Políticas públicas de saúde para deficientes intelectuais no Brasil: uma revisão integrativa

Public health policies for the intellectually disabled in Brazil: an integrative review

Rodrigo Victor Viana Tomaz Thiago Lusivo Rosa David Bui Van Débora Gusmão Melo Sobre os autores

Resumo

Este estudo apresenta revisão integrativa da literatura científica e da legislação federal sobre políticas públicas de saúde para deficientes intelectuais no Brasil. Foram selecionados 9 artigos veiculados nas bases PubMed, Scopus, Biblioteca Virtual de Saúde e Web of Science entre 2002 e 2012. A partir das referências bibliográficas desses estudos, foram identificados outros 6 artigos, totalizando 15 na revisão. Foram identificadas 41 legislações federais produzidas entre 2002 e 2012. Os documentos foram analisados e categorizados em condições socioeconômicas, violência, saúde mental, ética, necessidades de saúde, promoção e prevenção da saúde. Do ponto de vista científico, observou-se discussões pouco específicas, sendo a deficiência intelectual examinada com os demais tipos ou em concomitância com outros países da América Latina. Do ponto de vista jurídico, embora tenham sido localizadas legislações relacionadas à área da saúde, faltam estudos que abordem a efetividade e o nível de implantação das políticas propostas. O incremento de pesquisas na área é demanda da própria população deficiente e permitirá conhecer suas necessidades de saúde específicas, além de oferecer embasamento em questões como prevenção, promoção, diagnóstico e tratamento.

Palavras-chave
Deficiência intelectual; Políticas públicas; Política de saúde; Revisão

Abstract

This study presents an integrative review of the scientific literature and federal legislation on public health policies for intellectually disabled in Brazil. Nine articles, published in the PubMed, Scopus, Virtual Health Library and Web of Science databases between 2002 and 2012, were selected. Based on the references of these studies, 6 other articles were identified, totaling 15 studies in the review. Forty-one federal laws produced between 2002 and 2012 were identified. The documents were analyzed and categorized according to the main themes of socioeconomic conditions, violence, mental health, ethics, health needs, health promotion and prevention. From the scientific standpoint, non-specific discussions were observed where intellectual disability was examined with other types of handicaps or concomitantly with other Latin American countries. From the legal standpoint, although laws related to health have been located, there is a lack of studies that address the effectiveness and level of implementation of the proposed policies. The increase in research in this area is a demand of the disabled population itself, and will reveal their specific health needs, and will also support issues such as prevention, promotion, diagnosis and treatment.

Key words
Intellectual handicap; Public policies; Health policy; Review

Introdução

Deficiência intelectual (DI) é resultado do funcionamento intelectual inferior à média, que aparece antes dos 18 anos, acompanhado de limitações no funcionamento adaptativo em, pelo menos, duas das seguintes áreas: comunicação, autocuidado, vida doméstica, relações sociais/interpessoais, uso de recursos comunitários, autossuficiência, habilidades acadêmicas, trabalho, lazer, saúde e segurança11. American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders - DSM-IV-TR. Washington: American Psychiatric Association; 2000.,22. Schalock RL, Borthwick-Duffy SA, Bradley VJ, Buntinx WHE, Coulter DL, Craig EM, Gomez SC, Lachapelle Y, Luckasson R, Reeve A, Shogren KA, Snell ME, Spreat S, Tassé MJ, Thompson JR, Verdugo-Alonso MA, Wehmeyer ML, Yeager MH. Intellectual Disability: Definition, Classification, and Systems of Supports. 11ª ed. Washington: American Association on Intellectual and Developmental Disabilities; 2010.. Do ponto de vista clínico, DI é sinal de mais de 2.000 condições, inscluindo muitas doenças genéticas raras22. Schalock RL, Borthwick-Duffy SA, Bradley VJ, Buntinx WHE, Coulter DL, Craig EM, Gomez SC, Lachapelle Y, Luckasson R, Reeve A, Shogren KA, Snell ME, Spreat S, Tassé MJ, Thompson JR, Verdugo-Alonso MA, Wehmeyer ML, Yeager MH. Intellectual Disability: Definition, Classification, and Systems of Supports. 11ª ed. Washington: American Association on Intellectual and Developmental Disabilities; 2010.. Dados do Censo de 2010 indicam que 1,4% da população brasileira possui DI33. Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo Demográfico 2010 [Internet]. [acessado 2014 mar 29]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/default.shtm
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Em 2002 foi publicada a Política Nacional de Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência, marco histórico para reflexão acerca das ações de saúde para essa população44. Brasil. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria n.º 1.060 de 05 de Junho de 2002. Política Nacional de Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência. Diário Oficial da União 2002; 5 jun.. Conferências Nacionais sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência foram realizadas nos anos de 2006, 2008 e 201255. Brasil. Presidência da República. Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Avanços das Políticas Públicas para as Pessoas com Deficiência: Uma Análise a partir das Conferências Nacionais. Brasília: Presidência da República; 2012.. Quatro eixos temáticos orientaram as discussões: (1) educação, esporte, trabalho e reabilitação profissional; (2) acessibilidade, comunicação, transporte e moradia; (3) saúde, prevenção, reabilitação, órteses e próteses; (4) segurança, acesso à justiça, padrão de vida e proteção social66. Brasil. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência (SNPD), Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade). III Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência - Relatório Final. Brasília: SDH, SNPD, Conade; 2013.. Na área da saúde, na última Conferência, foram aprovadas 91 propostas, que incluem aspectos como: aperfeiçoamento dos sistemas de acesso a serviços, medicamentos e tecnologias de saúde; capacitação de profissionais para atendimento multiprofissional e humanizado; implantação de centros de referência destinados à população deficiente; cumprimento de estratégias de promoção, prevenção e monitorização; ampliação, fomentação e divulgação de pesquisas científicas relacionadas ao tema66. Brasil. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência (SNPD), Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade). III Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência - Relatório Final. Brasília: SDH, SNPD, Conade; 2013.. Espera-se que as ações e os programas desenhados pelo Estado brasileiro se orientem pelas deliberações dessas Conferências.

No Brasil, durante décadas, o referencial assistencial para deficientes intelectuais esteve quase que totalmente restrito a instituições de caráter filantrópico e organizações não governamentais77. Surjus LTLS, Campos RTO. Deficiência Intelectual e Saúde Mental: Quando a Fronteira Vira Território. Rev Polis e Psique 2013; 3(2):82–96.. Nesse contexto, destaca-se a rede formada pelas Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), composta por mais de duas mil unidades distribuídas no país e que atualmente atendem cerca de 250.000 pessoas. Nessa área de atuação, o maior movimento social do Brasil é o Apaeano88. Federação Nacional das APAE. [Internet]. Rede APAE e sua história. [acessado 2014 nov 23]. Disponível em: http://www.apaebrasil.org.br
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, o qual contribuiu de forma inequívoca nos avanços de diferentes políticas públicas, especialmente aquelas relacionadas à educação, trabalho, habitação e assistência social. Percebe-se, porém, que não houve avanços na mesma dimensão na formulação das políticas públicas de saúde para deficientes intelectuais.

