistical Package (The R Foundation for Statistical Computing, Viena, Áustria; http://www.r-project.org), utilizado para a análise. Inicialmente foi realizada análise univariada de Kaplan-Meier, observando-se o tempo mediano, em minutos, até o desfecho, com IC95%. As variáveis: idade materna, paridade e peso ao nascer foram categorizadas para esta etapa da análise, sendo consideradas contínuas nas demais etapas do estudo. Todas as variáveis cujas diferenças entre categorias foram significativas, considerando o teste Peto (IC95%) 17, foram consideradas para compor a modelagem estatística, as demais foram apenas descritas nos resultados.
Para estimar o efeito que cada maternidade estudada - em seu conjunto de rotinas, serviços e recursos humanos/tecnológicos - exerce sobre o tempo até a primeira mamada, optou-se por utilizar modelo de efeitos aleatórios com distribuição gama (fragilidade) 17. Baseando-se nesse efeito, as maternidades foram classificadas, de acordo com seu desempenho sobre o tempo até a primeira mamada, em: bom, mediano e ruim. As maternidades em que o conjunto de puérperas amamentava mais cedo que na média das maternidades estudadas - fragilidade significativamente maior que o modelo básico de Cox (IC95%) - foram consideradas como tendo bom desempenho. As maternidades com fragilidade significativamente menor que o modelo básico proporcionaram o evento com menor velocidade, sendo considerados como tendo desempenho ruim; por sua vez, as maternidades com fragilidade próxima a zero (desempenho mediano), o modelo se aproxima do modelo básico de Cox 17.
O risco de amamentar nas primeiras 24 horas foi diferente entre as mães com parto normal e com parto cesariano, violando o princípio de proporcionalidade de riscos da análise de sobrevida. Portanto, decidiu-se desmembrar o banco de dados original em dois bancos separados: um para as puérperas com parto normal e outro para aquelas com parto cesariano.
Os fatores foram organizados, de forma hierarquizada, por nível de proximidade com o desfecho, em grupos de variáveis, a saber: distais (características maternas pessoais e de moradia - modelo 1), intermediárias (características da atenção ao pré-natal e maternas - modelo 2) e proximais (características da atenção ao parto e do recém-nascido - modelo 3).
Na construção de cada modelo as variáveis foram inseridas em bloco e as que não apresentaram efeito estatisticamente significativo na função de sobrevida (p < 0,05) foram retiradas. Após retirar as variáveis que não alcançaram significância estatística no grupo das distais (modelo 1), as variáveis do grupo intermediário (modelo 2) foram acrescentadas, sendo esse processo mantido até a inclusão do último grupo de variáveis - (modelo 3). Durante o processo de construção do modelo final, as variáveis dos grupos anteriores (modelos 1 e 2) que perderam sua significância foram mantidas. Este método foi utilizado para os dois bancos de dados e permite a obtenção de um modelo estatístico mais parcimonioso 18.
No intuito de possibilitar a comparação entre as magnitudes dos efeitos de cada variável no início do aleitamento materno entre os tipos de parto, as variáveis que foram significantes para o modelo de sobrevida do parto cesariano foram mantidas para o modelo do parto normal - e vice versa.
Utilizou-se o teste de Wald (IC95%) para avaliar o ajuste do modelo. A proporcionalidade do risco de cada variável foi avaliada pelo gráfico de resíduos padronizados de Schoenfeld. Para verificar a distribuição de riscos de cada estabelecimento no modelo, foi utilizado o gráfico de fragilidade 17.
Resultados
As puérperas estudadas apresentaram baixo nível de escolaridade, apenas 38,5% possuindo o segundo ou terceiro graus completos. Cerca de um quarto (25,5%) não recebeu qualquer tipo de informação sobre aleitamento materno durante o pré-natal. Cerca de metade da amostra (49,4%) foi submetida ao parto cesariano, e 37,7% puderam ficar com acompanhante na sala de parto. A maioria delas (88%) recebeu seu filho logo após o nascimento, tendo 13,3% dos recém-nascidos apresentado algum tipo de intercorrência após o parto (hipóxia, bradicardia, dentre outras).
