Uso contínuo de medicamentos e condições de trabalho entre motoristas de caminhão

Edmarlon Girotto Camilo Molino Guidoni Alberto Durán González Arthur Eumann Mesas Selma Maffei de Andrade Sobre os autores

Resumo

Os motoristas de caminhão têm sido pouco explorados quanto aos problemas de saúde que os acometem e, principalmente, quanto ao seu perfil de consumo de medicamentos. Este estudo teve o objetivo de determinar o uso contínuo de medicamentos, por motoristas de caminhão, e identificar as características profissionais associadas. Para a sua realização, conduziu-se um estudo transversal com motoristas de caminhão estacionados no Pátio de Triagem do Porto de Paranaguá, Paraná, Brasil. Realizou-se uma entrevista com obtenção de dados socioeconômicos, problemas de saúde, condições de trabalho e uso contínuo de medicamentos. Dos motoristas avaliados (n = 665), 21,1% referiram utilizar algum medicamento continuamente, com destaque para o captopril (10,7%), metformina (10,3%), omeprazol (6,2%) e sinvastatina (6,2%). Motoristas com dezesseis anos ou mais de experiência profissional (RP 1,67; IC 95% 1,11-2,51), proprietários do próprio caminhão (RP 1,38; IC 95% 1,03-1,86) e que não possuíam vínculo empregatício formal (RP 1,49; IC 95% 1,11-2,00) apresentaram maior prevalência de uso contínuo de medicamentos. Observa-se que algumas condições de trabalho têm importante papel do uso contínuo de medicamentos pelos motoristas de caminhão.

Palavras-chave
Motoristas de caminhão; Utilização de medicamentos; Condições de Trabalho; Farmacoepidemiologia

Introdução

Os medicamentos representam a principal tecnologia no manejo dos agravos agudos e crônicos à saúde11. Vieira FS. Possibilidades de contribuição do farmacêutico para a promoção da saúde. Cien Saude Colet 2007; 12(1):213-220.. Apesar do risco de eventos adversos, contribuem significativamente para o aumento da expectativa e qualidade de vida da população22. Leite SN, Vieira M, Veber AP. Estudos de utilização de medicamentos: uma síntese de artigos publicados no Brasil e América Latina. Cien Saude Colet 2008; 13(Supl.):793-802.,33. Paniz VMV, Fassa AG, Facchini LA, Bertoldi AD, Piccini RX, Tomasi E, Thumé E, Silveira DS, Siqueira FV, Rodrigues MA. Acesso a medicamentos de uso contínuo em adultos e idosos nas regiões sul e nordeste do Brasil. Cad Saude Publica 2008; 24(2):267-280.. O consumo de medicamentos está relacionado a aspectos socioeconômicos e demográficos, ao acesso a serviços de saúde, aos hábitos de vida e à própria presença de agravos de saúde, especialmente os crônico-degenerativos44. Costa KS, Barros MBA, Francisco PMSB, César CLG, Goldbaum M, Carandina L. Utilização de medicamentos e fatores associados: Um estudo de base populacional no município de Campinas, São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica 2011; 27(4):649-658.,55. Vosgerau MZS, Soares DA, Souza RKT, Matsuo T, Carvalho GS. Consumo de medicamentos entre adultos na área de abrangência de uma unidade de saúde da família. Cien Saude Colet 2011; 16(Supl. 1):1629-1638..

Nesse contexto, destacam-se as condições de trabalho, as quais podem dificultar o acesso e a adesão ao tratamento medicamentoso66. Passos VMA, Assis TD, Barreto SM. Hipertensão arterial no Brasil: estimativa de prevalência a partir de estudos de base populacional. Epidemiol Serv Saúde 2006; 15(1):35-45., assim como aumentar o risco de ocorrência de agravos à saúde e, consequentemente, elevar o consumo de medicamentos, principalmente, devido ao estresse gerado ou pelas condições insalubres do ambiente de trabalho77. Couto HA, Vieira FLH, Lima EG. Estresse ocupacional e hipertensão arterial sistêmica. Rev Bras Hipertens 2007; 14(2):112-115.. Dessa forma, determinadas profissões podem apresentar diferenças no perfil de consumo de medicamentos.