Estima-se que mais de um terço dos deficientes intelectuais têm associados diagnósticos de transtornos mentais, prevalência que justifica o debate internacional sobre ambos temas conjuntamente, tendo esse diagnóstico dual se configurado recentemente como um novo objeto de investigação99. Surjus LTLS, Campos RTO. Interface entre Deficiência Intelectual e Saúde Mental: revisão hermenêutica. Rev Saude Publica 2014; 48(3):532–540.. No Brasil, a saúde mental consolidou-se como política pública de Estado, organizada por uma rede de serviços que tem como “carro chefe” os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Embora os deficientes intelectuais representem uma parcela importante da população atendida nos CAPS, nem sempre este local reconhece e maneja adequadamente suas necessidades de saúde particulares. O desafio da inclusão social do deficiente intelectual depende da garantia dos direitos à saúde e à prevenção de agravos, e o impacto dos problemas de saúde mental pode reduzir significativamente suas possibilidades nessa área, questão que talvez esteja subestimada no país77. Surjus LTLS, Campos RTO. Deficiência Intelectual e Saúde Mental: Quando a Fronteira Vira Território. Rev Polis e Psique 2013; 3(2):82–96.,99. Surjus LTLS, Campos RTO. Interface entre Deficiência Intelectual e Saúde Mental: revisão hermenêutica. Rev Saude Publica 2014; 48(3):532–540..

Especificamente relacionado ao cuidado em saúde dos deficientes intelectuais, há a Portaria N.° 199 do Ministério da Saúde, publicada em 2014, e que instituiu a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras no âmbito do SUS1010. Brasil. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria n.º 199 de 30 de Janeiro de 2014. Institui a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, aprova as Diretrizes para Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e institui incentivos financeiros de custeio. Diário Oficial da União 2014; 12 fev.. Nessa Política, previu-se que a atenção das pessoas com doenças raras seria estruturada em dois eixos e, no caso das doenças raras de origem genética, haveria uma linha de cuidado desenhada especialmente para pessoas com DI1010. Brasil. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria n.º 199 de 30 de Janeiro de 2014. Institui a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, aprova as Diretrizes para Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e institui incentivos financeiros de custeio. Diário Oficial da União 2014; 12 fev.. O fluxograma de atendimento recomendado enfatiza a busca por um diagnóstico etiológico, muitas vezes genético e sindrômico1111. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos—DGITS/SCTIE. Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC). Relatório n° 109 - Procedimentos Laboratoriais para Diagnóstico de Doenças Raras. Brasília: MS; 2013.. É importante reconhecer a importância da dimensão biomédica da DI e, inclusive, considerar a possibilidade de aconselhamento genético familiar como ação em saúde; contudo, é fundamental ressaltar que o desafio do cuidado em saúde do deficiente intelectual abrange, para além da perspectiva biológica, aspectos sociais e ambientais.

O objetivo dessa pesquisa foi realizar revisão integrativa sobre políticas públicas de saúde para deficientes intelectuais no Brasil, visando a contribuir para a síntese e a identificação de lacunas de conhecimento. As questões norteadoras foram: (a) o que foi produzido cientifica e juridicamente sobre o assunto desde a publicação da Política Nacional de Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência em 2002?; e, (b) quais demandas de assistência e pesquisa são observadas na área?

Metodologia

Identificação, seleção e análise dos artigos

A pesquisa foi conduzida em 2013, por meio de consulta às bases bibliográficas eletrônicas Medline/PubMed, Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), Scopus e Web of Science.

Os descritores empregados foram obtidos a partir do DeCS – “Descritores em Ciências da Saúde” ou do MeSH – “Medical Subject Headings”. Em língua portuguesa foram: (retardo mental OR retardamento mental OR deficiência mental OR deficiência intelectual) AND (políticas públicas OR política de saúde OR participação cidadã OR direitos das pessoas portadoras de deficiência OR direitos dos deficientes). Em língua inglesa foram: (mental retardation OR mental deficiency OR intellectual disability OR mentally disabled persons OR mentally retarded) AND (public policies OR health policy OR citizen participation OR patient rights OR rights OR handicapped advocacy).

De acordo com critérios pré-definidos, seriam escolhidos apenas artigos sobre políticas públicas de saúde para deficientes intelectuais no Brasil, publicados em português ou inglês e indexados nas bases de dados entre 2002 e 2012. Como provavelmente haveria um pequeno número de estudos satisfazendo os critérios de inclusão, optou-se por também inserir artigos que: (1) não tratassem exclusivamente da DI – discutindo as deficiências de um modo geral, incluindo a DI, como as físicas e sensoriais; (2) abordassem o tema em países de rendimento médio – classificação econômica que abrange o Brasil1212. The World Bank. [Internet]. World Development Indicators. [acessado 2014 mar 29]. Disponível em: http://data.worldbank.org/country/brazil
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; (3) fossem sobre desordens mentais ou políticas de saúde mental – desde que considerassem a DI em suas análises.

Foram excluídos os artigos que abordavam DI sob outras perspectivas e os textos repetidos nas bases de dados. Para tratar as duplicidades de artigos recuperados nas diferentes bases, os documentos originalmente encontrados em cada uma delas foram ordenados por título e autoria, sendo excluídos aqueles que apareciam mais de uma vez.

Três pesquisadores realizaram as buscas nas bases de dados de forma independente. Os artigos inicialmente identificados foram analisados a partir dos títulos e resumos, realizando-se uma primeira exclusão. Após essa exclusão, foi elaborada uma lista dos artigos selecionados. Todos estes foram considerados relevantes, lidos integralmente pelos pesquisadores e submetidos a uma segunda etapa de exclusão, considerando-se os critérios de elegibilidade. Divergências foram resolvidas por consenso, depois de nova crítica do artigo em questão, incluindo um quarto revisor. As referências bibliográficas dos artigos selecionados foram revisadas manualmente procurando-se trabalhos adicionais relevantes que não houvessem sido identificados através da estratégia de busca.

A partir da análise das produções científicas selecionadas, os dados foram categorizados por aproximação temática.

Avaliação do nível de evidência dos artigos

O nível de evidência dos artigos foi atribuído com base na classificação proposta por Melnyk e Fineout-Overholt1313. Melnyk BM, Fineout-Overholt E. Making the case for evidence-based practice. In: Melnyk BM, Fine-out-Overholt E. Evidence-based practice in nursing & healthcare. A guide to best practice. Philadelphia: Lippincot Williams & Wilkins; 2005. p. 3–24.. As evidências seriam: nível 1 – de revisão sistemática ou metanálise de todos os ensaios clínicos randomizados controlados relevantes ou provenientes de diretrizes clínicas baseadas em revisões sistemáticas destes; nível 2 – de pelo menos um ensaio clínico randomizado controlado bem delineado; nível 3 – de ensaios clínicos bem delineados sem randomização; nível 4 – de estudo de coorte e de caso-controle bem delineados; nível 5 – de revisão sistemática de estudos descritivos e qualitativos; nível 6 – de um único estudo descritivo ou qualitativo; nível 7 – de opinião de autoridades e/ou relatórios de comitê de especialistas.

Identificação, seleção e análise das legislações

Realizou-se busca de legislações federais produzidas entre 2002 e 2012 na versão brasileira do Google Search, empregando-se os termos: (retardo mental OR retardamento mental OR deficiência mental OR deficiência intelectual) AND (decreto OR lei OR portaria OR resolução).

Foram incluídas legislações federais sancionadas que versassem sobre DI do ponto de vista da saúde, incluindo textos que abordassem incentivos financeiros, programas de triagem e protocolos clínicos para doenças que cursam com DI.

