Ativadores de processos de mudança: uma proposta orientada à transformação das práticas educacionais e da formação de profissionais de saúde

Valeria Vernaschi Lima Laura Camargo Macruz Feuerwerker Roberto de Queiroz Padilha Romeu Gomes Virginia Alonso Hortale Sobre os autores

Resumo

O artigo explora uma proposta educacional articulada a uma política do Ministério da Saúde, orientada a mudanças na formação de profissionais de saúde. Uma parceria interinstitucional promoveu a capacitação de especialistas em Ativação de Processos de Mudança. Este estudo objetiva analisar as características de um curso de pós-graduação semipresencial, com vistas ao potencial de transformação de práticas na saúde. Foi feita análise documental e de depoimentos divulgados em relatórios oficiais do curso abordando a construção do perfil de competência, o projeto político-pedagógico a gestão e a avaliação da proposta. A análise de dados e informações tomou como referência os princípios do método de interpretação de sentidos. A prática educacional dos tutores foi transformada à medida que esses formavam profissionais em ativação de mudanças. Foram certificados 698 ativadores, com perda de 12,9% dos participantes. As características da proposta potencializaram o envolvimento dos participantes na construção de novas capacidades, destacando a ampliação da análise e intervenção na realidade. Apostar na potencialidade dos sujeitos e dos coletivos e em espaços para reflexão mostrou ser a principal conquista alcançada na construção de projetos educacionais no contexto do Sistema Único de Saúde.

Política de saúde; Educação baseada em competências; Aprendizagem baseada em problemas


Ativadores de processos de mudança: uma proposta orientada à transformação das práticas educacionais e da formação de profissionais de saúde

No Brasil, um dos desafios para a consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS) tem sido a mudança dos modelos de atenção, o que inclui a transformação nos modos de produzir a gestão e o cuidado. Um dos elementos importantes para esse processo é a mudança da formação dos profissionais de saúde.

Essa transformação está presente na agenda política desde as origens do movimento da reforma sanitária, mas ganhou densidade ao longo do tempo. Primeiro, em função dos movimentos sociais, que interferiram de modo decisivo na produção das diretrizes curriculares nacionais de 200111. Brasil. Ministério da Educação (MEC). Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES 583/2001, aprovada em 04/04/2001. Institui os elementos para as Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação. Diário Oficial da União 2001; 29 out. e na própria produção da agenda governamental em saúde, incluindo nela o tema da educação na saúde22. Feuerwerker L. Além do discurso de mudança na educação médica: processo e resultados. São Paulo: Hucitec; 2002..

A partir dos anos 2000, as primeiras políticas como o Promed, Polos de Capacitação em Saúde da Família e as Residências Multiprofissionais foram seguidas por um impulso à frente, com a criação da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGETS) no Ministério da Saúde (MS). Aí, oficialmente, a gestão do trabalho -mais óbvia, embora tão amarrada quanto - e a gestão da educação na saúde entraram na agenda política. Novas iniciativas, como a política de educação permanente em saúde, AprenderSUS, ProSaúde, PetSaúde e ProResidência têm apoiado as escolas em seus movimentos em direção à reorientação do perfil e prática dos profissionais, buscando ampliação do compromisso com as necessidades de saúde e a consolidação do SUS33. Brasil. Ministério da Saúde (MS), Ministério da Educação (MEC). Projeto de incentivo a mudanças curriculares em cursos de Medicina. Brasília: MS, MEC; 2001. [acessado 2013 jun 7]. Disponível em http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/inc.pdf
http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/p...

4. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Departamento da Gestão da Educação na Saúde. AprenderSUS: o SUS e os cursos de graduação na saúde. Brasília: MS; 2004.

5. Brasil. Ministério da Saúde (MS), Ministério da Educação (MEC). Portaria Interministerial MS/MEC nº 2.101, de 3 de novembro de 2005. Institui o Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde - Pró-Saúde - para os cursos de graduação em Medicina, Enfermagem e Odontologia. Diário Oficial da União 2005; 4 nov.

6. Brasil. Ministério da Saúde (MS), Ministério da Educação (MEC). Portaria Interministerial nº 1, de 23 de outubro de 2007. Cria a Comissão Interministerial da Gestão da Educação na Saúde. Diário Oficial da União 2007; 24 out .
- 77. Brasil. Ministério da Saúde (MS), Ministério da Educação (MEC). Portaria Interministerial nº 421, de 3 de março de 2010. Cria o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde - PET. Diário Oficial da União 2010; 4 mar..

Apresentadas assim em bloco, em função da agenda comum de favorecer a mudança na formação dos profissionais de saúde, essas políticas compõem, entretanto, um conjunto heterogêneo de estratégias. Umas apresentando-se como indutoras, como o ProSaúde55. Brasil. Ministério da Saúde (MS), Ministério da Educação (MEC). Portaria Interministerial MS/MEC nº 2.101, de 3 de novembro de 2005. Institui o Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde - Pró-Saúde - para os cursos de graduação em Medicina, Enfermagem e Odontologia. Diário Oficial da União 2005; 4 nov. e o PetSaúde77. Brasil. Ministério da Saúde (MS), Ministério da Educação (MEC). Portaria Interministerial nº 421, de 3 de março de 2010. Cria o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde - PET. Diário Oficial da União 2010; 4 mar., outras orientadas ao fortalecimento da movimentação e articulação dos diferentes atores envolvidos na formação, como o AprenderSUS44. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Departamento da Gestão da Educação na Saúde. AprenderSUS: o SUS e os cursos de graduação na saúde. Brasília: MS; 2004..

