NOTA RESEARCH NOTE
Prevalência da adesão ao tratamento anti-hipertensivo em hipertensos resistentes e validação de três métodos indiretos de avaliação da adesão
Prevalence of anti-hypertensive treatment adherence in patients with resistant hypertension and validation of three indirect methods for assessing treatment adherence
Katia Vergetti BlochI; André Nascimento de MeloI; Armando R. NogueiraII
IInstituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
IIHospital Universitário Clementino Fraga Filho, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
RESUMO
O estudo estimou a adesão ao tratamento anti-hipertensivo farmacológico utilizando-se três métodos indiretos em uma coorte de hipertensos resistentes no Rio de Janeiro, Brasil, 2005. Os métodos foram: avaliação pelo paciente; avaliação do médico; teste de Morisky-Green (TMG) adaptado para a língua portuguesa. Foi realizada validação preditiva comparando-se a diferença tanto de pressões de consultório como de monitorização de 24 horas (MAPA), em duas ocasiões, de pacientes com e sem adesão. As médias de pressões entre os grupos foram comparadas usando-se testes não-paramétricos. Foram entrevistados 200 pacientes com idade média de 63 anos (DP = 10,3), 73,5% do sexo feminino. A prevalência de adesão foi de 51% pelo TMG, 52% pelo médico e 80,5% pelo paciente. Ocorreram reduções das pressões arteriais de consultório e na MAPA dos pacientes com adesão por todos os métodos, mas não para os não-aderentes. O emprego de mais de um método para avaliação da adesão mostrou que indivíduos não-aderentes pelos três métodos (11,9%) tiveram pior evolução dos níveis tensionais. Esse achado sugere que a hipertensão resistente não pode ser atribuída unicamente à baixa adesão.
Hipertensão; Validade dos Testes; Assistência Ambulatorial
ABSTRACT
This study estimated adherence to anti-hypertensive medication using three indirect methods and their combinations in a cohort of patients with resistant hypertension in Rio de Janeiro, Brazil, 2005. The methods used were: self-reported adherence; physicians' adherence evaluation; and the Morisky-Green test (MGT) translated into Portuguese. The predictive validation was performed comparing office blood pressure and ambulatory blood pressure monitoring, measured on two different occasions, from patients classified as adherent or not. The means were compared using non-parametric tests. Two hundred patients were interviewed. Mean age was 63 years (SD = 10.3), and 73.5% were female. Adherence prevalence was 51% using MGT, 52% according to the physician, and 80.5% according to the patient. Adherent patients showed a reduction in both office blood pressure and ambulatory blood pressure, while non-adherent patients did not. The use of more than one method to evaluate adherence showed that non-adherent individuals according to the three methods (11.9%) had the worst evolution in blood pressure levels. This finding suggests that resistant hypertension cannot be attributed exclusively to low adherence.
Hypertension; Validity of Tests; Ambulatory Care
Introdução
As doenças cardiovasculares são a principal causa de mortalidade no Brasil e a hipertensão arterial está entre os seus principais fatores de ris- co 1. A não-adesão ao tratamento medicamentoso é uma das principais causas das baixas taxas de controle da hipertensão 2.
A hipertensão arterial resistente é diagnosticada quando a pressão arterial de consultório é > 140/90mmHg em pacientes em uso de três ou mais anti-hipertensivos em doses apropriadas, incluindo um diurético. A permanência prolongada desses níveis leva a lesões de órgãos-alvo e aumenta o risco de mortalidade por doenças cardiovasculares 3.
Dentre os vários fatores relacionados à ausência de resposta ao tratamento anti-hipertensivo, a não-adesão à terapêutica apresenta-se como um dos maiores desafios, tanto para o diagnóstico da hipertensão arterial resistente quanto para o seu controle 4,5. Hipertensos que interromperam o tratamento tiveram risco de infarto três vezes maior do que os que continuaram 5. No Brasil, o impacto da não-adesão ao tratamento anti-hipertensivo pode ser avaliado pela importância dos acidentes vasculares encefálicos como causa de morte e, o adequado controle da hipertensão poderia reduzir esta mortalidade como ocorreu em outros países 6.