Foram excluídas as legislações sem relação com a área da saúde, as municipais ou estaduais e os projetos de leis.

Este corpo documental passou por análise criteriosa, a fim de apreender a temática principal e realizar categorização por linhas de convergência.

Resultados

O processo de busca e seleção dos artigos científicos resultou no total de nove artigos. A partir da análise das referências bibliográficas desses estudos, foram identificados e incluídos mais seis artigos que versavam sobre a temática desta revisão (Figura 1).

Figura 1
Descrição da seleção dos estudos.

Um estudo1414. Patel V, Araya R, Chatrerjee S, Chisholm D, Cohen A, Silva MD, Hosman C, McGuire H, Rojas G, Ommeren MV. Treatment and prevention of mental disorders in low-income and middle-income countries. Lancet 2007; 370(9591):991–1005. (6,7%) é uma revisão sistemática de ensaios clínicos randomizados controlados, com nível de evidência 1. Outro1515. Maulik PA, Darmstadt GL. Childhood Disability in Low- and Middle-Income Countries: Overview of Screening, Prevention, Services, Legislation, and Epidemiology. Pediatrics 2007; 120(1):1–57. (6,7%) apresentou nível de evidência 2 por se tratar de revisão sistemática que inclui três ensaios clínicos randomizados. Duas revisões sistemáticas de literatura1616. França ISX, Pagliuca LMF, Baptista RS. Política de inclusão do portador de deficiência: possibilidades e limites. Acta Paul Enferm 2008; 21(1):112–116.,1717. Mercadante MT, Evans-Lacko S, Paula CS. Perspectives of intellectual disability in Latin American countries: epidemiology, policy, and services for children and adults. Curr Opin Psychiatry 2009; 22(5):469–474. (13,3%) apresentaram nível de evidência 5, por incluir apenas estudos descritivos. Oito (53,3%) são estudos de natureza descritiva e apresentaram nível de evidência 6, sendo: quatro1818. Horovitz DDG, Llerena JC, Mattos RA. Atenção aos defeitos congênitos no Brasil: panorama atual. Cad Saude Publica 2005; 21(4):1055–1064.2121. Frey GC, Temple VA. Health promotion for Latin Americans with intellectual disabilities. Salud Publica Mex 2008; 50(Supl. 2):167–177. (26,7%) revisões não sistemáticas, dois2222. Horovitz DDG, Cardoso MHCA, Llerena JC, Mattos RA. Atenção aos defeitos congênitos no Brasil: características do atendimento e propostas para formulação de políticas públicas em genética clínica. Cad Saude Publica 2006; 22(12):2599–2609.,2323. Aragão AEA, Ponte KMA, Pagliuca LMF, Silva MAM, Ferreira AGN, Sousa PCP. Perfil das pessoas com deficiência de uma paróquia da Diocese de Sobral - Ceará: um estudo quantitativo. Online Brazilian Journal of Nursing 2010; 9(1). (13,3%) quantitativos, não experimentais e transversais, e dois2424. Cavalcante FG, Marinho ASN, Bastos OM, Deus VV, Maimone MS, Carvalho MM, Fiaux MP, Valdene RSR. Diagnóstico situacional da violência contra crianças e adolescentes com deficiência em três instituições do Rio de Janeiro. Cien Saude Colet 2009; 14(1):45–56.,2525. Martins AJ, Cardoso MHCA, Llerena JC, Moreira MCN. A concepção de família e religiosidade presente nos discursos produzidos por profissionais médicos acerca de crianças com doenças genéticas. Cien Saude Colet 2012; 17(2):545–553. (13,3%) qualitativos. Três2626. Bernardes LCG, Maior IMML, Spezia CH, Araújo TCCF. Pessoas com deficiência e políticas de saúde no Brasil: reflexões bioéticas. Cien Saude Colet 2009; 14(1):31–38.2828. Assis SG. Children and youth with and without disabilities. Cien Saude Colet 2009; 14(1):21–29. (20%) são reflexões de especialistas e obtiveram nível de evidência 7.

Quatro estudos1414. Patel V, Araya R, Chatrerjee S, Chisholm D, Cohen A, Silva MD, Hosman C, McGuire H, Rojas G, Ommeren MV. Treatment and prevention of mental disorders in low-income and middle-income countries. Lancet 2007; 370(9591):991–1005.,1515. Maulik PA, Darmstadt GL. Childhood Disability in Low- and Middle-Income Countries: Overview of Screening, Prevention, Services, Legislation, and Epidemiology. Pediatrics 2007; 120(1):1–57.,1919. Patel V. Mental health in low- and middle-income countries. British Medical Bulletin 2007; 81–82:81–96.,2121. Frey GC, Temple VA. Health promotion for Latin Americans with intellectual disabilities. Salud Publica Mex 2008; 50(Supl. 2):167–177. (26,7%) são conduzidos por autores não brasileiros e cinco1414. Patel V, Araya R, Chatrerjee S, Chisholm D, Cohen A, Silva MD, Hosman C, McGuire H, Rojas G, Ommeren MV. Treatment and prevention of mental disorders in low-income and middle-income countries. Lancet 2007; 370(9591):991–1005.,1515. Maulik PA, Darmstadt GL. Childhood Disability in Low- and Middle-Income Countries: Overview of Screening, Prevention, Services, Legislation, and Epidemiology. Pediatrics 2007; 120(1):1–57.,1717. Mercadante MT, Evans-Lacko S, Paula CS. Perspectives of intellectual disability in Latin American countries: epidemiology, policy, and services for children and adults. Curr Opin Psychiatry 2009; 22(5):469–474.,1919. Patel V. Mental health in low- and middle-income countries. British Medical Bulletin 2007; 81–82:81–96.,2121. Frey GC, Temple VA. Health promotion for Latin Americans with intellectual disabilities. Salud Publica Mex 2008; 50(Supl. 2):167–177. dos 15 artigos (33,3%) foram publicados em periódicos internacionais.

