A obra apresenta um debate denso a respeito da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) e propõe uma interlocução entre a reflexão teórica, conceitual e metodológica e as experiências e intervenções sobre a temática. Os autores sintetizam conteúdos, muitas vezes interdisciplinares e com interfaces complexas, em textos repletos de reflexões críticas e problematizadoras.
O livro é composto por três capítulos intitulados: Segurança Alimentar e Nutricional: perspectivas conceituais e metodológicas; A Segurança Alimentar e Nutricional na agenda pública; Segurança Alimentar e Nutricional e segmentos populacionais específicos. O primeiro aborda o debate conceitual realizado no campo de SAN com aproximação tanto nacional como internacional. O segundo apresenta programas, estratégias e aprendizados no Brasil, além de apontar passos claros, e até didáticos, para o planejamento e a avaliação no contexto de SAN. O ultimo disserta acerca de populações e segmentos específicos sob a ótica da segurança, ou insegurança, alimentar e nutricional.
O primeiro capítulo, Conceitos e princípios de segurança alimentar e nutricional, de autoria de Renato S. Maluf e Márcio C. dos Reis, define e conceitua Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) que, desde a sua formulação, vem se adaptando ao cenário abrangente e interdisciplinar no contexto brasileiro. O Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) é descrito como um princípio ao qual se subordina o objetivo da SAN e a soberania alimentar como um direito dos povos em decidir suas políticas e estratégias sustentáveis de produção, distribuição e consumo de alimentos se sobrepondo á lógica mercantil. Os autores destacam que a concepção sobre a segurança alimentar, no contexto internacional, esteve marcada pela ênfase na produção de alimentos e obedecia à perspectiva liberalizante do mercado. O Brasil segue a lógica internacional, mesmo em um país onde há acesso irregular aos alimentos básicos, há a massificação, a produção e o consumo de alimentos ricos em calorias e proteína. Além disso, o atual modelo mundial de produção e o comércio de alimentos estão longe de alcançar a SAN, uma vez que exclui pequenos produtores, poluem e esgotam recursos naturais, promovem um padrão alimentar pouco equilibrado e comprometem a diversidade cultural. O desafio é definir estratégias de enfrentamento dessa problemática, mesmo no contexto de economias abertas ao exterior. Os autores destacam a importância de colocar em pauta a discussão sobre o papel regulador do Estado nas atividades econômicas, assim como a soberania alimentar e a importância da agricultura familiar.
O seguinte capítulo, da mesma autoria do anterior, intitulado Segurança alimentar e nutricional na perspectiva sistêmica, entende que para alcançar a SAN é necessário perceber os problemas, que são de natureza interligada e interdependente, e que desta forma não são resolvidos isoladamente, por isso, a utilização da abordagem sistêmica. Para tal é proposto esse pensamento sistêmico que oferece uma visão contextual considerando as redes de relações, tornando-o assim um pensamento processual. O diagrama apresentado descreve a interação do Sistema de segurança alimentar e nutricional (Sisan) e outros sistemas de políticas públicas que garantem a SAN nas esferas federal, estadual e municipal. Os autores sugerem um regime de colaboração entre essas esferas.
O objetivo de Cecília da Rocha no Capítulo 3, A contribuição da economia para a análise de políticas públicas de segurança alimentar e nutricional, é debater sobre o desenvolvimento social e as políticas públicas no campo da SAN com a abordagem da economia. A reflexão fundamenta-se na ideia de “falha de mercado”, que no caso da insegurança alimentar e nutricional é gerado pela presença de externalidades, ônus sociais desconsiderados no custo e preço da mercadoria como, por exemplo, poluentes e contaminações gerados na produção de alimentos e também pela incapacidade de mercados livres proverem bens públicos em quantidade eficiente. O alimento por si só não é um bem público, e sim um bem privado, pois há incentivo em produzi-lo somente enquanto gera lucro. Nessa lógica, o acesso aos alimentos para todos não é interessante, pelo contrário, ele somente o é para àqueles que podem pagar. O que demostra que o direito à alimentação não pode ser concretizado em mercados totalmente livres. Sugere-se como compensação dessas falhas a efetivação de políticas no campo da SAN e a utilização do próprio mercado na busca por uma sociedade mais justa.
Luciene Burlandy, Rosana Magalhães e Daniela S. Frozi escrevem o quarto capítulo, Políticas públicas de segurança alimentar e nutricional, com o objetivo de debater e analisar as iniciativas e políticas relacionadas à SAN no contexto brasileiro. É abordada a maneira pela qual as políticas de SAN são condicionantes e condicionadas pelo contexto político-institucional, econômico e sócio-organizacional. Os últimos tópicos apresentam propostas para implementação e alcance dos princípios de SAN destacando a utilização dos espaços de negociação política para o estabelecimento de uma agenda comum, a formação de grupos de trabalhos entre os diversos programas, a identificação de programas convergentes e a criação de instancias integradas de coordenação, avaliação e monitoramento.