O AprenderSUS, desenvolvido em 2004-2005, incluiu várias iniciativas articuladas, combinando múltiplas estratégias, como: Vivência Estágio na Realidade do SUS, VER-SUS, construída em parceria como o movimento estudantil, o apoio à constituição e ação do Fórum Nacional de Educação das Profissões da Saúde (FNEPAS), o apoio à efetivação de estratégias de mudança e a formação de ativadores de processo de mudança, entre outras44. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Departamento da Gestão da Educação na Saúde. AprenderSUS: o SUS e os cursos de graduação na saúde. Brasília: MS; 2004..

Apesar de muita mobilização e trabalho, as escolas encontram dificuldades ao enfrentar as disputas na construção das mudanças. Até o momento, as políticas nesse campo apresentam resultados limitados, como se pode perceber no contexto atual com todos os conflitos e questões que levaram à proposição do programa "Mais Médicos"88. Brasil. Medida provisória 621, de 8 de julho de 2013. Institui o Programa Mais Médicos e dá outras providências. Diário Oficial da União 2013; 10 jul.. O interesse em trazer à tona a experiência de formação de ativadores de processos de mudanças está relacionado a, ao menos, dois aspectos: foi um raro momento de reconhecimento da importância de políticas/estratégias para apoiar a produção de atores implicados com a transformação e, porque, o processo e os produtos alcançados tem servido de base para outras iniciativas de formação, com agendas inovadoras no âmbito do SUS.

O Curso de Especialização em Ativação de Processos de Mudança na Formação Superior de Profissionais de Saúde foi promovido pela SGTES em parceria com a Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP) e a Rede Unida. Foi um curso de pós-graduação lato sensu, modalidade semipresencial, ofertado pelo Programa de Educação a Distância da ENSP e realizado de maio de 2005 a julho de 200699. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Caderno do especializando. Brasília, Rio de Janeiro: Ministério da Saúde (MS), Fiocruz; 2005..

A primeira inovação foi o próprio processo de construção da proposta, reunindo profissionais que haviam vivenciado a produção de experiências de mudança. Depois, a combinação de metodologias ativas de ensino aprendizagem, educação à distância, avaliação formativa e critério-referenciada e a elaboração de projetos de intervenção voltados à transformação de práticas. A relevância encontra-se na construção de uma estratégia que contribui para fortalecer a capacidade local de propor, ativar e produzir mudanças na formação, não deixando as escolas sozinhas nessa empreitada.

Desafios para a transformação das práticas educacionais e de saúde

Nos currículos convencionais da graduação em saúde, a fragmentação em ciclos básico e clínico, associada à organização departamental e disciplinar promove uma seleção de conteúdos que requerem muita abstração, com baixa contextualização da aprendizagem.

Segundo Whitehead1010. Whitehead A. O conceito de natureza. Rio de Janeiro: Martins Fontes; 1994., os conhecimentos descontextualizados são saberes inertes e facilmente esquecidos. Por outro lado, o conhecimento contextualizado, explorado por meio de uma situação real ou simulada, potencializa o estudo interdisciplinar e promove uma melhor explicação dos fenômenos envolvidos na situação. Desse modo, a aprendizagem baseada em situações profissionais favorece a construção de significados para uma aprendizagem mais duradoura1111. Simon HA. On the development of the process. In: Farmhan-Diggory S, editor. Information processing in children. Nova York: Academic Press; 1972. , 1212. Brown AL, DeLoache JS. Skills, plans, and self-regulation. In: Siegler R, editor. Childrens thinking: what develops? Hillsdale: Erlbaum; 1978.. Em relação às práticas de educação, a utilização de metodologias de ensino que privilegiam a transmissão e a memorização de conhecimentos também limita a aprendizagem1313. Bransford JD, Brown AL, Cocking RR, organizadores. Como as pessoas aprendem: cérebro, mente, experiência e escola. São Paulo: Editora Senac; 2007..

Na área da saúde, associado à fragmentação e descontextualização do conhecimento, o enfoque biomédico na abordagem das situações de saúde-doença reduz, à dimensão biológica, as possibilidades de explicação dos fenômenos envolvidos no problema. A ampliação dessa perspectiva, por meio da inclusão das dimensões subjetiva e social, inerentes ao processo de produção de saúde, permite a identificação de necessidades que expressam a interação genética com o modo de viver a vida, valores, cultura e inserção socioeconômica1414. Cecílio LCO. As necessidades de saúde como conceito estruturante na luta pela integralidade e equidade na atenção à saúde. In: Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. Rio de Janeiro: UERJ, Abrasco; 2001. p. 113-117.. Além dessa ampliação e do total imbricamento saúde-doença, o reconhecimento dos usuários como construtores ativos de sua saúde, portadores de desejos e saberes, além de necessidades, traz para a cena o desafio da construção compartilhada dos projetos terapêuticos e das intensas negociações aí envolvidas1515. Ayres JRCM. Hermenêutica e humanização das práticas de saúde. Cien Saude Colet 2005; 10(3)549-560. , 1616. Merhy EE, Feuerwerker L, Gomes MPC. Da repetição à diferença: construindo sentidos com o outro no mundo do cuidado. In: Franco TB, organizador. Semiótica, afecção & cuidado em saúde. São Paulo: Hucitec; 2010. p. 60-75..

Dessa forma, a concentração das experiências de cuidado no ciclo clínico e em centros hospitalares, mostra-se insuficiente, uma vez que cada cenário tem especificidades para a prática e para a aprendizagem, não transferíveis entre si. Essas especificidades requerem que a prática dos estudantes ocorra nos distintos cenários, visando o desenvolvimento de capacidades cognitivas, psicomotoras e atitudinais que, combinadas, caracterizam uma atuação competente frente a uma situação profissional11. Brasil. Ministério da Educação (MEC). Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES 583/2001, aprovada em 04/04/2001. Institui os elementos para as Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação. Diário Oficial da União 2001; 29 out. , 1717. Hager P, Gonczi A. What is competence? Medical Teacher 1996 18(1):3-15. , 1818. Lima VV. Competência: distintas abordagens e implicações na formação de profissionais de saúde. Interface (Botucatu) 2005; 9(17):369-379..