Sendo assim, alguns segmentos da sociedade são poucos explorados quanto ao perfil e fatores associados ao consumo de medicamentos. Percebe-se que os estudos epidemiológicos buscam realizar tais investigações na população geral44. Costa KS, Barros MBA, Francisco PMSB, César CLG, Goldbaum M, Carandina L. Utilização de medicamentos e fatores associados: Um estudo de base populacional no município de Campinas, São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica 2011; 27(4):649-658.,55. Vosgerau MZS, Soares DA, Souza RKT, Matsuo T, Carvalho GS. Consumo de medicamentos entre adultos na área de abrangência de uma unidade de saúde da família. Cien Saude Colet 2011; 16(Supl. 1):1629-1638., crianças88. Beckhauser GC, Souza JM, Valgas C, Piovezan AP, Galato D. Utilização de medicamentos na pediatria: a prática de automedicação em crianças por seus responsáveis. Rev Paul Pediatr 2010; 28(3):262-268., adolescentes99. Aquino DS, Barros JAC, Silva MDP. A automedicação e os acadêmicos da área de saúde. Cien Saude Colet 2010; 15(5):2533-2538., idosos1010. Loyola Filho AI, Uchoa E, Firmo JOA, Lima-Costa MF. Estudo de base populacional sobre o consumo de medicamentos entre idosos: Projeto bambuí. Cad Saude Publica 2005; 21(2):545-553. ou gestantes1111. Brum LFS, Pereira P, Felicetti LL, Silveira RD. Utilização de medicamentos por gestantes usuárias do sistema único de saúde no município de Santa Rosa (RS, Brasil). Cien Saude Colet 2011; 16(5):2435-2442.. No entanto, há escassez de estudos em grupos populacionais com exposições ocupacionais específicas, como os motoristas de caminhão.

Esses profissionais são, em sua maioria, do sexo masculino1212. Leyton V, Sinagawa DM, Oliveira KCBG, Schmitz W, Andreuccetti G, De Martinis BS, Yonamine M, Munoz DR. Amphetamine, cocaine and cannabinoids use among truck drivers on the roads in the State of Sao Paulo, Brazil. Forensic Sci Int 2012; 215(1-3):25-27.,1313. Yonamine M, Sanches LR, Paranhos BA, De Almeida RM, Andreuccetti G, Leyton V. Detecting alcohol and illicit drugs in oral fluid samples collected from truck drivers in the state of Sao Paulo, Brazil. Traffic Inj Prev 2013; 14(2):127-131., casados ou em união estável1313. Yonamine M, Sanches LR, Paranhos BA, De Almeida RM, Andreuccetti G, Leyton V. Detecting alcohol and illicit drugs in oral fluid samples collected from truck drivers in the state of Sao Paulo, Brazil. Traffic Inj Prev 2013; 14(2):127-131.

14. Villarinho L, Bezerra I, Lacerda R, Latorre MRDO, Paiva V, Stall R, Hearst N. Caminhoneiros de rota curta e sua vulnerabilidade ao HIV, Santos, SP. Rev Saude Publica 2002; 36(4):61-67.

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Os motoristas de caminhão apresentam necessidades de acesso aos profissionais e serviços de saúde que podem ser similares às da população geral ou peculiares de sua atividade laboral2626. Ferreira SS, Alvarez D. Organização do trabalho e comprometimento da saúde: Um estudo em caminhoneiros. Sist Gestão 2013; 8(1):58-66., e também devem ser alcançados por estratégias para promoção do uso seguro e correto de medicamentos. Estratégias no sentido de fornecer assistência na área da saúde ao motorista de caminhão têm surgido em alguns pontos de parada nas estradas e promovidas por entidades como o Serviço Social do Transporte (SEST) e o Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (SENAT)2727. Oliveira LG, Endo LG, Sinagawa DM, Yonamine M, Munoz DR, Leyton V. A continuidade do uso de anfetaminas por motoristas de caminhão no Estado de São Paulo, Brasil, a despeito da proibição de sua produção, prescrição e uso. Cad Saude Publica 2013; 29(9):1903-1909.,2828. Oliveira LG, Santos B, Gonçalves PD, Carvalho HB, Massad E, Leyton V. Attention performance among Brazilian truck drivers and its association with amphetamine use: pilot study. Rev Saude Publica 2013; 47(5):1001-1005..

