Conselhos Municipais de Saúde: O Direito de Participação da Sociedade Civil?

Gilson Cantarino O'Dwyer Neuza M. N. Moysés Sobre os autores

O artigo de Soraya Maria Vargas Cortes vem, em momento oportuno, nos provocar a refletir sobre o que de mais inovador se coloca no arranjo institucional da reforma do setor saúde. A literatura internacional, em que pese apontar algumas características encontráveis nos canais participatórios, nos chamados países em desenvolvimento, aí incluído o Brasil, está longe de apreender este momento singular vivido pelo Sistema Único de Saúde, tendo como espaço privilegiado de operacionalização o município.

Concordamos com Jacobi (1992JACOBI, P. (1992) - Participação e Gerência dos Serviços de Saúde: Desafios e Limites no Município de São Paulo. Revista de Administração Pública 26(2):32-43.:33) quando afirma que "existem, basicamente, duas concepções de participação: 1) a visão da participação restrita e delimitada; e 2) a visão da participação plena, enquanto ação permeada por uma noção de conflito". Avivência e a atuação no processo político de construção do SUS, nos últimos 10 anos, nos permitem dizer da existência de situações que retratam as duas concepções. Não poderia ser diferente, em se tratando de um país cuja tradição política foi construída, historicamente, com um forte viés autoritário, onde o clientelismo se constituiu em prática comum ao Estado. Estar assegurada a participação do usuário na gestão pública do sistema, por via legal, é antes de tudo uma conquista de cidadania, porém, não o suficiente para a garantia de uma participação plena.

O processo de descentralização das ações e serviços de saúde não é sinônimo de democratização do sistema. Prioritariamente, a manutenção de um espaço democrático de vocalização das demandas sociais, de explicitação do jogo político, da negociação entre os atores sociais envolvidos, da busca da transparência e garantia do acesso à informação são requisitos necessários ao amadurecimento do processo político de construção e aprofundamento das instâncias do exercício do controle social.

Atualmente, no país, temos mais de três mil Conselhos Municipais de Saúde implantados; mesmo considerando-se a enorme extensão territorial brasileira e sua diversidade social, estas estruturas vêm se consolidando, implicando no envolvimento direto de cerca de 70 mil pessoas (Carvalho, 1995CARVALHO, A.I. (1995) - Conselhos de Saúde no Brasil. Rio de Janeiro: FASE/IBAM.). Os Conselhos, hoje, trazem para o cenário político um potencial transformador em dois planos: o do Estado e o da própria sociedade.

Os anos recentes se consolidam como processo pedagógico de construção, desconstrução e reconstrução de práticas de participação social e controle do Estado, onde os diferentes atores envolvidos, sejam representativos da sociedade civil ou do Estado, acumulam experiências, revêem suas práticas, valores e certezas ao mesmo tempo que dão corpo aos sistemas locais e Nacional de Saúde.

A heterogeneidade presente nos processos específicos e próprios a cada Conselho, antes de ser um sintoma negativo, aos nossos olhos aparece como algo natural, necessário e historicamente configurado, guardando relação direta com o amadurecimento político daquela municipalidade, não guardando relação direta com o tamanho das cidades, mas, antes com sua cultura política.

Este aspecto relevante na implantação do SUS é hoje um campo fértil à realização de estudos e pesquisas que retratem os diferentes estágios dos processos em andamento, em suas singularidades e generalidades. Os gestores e usuários muito teriam a aprender com os produtos destes trabalhos. Para além do direito de participação, cabe exercitá-la da forma mais plena possível.

Referências bibliográficas

  • CARVALHO, A.I. (1995) - Conselhos de Saúde no Brasil. Rio de Janeiro: FASE/IBAM.
  • JACOBI, P. (1992) - Participação e Gerência dos Serviços de Saúde: Desafios e Limites no Município de São Paulo. Revista de Administração Pública 26(2):32-43.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Jun 1998
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br