Em relação às práticas de cuidado, o desafio se concentra na mudança do modelo de atenção e no desenvolvimento de novas capacidades para trabalhar em sistemas integrados e orientados às necessidades de saúde. O trabalho multiprofissional e intersetorial ganha relevância no enfrentamento do atual perfil demográfico e epidemiológico da população brasileira, caracterizado pelo declínio da taxa de fecundidade e aumentos da expectativa de vida, de fatores de risco e da ocorrência de doenças crônicas. Além das doenças de longa duração, as condições crônicas implicam o cuidado à saúde segundo ciclos de vida; maternidade e período perinatal; e pessoas com deficiências físicas permanentes, entre outras1919. Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS); 2011.

20. Campos GWS, Guerrero AVP, organizadores. Manual de práticas de atenção básica: saúde ampliada e compartilhada. São Paulo: Aderaldo & Rochischild; 2008.

21. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Departamento de Apoio à Descentralização. Regulamento: pactos pela vida e de gestão. Brasília: MS; 2006. (Série Pactos pela Saúde, v.2). [acessado 2014 nov 3]. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/webpacto/regulacao.pdf
http://conselho.saude.gov.br/webpacto/re...

22. Feuerwerker L. Modelos tecnoassistenciais, gestão e organização do trabalho em saúde: nada é indiferente no processo de luta para a consolidação do SUS. Interface (Botucatu) 2005; 9(18):489-506.
- 2323. Merhy EE. Em busca da qualidade dos serviços de saúde: os serviços de porta aberta para a saúde e o modelo tecnoassistencial em defesa da vida. In: Cecílio LCO, organizador. Inventando a mudança na saúde. São Paulo: Hucitec; 1994. p. 117-160..

Por convivermos com uma tripla carga de doen ças, derivada da sobreposição de (i) infecções, desnutrição e problemas de saúde reprodutiva; (ii) doenças crônicas e (iii) causas externas, a organização dos sistemas de saúde precisa inovar na organização do cuidado, considerando as especificidades dessas condições2424. Mendes EV. O cuidado das condições crônicas na atenção primária à saúde: o imperativo da consolidação da estratégia da saúde da família. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS); 2012.

25. Christensen CM. Inovação na gestão da saúde: a receita para reduzir custos e aumentar qualidade. Porto Alegre: Bookman; 2009.

26. Porter ME, Teisberg EO. Repensando a saúde: estratégias para melhorar a qualidade e reduzir os custos. Porto Alegre: Bookman; 2007.

27. Frenk J. Bridging the divide: comprehensive reform to improve health in Mexico. Nairobi: Comission on Social Determinants of Health; 2006.

28. World Health Organization (WHO). Towards a conceptual framework for analysis and action on the social determinants of health. Geneva: WHO; 2005. Discussion Paper, Draft nº 5.
- 2929. Banco Mundial (BM). Enfrentando o desafio das doenças crônicas não transmissíveis no Brasil. Brasília: Unidade de Gerenciamento do Brasil do BM; 2005..

Perante esses desafios, a proposta do Curso de Especialização priorizou o desenvolvimento de capacidades dos participantes para promoverem uma leitura ampliada da realidade e para construírem projetos contextualizados de intervenção, voltados à ativação de mudanças nas práticas educacionais e na formação de profissionais de saúde.

Percurso metodológico

Os autores deste artigo participaram da concepção e da avaliação da proposta em foco. Os documentos99. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Caderno do especializando. Brasília, Rio de Janeiro: Ministério da Saúde (MS), Fiocruz; 2005. , 3030. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Situações-problema: especializando. Brasília, Rio de Janeiro: Mistério da Saúde (MS), Fiocruz; 2005. e os relatórios3131. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Relatório Final do Curso de Especialização em Ativação de Processos de Mudança. Brasília, Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, Fiocruz; 2007. do curso foram utilizados como fontes secundárias de dados. O percurso de análise abordou a construção do perfil de competência, do projeto político-pedagógico (PPP) e da gestão e avaliação da proposta. Em termos metodológicos, a análise de informações divulgadas no relatório final do curso tomou como referência os princípios do método de interpretação de sentidos. Tais princípios foram ancorados numa perspectiva hermenêutico-dialética e se voltam para a interpretação do contexto, das razões e das lógicas das falas, das ações, correlancionando-as ao conjunto de inter-relações, conjunturas, dentre outros corpos analíticos3131. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Relatório Final do Curso de Especialização em Ativação de Processos de Mudança. Brasília, Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, Fiocruz; 2007. , 3232. Gomes R, Souza ER, Minayo MCS, Silva CFR. Organização, processamento, análise e interpretação de dados: o desafio da triangulação. In: Minayo MCS, Assis SG, Souza ER, organizadoras. Avaliação por triangulação de métodos: abordagem de programas sociais. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2005. p. 185-221..

Construção do perfil de competência

Profissionais de saúde, com atuação em processos de mudança, participaram de uma oficina de investigação de suas práticas nesse campo. Esses profissionais tinham experiência política, administrativa, pedagógica e conceitual em processos de mudanças, particularmente na criação de alternativas democráticas para a gestão, cuidado e educação na saúde. O produto da oficina gerou um perfil de competência com três áreas: político-gerencial, de cuidado à saúde e de educação na saúde, que, articuladas, delimitaram o campo de atuação dos ativadores de mudança99. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Caderno do especializando. Brasília, Rio de Janeiro: Ministério da Saúde (MS), Fiocruz; 2005..