Vale destacar que estudo realizado por Guedes et al.2929. Guedes HM, Paula AC, Conceição Silva AM, Almeida MEF. Utilização de serviços de atenção básica à saúde por caminhoneiros. Enferm Bras 2012; 11(6):347-352. demonstrou que somente 29,4% dos motoristas de caminhão procuram a atenção primária para o tratamento de seus problemas de saúde, indicando a necessidade de maior compreensão deste fenômeno, em especial no que tange ao uso de medicamentos. No entanto, ainda existe uma importante lacuna de estudos que investiguem as características do consumo de medicamentos por motoristas. Dessa forma, o objetivo deste estudo foi evidenciar o uso contínuo de medicamentos, assim como identificar características profissionais associadas ao uso, por motoristas de caminhão frequentadores do Porto de Paranaguá, Paraná, Brasil.

Métodos

Estudo de delineamento transversal realizado com motoristas de caminhão estacionados no Pátio de Triagem do Porto de Paranaguá, Paraná. O Pátio de Triagem é um local anexo do referido Porto, no qual os motoristas de caminhão aguardam a triagem dos grãos (soja, milho e farelo de soja) provenientes da safra agrícola do Brasil e descarga nos complexos de silo do Porto de Paranaguá.

Anteriormente à coleta de dados, foi realizado um estudo piloto no referido pátio, no qual se avaliou a logística de funcionamento do local de coleta, o fluxo de veículos, a sistemática de estacionamento dos caminhões no pátio, e aplicou-se um pré-teste do instrumento de coleta dos dados com dez motoristas. No pré-teste, buscou-se verificar a viabilidade de aplicação e adequação da linguagem do instrumento à população de estudo.

O instrumento de coleta constituiu de um formulário, com o qual se obtiveram informações referentes a características sociodemográficas e econômicas, hábitos de vida, agravos à saúde, condições de trabalho e utilização de medicamentos. A amostra de estudo foi definida com o uso do programa StatCalc, população infinita, estimativa de prevalência de 50% e erro de 4%, totalizando 600 indivíduos. Foram excluídos deste estudo os motoristas que relataram menos de um ano de profissão.

A coleta de dados ocorreu no mês de julho de 2012, sendo realizada por pesquisadores devidamente treinados. A amostragem foi por conveniência, pois a sistemática de distribuição dos motoristas no pátio era indefinida. Durante a coleta, dois pesquisadores percorriam todo o pátio do Porto, abordando os motoristas localizados nos seus veículos, outros dois permaneciam nos pontos de concentração dos motoristas para alimentação ou aquisição de produtos diversos, e outros três em um ponto fixo, atendendo motoristas que buscavam voluntariamente informações sobre a investigação.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Estadual de Londrina. Os motoristas, antes do inquérito, foram informados sobre os objetivos da pesquisa, e leram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

A variável dependente analisada foi o consumo contínuo de medicamentos. Para avaliar esta variável, questionou-se, no momento da entrevista, se o motorista fazia uso de algum medicamento de forma contínua. Caso a resposta fosse sim, perguntava-se quais medicamentos estavam sendo utilizados, averiguando-se a prescrição médica ou a embalagem do medicamento, quando disponível. Os medicamentos utilizados foram listados por seus nomes genéricos e classificados posteriormente obedecendo à classificação da Anatomical Therapeutic Chemical Classification (ATC), da Organização Mundial de Saúde, de acordo com o primeiro subgrupo, o qual corresponde ao grupo terapêutico3030. World Health Organization (ONU). Guidelines for atc classification and ddd assignment 2013. 16ª ed. Oslo: WHO Collaborating Centre for Drug Statistics Methodology; 2013..