A proporção de partos vaginais foi de 70% no primeiro estrato de estabelecimentos (municipais e federais); 67% no segundo estrato (filantrópicos e privados conveniados com o SUS, militares e estaduais); e apenas 13,8% no terceiro estrato (particulares).
Das puérperas estudadas, 81% conseguiram iniciar o aleitamento materno no primeiro dia de pós-parto (86% das mães com parto normal e 76% daquelas submetidas ao parto cesariano), sendo a mediana do desfecho estimada em seis horas (quatro horas para as mães com parto normal e dez horas para as mães com parto cesariano - Figura 1). Quando se considerou apenas a primeira hora de vida, 22,4% das mães com parto normal iniciaram o aleitamento materno, enquanto apenas 5,8% das mães com parto cesariano o fizeram.
Considerando a análise univariada, o tempo até o desfecho foi significativamente menor para puérperas que puderam ficar com acompanhante na sala de parto, que não receberam ocitocina na internação e cujo profissional de saúde levou o recém-nascido para a mãe assim que ele nasceu. Recém-nascidos do sexo masculino, com baixo peso ao nascer, com presença de anomalias congênitas, que tiveram intercorrências imediatas após o parto ou cujas mães não acharam ótimo o atendimento ao bebê tiveram desempenho significativamente pior (Tabela 1).
De todos os fatores estudados, a internação do recém-nascido no berçário foi o que isoladamente influenciou mais negativamente o desfecho, uma vez que no período de tempo estudado nem metade dos bebês aí internados conseguiram iniciar o aleitamento materno no primeiro dia.
Não houve diferenças significativas para o início do aleitamento materno, considerando os fatores: uso de drogas e bebidas, e apoio do pai na gravidez.
Com base na análise univariada de sobrevida pelo método Kaplan-Meier, foi elaborado o modelo teórico hierarquizado para o início do aleitamento materno (Figura 2).
Os resultados dos modelos se encontram na Tabela 2. No modelo 1, a presença de três ou mais pessoas por cômodo foi o fator que acelerou o tempo até a primeira mamada das mães com parto normal, enquanto a ausência de saneamento básico foi fator que postergou esse tempo para as mães com parto cesariano.
No modelo 2 o aumento de um ano na idade materna retardou a primeira mamada, e, quanto maior o número de filhos mais rapidamente se deu o desfecho. Nesse modelo, para as mães que realizaram parto cesariano, foram fatores que retardaram o desfecho: não realizar pré-natal ou o realizar de forma inadequada.
Ao se incluir as variáveis do modelo 3, a relação pessoas/cômodo e escore do pré-natal perderam significância, possivelmente, por terem seus efeitos intermediados pelas variáveis deste nível.
Nesse modelo, para ambos os tipos de parto, quanto maior o peso ao nascer, mais rapidamente se deu a primeira mamada. Além disso, a presença de intercorrências com o recém-nascido, a internação em berçário e o atendimento ao bebê considerado "não ótimo" foram fatores que retardaram o tempo até a primeira mamada. De todas as variáveis, a que possuía maior efeito negativo para a primeira mamada foi a internação em berçário.
Entre as mães com parto normal, os seguintes fatores retardaram o tempo até o desfecho: não levar o recém-nascido para a mãe ao nascimento, presença de anomalias congênitas, e internação em alojamento misto - parte do tempo em berçário, parte do tempo em alojamento conjunto. Somente entre as mães com parto cesariano, não poder ficar com acompanhante e ter um recém-nascido do sexo masculino retardaram a primeira mamada.
Quanto ao ajuste dos modelos, todos foram significativamente diferentes do modelo nulo (teste Wald < 0,001), e o modelo 3 explicou cerca de 30% da variação do desfecho.
Considerando apenas o modelo 3, os estabelecimentos apresentaram heterogeneidade significantemente diferente entre si para o desempenho da primeira mamada em ambos os tipos de parto, apesar de haver diminuição da heterogeneidade entre os estabelecimentos para o tipo de parto cesariano.