Autoria da proposta

As instituições parceiras indicaram 29 profissionais para a autoria do PPP do curso, divulgado no Caderno do Especializando99. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Caderno do especializando. Brasília, Rio de Janeiro: Ministério da Saúde (MS), Fiocruz; 2005., e de um conjunto de situações-problemas3030. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Situações-problema: especializando. Brasília, Rio de Janeiro: Mistério da Saúde (MS), Fiocruz; 2005.. Os autores construíram termos de referência para o desenvolvimento da proposta e indicaram um acervo de livros, adquiridos para consulta dos especializandos.

Gestão da proposta

A proposta educacional foi organizada em três "ondas" de capacitação. A primeira formou dez orientadores de aprendizagem, que responderam pela capacitação de tutores-especializandos. Como parte de sua formação, os tutores atuaram na capacitação de especializandos em quatro núcleos: Nordeste, Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo. A gestão acadêmica foi descentralizada nesses núcleos e articulada por uma coordenação nacional, com acompanhamento da ENSP e da Rede Unida3131. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Relatório Final do Curso de Especialização em Ativação de Processos de Mudança. Brasília, Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, Fiocruz; 2007..

Avaliação

O perfil de competência foi o critério utilizado para a avaliação do desempenho do especializando. A avaliação das atividades do curso e desempenho dos docentes foi realizada por meio de instrumentos e indicadores, aplicados nos encontros presenciais. Os indicadores responderam a uma ótica qualitativa3333. Assis DG, Deslandes SF, Minayo MCS, Santos NC. Definição de objetivos e construção de indicadores visando à triangulação. In: Minayo MCS, Assis SG, Souza ER, organizadoras. Avaliação por triangulação de métodos: abordagem de programas sociais. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2005. p. 105-32., tomando como referência os depoimentos dos participantes.

A proposta educacional

Duas premissas orientaram a construção da proposta: uma relativa à natureza dinâmica e intersetorial das mudanças e outra aos fatores condicionantes, como o contexto institucional, os valores e os projetos das organizações. A partir dessas premissas, o desenvolvimento de capacidades dos ativadores foi orientado à construção de trajetórias singulares, ao invés da indução de um único caminho ou ponto de chegada. O curso foi organizado a partir da perspectiva dos autores, traduzida em situações-problema; e dos especializandos, traduzida por narrativas da prática3434. Freire P. Educação como prática de liberdade. 22ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1996.. O eixo em torno das situações-problema3535. Barrows HS, Tamblyn RM. Problem-based learning. New York: Springer Press; 1980. , 3636. Venturelli J. Educación médica: nuevos enfoques, metas y métodos. Washington: OPS, OMS; 1997. (Serie PALTEX Salud y Sociedad 2000, 5). foi mais estruturado, sendo que todos os especializandos tiveram acesso aos mesmos disparadores3030. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Situações-problema: especializando. Brasília, Rio de Janeiro: Mistério da Saúde (MS), Fiocruz; 2005.. A maioria das atividades foi desenvolvida em pequenos grupos, com um tutor e até 10 especializandos. As situações-problema e as narrativas foram exploradas por meio da espiral construtivista de aprendizagem3737. Lima VV. Leraning issues raised by students during PBL tutorials compared to curriculum objectives [dissertação]. Chicago: University of Illinois; 2002., referendada nas teorias educacionais interacionistas e na combinação de elementos do método científico, da aprendizagem baseada em problemas e da problematização (Figura 1).

Figura 1.
Esquema da espiral construtivista de aprendizagem(9).

Ao identificar um problema, os participantes compartilham suas explicações, reconhecem seus saberes prévios e identificam suas necessidades de aprendizagem. A partir de questões de aprendizagem, novas informações são individualmente buscadas na literatura científica e socializadas no grupo, visando à construção de novos significados. A avaliação desse processo promove a metacognição, como uma estratégica para a melhoria do processo de aprender1313. Bransford JD, Brown AL, Cocking RR, organizadores. Como as pessoas aprendem: cérebro, mente, experiência e escola. São Paulo: Editora Senac; 2007. e do trabalho em grupo.

No curso, as aprendizagens e as realizações construídas fizeram parte do portfólio do especializando, considerado um instrumento individual e interativo de aprendizagem e de avaliação.

O portfólio visou a reflexão sobre os saberes construídos a partir das atividades educacionais e das realizações do participante, sendo a base para o projeto de ativação de mudanças, que correspondeu ao Trabalho de Conclusão de Curso (TCC)99. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Caderno do especializando. Brasília, Rio de Janeiro: Ministério da Saúde (MS), Fiocruz; 2005..

Os encontros presenciais foram realizados em quatro dias consecutivos, com períodos de concentração e dispersão. A dispersão foi destinada à aprendizagem autodirigida (AAD) e aos encontros para análise do portfólio. Nesses períodos, computadores com acesso a base de dados remota e um acervo de livros ficaram disponíveis aos participantes99. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Caderno do especializando. Brasília, Rio de Janeiro: Ministério da Saúde (MS), Fiocruz; 2005. (Quadro 1).

Quadro 1.
Semana presencial típica, Curso Ativadores, ENSP, 2005-2006. Legenda: AAD - aprendizagem auto-dirigida; Fonte: Fiocruz99. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Caderno do especializando. Brasília, Rio de Janeiro: Ministério da Saúde (MS), Fiocruz; 2005..

O processo e os produtos alcançados foram avaliados por um grupo de doze profissionais de diferentes instituições. Para a educação à distância (EAD), alguns dispositivos do ambiente virtual de aprendizagem (AVA) da ENSP foram ajustados às características do curso e os desempenhos analisados. Os resultados foram sistematizados em relatórios parciais e num relatório final de prestação de contas3131. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Relatório Final do Curso de Especialização em Ativação de Processos de Mudança. Brasília, Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, Fiocruz; 2007..