Políticas de saúde para pessoas com DI no Brasil são discutidas em artigos que incluem os demais países da América Latina1717. Mercadante MT, Evans-Lacko S, Paula CS. Perspectives of intellectual disability in Latin American countries: epidemiology, policy, and services for children and adults. Curr Opin Psychiatry 2009; 22(5):469–474.,2121. Frey GC, Temple VA. Health promotion for Latin Americans with intellectual disabilities. Salud Publica Mex 2008; 50(Supl. 2):167–177.,2727. Cavalcante FG, Goldson E. Situational analysis of poverty and violence among children and youth with disabilities in the Americas—an agenda proposal. Cien Saude Colet 2009; 14(1):7–20. ou que abordam a questão em países de rendimento baixo e médio1414. Patel V, Araya R, Chatrerjee S, Chisholm D, Cohen A, Silva MD, Hosman C, McGuire H, Rojas G, Ommeren MV. Treatment and prevention of mental disorders in low-income and middle-income countries. Lancet 2007; 370(9591):991–1005.,1515. Maulik PA, Darmstadt GL. Childhood Disability in Low- and Middle-Income Countries: Overview of Screening, Prevention, Services, Legislation, and Epidemiology. Pediatrics 2007; 120(1):1–57.,1919. Patel V. Mental health in low- and middle-income countries. British Medical Bulletin 2007; 81–82:81–96.. Quando retratam exclusivamente o contexto brasileiro, os textos não focam unicamente DI, abordando também outras deficiências (físicas, visuais e auditivas)1616. França ISX, Pagliuca LMF, Baptista RS. Política de inclusão do portador de deficiência: possibilidades e limites. Acta Paul Enferm 2008; 21(1):112–116.,2323. Aragão AEA, Ponte KMA, Pagliuca LMF, Silva MAM, Ferreira AGN, Sousa PCP. Perfil das pessoas com deficiência de uma paróquia da Diocese de Sobral - Ceará: um estudo quantitativo. Online Brazilian Journal of Nursing 2010; 9(1).,2626. Bernardes LCG, Maior IMML, Spezia CH, Araújo TCCF. Pessoas com deficiência e políticas de saúde no Brasil: reflexões bioéticas. Cien Saude Colet 2009; 14(1):31–38., ou ainda, discutem políticas de saúde mental2020. Couto MCV, Duarte CS, Delgado PGG. Child mental health and Public Health in Brazil: current situation and challenges. Rev. Bras. Psiquiatr 2008; 30(4):384–389.. Dois artigos1818. Horovitz DDG, Llerena JC, Mattos RA. Atenção aos defeitos congênitos no Brasil: panorama atual. Cad Saude Publica 2005; 21(4):1055–1064.,2222. Horovitz DDG, Cardoso MHCA, Llerena JC, Mattos RA. Atenção aos defeitos congênitos no Brasil: características do atendimento e propostas para formulação de políticas públicas em genética clínica. Cad Saude Publica 2006; 22(12):2599–2609. retratam a atenção aos defeitos congênitos e doenças genéticas no Brasil, considerando que DI é frequentemente associada a essas condições. Há ainda um artigo2525. Martins AJ, Cardoso MHCA, Llerena JC, Moreira MCN. A concepção de família e religiosidade presente nos discursos produzidos por profissionais médicos acerca de crianças com doenças genéticas. Cien Saude Colet 2012; 17(2):545–553. que explora as tradições culturais nos discursos de médicos, acerca de crianças com doenças genéticas associadas a malformações congênitas e DI, por meio de pesquisa qualitativa. Três publicações2424. Cavalcante FG, Marinho ASN, Bastos OM, Deus VV, Maimone MS, Carvalho MM, Fiaux MP, Valdene RSR. Diagnóstico situacional da violência contra crianças e adolescentes com deficiência em três instituições do Rio de Janeiro. Cien Saude Colet 2009; 14(1):45–56.,2727. Cavalcante FG, Goldson E. Situational analysis of poverty and violence among children and youth with disabilities in the Americas—an agenda proposal. Cien Saude Colet 2009; 14(1):7–20.,2828. Assis SG. Children and youth with and without disabilities. Cien Saude Colet 2009; 14(1):21–29. estabelecem paralelo entre pobreza, violência e deficiência.

O Quadro 1 apresenta uma síntese com os resultados mais relevantes apreendidos a partir da análise dos 15 artigos.

Quadro 1
Categorização dos artigos sobre políticas públicas de saúde para deficientes intelectuais no Brasil, no período entre 2002 e 2012.

A busca das legislações resultou em 41 documentos: cinco decretos, três leis, 28 portarias e cinco resoluções. A maior parte dessas legislações objetiva garantir direitos à população com alguma deficiência, não sendo voltada exclusivamente para deficientes intelectuais. Foram encontradas apenas duas resoluções federais direcionadas especificamente a este público: uma aborda o atendimento a “portadores de retardo mental” e outra diretrizes de atenção à pessoa com síndrome de Down. Há também portarias e leis cujos textos versam sobre triagem neonatal e protocolos clínicos para condições que podem cursar com DI, como rubéola congênita e transtorno de espectro autista. Os temas abordados pelas legislações são apresentados no Quadro 2.

Quadro 2
ategorização das legislações federais sobre políticas públicas de saúde para deficientes intelectuais no Brasil, no período entre 2002 e 2012.

Discussão

Seis categorias temáticas, discutidas a seguir, foram apreendidas a partir da análise dos 15 artigos e das 41 legislações federais.

Condições socioeconômicas

A relação entre baixo nível socioeconômico e DI parece implicar em maior prevalência deste tipo de deficiência em países da América Latina. Entre crianças do Brasil, as vítimas da pobreza são três vezes mais acometidas por problemas de desenvolvimento2727. Cavalcante FG, Goldson E. Situational analysis of poverty and violence among children and youth with disabilities in the Americas—an agenda proposal. Cien Saude Colet 2009; 14(1):7–20..

Deficientes intelectuais convivem com estigmas e uma vida marginalizada1515. Maulik PA, Darmstadt GL. Childhood Disability in Low- and Middle-Income Countries: Overview of Screening, Prevention, Services, Legislation, and Epidemiology. Pediatrics 2007; 120(1):1–57.. Gera-se um ciclo “deficiência-pobreza-deficiência”, onde a marginalização ocasiona menor acesso a boas condições de trabalho, saúde e educação, fatores decisivos no estabelecimento e na manutenção da deficiência2727. Cavalcante FG, Goldson E. Situational analysis of poverty and violence among children and youth with disabilities in the Americas—an agenda proposal. Cien Saude Colet 2009; 14(1):7–20..

Os baixos investimentos dos países de baixa e média renda em promoção de saúde acarretam diretamente na maior exposição a fatores de risco conhecidos para DI, como desnutrição, exposição materna a teratógenos, prénatal inadequado1717. Mercadante MT, Evans-Lacko S, Paula CS. Perspectives of intellectual disability in Latin American countries: epidemiology, policy, and services for children and adults. Curr Opin Psychiatry 2009; 22(5):469–474., deficiência de iodo, trauma e asfixia durante o nascimento1515. Maulik PA, Darmstadt GL. Childhood Disability in Low- and Middle-Income Countries: Overview of Screening, Prevention, Services, Legislation, and Epidemiology. Pediatrics 2007; 120(1):1–57..

A pobreza implica em menor capacidade de utilizar serviços públicos, em privações, exclusão e menor participação social2727. Cavalcante FG, Goldson E. Situational analysis of poverty and violence among children and youth with disabilities in the Americas—an agenda proposal. Cien Saude Colet 2009; 14(1):7–20., comprometendo o exercício da cidadania. É determinante na menor qualidade de vida da população brasileira com DI, em comparação a daquelas de países economicamente desenvolvidos, justamente pelo menor acesso à saúde e educação1717. Mercadante MT, Evans-Lacko S, Paula CS. Perspectives of intellectual disability in Latin American countries: epidemiology, policy, and services for children and adults. Curr Opin Psychiatry 2009; 22(5):469–474.. Estudo realizado com 117 pessoas com deficiência no município de Sobral, Ceará, por exemplo, observou que grande parte dos indivíduos possuía baixa escolaridade (75,21% de analfabetismo) e baixo rendimento financeiro (42,74% sem rendimento formal)2323. Aragão AEA, Ponte KMA, Pagliuca LMF, Silva MAM, Ferreira AGN, Sousa PCP. Perfil das pessoas com deficiência de uma paróquia da Diocese de Sobral - Ceará: um estudo quantitativo. Online Brazilian Journal of Nursing 2010; 9(1)..

Disparidades sociais historicamente construídas influenciam diretamente no cuidado em saúde da população com DI e, nesse sentido, é provável que no Brasil, entre os cidadãos com essa deficiência, os negros tenham ainda menor acesso a serviços de saúde do que os brancos2121. Frey GC, Temple VA. Health promotion for Latin Americans with intellectual disabilities. Salud Publica Mex 2008; 50(Supl. 2):167–177..