Considerando-se o modelo de efeitos aleatórios (fragilidade), para o modelo do parto normal, os estabelecimentos que proporcionaram, em média, o início mais precoce da amamentação (bom desempenho) foram: 4 (33%) estabelecimentos do primeiro estrato, 4 (40%) do segundo estrato e nenhum do terceiro estrato. Tiveram desempenho ruim (retardaram a primeira mamada para as mães neles internadas) 3 estabelecimentos (25%) do primeiro estrato, 4 (40%) do segundo estrato, e 5 (20%) do terceiro estrato.
Para o modelo do parto cesariano, tiveram bom desempenho: 3 (25%) estabelecimentos do primeiro estrato, 2 (20%) do segundo estrato e 3 (12%) do terceiro estrato, e desempenho ruim: 5 (42%) dos estabelecimentos do primeiro estrato, 5 (50%) do segundo estrato e 8 (32%) do terceiro estrato. Os demais estabelecimentos, em ambos os tipos de parto, tiveram desempenho mediano.
A análise de resíduos do modelo 3 do parto normal indicou boa proporcionalidade dos riscos de cada fator.
Discussão
Nesse estudo verificou-se que o conjunto de maternidades da cidade do Rio de Janeiro ainda não cumpria o passo 4 da Iniciativa Hospital Amigo da Criança (amamentação na primeira hora de vida), pois as mães demoraram medianamente seis horas para iniciar o aleitamento materno, sendo que aquelas submetidas ao parto cesariano demoraram, medianamente, dez horas até a primeira mamada.
A amamentação na primeira hora de vida faz parte dos Dez Passos da Iniciativa Hospital Amigo da Criança - passo 4 - e integra uma política pública de promoção da amamentação e de redução da mortalidade infantil. O passo 4 foi tema amplamente discutido na Semana Mundial de Aleitamento Materno de 2007 em diversos países 2.
A discussão deste tema é relevante, pois uma revisão sistemática recente identificou diversos benefícios relacionados ao contato precoce entre mãe e bebê, como: maior duração da amamentação, tendência materna em demonstrar afeto ao bebê, além dos bebês amamentados precocemente chorarem por menos tempo 8.
Outro benefício relevante é que quanto mais rápido se dá a primeira mamada, menor o risco de mortalidade neonatal 10.
A incidência do início do aleitamento materno na primeira hora de vida nesse estudo ficou abaixo dos 38,9% encontrados para o Estado do Rio de Janeiro no inquérito nacional 11, porém, foi bem semelhante à observada em outro estudo realizado na cidade do Rio de Janeiro, onde mais mães com parto normal conseguiram levar seu bebê ao seio na sala de parto 19.
Em pesquisa nacional observou-se que cerca de 70% das mães iniciaram o aleitamento materno no primeiro dia de pós-parto, tanto no Estado do Rio de Janeiro como no Brasil 11. No presente estudo, um percentual maior de mães submetidas ao parto normal conseguiu iniciar o aleitamento materno, sendo esses resultados corroborados por vários estudos que demonstraram o papel do parto cesariano na prorrogação do aleitamento materno 8,19,20, o que é grave, pois cerca da metade da população estudada teve parto cesariano.
O tempo até a primeira mamada foi tão díspar entre os partos normal e cesariano que foi necessária a elaboração de dois modelos diferentes, um para cada tipo de parto, com fatores em comum entre si para facilitar a comparação. Esse desmembramento pode ter ampliado a variabilidade entre os dados, porém, o tamanho da amostra foi suficiente para estabelecer relações.
As mães tenderam a arredondar o tempo informado até a primeira mamada em horas inteiras, ou em frações de meia hora, o que se refletiu nos resultados e nos intervalos de confiança apresentados - próximos ou idênticos à mediana.
A análise hierárquica e hierarquizada (modelo de Cox com fragilidade) foi útil para elucidar fatores apontados como favoráveis ou não para a primeira mamada na análise univariada (Kaplan-Meier), pois eram efeitos não ajustados nessa etapa.
Considerando-se o modelo final é importante observar nesse estudo que existem fatores comuns e peculiares aos tipos de parto cuja observação pode ajudar na elaboração ou revisão das práticas de promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno.