O perfil dos tutores-especilizandos

Dos 286 inscritos, 100 candidatos foram selecionados a partir da análise de um memorial e do currículo profissional. Dos 99 tutores matriculados, 86% eram do sexo feminino e 89% tinham mestrado ou doutorado. Em relação à graduação: 48% enfermeiros, 26% médicos, 9% psicólogos, 5% fisioterapeutas, 4% dentistas e 8% de outras profissões. Quanto à instituição, 79% eram vinculados à Instituição de Ensino Superior (IES) públicas, 17% a privadas e 4% com outras vinculações. Dez estudantes, sendo nove de medicina e um de odontologia, foram matriculados como cotutores. Dos 109 tutores e cotutores, 51% eram da região sudeste, 25% da sul, 17% da nordeste e 7% da centro-oeste e norte3232. Gomes R, Souza ER, Minayo MCS, Silva CFR. Organização, processamento, análise e interpretação de dados: o desafio da triangulação. In: Minayo MCS, Assis SG, Souza ER, organizadoras. Avaliação por triangulação de métodos: abordagem de programas sociais. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2005. p. 185-221..

O perfil dos especializandos

Dos 1996 inscritos, 834 candidatos foram selecionados, sendo 58% de IES públicas. Candidatos vinculados às IES privadas ou com outras vinculações representaram 42%. Dos 718 matriculados, a maioria era do sexo feminino e da região sudeste (Tabela 1). Mesmo com predomínio enfermeiros, houve ampliação das profissões da saúde (Gráfico 1)3131. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Relatório Final do Curso de Especialização em Ativação de Processos de Mudança. Brasília, Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, Fiocruz; 2007..

Tabela 1.
Perfil dos especializandos matriculados, Curso Ativadores, ENSP, 2005-2006.

Gráfico 1.
Número de especializandos segundo graduação, Curso Ativadores, ENSP, 2005-2006.

Processos e produtos: movimentos de mudança

Os orientadores de aprendizagem participaram de grupos de educação permanente (EP), destinados à cogestão e à reflexão de suas práticas. Paralelamente, os orientadores foram facilitadores de EP dos tutores, formando movimentos de aperfeiçoamento3131. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Relatório Final do Curso de Especialização em Ativação de Processos de Mudança. Brasília, Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, Fiocruz; 2007.. Como produtos e indicadores do curso foram consideradas (i) as taxas de perdas e de certificação; (ii) a incorporação da EAD; (iii) a satisfação de expectativas de tutores e especializandos; (iv) a ampliação das concepções de mudança por parte dos tutores; (v) a formulação de propostas de ativação de processos de mudança e (vi) a institucionalização do curso na ENSP3131. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Relatório Final do Curso de Especialização em Ativação de Processos de Mudança. Brasília, Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, Fiocruz; 2007..

Do total de 827 ativadores matriculados, houve uma perda de 12,9%, sendo 7 tutores e 100 especializandos. Comparado a resultados de outros cursos a distância com taxas de evasão de 25% a 31%3131. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Relatório Final do Curso de Especialização em Ativação de Processos de Mudança. Brasília, Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, Fiocruz; 2007. , 3838. Araújo JP. O que os aprendizes esperam dos professores na educação a distância. [acessado 2013 jun 7]. Disponível em: http://www.lingnet.pro.br/papers/expect.htm
http://www.lingnet.pro.br/papers/expect....
, a perda no Curso de Ativadores de Mudanças pode ser considerada baixa.

O grau de satisfação dos participantes foi medido por meio de um questionário, aplicado ao final dos encontros presenciais. Para os tutores, os encontros atingiram, sequencialmente, 79%, 73% e 75% das expectativas. Para os especializandos, o grau de alcance foi ainda maior e variou de 93,5% a 100%, sendo o mais alto no último encontro3131. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Relatório Final do Curso de Especialização em Ativação de Processos de Mudança. Brasília, Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, Fiocruz; 2007..

O desafio da EAD foi enfrentado em processo, visando ao apoio aos usuários e ajustes na plataforma. Os dispositivos de conversação assíncrona, como fóruns, ou síncrona, como chats, foram explorados. As participações no AVA foram analisadas, focalizando a quantidade, a regularidade e a natureza das contribuições, de modo dialogado com o perfil esperado. Um questionário fechado foi aplicado para tutores no início e no final da capacitação. No início, 39,7% tinham relativas ou muitas restrições à EAD. Ao final, esse percentual caiu para 12,4%, sendo que 74% assinalaram ter elevada possibilidade de participar de outros cursos em EAD3131. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Relatório Final do Curso de Especialização em Ativação de Processos de Mudança. Brasília, Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, Fiocruz; 2007..

Foram certificados 698 ativadores, sendo 101 tutores e 597 especializandos. O acervo de livros adquiridos para consulta dos especializandos foi organizado em 350 coleções, doadas às instituições dos participantes3131. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Relatório Final do Curso de Especialização em Ativação de Processos de Mudança. Brasília, Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, Fiocruz; 2007..

Envolvimento dos atores como indicador de êxito do curso

No conjunto dos relatos de tutores e especializandos, observou-se - de uma forma recorrente - que esses atores mostraram envolvimento no curso, o que pode ser considerado um indicador qualitativo da positividade do Curso3131. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Relatório Final do Curso de Especialização em Ativação de Processos de Mudança. Brasília, Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, Fiocruz; 2007.. Vários depoimentos, destacados nos relatórios, apontaram possibilidades de mudança e o estabelecimento de relações com outras pessoas compromissadas com essa possibilidade, ampliando a viabilidade de ativar mudanças na formação do profissional de saúde3131. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Relatório Final do Curso de Especialização em Ativação de Processos de Mudança. Brasília, Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, Fiocruz; 2007.. O envolvimento é de fundamental importância, uma vez que "nas pessoas, as mudanças acontecem quando tocam, interiormente, sua subjetividade, mobilizando habilidades, relacionamentos, posturas e valores"3939. Minayo MCS, Assis SG, Souza ER, organizadores. Avaliação por triangulação de métodos: abordagem de programas sociais. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2005. p. 185-221..