Nesta revisão, foram identificadas 4 portarias federais que tratam especificamente de incentivo financeiro e transferência de recursos para instituições envolvidas no cuidado à pessoas com DI (Quadro 2).

A transferência de recursos diretamente aos deficientes é garantida desde 1993 pela Lei n° 8.7422929. Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei n.º 8.742 de 7 de Dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências. Diário Oficial da União 1998; 8 dez., que sanciona o benefício da prestação continuada. Para pleitear esse benefício, a renda familiar per capita não deve ser superior a 25% do salário mínimo. Com um ponto de corte baixo, muitos deficientes não têm acesso ao benefício, embora tenham necessidades reais, devido, principalmente, aos custos envolvidos com tratamento e reabilitação.

Violência

Pobreza e desigualdade social configuram importantes fatores preditivos para violência. Indivíduos com deficiência estão particularmente vulneráveis, possuindo risco 4 a 10 vezes superior de sofrerem violência quando comparados aos demais indivíduos2828. Assis SG. Children and youth with and without disabilities. Cien Saude Colet 2009; 14(1):21–29.. Dessa forma, a questão da proteção adequada contra violência deve ser preocupação das instituições que trabalham com DI2424. Cavalcante FG, Marinho ASN, Bastos OM, Deus VV, Maimone MS, Carvalho MM, Fiaux MP, Valdene RSR. Diagnóstico situacional da violência contra crianças e adolescentes com deficiência em três instituições do Rio de Janeiro. Cien Saude Colet 2009; 14(1):45–56..

Pesquisas sobre deficiência e violência no Brasil são escassas. Destaca-se o trabalho de Cavalcante et al.2424. Cavalcante FG, Marinho ASN, Bastos OM, Deus VV, Maimone MS, Carvalho MM, Fiaux MP, Valdene RSR. Diagnóstico situacional da violência contra crianças e adolescentes com deficiência em três instituições do Rio de Janeiro. Cien Saude Colet 2009; 14(1):45–56., uma investigação qualitativa conduzida em três instituições de assistência no Rio de Janeiro, envolvendo 53 estudos de caso, que objetivou analisar como elas lidavam com situações de violência e violação de direitos contra crianças e adolescentes deficientes2424. Cavalcante FG, Marinho ASN, Bastos OM, Deus VV, Maimone MS, Carvalho MM, Fiaux MP, Valdene RSR. Diagnóstico situacional da violência contra crianças e adolescentes com deficiência em três instituições do Rio de Janeiro. Cien Saude Colet 2009; 14(1):45–56.. Nessa pesquisa, observou-se maior prevalência de negligência (47,1%) como forma de violência, seguida por abuso psicológico (32,8%). Menor frequência foi observada de abusos físicos (11,4%) e sexuais (8,6%). Encontrou-se correlação positiva entre abuso sexual, físico, violação de direitos e desordens mentais ou comportamentais, como DI e autismo, indicando dificuldade de manejo dessas situações por parte dos cuidadores2424. Cavalcante FG, Marinho ASN, Bastos OM, Deus VV, Maimone MS, Carvalho MM, Fiaux MP, Valdene RSR. Diagnóstico situacional da violência contra crianças e adolescentes com deficiência em três instituições do Rio de Janeiro. Cien Saude Colet 2009; 14(1):45–56.. Situações de violência física e verbal estão presentes também no contexto familiar de crianças e jovens com DI, frequentemente criticados com expressões pejorativas2828. Assis SG. Children and youth with and without disabilities. Cien Saude Colet 2009; 14(1):21–29..

Reflexão sobre prevenção da violência está prevista nas Conferências Nacionais de Direitos da Pessoa com Deficiência, principalmente no que diz respeito àquelas praticadas contra mulheres nessa situação55. Brasil. Presidência da República. Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Avanços das Políticas Públicas para as Pessoas com Deficiência: Uma Análise a partir das Conferências Nacionais. Brasília: Presidência da República; 2012.,66. Brasil. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência (SNPD), Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade). III Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência - Relatório Final. Brasília: SDH, SNPD, Conade; 2013., cujo risco de exposição é superior a daqueles do sexo masculino. No combate à violência, é fundamental o papel do Estado na promoção de a ções efetivas de proteção social.

Em março de 2007 foi realizada, na Assembleia Geral das Nações Unidas, a Convenção Internacional para Proteção e Promoção dos Direitos e Dignidade das Pessoas com Deficiência. As resoluções dessa Convenção representam importante instrumento legal no reconhecimento e na promoção dos direitos dos deficientes e na proibição da discriminação em todas as áreas da vida. No Brasil, o Decreto legislativo n° 186 de 20083030. Brasil. Congresso Nacional. Decreto n.º 186 de 9 de Julho de 2008. Aprova o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007. Diário Oficial da União 2008; 10 jul., aprovou o texto dessa Convenção, promulgado em 2009, por meio do Decreto n° 6.9493131. Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto n.º 6.949 de 25 de Agosto de 2009. Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007. Diário Oficial da União 2009; 26 ago.. Estes Decretos trazem importantes considerações acerca do papel governamental brasileiro na proteção e no cuidado de deficientes e abordam também a questão da violência. Especificamente, designam que é dever do Estado a tomada de medidas de natureza legislativa, administrativa, social e educacional para a proteção contra todas as formas de violência, tortura, tratamentos cruéis, exploração e abuso das pessoas com deficiência, dentro e fora do lar, devendo atuar também sobre prevenção destas situações. Cabe ainda ao Estado promover a recuperação física, cognitiva e psicológica do deficiente que houver sofrido abusos, em ambientes que promovam o bem estar, a dignidade e a autonomia.

Saúde mental

A interface entre DI e psiquiatria é tema de discussão acalorada na literatura científica, com alguns autores a incluindo no escopo das desordens neuropsiquiátricas1414. Patel V, Araya R, Chatrerjee S, Chisholm D, Cohen A, Silva MD, Hosman C, McGuire H, Rojas G, Ommeren MV. Treatment and prevention of mental disorders in low-income and middle-income countries. Lancet 2007; 370(9591):991–1005.. O DSM-V concebe a expressão “transtorno do desenvolvimento intelectual”, incluindo a DI no segmento dos transtornos do neurodesenvolvimento, conjuntamente com outras condições como os motores, de comunicação e de aprendizagem, os de espectro do autismo e os de déficit de atenção e hiperatividade; sendo que essas outras condições podem, inclusive, ocorrer em concomitância com a DI3232. American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders - DSM-V-TR. Washington: American Psychiatric Association; 2013.. Além disso, os transtornos mentais (em especial depressão, transtorno bipolar, transtornos de ansiedade e transtorno obsessivo-compulsivo) são comorbidades comuns entre deficientes intelectuais3333. Cooper SA, Smiley E, Morrison J, Williamson A, Allan L. Mental ill-health in adults with intellectual disabilities: prevalence and associated factors. Br J Psychiatry. 2007; 190: 27–35..

