Comentários a: "A Política de Saúde no Brasil a Universalização Tardia como Possilidade de Construção do Novo"

Eleutério Rodrigues NetoSobre o autor

Oartigo em pauta é da maior relevância e oportunidade, e o meu nível de identificação com ele é de tal ordem que chega a dificultar qualquer comentário, a não ser na direção da ênfase, sob o risco da redundância.

A autora consegue transitar desde questões mais gerais que povoam o mundo da política e da sociologia nos dias de hoje, como a crise do Welfare State e o neo-libe-ralismo, até situações conjunturais que afetam a possibilidade cie avanço de políticas específicas, como a da saúde, tendo como eixo central a questão do Estado e da necessidade de sua reforma. Todavia, a amplitude da temática abordada, se é verdade que não permite um esgotamento do marco conceituai, nos proporciona dois produtos muito objetivos: o raciocínio lógico sobre a Saúde como expressão última das políticas econômicas e setoriais, embutido na doutrina da Reforma Sanitária, e o papel estratégico que a natureza do reordenamento "setorial" representado pelo SUS pode ter no processo de desenvolvimento, e democratização da sociedade; e, na mesma direção, uma agenda para a efetivação dessa política.

No momento em que se acirram na sociedade os debates sobre o sistema de saúde brasileiro, em termos de percepção geral sobre o seu descalabro, e em que aparecem as análises oportunistas de condenação do SUS como responsável pela situação, impõe-se aos intelectuais e lideranças um papel pedagógico e militante de restabelecimento da verdade dos fatos, em busca de rearticulação do movimento pela democratização da saúde que culminou com as conquistas constitucionais e legais, que definiram as bases jurídicas do reordenamento setorial até hoje devido à sociedade.

Entretanto, tal ação não pode se restringir a uma mera defesa de princípios e cobrança de uma "vontade política" dos governantes, mas deve buscar a construção pactuada de uma "vontade" social representativa das verdadeiras necessidades da população e que, muitas vezes, de forma autoritária e arrogante, julgamos interpretar e "resolver". Assim, há que se retomar algumas questões básicas que julgávamos "resolvidas", sob o crivo de nossa racionalidade técnica, e promover a sua exegese junto aos movimentos sociais, de maneira a recuperar idéias-força esterilizadas pelo formalismo, e que perderam sua capacidade de transformação.

Dessa maneira, como afirma a autora, é mister que, neste momento, de realização da X Conferência, seja retomado o "Projeto", não como um ato declamatório, mas a partir do conhecimento analítico da realidade circuns-tante e com uma clareza de objetivos que permita uma ação estratégica organizada para o futuro próximo.

Isso significa a superação de um maniqueísmo que muitas vezes tem confundido os movimentos sociais: por um lado, o desconhecimento do próprio SUS, em termos das suas possibilidades e de suas bases doutrinárias, levando a uma postura cética quanto às suas reais potencialidades; e, por outro, uma certa acomodação, em conseqüência de uma avaliação de que o SUS possui de antemão todas as respostas face ao reequacionamento do setor, e que basta implementá-las. Não é essa a postura da autora, que ressalta as conquistas e dificuldades do processo, embora, a nosso ver, exagere, ao atribuir ao SUS alguns resultados positivos no reequilíbrio entre ações de saúde de diversas naturezas, quando, na verdade, este pode ser antes conseqüência dos constrangimentos econômicos experimentados pelo setor.

Nessa direção, entendemos ser essencial uma retomada da discussão sobre o próprio projeto da Reforma Sanitária, pactuado por ocasião da VIII Conferência Nacional de Saúde, e que acabou por se reduzir, como bandeira do movimento, ao SUS; e a um SUS quase exclusivamente restrito à questão da assistência médica e aos mecanismos de repasse financeiro. Isso nos leva à questão formulada pela autora no sentido de identificarmos no SUS, principalmente na Reforma Sanitária, a potencialidade de catalisar reformas no Estado, na direção de sua democratização e efetividade.

A Reforma Sanitária e o SUS podem, pois, representar o "novo" nas políticas sociais, na reconstrução da solidariedade esgarçada pelo projeto neo-liberal e que contamina a todos, desde governantes, até corporações profissionais e de usuários, na busca imediata do equacionamento de suas necessidades.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    1996
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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