Fiocruz, Ipea, Ministério da Saúde (MS), Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República

Luciana da Silva Alcantara

A Saúde requer planejamento. É a impressão que salta aos olhos de quem lê a obra A Saúde no Brasil em 2030: diretrizes para a prospecção estratégica do sistema de saúde brasileiro, lançada em comemoração ao 112º aniversário da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em 25 de maio de 2012. A publicação, conduzida pela Fiocruz mediante acordo de cooperação técnica com a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE), com participação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e convênio pactuado com o Ministério da Saúde, contou com a colaboração de um grupo de pesquisadores, analisando os temas mais relevantes para o desenho de horizontes futuros na Saúde. Em termos gerais, os textos resultantes dessa iniciativa discursam sobre as perspectivas para a Saúde em 2030, com referência ao ano de 2022, quando é comemorado o bicentenário da Independência do Brasil, como destaca o presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha.

O livro encontra-se divido em dois grandes blocos, o primeiro denominado Diretrizes para a Prospecção Estratégica do Sistema de Saúde Brasileiro para 2030 e o segundo, Cenários Prospectivos. O primeiro bloco é dividido em seis partes, conforme a seguir: Desenvolvimento, Estado e Políticas de Saúde; População e Perfil Sanitário; Organização e Gestão do Sistema de Saúde; Força de Trabalho em Saúde; Estrutura do Financiamento e do Gasto Setorial; e Desenvolvimento Produtivo e Complexo da Saúde.

De modo geral, os pesquisadores abordam, num primeiro momento, assuntos relativos ao contexto atual, para, em seguida, descreverem as tendências em cada área, analisadas em perspectiva futura.

Na parte I - Desenvolvimento, Estado e Políticas de Saúde - , é realizado o desenho de um pano de fundo para os capítulos seguintes, abrangendo centralmente o alinhamento estratégico e os cenários de desenvolvimento para 2022-2030, com recomendações para um novo modelo de desenvolvimento, além dos fundamentos da Saúde e de suas políticas, com análise dos seus determinantes sociais, econômicos e ambientais, dos princípios do Sistema de Saúde brasileiro, de sua inserção na política nacional de desenvolvimento, da gestão pública, além da integração continental e cooperação Sul-Sul em saúde. Tal desenho realizado na parte I estabelece relação com a parte II - População e Perfil Sanitário - , onde é realizada a abordagem do cenário sociodemográfico em 2022 e 2030, considerando a distribuição territorial da população, com o diagnóstico do comportamento atual dos fenômenos demográficos no país e a reflexão a respeito das próximas tendências desses processos. Examina-se, ainda, o perfil epidemiológico no bojo temporal proposto, assinalando-se os problemas de saúde que despontam no cenário atual, tais como a "violência, a dengue, o diabetes, a obesidade, ao lado das doenças transmissíveis, endemias, epidemias e pandemias que configuram riscos sanitários para o país no futuro próximo", conforme assinala o documento.

Tratando de temas relacionados à organização e gestão do Sistema de Saúde, na parte III é enfocada a gestão do nível federal do sistema - administração direta, agências reguladoras, fundações nacionais, empresas públicas nacionais - na condução da política nacional e na gestão do sistema de saúde no Brasil, objetivando identificar os principais desafios para a reconfiguração estratégica da atuação do Executivo federal na saúde nas décadas futuras. Já na Parte IV - Força de Trabalho em Saúde - , convém destacar a realização de uma abordagem cujo cerne é a evolução do mercado de trabalho em saúde, com destaque para a formação e a qualificação para o trabalho e a regulação profissional.

Na parte V - Estrutura do Financiamento e do Gasto Setorial - , são abordados os problemas e as perspectivas do financiamento da Saúde no Brasil, bem como "o gasto setorial, o papel do financiamento público e privado na prestação dos serviços de saúde, suas repercussões sobre a oferta de serviços e os modos de pagamento e compra de serviços".

Encerrando o primeiro bloco, na parte VI - Desenvolvimento Produtivo e Complexo da Saúde , os pesquisadores abordaram a dinâmica de inovação e perspectiva do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS) para a sustentabilidade estrutural do sistema de saúde, com estudo detalhado das perspectivas para 2030.

Dessas abordagens derivam três cenários prospectivos, abordados no segundo bloco: um pessimista e plausível, conforme o qual o Brasil terá inúmeras dificuldades no enfrentamento da crise financeira até 2030 e não terá retomado padrões sustentados de crescimento econômico; um otimista e possível, que acredita na retomada de padrões sustentados de crescimento econômico após ter atravessado a crise; e, por fim, um cenário intermediário entre os outros dois, intitulado inercial e provável, segundo o qual, em 2030, o Brasil terá atravessado a crise financeira, porém persistirão tensões advindas da possibilidade de a crise econômica atingir o país.

Ao longo de mais de trezentas e noventa páginas, a obra apresenta textos que "são o ponto de partida do esforço prospectivo, e não seu resultado. São lançados a debate público por especialistas a partir de sua conclusão", destaca Gadelha. Os pesquisadores se debruçaram sobre temas polêmicos e de extremo interesse, com destaque para as abordagens realizadas sobre o financiamento do SUS e o desafio da descentralização e regionalização do SUS, num contexto em que muitos municípios e estados não têm condições de prover de forma autônoma as ações e serviços necessários à população. O papel do Estado no planejamento estratégico e como indutor do desenvolvimento nacional permeia o debate, uma vez que a atuação do Estado se faz necessária quando o assunto são as tensões entre os interesses públicos e privados. Conforme a obra, a própria relação entre esses interesses tende ao desequilíbrio caso não haja a "devida intervenção estatal", que "se daria por meio da qualificação de seu aparato regulatório, da acentuação do uso de seu poder de compra, do aumento dos aportes financeiros e redefinição das fontes de financiamento do SUS". O futuro traz desafios, cabendo ao Estado articular e induzir políticas econômicas e sociais, com vistas à equidade e ao fomento do acesso aos direitos sociais de parcelas significativas da população, ainda expostas à desigualdade e pauperização.

O conjunto da obra inclui a diversa gama de aspectos do setor Saúde e sua interligação. Não apenas detalha aspectos da atenção básica, como discorre sobre a governança democrática ou participativa, relacionando-a a participação dos membros da sociedade nos processos decisórios mais amplos e na gestão pública, reafirmando a importância da força política da "democracia participativa". Aborda igualmente o impacto da tecnologia nos sistemas universais, uma vez que a área de serviços em saúde, base estruturante do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS), é extremamente influenciada pelos conceitos inovação e produção. Nesse sentido, é justificada a "preocupação, do ponto de vista brasileiro, com um processo precoce de incorporação de tecnologias nos serviços de saúde, ou seja, antes de se consolidar um parque industrial robusto", como reforça o documento.

Novas e antigas questões relativas à Saúde no contexto brasileiro são introduzidas no centro de um debate que tem por objetivo ressaltar a relevância da participação dos mais variados segmentos da sociedade brasileira, reconhecendo, ao mesmo tempo, o papel essencial e indelegável do Estado brasileiro, enquanto condutor ativo no processo de desenvolvimento do país, tendo como eixo temporal os anos 2022-2030, conforme explicitado ao longo da obra.

A despeito dos obstáculos a serem superados e das projeções ora otimistas, ora pessimistas, os textos estão centrados no esforço prospectivo, com prevalência da perspectiva estratégica, dada a complexidade do setor Saúde e dos processos que envolvem transformação e inovação, em curso nas suas diversas áreas de atuação. Trata-se de um processo árduo e contínuo de aprendizagem e conquistas, conhecimento e ação.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan 2014
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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