A IV Conferência Nacional de Saúde Mental reforça o elo entre políticas de saúde mental e DI no Brasil, ao trazer em seu relatório final algumas propostas direcionadas ao atendimento dos deficientes intelectuais, tais como realização de censo epidemiológico de agravos em saúde mental e deficiências intelectuais, ampliação da política de assistência social para deficientes intelectuais, além de preparação e capacitação das equipes dos CAPS Infatojuvenis (CAPSi) para atendimento de quadros como DI, autismo e síndrome de Down, comumente associados ao transtorno mental3434. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Conselho Nacional de Saúde. Relatório Final da IV Conferência Nacional de Saúde Mental—Intersetorial. Brasília: Conselho Nacional de Saúde, MS; 2010.. Esse documento parece indicar o início de um movimento de aproximação dos campos da saúde mental e da DI no país99. Surjus LTLS, Campos RTO. Interface entre Deficiência Intelectual e Saúde Mental: revisão hermenêutica. Rev Saude Publica 2014; 48(3):532–540..

Apesar das dificuldades para a realização de estudos epidemiológicos, pesquisadores apontam prevalência entre 30 e 40% de transtornos mentais entre deficientes intelectuais99. Surjus LTLS, Campos RTO. Interface entre Deficiência Intelectual e Saúde Mental: revisão hermenêutica. Rev Saude Publica 2014; 48(3):532–540.,3333. Cooper SA, Smiley E, Morrison J, Williamson A, Allan L. Mental ill-health in adults with intellectual disabilities: prevalence and associated factors. Br J Psychiatry. 2007; 190: 27–35.. Interessante observar que quanto mais severa a DI, mais difícil é avaliar os sintomas psicopatológicos dos pacientes; por outro lado, nas situações de DI leve, alguns padrões de comportamentos comuns, como a existência de amigos imaginários e falar sozinho, são por vezes erroneamente identificados como sintomas psicopatológicos e medicalizados sem nenhuma indicação que justifique tal abordagem99. Surjus LTLS, Campos RTO. Interface entre Deficiência Intelectual e Saúde Mental: revisão hermenêutica. Rev Saude Publica 2014; 48(3):532–540.. Outro aspecto importante é que, diante da DI, muitas vezes o transtorno mental e o sofrimento que advém dele são banalizados99. Surjus LTLS, Campos RTO. Interface entre Deficiência Intelectual e Saúde Mental: revisão hermenêutica. Rev Saude Publica 2014; 48(3):532–540.,3333. Cooper SA, Smiley E, Morrison J, Williamson A, Allan L. Mental ill-health in adults with intellectual disabilities: prevalence and associated factors. Br J Psychiatry. 2007; 190: 27–35..

Ainda com relação à interface entre saúde mental e DI, é relevante salientar os resultados de dois censos brasileiros, realizados em hospitais psiquiátricos nos Estados do Rio de Janeiro3535. Gomes MPC, Couto MCV, Pepe VLE, Almeida LM, Delgado PGG, Coutinho ESF. Censo dos pacientes internados em uma instituição asilar no Estado do Rio de Janeiro: dados preliminares. Cad Saude Publica 2002; 18(6):1803–1807. e São Paulo3636. Barros S, Bichaff R. Desafios para a desinstitucionalização: censo psicossocial dos moradores em hospitais psiquiátricos do Estado de São Paulo. São Paulo: FUNDAP, Secretaria de Estado da Saúde; 2008., que apontam os deficientes intelectuais como o segundo grupo de moradores mais frequente dessas instituições, sendo superados apenas por indivíduos com diagnóstico de transtornos psicóticos.

Os campos da saúde mental e da DI tornam a se encontrar quando se discute os Transtornos de Espectro do Autismo (TEA), fenômeno alvo de compreensões tanto no escopo das desordens mentais e comportamentais, quanto dos transtornos do neurodesenvolvimento. De 50 a 150 crianças na idade escolar, 1 apresenta TEA e estima-se que 75% destas tenham algum grau de DI3737. Mefford HC, Batshaw ML, Hoffman EP. Genomics, intellectual disability, and autism. N Engl J Med 2012; 366(8):733–743.,3838. Srivastava AK, Schwartz CE. Intellectual disability and autism spectrum disorders: Causal genes and molecular mechanisms. Neurosci Biobehav Rev 2014; 46(2):161–174.. Por outro lado, pelo menos 10% dos indivíduos com DI preenchem critérios clínicos compatíveis com diagnóstico simultâneo de TEA3838. Srivastava AK, Schwartz CE. Intellectual disability and autism spectrum disorders: Causal genes and molecular mechanisms. Neurosci Biobehav Rev 2014; 46(2):161–174.. No Brasil, desde 2012, a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista considera a pessoa com TEA como uma alguém com deficiência, para todos os efeitos legais3939. Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei n.º 12.764 de 27 de Dezembro de 2012. Institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista; e altera o § 3º do art. 98 da Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Diário Oficial da União 2012; 28 dez..

Nas discussões sobre as políticas de saúde mental infantil, autores defendem a importância da intersetorialidade no tratamento, envolvendo o trabalho em saúde multiprofissional, como o desenvolvido nos CAPSi e em outros cenários de atenção primária à saúde, assim como a atuação das áreas de assistência social, educação e justiça, com a finalidade de garantir uma rede de cuidado ampliada2020. Couto MCV, Duarte CS, Delgado PGG. Child mental health and Public Health in Brazil: current situation and challenges. Rev. Bras. Psiquiatr 2008; 30(4):384–389.. Nesse sentido, em 2003 foi aprovada a Portaria n° 1.947, que trata da aplicação de recursos financeiros destinados à expansão dos CAPSi. Essa Portaria reconhece que a clientela típica dos CAPSi são crianças e adolescentes com transtornos mentais severos, incluindo autismo e DI com comorbidade psiquiátrica4040. Brasil. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria n.º 1.947 de 10 de Outubro de 2003. Aprovar o Plano Estratégico para a Expansão dos Centros de Atenção Psicossocial para a Infância e Adolescência, constante do anexo, a qual prevê a implantação de 70 CAPSi em municípios estratégicos, até dezembro de 2004. Diário Oficial da União 2003; 13 out..

No Brasil, apesar da literatura apontar que pessoas com DI são clientela comum das instituições de saúde mental77. Surjus LTLS, Campos RTO. Deficiência Intelectual e Saúde Mental: Quando a Fronteira Vira Território. Rev Polis e Psique 2013; 3(2):82–96.,99. Surjus LTLS, Campos RTO. Interface entre Deficiência Intelectual e Saúde Mental: revisão hermenêutica. Rev Saude Publica 2014; 48(3):532–540.,3535. Gomes MPC, Couto MCV, Pepe VLE, Almeida LM, Delgado PGG, Coutinho ESF. Censo dos pacientes internados em uma instituição asilar no Estado do Rio de Janeiro: dados preliminares. Cad Saude Publica 2002; 18(6):1803–1807.,3636. Barros S, Bichaff R. Desafios para a desinstitucionalização: censo psicossocial dos moradores em hospitais psiquiátricos do Estado de São Paulo. São Paulo: FUNDAP, Secretaria de Estado da Saúde; 2008. e embora coexistam políticas públicas nos dois campos, parece haver pouca articulação e diálogo entre as diferentes redes de apoio das duas áreas. O reconhecimento da vulnerabilidade a problemas de saúde mental em indivíduos com DI é essencial para assegurar um cuidado integral e adequado a essa população77. Surjus LTLS, Campos RTO. Deficiência Intelectual e Saúde Mental: Quando a Fronteira Vira Território. Rev Polis e Psique 2013; 3(2):82–96.,99. Surjus LTLS, Campos RTO. Interface entre Deficiência Intelectual e Saúde Mental: revisão hermenêutica. Rev Saude Publica 2014; 48(3):532–540.,3333. Cooper SA, Smiley E, Morrison J, Williamson A, Allan L. Mental ill-health in adults with intellectual disabilities: prevalence and associated factors. Br J Psychiatry. 2007; 190: 27–35.,4141. Bouras N, Holt G. Mental health services for adults with disabilities. Br J Psychiatry 2004; 184(4):291–292.. A aplicação efetiva de uma rede intersetorial de apoio ao deficiente intelectual com transtorno mental permanece como um desafio a ser superado, dado o grau de complexidade operacional e de articulação necessária.