A relação de pessoas/cômodo, inicialmente associada ao desfecho para as mães com parto normal, teve seu efeito intermediado pelas variáveis distais; o mesmo ocorreu com o escore do pré-natal.
O efeito da ausência de saneamento básico - que nesse estudo foi o fator que melhor representou o status sócio-econômico materno - foi fator que acelerou o desfecho, entre as mães submetidas ao parto cesariano. Esse fator pode estar representando as mães em situação extrema de pobreza que somente tiveram acesso ao parto em instituições públicas, que têm investido em rotinas de promoção do aleitamento materno.
Já as mães sem acesso ao saneamento básico, submetidas ao parto cesariano, tiveram o início do aleitamento materno retardado, o que pode ser reflexo de mães que não tiveram acesso ao pré-natal e/ou que foram submetidas à cesariana de urgência.
Foram fatores que aceleraram o tempo até o desfecho, em ambos os tipos de parto: paridade e peso ao nascer. Em relação à paridade, quanto maior o número de filhos tidos, maior a experiência materna, e sua segurança para lidar com seu recém-nascido e iniciar o aleitamento materno. Um estudo escocês já havia indicado, utilizando análise multivariada, que a paridade é um fator independente que prediz a intenção de amamentar 21.
Quanto maior o peso ao nascer, mais rapidamente se deu a primeira mamada, mesmo após exclusão no presente estudo de crianças com menos de 1.500g, e após ajustar esse fator para outros possíveis fatores de confundimento, como intercorrências com o recém-nascido. Isto se deu, possivelmente, devido à segurança materna em cuidar de crianças com maior peso e à aptidão fisiológica do recém-nascido 22. Um estudo conduzido na cidade de Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil indicou que quanto maior o peso ao nascer maior a incidência do aleitamento materno 12.
A internação do recém-nascido em berçário foi o fator que postergou mais o desfecho em ambos os tipos de parto - sendo o risco maior para mães com parto cesariano que para mães com parto normal, uma vez que a internação nesse local constitui-se barreira física para a amamentação. Apesar de o banco de dados não permitir discriminar se a internação em berçário foi decorrente de possíveis problemas com o recém-nascido - internação em berçário patológico - ou se o bebê estava em berçário "normal", importantes fatores de confundimento foram considerados na análise, como: intercorrências com o recém-nascido e presença de anomalias congênitas. Pode-se considerar também que a exclusão prévia dos recém-nascidos internados em UTI e com APGAR no 5º minuto menor que 7 diminui o número de internações necessárias em berçário patológico (Unidade Neonatal).
Apesar das limitações expostas, o fator "local de internação" foi importante para a análise, pois, à época do estudo, todos os estabelecimentos que realizavam partos eram obrigados a ter, ao lado de cada leito obstétrico, um berço - o assim chamado alojamento conjunto 23; ainda assim havia estabelecimentos que realizavam internação em berçário de bebês sem patologias associadas. Fato semelhante foi encontrado em maternidades da cidade de São Paulo 15.
Levando em consideração a magnitude dos efeitos, independentes e ajustados, sobre o desfecho, a presença de "intercorrências imediatas com o recém-nascido após o parto" foi o segundo fator mais importante que retardou o tempo até a primeira mamada, sendo o efeito desse fator duas vezes maior para as mães com parto normal. No banco de dados foram consideradas intercorrências imediatas com o recém-nascido, constatadas em prontuário, uma ou mais alterações clínicas, como: alterações no nível glicêmico, na freqüência cardíaca e respiratória e presença de icterícia ou cianose. Infelizmente, não foi possível discriminar quais dessas intercorrências foi impedimento para o desfecho, já que alterações clínicas e laboratoriais diversas foram tratadas de forma homogênea na coleta da informação. Apesar desta variável agrupar fatores que poderiam exigir um cuidado imediato do recém-nato - retardando o aleitamento materno justificadamente - e outros fatores que em nada comprometem o início da amamentação, é importante observar os recém-nascidos que apresentam qualquer intercorrência com maior cuidado, apoiando suas mães a estabelecer o aleitamento materno assim que possível.
