A agressão sexual é uma temática que mobiliza o público em geral, pesquisadores, profissionais, especialmente aqueles que atuam diretamente com crianças e adolescentes. A situação da violação sexual tem permitido a conscientização sobre a amplitude e a realidade a que estão confrontadas, entretanto, as atuações no plano da avaliação, intervenção e prevenção não estão suficientemente implantadas na prática cotidiana da Rede de Instituições credenciadas no atendimento dos casos. Um dos obstáculos reside na insuficiente difusão do conhecimento e expertise clínica existente.
Esta obra, editado em diversos países, como Canadá, Bélgica, França e alguns da África, representa a experiência de pesquisadores canadenses atuantes em Universidades e Serviços, oferecendo uma síntese de recentes conhecimentos e pesquisas publicadas nessa área. Ao curso dos últimos anos, progressos importantes têm sido alcançados em infraestrutura de pesquisa e de parcerias com os ambientes de prática, o que tem permitido fortalecer as intervenções, do ponto de vista de avaliação e tratamento das vítimas e seus pais (não agressores), diante dessa problemática.
Este livro é apresentado em capítulos, os quais discorrem sobre a magnitude do fenômeno, em nível mundial e fatores de risco, desafios das intervenções nas áreas médica e da psicologia clínica, aspectos fundamentais da avaliação das vítimas, pais e famílias, efeitos e benefícios das intervenções direcionadas às vítimas, intervenções em adultos que foram vitimizados na infância, aspectos diagnósticos dos comportamentos sexuais problemáticos de crianças e adolescentes vitimizados, bases da terapia cognitivo comportamental orientada para o trauma, tratamento com base na mentalização das vitimas e aspectos preventivos e da formação nessa área do conhecimento.
Inicialmente, são apresentados dados epidemiológicos que apontam um quinto das mulheres e um décimo dos homens tendo sofrido algum tipo de agressão sexual na infância. São enfatizados importantes fatores de risco associados à agressão sexual, considerando-se características dos perpetradores, as quais lhes distinguem dos homens comuns e agressores de crimes não sexuais. Em geral, os perpetradores sexuais de crianças sobreviveram mais às adversidades familiares durante a infância (agressão sexual ou física em meio à família disfuncional), apresentam comportamentos exteriorizados (abuso de substancias) ou interiorizados (baixa autoestima e transtornos de humor), além de possuírem déficits sociais, transtornos da personalidade e problemas ligados à cognição, relacionado à violação. Ressaltam-se ainda diferenças marcantes da personalidade dos agressores, traços antissociais, dificuldades de relações íntimas, disciplina coercitiva sofrida na infância e isolamento social comparado aos homens da população geral e àqueles que cometeram crimes não sexuais.
Nos aspectos relacionados à entrevista os autores apontam que crianças pequenas têm capacidade de rememorar os acontecimentos importantes, entretanto a memória destas pode ser limitada pelo estágio de desenvolvimento. A exatidão do testemunho de crianças e adolescentes é influenciada pela forma e condução da entrevista. A grande sugestibilidade lhes deixam vulneráveis às pressões que podem sofrer durante uma entrevista conduzida de forma inadequada. A principal dificuldade enfrentada pelos profissionais de assistência social, policiais ou do judiciário é a necessidade de conhecer o estágio de desenvolvimento cognitivo-linguístico e socioafetivo da criança e executar as respectivas adequações. São mencionados os guias de entrevista estruturada, como o "National Institute of Child Health and Human Development -NICHD", onde pesquisas empíricas mostraram eficácia e são oferecidas para auxiliar os profissionais nas entrevistas, com o objetivo de obter das crianças um testemunho verídico e detalhado. Salienta-se a importância da memória, da sugestibilidade e do desenvolvimento cognitivo, afetivo e socioafetivo, assim como a influência desses atributos na revelação ou relato da agressão sexual durante a entrevista. A atitude dos profissionais e as questões utilizadas no testemunho das crianças são igualmente apresentadas. Alguns aspectos da intervenção médica e médico legal são priorizados, como os elementos da história; o exame médico no contexto da agressão sexual; particularidades do exame no sexo feminino antes da puberdade; a interpretação dos dados dos exames e seus limites; os tipos de infecções transmitidas por via sanguínea; entre outros.
As consequências associadas à agressão sexual de crianças e adolescentes são apresentadas na perspectiva de modelos explicativos. Inicialmente, são sintetizados os fatos relevantes registrados da literatura científica com jovens, em face de uma agressão sexual. São enfatizados os aspectos da avaliação das vítimas, na dimensão de privilegiar e orientar o tratamento e os limites dos estudos atuais e as perspectivas de pesquisas futuras.
Quanto às intervenções, discute-se as principais variáveis que podem influenciar a eficácia dos tratamentos propostos, sendo abordados estudos de avaliação da terapia cognitivo-comportamental, considerada prática exemplar para intervenção, descrevendo-se estudos recentes de avaliação e intervenções implantadas no Québec. São apresentadas perspectivas futuras, assim como os desafios da implantação das intervenções, com base nos dados e a questão alvo do tratamento, onde na avaliação e acompanhamento, os pais não agressores são convidados a jogar um papel determinante na adaptação da criança vítima de agressão sexual. Para muitos deles o estado de choque e o estresse que acompanha a descoberta da agressão de seu filho deve ser superada para permitir a mobilização e o suporte à criança, nas suas necessidades. As características das estratégias de apoio familiar são examinadas e o respectivo impacto na adaptação da criança, levantando-se os fatores de susceptibilidade para influenciar a disponibilidade do suporte e as formas de avaliar esses fatores. São examinados os diferentes programas de intervenção, inspirados em abordagens teóricas conhecidas, assim como avaliadas as respectivas dificuldades e eficácias dessas abordagens, e também a lógica que lhes sustentam a eficácia das diversas intervenções oferecidas, recomendações e pistas de pesquisas futuras.