A baixa adesão é mais freqüente no nível primário de atenção do que entre pacientes de serviços especializados, sendo importante a distinção entre pressão não-controlada por não-adesão ao tratamento e resistência ao controle da pressão arterial 7.
Um paciente é considerado aderente quando toma 80-110% dos medicamentos, pois verificou-se que acima de 80% a pressão arterial diastólica foi adequadamente controlada 8.
A avaliação da adesão ao tratamento farmacológico não é uma tarefa fácil. Cada método de quantificação da adesão (diretos e indiretos) descrito na literatura tem suas limitações, sem haver um método ideal, cuja sensibilidade e especificidade sejam superiores a 80% 9. A contagem de pílulas, utilizada como padrão-ouro em alguns estudos 2, requer a distribuição integral da medicação pela unidade de saúde, o que geralmente não corresponde à realidade da maior parte dos hipertensos, principalmente dos resistentes, em uso de mais de três drogas, muitas não padronizadas no Sistema Único de Saúde.
O objetivo primário deste estudo foi estimar a prevalência de adesão à terapêutica anti-hipertensiva em hipertensos resistentes empregando-se diferentes métodos. Secundariamente foi realizada a validação preditiva desses métodos utilizando-se a redução da pressão arterial de consultório e a monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA).
Métodos
Trata-se de um estudo para estimar a prevalência de adesão ao tratamento anti-hipertensivo em uma coorte de hipertensos resistentes de um hospital universitário. O tamanho amostral (n = 210) baseou-se em uma estimativa de adesão de 50%, um erro = 5%, precisão = 5% e 10% de perdas. Foram selecionados os 210 primeiros pacientes em tratamento há pelo menos seis meses, que realizaram ao menos uma MAPA e que vieram à consulta entre janeiro e maio de 2004.
Os métodos de avaliação da adesão utilizados foram:
Pelo paciente: o paciente atribuía uma nota à sua adesão utilizando uma escala visual de 0 a 5, (1 = não toma ou raramente, 2 = às vezes toma, 3 = toma quase sempre, 4 = toma a maioria das vezes, 5 = toma sempre). A nota 5 o classificava como aderente.
Pelo médico: atribuição de uma nota de 0 a 5 à adesão do paciente. Escala semelhante à apresentada ao paciente.
Teste de Morisky-Green (TMG) 10 adaptado para a língua portuguesa 11: 1 - você às vezes tem problemas em se lembrar de tomar a sua medicação? 2 - você às vezes se descuida de tomar seu medicamento? 3 - quando está se sentindo melhor, você às vezes pára de tomar seu medicamento? 4 - às vezes, se você se sentir pior ao tomar a medicação, você pára de tomá-la? O paciente é considerado aderente quando responde não para todas as perguntas.
A forma de classificação da adesão utilizada nos três instrumentos seguiu o padrão que considera aderente quem toma 80% ou mais da medicação prescrita 8.
A prevalência da adesão e seu respectivo intervalo de 95% de confiança (IC95%) foram estimados segundo três estratégias: (i) específica por método; (ii) concordância dos três métodos ("todos"); (iii) por pelo menos um dos três métodos ("qualquer").
A medida da pressão arterial de consultório e a MAPA foram realizadas seguindo-se as recomendações de diretrizes 1,3. Utilizou-se esfigmomanômetros de coluna de mercúrio com manguitos de tamanhos apropriados e a MAPA foi realizada com aparelho oscilométrico DYNAMAPA (equipamentos Mobil O Graph, versão 12, Cardios, São Paulo, Brasil). A leitura da pressão arterial foi feita a cada 10 minutos durante o dia e a cada 20 minutos durante a noite. A Figura 1 mostra os momentos nos quais foram realizadas as medidas analisadas.
Na validação preditiva da adesão utilizou-se três medidas para comparar os níveis tensionais de pacientes classificados como aderentes/não-aderentes aplicando-se o teste Kruskal-Wallis:
Médias das pressões arteriais sistólicas/diastólicas no momento da avaliação da adesão (T3);
Médias de redução entre as duas medidas de pressão arterial de consultório (PA2-PA1);
Médias de redução entre as duas MAPAs (MAPA2-MAPA1) realizadas com intervalo médio de um ano.