Ética

Nas últimas décadas, houve mudanças na percepção da sociedade brasileira com relação aos deficientes, passando de uma visão depreciativa, cujas motivações para atenção eram basicamente assistencialistas, caritativas ou religiosas, para outra integradora, que enxerga nos deficientes competências e direitos à participação social2626. Bernardes LCG, Maior IMML, Spezia CH, Araújo TCCF. Pessoas com deficiência e políticas de saúde no Brasil: reflexões bioéticas. Cien Saude Colet 2009; 14(1):31–38..

É dever do Estado fornecer condições para o desenvolvimento dos deficientes, tanto contribuindo para acesso facilitado a setores básicos (educação, saúde, trabalho e lazer), como realizando investimentos necessários à prestação de serviços de qualidade. Na aplicação dos investimentos, há de se considerar questões éticas e de justiça, direcionando ações e recursos aos indivíduos mais vulneráveis e com maiores necessidades, preservando a equidade.

Seis legislações relacionadas a direitos dos deficientes foram identificadas nesta revisão, inclusive a Política Nacional de Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência, de 200244. Brasil. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria n.º 1.060 de 05 de Junho de 2002. Política Nacional de Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência. Diário Oficial da União 2002; 5 jun.. Outras legislações importantes, como aquelas que aprovam e promulgam o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência3030. Brasil. Congresso Nacional. Decreto n.º 186 de 9 de Julho de 2008. Aprova o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007. Diário Oficial da União 2008; 10 jul.,3131. Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto n.º 6.949 de 25 de Agosto de 2009. Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007. Diário Oficial da União 2009; 26 ago., que institui o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência4242. Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto n.º 7.612 de 17 de Novembro de 2011. Institui o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência - Plano Viver sem Limite. Diário Oficial da União 2011; 18 nov. e as discussões sobre a Lei do Estatuto da Pessoa com Deficiência4343. Brasil. Presidência da República. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Conselho Nacional do Direito da Pessoa Portadora de Deficiência. Resolução nº 34 de 04 de Maio de 2005. Dispõe sobre a instauração de Comissão Provisória de Análise de Proposta de Anteprojeto de Lei do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Diário Oficial da União 2005; 13 maio., representam um avanço no debate de políticas públicas direcionadas aos deficientes intelectuais.

Profissionais de saúde devem atuar no processo de inclusão, contribuindo para que o deficiente desenvolva autonomia e conheça seus direitos2323. Aragão AEA, Ponte KMA, Pagliuca LMF, Silva MAM, Ferreira AGN, Sousa PCP. Perfil das pessoas com deficiência de uma paróquia da Diocese de Sobral - Ceará: um estudo quantitativo. Online Brazilian Journal of Nursing 2010; 9(1).. É importante reconhecer as potencialidades existentes nos deficientes intelectuais, procurando não assumir posições superprotetoras2626. Bernardes LCG, Maior IMML, Spezia CH, Araújo TCCF. Pessoas com deficiência e políticas de saúde no Brasil: reflexões bioéticas. Cien Saude Colet 2009; 14(1):31–38.. Estudo qualitativo, realizado por meio de entrevistas com 21 médicos de diferentes especialidades que trabalhavam com crianças com doenças genéticas associadas a malformações congênitas e DI, observou que estes supervalorizavam a figura materna, como alguém merecedora do título de “heroína”, com consequente “invisibilidade” do deficiente2525. Martins AJ, Cardoso MHCA, Llerena JC, Moreira MCN. A concepção de família e religiosidade presente nos discursos produzidos por profissionais médicos acerca de crianças com doenças genéticas. Cien Saude Colet 2012; 17(2):545–553..

Esta revisão identificou uma legislação específica sobre denominação dos deficientes – Resolução 1/20104444. Brasil. Presidência da República. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Conselho Nacional do Direito da Pessoa Com Deficiência. Resolução nº 1 de 15 de Outubro de 2010. Altera dispositivos da Resolução nº 35, de 6 de julho de 2005, que dispõe sobre o Regimento Interno do Conade. Onde se lê “Pessoas Portadoras de Deficiência”, leia-se “Pessoas com Deficiência”. Diário Oficial da União 2011; 22 fev., que dispõe sobre o regimento interno do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência e que propõe que a expressão “pessoas portadoras de deficiência” seja substituída por “pessoas com deficiência”. Tal alteração remonta a um antigo debate sobre como descrever a deficiência e o deficiente. A linguagem referente ao tema pode estar carregada de violência e de eufemismos discriminatórios4545. Diniz D. O que é deficiência. São Paulo: Brasiliense; 2007. Coleção Primeiros Passos. Em consonância com recomendações internacionais, expressões como “pessoa portadora de deficiência” ou “pessoa com necessidades especiais” têm sido abandonadas. Há entendimento de que a condição de ter uma deficiência faz parte da existência individual – o indivíduo não porta sua deficiência, ele tem uma deficiência, que o constitui como sujeito. Assim, tanto o verbo “portar” como o substantivo ou o adjetivo “portadora” não se aplicam a uma condição inata ou adquirida que faz parte da pessoa.

Necessidades de saúde

No Brasil, não há priorização de políticas públicas de saúde para deficientes intelectuais, fato evidenciado a partir da constatação de que nenhuma das desenvolvidas em atenção às pessoas deficientes é direcionada exclusivamente a esse grupo1717. Mercadante MT, Evans-Lacko S, Paula CS. Perspectives of intellectual disability in Latin American countries: epidemiology, policy, and services for children and adults. Curr Opin Psychiatry 2009; 22(5):469–474..

Nesta revisão, observou-se a existência de legislações que contemplam demandas particulares da população com DI, através, por exemplo, de procedimentos odontológicos4646. Brasil. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria n.º 1.032 de 05 de Maio de 2010. Inclui procedimento odontológico na Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses e Próteses e Materiais Especiais do Sistema Único de Saúde - SUS, para atendimento às pessoas com necessidades especiais. Diário Oficial da União 2010; 6 maio., serviços de reabilitação4747. Brasil. Presidência da República. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Conselho Nacional do Direito da Pessoa Portadora de Deficiência. Resolução nº 23 de 11 de Fevereiro de 2004. Dispõe sobre a conclusão da Comissão Provisória para definir ações de habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência. Diário Oficial da União 2004; 11 fev.4949. Brasil. Presidência da República. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Conselho Nacional do Direito da Pessoa Portadora de Deficiência. Resolução nº 33 de 13 de Abril de 2005. Dispõe sobre a instauração de Comissão Provisória de Habilitação e Reabilitação de Pessoas com Deficiência. Diário Oficial da União 2005; 20 abr., e instituição da rede de cuidados à pessoa com deficiência no âmbito do SUS5050. Brasil. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria n.º 793 de 24 de Abril de 2012. Institui a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência no âmbito do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União 2012; 25 abr.. Contudo, há insuficiência de informações sobre o exercício desses direitos legais.