O comportamento sexual problemático de crianças e adolescentes é apresentado nos aspectos mais relevantes, mobilizando clínicos e pesquisadores que se questionam sobre as modalidades de avaliação e intervenção para privilegiar essas crianças. Discute-se o conhecimento atual no assunto, fatores associados e tipologia. Também são abordados o perfil psicossocial dessas crianças, assim como linhas diretrizes, em matéria de avaliação e intervenção, finalizando com perspectivas de pesquisas futuras nessa área.
A terapia cognitivo-comportamental sobre o trauma é discutida nos aspectos comuns ao tratamento, intervenção, fundamentos e lógica subjacente no tratamento de vitimas. São descritas orientações sobre o desenrolar dos encontros individuais com pais ou crianças e encontros entre estes; descrevem-se as diferenças de tratamento, em função dos componentes da criança, dos pais e da díade, propondo um percurso terapêutico que requer numerosos encontros e prévios reagrupamentos de seus componentes. Finalmente, são abordados os critérios de exclusão, as condições ótimas e os desafios na aplicação deste tipo de intervenção. São discutidos ainda os aspectos relevantes do tratamento baseado na mentalização, modalidade de intervenção terapêutica que tem como base a teoria descrita por Peter Fonagy11. Fonagy P. An attachment theory approach to treatment of the difficult patient. Bulletin of the Menninger Clinic 1998; 62:147-169.. Este tratamento agrega ainda estratégias clínicas psicodinâmicas elaboradas por Paulina F. Kernberg22. Kernberg PF. The forms of play. In: Dans K. von Klitizing PB, organizador. Psycho analysis in childhood and adolescence. Basel: Karger; 2000. p. 25-41.. As modalidades terapêuticas se baseiam sobre um vasto domínio empírico relativo ao tratamento psicodinâmico e cognitivo comportamental próprio de certas populações, assim como sobre as pesquisas e as teorias relacionadas ao apego (entre pais e filhos), os efeitos do trauma, da dissociação, do temperamento e da psicopatologia sobre o desenvolvimento infantil.
Para finalizar, os autores mostram questões relacionadas à prevenção da agressão sexual de crianças, cujo ponto central é a compreensão deste fenômeno, como uma problemática da saúde pública que, por consequência, requer a implementação de estratégias preventivas em nível individual, relacional, comunitário e social. Com base nesses quatro níveis, cujo fundamento é o modelo ecológico.
O livro aborda a temática da agressão sexual de crianças e adolescentes à luz dos conhecimentos atuais, na perspectiva das principais abordagens diagnósticas e técnicas de intervenção por equipe multiprofissional. Os autores, pesquisadores e clínicos com diferentes formações, como psicologia, medicina, psico-educação, sexologia contribuíram com a obra, levantando os principais aspectos dos fatores susceptíveis de influenciar a sobrevivência de crianças vítimas de agressão sexual. A partir dos conhecimentos obtidos através das pesquisas e da experiência clínica, discutem-se pistas e propostas de avaliação, diag nóstico, intervenção e prevenção direcionada às crianças e jovens vítimas e suas famílias22. Kernberg PF. The forms of play. In: Dans K. von Klitizing PB, organizador. Psycho analysis in childhood and adolescence. Basel: Karger; 2000. p. 25-41.
3. Fonagy P, Steele H, Steele M. Maternal representation of attachment during pregnancy predict the organization of infant-mother attachment at the one year of age. Child Development 1991; 62(5):891-905.
4. Fonagy P, Target M. Playing with reality: I. Theory of mind and the normal development of physic reality. International Journal of Psycho-Analysis 1996; 77:217-233.
5. Fonagy P, Target M. Mentalization and changing aims of child psychoanalysis. Psychoanal Dialogues 1998; 8(1):87-114.
6. Fonagy P, Target M, Steele H, Steele M. Reflective functioning manual of application to Adult Attachment Interview. Londres: University College London; 1998. - 77. Kernberg PF, Buhl-nielsen B, Normandin L. Beyond the reflection: The role of the mirror paradigm in clinical practice. New York: Other Press; 2007..
Referências
- 1Fonagy P. An attachment theory approach to treatment of the difficult patient. Bulletin of the Menninger Clinic 1998; 62:147-169.
- 2Kernberg PF. The forms of play. In: Dans K. von Klitizing PB, organizador. Psycho analysis in childhood and adolescence. Basel: Karger; 2000. p. 25-41.
- 3Fonagy P, Steele H, Steele M. Maternal representation of attachment during pregnancy predict the organization of infant-mother attachment at the one year of age. Child Development 1991; 62(5):891-905.
- 4Fonagy P, Target M. Playing with reality: I. Theory of mind and the normal development of physic reality. International Journal of Psycho-Analysis 1996; 77:217-233.
- 5Fonagy P, Target M. Mentalization and changing aims of child psychoanalysis. Psychoanal Dialogues 1998; 8(1):87-114.
- 6Fonagy P, Target M, Steele H, Steele M. Reflective functioning manual of application to Adult Attachment Interview. Londres: University College London; 1998.
- 7Kernberg PF, Buhl-nielsen B, Normandin L. Beyond the reflection: The role of the mirror paradigm in clinical practice. New York: Other Press; 2007.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Mar 2014