Outro fator importante, em ambos os tipos de parto, foi a idade materna: quanto maior a idade materna, maior o tempo até o desfecho. O efeito foi de 2% para cada ano, sendo assim, por exemplo, o tempo até iniciar o aleitamento materno pode ser 20% maior para mães dez anos mais velhas que outras. Futuras investigações serão necessárias para estabelecer o porquê dessa relação entre idade e amamentação.
A insatisfação das mães com o atendimento ao bebê retardou o tempo até o desfecho para ambos os tipos de parto, o que deve ser considerado com atenção, pois um pouco menos de metade das mães demonstrou algum grau de insatisfação com o atendimento ao seu bebê, o que, por sua vez, pode refletir a qualidade do atendimento dispensado pela equipe de saúde aos recém-nascidos. Deve-se levar em conta que as parturientes tendem a não criticar o atendimento recebido no estabelecimento de saúde diante da dificuldade para conseguir vaga para a internação por ocasião do parto, além de tenderem a se sentir com sentimentos positivos após o nascimento de um bebê saudável, relevando qualquer experiência negativa ocorrida 24, o que pode ter levado a uma subestimação do fator.
No modelo final, a presença de anomalias congênitas aumenta significativamente o tempo até o desfecho somente entre as mães com parto normal. A presença de anomalias congênitas pode ter sido fator negativo apenas para o parto normal, pois a maioria dos partos normais se encontra nos estratos 1 e 2, e os estabelecimentos do estrato 1 concentram grande parte dos partos de risco.
A presença de anomalias congênitas, no entanto, não é necessariamente fator que impeça o estabelecimento do aleitamento materno. Um estudo mexicano observou que, de todas as crianças com anomalias, 71% conseguiram iniciar o aleitamento materno e que o início do aleitamento materno está associado com o tipo de anomalia congênita 13. Um estudo de base populacional realizado em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, verificou que todas as crianças nascidas com lábio leporino e/ou fenda palatina conseguiram iniciar a amamentação 24. Como o banco de dados não levou em consideração o tipo e a gravidade das anomalias congênitas, foram considerados todos os casos para a análise.
Outro fator que retarda o desfecho somente entre mães com parto normal foi a prática de não levar o recém-nascido para suas mães logo após o nascimento. As condições em que o recém-nascido foi levado à mãe após o parto (tempo de permanência do recém-nascido e o tipo de contato com a mãe) não foram mensuradas, no entanto, simplesmente não levá-lo pode aumentar o tempo para iniciar o aleitamento materno em cerca de 40%. Ressaltamos que fatores que poderiam ser impedimento para levar o recém-nascido para suas mães foram excluídos da análise (internação em UTI, Apgar no 5º minuto menor que 7 e recém-nascido com muito baixo peso ao nascer) ou ajustados no modelo (intercorrências com o recém-nascido e a presença de anomalias congênitas).
Um estudo em duas maternidades no Rio de Janeiro discriminou melhor o contato entre puérperas e recém-nascidos, e verificou que o contato visual entre a mãe e o bebê ocorre em quase todos os partos, sendo o contato físico menos freqüente (92%) e a amamentação na sala de parto um evento que menos de um terço das puérperas experimenta. Todas essas práticas foram menos freqüentes entre as mães submetidas ao parto cesariano 19.
A internação do recém-nascido em alojamento misto, ou seja, parcialmente em alojamento conjunto e parcialmente em berçário, foi outro fator que postergou o desfecho entre as mães com parto normal, provavelmente refletindo a prática de alguns estabelecimentos particulares de internar os recém-nascidos no berçário por solicitação da mãe ou da equipe de saúde.
Dois fatores presentes somente no parto cesariano - a ausência de acompanhante no parto e recém-nascido do sexo masculino - possuíam efeito de pequena magnitude, mas que devem ser levados em consideração. Para as mães que tiveram partos cesarianos a ausência de acompanhante na sala de parto teve efeito negativo para o desfecho, pois pode refletir a ausência de assistência humanizada, além da dificuldade para a realização de suas atividades mais rotineiras, como amamentar.