O foco das políticas públicas de saúde de muitos países em relação à DI é a prevenção, quando é necessário também promover o bem estar dos deficientes, através do cuidado de suas demandas de saúde específicas2121. Frey GC, Temple VA. Health promotion for Latin Americans with intellectual disabilities. Salud Publica Mex 2008; 50(Supl. 2):167–177..

Segundo a “International Association for the Scientific Study of Intellectual Disabilities” (IASSID), fazem parte das demandas de saúde 15 itens que acometem grande parcela dos indivíduos com DI: (1) saúde bucal, (2) visão, (3) nutrição, (4) constipação intestinal crônica, (5) epilepsia, (6) problemas tireoidianos, (7) distúrbios neurocomportamentais, (8) refluxo gastroesofágico e Helicobacter pylori, (9) osteoporose, (10) medicações em geral, (11) imunizações, (12) atividades físicas, (13) etiologia/genética, (14) saúde integral e (15) saúde da mulher. Há diversas barreiras para a implantação de políticas de saúde que contemplem esses 15 aspectos, como falta de conhecimento entre profissionais de saúde e cuidadores, atitudes sociais negativas e dificuldades de comunicação entre os vários setores envolvidos no cuidado ao deficiente. Ações como rastreamento de demandas de saúde, qualificação de cuidadores, incentivo a hábitos saudáveis e atitudes de autocuidado, incremento à qualidade e quantidade de trabalhadores da saúde e melhorias de comunicação entre setores públicos, são ferramentas importantes para o atendimento dessas necessidades2121. Frey GC, Temple VA. Health promotion for Latin Americans with intellectual disabilities. Salud Publica Mex 2008; 50(Supl. 2):167–177..

Capacitação contínua de profissionais de saúde e formação de equipes multiprofissionais são propostas das Conferências Nacionais sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência. Idealmente, essa capacitação deve se iniciar antes mesmo da práxis cotidiana, com a discussão sobre a deficiência durante o período de formação educacional dos profissionais.

Promoção de saúde e prevenção de agravos

O Brasil instituiu em 2011 o “Plano Viver sem Limite”4242. Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto n.º 7.612 de 17 de Novembro de 2011. Institui o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência - Plano Viver sem Limite. Diário Oficial da União 2011; 18 nov., cuja finalidade é assegurar o exercício de direitos aos deficientes. Entre as diretrizes desse Plano, encontram-se a prevenção das deficiências, além da amplificação e qualificação da rede de atenção à saúde, uma importante ação de promoção. Em 2012, foi instituído o Programa Nacional de Apoio à Atenção da Saúde da Pessoa com Deficiência5151. Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei n.º 12.715 de 17 de Setembro de 2012. Institui o Programa Nacional de Apoio à Atenção da Saúde da Pessoa com Deficiência. Diário Oficial da União 2012; 19 set., que tem como objetivo a captação de recursos para a prevenção, a promoção, o diagnóstico, o tratamento e a reabilitação do deficiente.

Também importantes no contexto brasileiro são as iniciativas desenvolvidas com relação aos defeitos congênitos. As ações governamentais, previstas e subsidiadas pelas leis nacionais, incluem o Programa Nacional de Triagem Neonatal, a obrigatoriedade da fortificação das farinhas de trigo e milho com ácido fólico a partir de 2004, e a luta contra a rubéola congênita através do Programa Nacional de Imunizações1818. Horovitz DDG, Llerena JC, Mattos RA. Atenção aos defeitos congênitos no Brasil: panorama atual. Cad Saude Publica 2005; 21(4):1055–1064.. Somam-se às estratégias governamentais desenvolvidas por grupos técnicos e de pesquisa, como as elaboradas pelo Serviço de Genética Médica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, através do Sistema de Informação sobre Agentes Teratogênicos e do Serviço de Informações sobre Erros Inatos do Metabolismo1818. Horovitz DDG, Llerena JC, Mattos RA. Atenção aos defeitos congênitos no Brasil: panorama atual. Cad Saude Publica 2005; 21(4):1055–1064..

É inegável a importância das ações de promoção em saúde desenvolvidas por entidades presentes na comunidade civil, como as APAE. Além de propiciarem formação educacional e de trabalharem na inclusão, o acesso a esses serviços promove a redução do estresse materno, por meio da interação com outras crianças deficientes, e melhor entendimento da situação.

Em 2014, o Ministério da Saúde instituiu a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, que propõe uma linha de cuidado específica para DI1010. Brasil. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria n.º 199 de 30 de Janeiro de 2014. Institui a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, aprova as Diretrizes para Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e institui incentivos financeiros de custeio. Diário Oficial da União 2014; 12 fev., gerando perspectivas positivas em pacientes, famílias e cuidadores. Acesso aos serviços de saúde de diferentes complexidades, atendimento de qualidade por equipe multiprofissional, pesquisa diagnóstica e tratamento adequado, quando desempenhados corretamente, são ferramentas de promoção e prevenção, e fazem parte das demandas em saúde dos deficientes intelectuais.

Considerações finais

A Política Nacional de Saúde para Pessoa com Deficiência, de 2002, traz como demandas a necessidade de inclusão, reabilitação, promoção de saúde e prevenção de agravos para população deficiente; ações dependentes da articulação entre diferentes setores governamentais e da participação da sociedade civil. Nesta pesquisa, foram encontradas legislações no campo da saúde que visam ao atendimento das principais diretrizes recomendadas por essa Política, embora faltem estudos que abordem a efetividade das legislações propostas e seu nível de implantação.

Do ponto de vista científico, observou-se que, no Brasil, as discussões sobre as questões de saúde pública para a população com DI são pouco específicas, sendo majoritariamente tratadas em meio a reflexão com os demais tipos de deficiências, ou em concomitância com outros países de realidade econômica semelhante. As poucas pesquisas publicadas nos últimos anos abordam aspectos relacionados à condição socioeconômica, violência, saúde mental, ética, necessidades de saúde, promoção e prevenção da saúde.

Novas pesquisas devem reconhecer e valorizar as particularidades de atenção à saúde dessa população. Sugere-se o desenvolvimento de investigações sobre as ações de equipes multiprofissionais e a contribuição dos diversos atores – órgãos governamentais, organizações não governamentais, serviços especializados, comunidade e família – na melhoria da qualidade de vida e assistência às pessoas com DI. O incremento de pesquisas na área é uma demanda da própria população deficiente e permitirá conhecer suas necessidades de saúde específicas, além de oferecer embasamento sólido em questões essenciais, como prevenção, promoção, diagnóstico e tratamento.

No Brasil, na última década, foram estabelecidas algumas políticas públicas voltadas aos deficientes intelectuais, inclusive na área da saúde. Contudo, a implementação e a garantia efetiva dos direitos assegurados por lei, a alocação de recursos e o desenvolvimento de redes de assistência e de proteção específicas e efetivas, permanecem como desafios a serem superados.

Agradecimentos

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pelo apoio financeiro a RVV Tomaz.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan 2016

Histórico

  • Recebido
    29 Mar 2014
  • Revisado
    28 Jan 2015
  • Aceito
    30 Jan 2015
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