O primeiro capítulo da Parte II intitula-se Programas de segurança alimentar e nutricional: experiências e aprendizados, que possui mesma autoria do anterior. O texto indica estratégias, experiências e aprendizados no cenário brasileiro e aponta o aumento da disponibilidade interna de alimentos como um dos desafios. Diversas estratégias são propostas para supera-lo: reforma agrária, incentivo à agricultura familiar através do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, agroindustrialização, Programa de aquisição de alimentos da Agricultura Familiar e hortas comunitárias. Com relação ao acesso, programas de transferência de renda como o Programa Bolsa Família, o Programa Nacional de Alimentação Escolar, assim como restaurantes populares e bancos de alimentos são apontados como ferramentas de alcance dos princípios e diretrizes de SAN.
Contexto do planejamento e da avaliação da segurança alimentar e nutricional é o sexto capítulo, que propõem preencher uma lacuna nas ações de planejamento, intervenção e avaliação da SAN. Sandra Maria C. dos Santos e Maria de Fátima A. Sampaio apontam como objetivos da avaliação da SAN a identificação de indivíduos, grupos ou lugares em risco de insegurança alimentar (IA) assim como a origem dos problemas e as possíveis informações para subsidiar ações voltadas para a promoção de SAN. Neste sentido são propostos 3 passos: 1º) análise da situação de SAN que busque identificar as populações de risco ou vulneráveis; 2º) Identificação e investigação dos determinantes e condicionantes da situação de problema de IA de forma a ficar claro o alvo que quer atingir; 3º) Identificação de soluções dos problemas com sugestão de elaboração de uma lista de prioridades. Nota-se um cuidado para ampliar a visão geral de metodologias utilizadas para diagnósticos dos problemas de IA.
Telma Castello Branco escreve o capítulo 7, Gênero e políticas públicas no Brasil, e realiza uma análise das principais políticas públicas sobre a incorporação de gênero e “empoderamento” das mulheres. A autora tece críticas sobre os planejamentos e os orçamentos públicos, e afirma que tais nunca foram propostos ou operacionalizados com o objetivo de promover a igualdade de gênero. É destacada a importância que o planejamento possui em identificar os problemas, definir as prioridades de intervenção e evidenciar os mais afetados com as inequidades de gênero. Propõemse uma compreensão integrada do planejamento, monitoramento e avaliação que permita uma visão conjunta sobre gênero e SAN. O capítulo seguinte, com autoria de Emma C. Siliprandi, A alimentação como um tema político das mulheres, evidencia a responsabilidade destas desde a produção até a escolha, a compra e a preparação dos alimentos. É retomado o conceito amplo de gênero e da construção dos papéis sociais em que o trabalho doméstico está relacionado às mulheres, além disso, aponta como elas são excluídas das arenas de debate e decisão política.
O programa Bolsa Família no Brasil e sua relação com a segurança alimentar e nutricional sob a ótica das desigualdades raciais é o nono capítulo e denuncia uma IA maior na população negra beneficiária do programa, enfatizando a baixa renda e as piores condições de vida dessa população. As autoras Rosana Salles-Costa e Luciene Burlandy problematizam outros condicionantes do acesso alimentar como renda, localização geográfica do domicilio, disponibilidade de bens e equipamentos públicos, além de valores sociais em torno da alimentação.
André Brandão e Amanda L. Jorge dissertam desde a questão de pertencimento, características socioeconômicas, quadro de IA até acesso aos programas sociais entre moradores de comunidades quilombolas. Nesse grupo são apontados diversos agravantes relacionados à SAN, destacando: a baixa escolaridade e renda, a IA expressiva e dificuldade de acesso às cestas básicas. Esse é o ultimo capítulo do livro e se intitula Comunidades quilombolas, acesso a programas sociais de segurança alimentar e nutricional e conclui que há a necessidade de tornar acessível a essa população alternativas sustentáveis de geração de renda ligadas à extensão rural e perspectivas produtivas.
Pela abordagem ampla, e muitas vezes inédita nesse campo, essa obra se destaca como uma leitura de suma importância para os estudiosos e interessados no tema. A grande contribuição é sua interdisciplinaridade, pois ele entrelaça e atualiza temas como economia, gestão, políticas públicas, gênero e muitos outros, com a SAN.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Jun 2015