As mães submetidas ao parto cesariano e que conceberam recém-nascido do sexo masculino demoraram mais a iniciar o aleitamento materno, o que pode estar refletindo o status de saúde dos recém-nascidos - mesmo ajustando para possíveis fatores de confundimento - pois, apesar de não ser um fato consensual, alguns estudos encontraram associação entre sexo masculino e eventos adversos da gravidez, que podem exercer sua influência através do peso ao nascer, morbidades específicas ou outros mecanismos 25.
Este estudo agregou os estabelecimentos de saúde em três estratos por agregarem características peculiares. O primeiro estrato, composto por estabelecimentos municipais e federais, era, em sua grande maioria, composto por serviços de referência para gestações de alto risco. O segundo - composto por estabelecimentos filantrópicos e privados conveniados com o SUS e também por estabelecimentos estaduais e militares - não ofereciam, na época do estudo, atendimento especializado para gestantes e recém-nascidos de alto risco. O terceiro reúne os estabelecimentos privados, oferecendo serviços de variável complexidade, diferenciando-se dos demais pela diversidade das características sociais da clientela atendida 16. À época do estudo nenhuma maternidade havia alcançado o título do Hospital Amigo da Criança, porém, algumas maternidades do estrato 1 estavam em processo de implantação dessa Iniciativa.
É muito interessante observar que muito do que não pode ser explicado pelos fatores individuais foi explicado no nível das maternidades (fragilidade), indicando que o conjunto de práticas, recursos humanos, estrutura física, nível de complexidade e outros fatores não mensurados no estudo influenciam no desfecho. Essa parcela de variância permaneceu importante mesmo após ajustar o modelo com indicadores individuais das maternidades, como a prática de alojamento conjunto. Futuros estudos devem ser conduzidos para avaliar o efeito das maternidades no início do aleitamento materno.
A análise de fragilidade possibilitou analisar o conjunto dos 47 estabelecimentos estudados e verificar quais maternidades promoviam o evento da primeira mamada com maior ou menor velocidade. Sendo assim, as maternidades em que o conjunto de puérperas amamentava mais cedo que na média das maternidades estudadas - fragilidade significativamente maior que o modelo básico de Cox (IC95%) - foram consideradas como tendo bom desempenho, e vice-versa.
Utilizando o conceito de fragilidade, os estabelecimentos do primeiro estrato com bom desempenho tinham em comum serem maternidades municipais e estarem em processo de implantação das rotinas da Iniciativa Hospital Amigo da Criança, o que é corroborado por estudo onde a implementação dessas rotinas traz melhorias nos padrões de aleitamento materno 8,20. Desse mesmo estrato tiveram desempenho ruim estabelecimentos que tinham em comum estarem inseridos em estrutura de hospital geral e serem de autarquia federal, com a exceção de uma maternidade municipal que atendia gestações de alto-risco.
Os estabelecimentos que tiveram bom desempenho do segundo estrato tinham em comum o fato de estarem em processo de treinamento para a implantação das rotinas da Iniciativa Hospital Amigo da Criança. Os estabelecimentos desse estrato que tiveram desempenho ruim tinham em comum possuírem características de hospital geral ou serem conveniados ao SUS, o que, muitas vezes, pode dificultar a valorização e o treinamento da equipe de saúde responsável pelo setor de maternidade.
É surpreendente que nenhum estabelecimento particular tenha tido um bom desempenho para o início do aleitamento materno entre as mães submetidas ao parto normal, o que reflete a falta de investimento em rotinas e treinamentos para o incentivo ao aleitamento materno, além de práticas institucionais ineficientes. Apenas três estabelecimentos desse estrato tiveram bom desempenho entre as mães submetidas ao parto cesariano, não possuindo características comuns evidentes. Os estabelecimentos desse estrato com desempenho ruim para o início do aleitamento materno tinham poucas características em comum, à exceção de a maioria ser de pequeno porte.
Essas diferenças se devem ao fato de as maternidades públicas apresentarem, de forma geral, melhor qualidade da atenção ao parto 19.