Esse fato reforça a premissa de que é possível promover mudanças por meio de intervenções que privilegiem as ações sociais dos indivíduos que, em si, podem desencadear a construção e reconstrução das instituições3939. Minayo MCS, Assis SG, Souza ER, organizadores. Avaliação por triangulação de métodos: abordagem de programas sociais. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2005. p. 185-221..

O envolvimento dos atores nas atividades do curso fornece indícios de que houve uma aprendizagem significativa, uma vez que se aprende na medida em que se envolve globalmente na situação da aprendizagem.

Algumas explicações para o envolvimento dos atores se destacaram. A primeira delas se remete ao fato de que a proposta do curso, em parte, foi ao encontro das expectativas dos atores, principalmente no que se refere aos tutores-especializandos. Esses, tanto em seu memorial quanto em sua concepção de mudança, no início do curso, já revelavam a disposição de investir no desenvolvimento de metodologias ativas e mudanças curriculares. Iniciado o curso, esses sujeitos não só se depararam com uma concepção educacional na qual pudessem ancorar suas expectativas, como também perceberam que a prática no curso refletia tal concepção.

Em relação aos especializandos, logo nas primeiras oficinas, também foi observado no relato de vários grupos que havia uma identificação com a proposta de mudança. Muitas expectativas positivas foram atribuídas à possibilidade de vivenciar um processo de transformação, tanto pessoal quanto profissional3131. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Relatório Final do Curso de Especialização em Ativação de Processos de Mudança. Brasília, Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, Fiocruz; 2007..

Em síntese, pode-se em parte creditar às expectativas dos atores, principalmente no que se refere aos tutores-especializandos, a motivação para que houvesse uma interação envolvente, aqui entendida como aquela que "envolve, que atrai, que enlaça, que encanta, que cerca, que enreda"4040. Okada ALP. A mediação pedagógica e a construção de ecologias cognitivas: um novo caminho para a educação à distância. In: Nova C, Alves L, organizadores. Educação à distância. São Paulo: Futura; 2003. p. 63-73..

Outra possível explicação para esse envolvimento se refere à qualidade das atividades com metodologias ativas de ensino-aprendizagem. Nos núcleos regionais, em todos os grupos, em geral, esses encontros foram recorrentemente avaliados pelos especializandos como bastante positivos3131. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Relatório Final do Curso de Especialização em Ativação de Processos de Mudança. Brasília, Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, Fiocruz; 2007.. Em geral, os sentidos positivos atribuídos às metodologias ativas se afinam com concepções defendidas por movimentos educacionais que buscam transformar a prática pedagógica. Nessa perspectiva, são valorizadas as atividades voltadas à facilitação dos processos de compreensão, à reflexão e à ampliação das fontes de informação4141. Maggio M. O tutor na Educação a Distância. In: Litwin E, organizador. Educação a Distância. Temas para o debate de uma nova agenda educativa. Porto Alegre: Artmed; 2001. p. 93-110.. Em relação às metodologias ativas, cabe ainda uma observação que faz com que o Curso em questão se diferencie. Ele não só se inseriu numa concepção educacional inovadora, como também promoveu a mudança pelo exercício da própria mudança. As atividades educacionais foram desenhadas a partir de um processo em que os tutores também eram especializandos. Assim, tutores foram selecionados não apenas para desempenharem atividades docentes, mas para também vivenciarem um processo em que eles próprios aprendessem a protagonizar mudanças, incluindo a vivência de ser aprendiz. Para tanto, tiveram que "antes fazer aprender do que ensinar"4242. Perrenoud P. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artmed Sul; 1999..

Assim, tanto na formação dos tutores-especializandos quanto na formação dos especializandos, observou-se o exercício de uma ruptura com formas tradicionais centradas na fala professoral que condena os estudantes à passividade. A vivência de "relações mais simétricas e horizontalizadas entre professor-educando pode significar a possibilidade de igual mudança nas relações de poder tanto junto à equipe quanto junto aos usuários do sistema de saúde"99. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Caderno do especializando. Brasília, Rio de Janeiro: Ministério da Saúde (MS), Fiocruz; 2005..

Por último, observou-se que o envolvimento dos atores no processo do curso pode ser explicado a partir das relações interpessoais. Envolver-se e relacionar-se estiveram tão imbricados que não se pode dizer qual é a causa e qual é a consequência. Em outras palavras, não se pode estabelecer uma linearidade entre essas ações. Elas ocorreram a partir de uma sinergia, em que se potencializam mutuamente.

As relações interpessoais entre tutor-especializando e especializando e entre os próprios especializandos foram recorrentemente avaliadas de uma forma bastante positiva. A positividade dessas relações é tão significativa que a ela esses atores creditam o sucesso da metodologia do Curso3131. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Relatório Final do Curso de Especialização em Ativação de Processos de Mudança. Brasília, Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, Fiocruz; 2007.. No âmbito das interações, a dimensão afetiva foi significativamente valorizada pelos seus protagonistas. Os afetos foram investidos nessas relações e, com isso, as ideias fluíram mais nas discussões e os discursos conseguiram melhor se sustentar a partir da ancoragem nos vínculos afetivos. Caminhando nessa direção, a insegurança e o medo frente à mudança, se não foram extintos, puderam ser minimizados pelos afetos estabelecidos entre os envolvidos na ativação da mudança3131. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Relatório Final do Curso de Especialização em Ativação de Processos de Mudança. Brasília, Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, Fiocruz; 2007..