Foram utilizadas médias e diferenças médias, pois nessa população o controle da pressão arterial (< 140/90mmHg) é difícil; por isto não foi analisada a acurácia dos testes.
O estudo foi aprovado por comitê de ética em pesquisa e o os pacientes assinaram termo de consentimento informado.
Resultados
Dos 229 pacientes elegíveis para participar do estudo foram entrevistados 200 atendidos no programa de hipertensão. As características da população e as prevalências de adesão são apresentadas na Tabela 1. Quando se considera os três métodos de adesão ao tratamento conjuntamente, 11,9% dos pacientes foram classificados como não-aderentes.
Independente do método utilizado, as médias da pressão arterial de consultório no momento da avaliação da adesão (T3) foram maiores nos pacientes não-aderentes. As diferenças foram maiores quando a adesão foi avaliada pelo médico ou por "qualquer" método, para pressões arteriais sistólicas e diastólicas (Tabela 2).
Nos pacientes com adesão por "qualquer" método ocorreu redução das pressões arteriais de consultório e na MAPA, enquanto que para os pacientes sem adesão a redução foi menor ou inexistente. As diferenças observadas pelas demais classificações foram menores.
Discussão
A prevalência da adesão usando-se o TMG foi semelhante à descrita na literatura internacional 10, porém, maior do que a encontrada em estudos nacionais 2,12 realizados com hipertensos menos graves e sem adaptação do instrumento.
Não temos conhecimento de outros estudos que tenham avaliado a adesão de forma sistemática em hipertensos resistentes. Um estudo de hipertensos resistentes acompanhados em hospital terciário americano mostrou que apenas 16% dos pacientes referiram não ser aderentes, mas a forma de avaliação da adesão não foi apresentada 13.
A prevalência de adesão ao se considerar o conjunto dos três métodos foi elevada, o que pode ser devido ao acompanhamento em um programa específico para hipertensos resistentes. Embora a restrita generalização possa ser considerada uma limitação do estudo, o dado sobre adesão é fundamental para caracterizar a hipertensão resistente e pouco investigado de forma pragmática 7.
Pacientes com maior adesão apresentaram menores níveis tensionais e maiores reduções da pressão arterial. Prado et al. 2 encontraram associação entre controle da pressão arterial e adesão, e também entre o TMG e a contagem de pílulas, utilizando pressão de consultório.
A pressão arterial de consultório foi maior nos pacientes sem adesão do que nos com adesão. As reduções das pressões arteriais de vigília e de 24 horas permitiram uma melhor avaliação da adesão do que a redução da pressão arterial de consultório. A vantagem da MAPA é a ausência do efeito do jaleco branco, que poderia mascarar a redução da pressão dos pacientes com adesão, além de ser mais significativa por representar a média de diferentes medidas no período e não uma medida casual 14.
O TMG não apresentou um bom desempenho isoladamente. Outros estudos não encontraram associação entre o TMG e controle da pressão arterial em hipertensos menos graves 2,12.
O emprego de mais de um método para avaliação da adesão mostrou que indivíduos classificados como não-aderentes pelos três métodos tiveram pior evolução dos níveis tensionais e, portanto, permite a identificação na prática clínica de indivíduos que se beneficiariam de estratégias para aumento da adesão. Os resultados encontrados deixam claro que a resistência ao tratamento anti-hipertensivo não deve ser atribuída primariamente ao não-controle da hipertensão arterial por baixa adesão ou tratamento inadequado, uma vez que a prevalência de não-adesão, utilizando-se três métodos indiretos de avaliação, foi baixa em uma população acompanhada em um serviço de referência.
Colaboradores
K. V. Bloch participou do planejamento do estudo e análise, discussão, redação e revisão do artigo. A. N. Melo participou do planejamento do estudo, coleta de dados e análise, discussão e redação do artigo. A. R. Nogueira participou da discussão e redação do artigo.
Referências
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Correspondência:
K. V. Bloch
Instituto de Estudos em Saúde Coletiva
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Rua Eurico Cruz 47, apto. 501
Rio de Janeiro, RJ 22461-200, Brasil
kbloch@globo.com
Recebido em 09/Abr/2008
Versão final reapresentada em 18/Jul/2008
Aprovado em 12/Ago/2008