Os modelos apresentaram bom ajuste para explicar o desfecho, sendo que a inclusão dos fatores proximais melhorou de forma importante este ajuste. Dificilmente o modelo de sobrevida consegue explicar mais de 35% da variabilidade do desfecho, pois o próprio fator tempo difere muito entre os indivíduos 17. A análise de resíduos do modelo final demonstrou bom ajuste geral para as variáveis.
É muito interessante observar que ao considerarmos o conjunto dos estabelecimentos, existem padrões mais homogêneos para o início do aleitamento materno entre as mães submetidas ao parto cesariano, o que sugere a existência de procedimentos rotineiros comuns nesses estabelecimentos.
Para fins práticos, podem-se classificar os fatores identificados que influenciam no tempo até a primeira mamada em modificáveis e não modificáveis, estabelecendo recomendações para cada um.
Entre os fatores modificáveis, recomenda-se que sejam reduzidas as internações desnecessárias em berçário e que a equipe de saúde atenda ao recém-nascido de forma humanizada, fornecendo às mães apoio para iniciar o aleitamento materno.
Baseado no passo 4 da Iniciativa Hospital Amigo da Criança recomenda-se que o recém-nascido seja levado ao seio assim que nascer, mantendo contato pele a pele com a mãe e recebendo apoio para estabelecer o aleitamento materno, além de permanecerem em alojamento conjunto, sempre que possível, durante o período de internação. Recomenda-se que seja permitida a permanência de acompanhante pelo período de internação para apoiar as parturientes em suas necessidades rotineiras.
Recomendam-se, ainda entre os fatores modificáveis melhorar a qualidade das maternidades quanto à implantação ou retificação de rotinas para o início do aleitamento materno, principalmente entre os estabelecimentos particulares, dando maior prioridade aos estabelecimentos inseridos na estrutura de hospitais gerais, maternidades conveniadas ao SUS e estabelecimentos privados de pequeno porte, além da redução das taxas excessivas de partos cesarianos, estabelecendo normas e rotinas que orientem a real necessidade da realização desse tipo de parto.
Quanto aos fatores não modificáveis - biológicos - propõe-se que seja dispensada pela equipe de saúde maior atenção para mães primíparas e de mais idade, e para os recém-nascidos de menor peso e que tenham qualquer intercorrência durante a internação, pois esses fatores não são necessariamente impedimento para o início precoce do aleitamento materno. Além disso, deve-se ter atenção especial para as mães de recém-nascidos com anomalias congênitas que não possuam impedimento para iniciar o aleitamento materno, pois as mesmas precisam aceitá-los. Sendo assim, mães e bebês com condições biológicas desfavoráveis devem receber maior suporte para iniciar o aleitamento materno.
Enfim, é necessário amplo debate nas esferas pública e privada no intuito da continuidade de construção de políticas públicas efetivas para o estabelecimento de práticas que favoreçam o início do aleitamento materno, favorecendo a amamentação na primeira hora de vida, conforme o passo 4 da Iniciativa Hospital Amigo da Criança.
Colaboradores
C. S. Boccolini conduziu a revisão de literatura, a organização do banco de dados, a análise dos dados e redigiu o artigo. M. L. Carvalho orientou o estudo e participou da análise de resultados e da redação do artigo. M. I. C. Oliveira orientou o estudo e participou da análise de resultados e da redação do artigo. M. C. Leal participou do desenho de estudo original, da revisão e da redação final do artigo. M. S. Carvalho participou na elaboração e implementação da análise estatística e metodológica e na redação final do artigo.
Agradecimentos
Os autores também agradecem a Ana Glória Godoi Vasconcelos (Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz), a Ivis Emilia de Oliveira Souza (Escola de Enfermagem Ana Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro), e a Cristina Sobrinho Ortiz (Departamento de Epidemiologia e Bioestatística, Universidade Federal Fluminense) pela colaboração.
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Correspondência
C. S. Boccolini
Secretaria Municipal de Saúde de Queimados, Queimados, Brasil
Rua Vereador Marinho Hemetério de Oliveira s/n, Queimados, RJ
26319-970, Brasil
cboccolini@oi.com.br
Recebido em 15/Out/2007
Versão final reapresentada em 25/Mar/2008
Aprovado em 29/Abr/2008