Como elementos facilitadores da construção de vínculos destacam-se o trabalho em pequenos grupos, o respeito à diversidade, saber ouvir e incluir a opinião do outro. Dessa forma, o afeto ao invés de impedir, facilitou a crítica, tanto no que diz respeito à sua emissão, como ao seu recebimento. Como observou um tutor: "ativar mudanças exige nível de envolvimento com repensar da prática numa perspectiva crítica e propositiva"3131. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Relatório Final do Curso de Especialização em Ativação de Processos de Mudança. Brasília, Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, Fiocruz; 2007..

Esse tipo de envolvimento é aqui entendido a partir da capacidade de transcender-se a si mesmo, interessar-se pelo outro e tornar-se mais sensível à situação que se vivencia, sem que isso desabilite alguém para agir4343. Filizola CLA, Ferreira NMLA. O envolvimento emocional para a equipe de enfermagem: realidade ou mito? Rev Latinoam Enfermagem 1997; 5(Nº esp.):9-17..

As relações interpessoais estabelecidas ao longo do Curso geraram em alguns especializandos um sentimento de equipe, mesmo tendo passado por conflitos. Esse sentimento manteve-se nos momentos presenciais e à distância, a partir de pactos que foram construídos e alimentados no processo.

Os afetos serviram de âncora para as interações exitosas de grande parte dos momentos presenciais do curso. Com base neles, alguns momentos se aproximaram da ideia de ecologias cognitivas, entendidas como "coletividades que se auto-organizam, se mantêm e se transformam mediante o envolvimento permanente dos indivíduos que as compõem"4040. Okada ALP. A mediação pedagógica e a construção de ecologias cognitivas: um novo caminho para a educação à distância. In: Nova C, Alves L, organizadores. Educação à distância. São Paulo: Futura; 2003. p. 63-73..

Os momentos presenciais não foram apenas palco de êxitos. Neles, também ocorreram dificuldades que não só a eles se relacionavam como refletiam questões relativas à dinâmica e organização da proposta em geral. Tais dificuldades se relacionaram principalmente à(ao): (i) vivência da EAD/utilização do AVA; (ii) infraestrutura de realização das oficinas presenciais; (iii) gestão do tempo nas oficinas e nas atividades à distância; (iv) comunicação entre coordenação-orientadores-tutores-especializandos; (v) apoio institucional-financeiro3131. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Relatório Final do Curso de Especialização em Ativação de Processos de Mudança. Brasília, Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, Fiocruz; 2007..

Obviamente, estes itens possuem uma relação profundamente sinérgica na dinâmica do Curso. Dentre esses aspectos, destacam-se dificuldades de se trabalhar no AVA que podem refletir questões mais gerais da EAD. Como bem observam Costa e Franco4444. Costa LAC, Franco SRK. Ambientes virtuais de aprendizagem e suas possibilidades construtivistas. In: Anais do Congresso Global de Educação em Engenharia e Tecnologia; 2005 Mar. 3(1). São Paulo: Tecnologias na Educação; 2005., as "peculiaridades da EAD bem como a magnitude das possibilidades da Internet remetem à constituição de um novo paradigma pedagógico, ainda não delineado por completo.

Por mais corrente que estejam a aplicação em AVA, bem como a difusão de ferramentas computacionais, ainda é necessário falar-se em novidade, quando se pensa na interatividade, na ótica construtivista, a partir da utilização de ambientes informatizados". Essas considerações podem servir de reflexão para que não nos fixemos apenas a questões operacionais do AVA e avancemos para as bases epistemológicas que lhe dão suporte.

Ainda que acompanhada de elogios, a infraestrutura disponível nos encontros também foi alvo de críticas sazonais por parte dos especializandos, especialmente voltadas à solicitação de melhorias para o desenvolvimento das atividades3131. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Relatório Final do Curso de Especialização em Ativação de Processos de Mudança. Brasília, Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, Fiocruz; 2007..

A gestão do tempo nas atividades das oficinas presenciais e nos momentos a distância merece ser analisada, em função de seu papel estratégico no curso. A diversidade das experiências dos integrantes de cada grupo, capaz de agregar muita riqueza ao debate e socialização de conhecimentos, também demandava, na ótica dos especializandos, um tempo maior para o amadurecimento de sínteses, construídas nos momentos presenciais.

A gestão do tempo das atividades à distância também foi mencionada, não especialmente como um problema em si, mas aos desafios que ela institui no cotidiano dos participantes, como a justaposição de muitas jornadas, com diminuição do tempo de descanso dos profissionais, além da novidade e das dificuldades de administrar de forma autônoma sua aprendizagem3131. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Relatório Final do Curso de Especialização em Ativação de Processos de Mudança. Brasília, Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, Fiocruz; 2007..

As dificuldades relativas à comunicação entre os sujeitos deram-se em dois momentos-chave, o de início do Curso e na sua fase de encerramento. Os relatos da primeira oficina indicam que os especializandos chegaram sem informações sobre como seria a agenda de atividades e o Curso em si, dúvidas especialmente relacionadas à abordagem educacional e à avaliação3131. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Relatório Final do Curso de Especialização em Ativação de Processos de Mudança. Brasília, Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, Fiocruz; 2007..

O apoio institucional-financeiro também foi pontuado como um problema por alguns especializandos que indicaram as dificuldades em arcar com as despesas de hospedagem durante as oficinas. Outros ainda mencionaram que algumas das instituições de origem não os liberavam para a participação no curso, o que redundava na justaposição dos afazeres institucionais e das atividades do Curso3131. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Relatório Final do Curso de Especialização em Ativação de Processos de Mudança. Brasília, Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, Fiocruz; 2007..

Lições aprendidas e próximos passos

O envolvimento dos especializandos nos momentos presenciais do curso se constituiu num potente indicador de êxito da proposta. Seja na exposição de suas experiências, na elaboração de questões de aprendizagem, ou ainda na criação de vínculos para uma reflexão conjunta, os participantes se implicaram num empreendimento de transformar os seus contextos a partir da própria transformação. Para esse grau de comprometimento, a vivência em espaços democráticos mostrou-se essencial para aflorar a diversidade.

A promoção desses espaços pôde resultar tanto na maior participação dos sujeitos quanto no crescimento das relações interpessoais. Nesse sentido, pode-se considerar que a viabilidade da mudança se ampliou quando as próprias pessoas não só mudaram como também conseguiram estabelecer relações com outras compromissadas com esse processo.

O envolvimento dos participantes, a partir da promoção de atitudes inclusivas, pode ser uma esfera a ser focalizada em outros cursos que visem mudanças nas práticas educacionais. A vivência de metodologias ativas também pode ser destacada no processo de envolvimento dos atores. Se o propósito é a promoção de mudanças nas práticas educacionais, nada mais coerente do que confrontar a lógica interna dos atores com a vivência de metodologias inovadoras. Assim, vivenciar o processo de aprendizagem - numa perspectiva construtivista - e crescer num processo de envolvimento de parcerias entre diferentes instâncias podem assegurar uma maior viabilidade da mudança.

Paralelamente, a avaliação da proposta assumiu a responsabilidade de agregar e de se comprometer internamente com este processo. As avaliações dos especializandos e do curso fizeram parte do projeto pedagógico, para além das ferramentas técnicas de gestão e prestação de contas. Considerando as normas acadêmicas da pós-graduação da ENSP, que utiliza uma escala de notas para a avaliação, orientar esse processo segundo critérios do perfil de competência foi uma aplicação em ato da ativação de mudanças, neste caso com desfecho positivo e coerente com a proposta educacional do curso e com parceria interinstitucional.

O próprio caminho percorrido trouxe muitas aprendizagens para os participantes. A começar pelos grupos de autoria, de coordenação e de avaliação que precisaram lidar com uma diversidade de experiências, interesses, linguagem e cultura organizacional, para apoiarem a construção de um propósito coletivo e articulado às expectativas dos demandantes da proposta. Ampliada a inclusão de outras perspectivas com a entrada de duas ondas de especializandos, em algum momento dessa trajetória, todos foram tensionados a ampliar sua escuta e a considerar outros pontos de vista. Mesmo compromissados com uma construção coletiva, a necessidade de mais espaços de compartilhamento e pactuação foi sentida, especialmente frente à necessidade de redução do orçamento da proposta.

Entre as lições aprendidas, ter lidado com restrições inicialmente não consideradas e com os demais problemas que emergiram na implementação da proposta propiciou o exercício e o alargamento das capacidades de leitura da realidade e de ativação de mudanças. Problemas são bem vindos quando entendemos que estimulam novas perguntas, promovem incômodos que provocam a busca de alternativas para a superação, num movimento permanente de troca de problemas4545. Matus C. Política, Planejamento e Governo. Brasília: Ipea; 1993..

Um maior alinhamento da participação em ambientes virtuais de aprendizagem a um movimento reflexivo, isto é, que aprende ao longo da trajetória e que incorpora este conhecimento de forma crítica, ainda permanece um desafio a ser alcançado.

Assim, a mensagem que fica diz respeito aos sujeitos e à estratégia. Apostar na potencialidade dos sujeitos e dos coletivos e na oferta de espaços protegidos para reflexão mostrou ser a principal conquista alcançada. Mais do que os conteúdos, as técnicas ou as metodologias usadas no desenvolvimento do curso, a abertura de espaços reflexivos permitiu uma explosão de encontros, descobertas, sentidos e da construção de identidade e de projetos coletivos, no sentido da transformação das práticas educacionais e de cuidado em saúde.

Na dimensão nacional, a natureza e as repercussões dessa experiência estabeleceram um marco referencial para outros projetos educacionais desenvolvidos em parceria com o SUS. Na dimensão individual, para aqueles participantes que continuam se identificando como ativadores de mudança, o impacto do curso pode ser metaforicamente representado por uma alteração de código genético, que definiu uma nova prática e um novo perfil, construído a partir da transformação de si mesmo4646. Maturana RH. Emoções e Linguagem na educação e na política. Belo Horizonte: ed UFMG; 1998. , 4747. Ceccim RB. Educação Permanente em Saúde: descentralização e disseminação de capacidade pedagógica na saúde. Cien Saude Colet 2005; 10(4):975-986..

O registro cuidadoso e histórico desse curso-movimento abre caminho para que as experiências decorrentes dessa proposta possam ser melhor exploradas. O acompanhamento dos egressos e do desenvolvimento das respectivas propostas de ativação se configura em relevante indicador de médio prazo. Mais do que uma possibilidade de realizar uma avaliação de resultados, retomar o ciclo da metodologia de construção do curso promoveria novas aprendizagens, a partir da sistematização dessas novas experiências. Essa investigação atualizaria e tornaria contemporâneas as situações-problema, retroalimentadas pelos processos de ativação de mudanças contemporâneos, numa espiral que, para além do processo educacional, represente o próprio movimento de mudanças.

Agradecimentos

Agradecemos a todos que participaram dessa iniciativa e, especialmente, à Milta Torrez e à Antonia Ribeiro (EAD/ENSP) pelos dados fornecidos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan 2015

Histórico

  • Recebido
    29 Ago 2013
  • Revisado
    27 Out 2013
  • Aceito
    31 Out 2013
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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