As variáveis independentes (características profissionais) foram: tempo de trabalho como motorista (abaixo de dezesseis anos; dezesseis anos ou mais), turno de trabalho (fixo; alternado), propriedade do caminhão (do empregador; do motorista), vínculo empregatício (sim; não), renda como motorista (abaixo de R$ 2.500,00; R$ 2.500,00 ou mais), direção por mais de oito horas ininterruptas (sim; não), direção estando bastante cansado (sim; não) e característica salarial (apenas fixo; produtividade ou fixo+produtividade). As variáveis tempo de trabalho e renda como motorista foram categorizadas conforme o valor da mediana.

As variáveis de caracterização foram sociodemográficas e econômicas (faixa etária, escolaridade, situação conjugal e acesso a plano de saúde privado) e agravos de saúde autorrelatados. Todos os problemas de saúde foram identificados mediante o autorrelato do motorista de caminhão e convertidos em linguagem médica apropriada. As variáveis faixa etária (40 anos ou menos; mais de 40 anos), escolaridade (menos de oito anos de estudo; oito anos de estudo ou mais) e acesso a plano de saúde (sim; não) também foram utilizadas como variáveis de controle.

As informações foram duplamente digitadas em banco de dados do programa Epiinfo 3.5.4®, para Windows®, sendo comparadas no mesmo programa. A análise dos dados foi realizada com o uso do programa SPSS, versão 19.0. Windows®. Para as variáveis qualitativas calcularam-se as frequências simples e, para as quantitativas, as medidas de tendência central e de dispersão (média e desvio padrão). Para determinar a associação entre as relacionadas às características profissionais e o uso contínuo de medicamentos utilizou-se a Regressão de Poisson com variância robusta e intervalo de confiança de 95% (IC 95%), com estimativa da Razão de Prevalência (RP), realizando-se análise não ajustada e ajustada (por faixa etária, escolaridade e acesso a plano de saúde). Para determinação da significância estatística, considerou-se valor de p < 0,05.

Resultados

Durante o período de coleta foram abordados 773 motoristas, ocorrendo 5 (cinco) exclusões devido ao tempo de profissão como motorista de caminhão ser inferior a um ano. Dos 768 restantes, 98 (12,8%) recusaram-se a participar. Dos 670 motoristas que iniciaram a entrevista, cinco foram chamados para descarregar seus veículos e não forneceram todas as informações necessárias. Dessa forma, compuseram este estudo 665 motoristas de caminhão. Todos eram do sexo masculino e a idade média de 41,9 anos (Desvio padrão [DP] = 11,1 anos), com 50,2% apresentando mais de 40 anos. A maioria (58,5%) apresentou, no máximo, oito anos de estudo, relatou viver conjugalmente com companheira (84,8%) e não ter acesso a plano privado de saúde (70,4%).

O tempo médio de experiência como motorista de caminhão foi de 18,2 anos (DP = 11,4), variando de um a 57 anos, com 51,1% referindo ter mais de 16 anos de experiência. A maioria dos motoristas relatou turno alternado de trabalho (74,4%), não ser proprietário do caminhão (68,7%), possuir vínculo empregatício (62,4%) e receber salário baseado na produtividade (89,3%).

A maior parte dos motoristas (n = 421; 63,3%) relatou algum problema de saúde, num total de 683, destacando-se dores crônicas em geral (braços, pernas ou costas) (35,6%), hipertensão arterial sistêmica (HAS) (16,2%), dislipidemias (12,6%), hemorroidas (8,7%) e diabetes mellitus (DM) (7,5%). Em média, os entrevistados apresentaram 1,03 agravos de saúde (DP = 1,05), com mínimo de zero e máximo de cinco.

Dos 670 motoristas entrevistados, 140 (21,1%) referiram utilizar continuamente algum medicamento no momento da investigação. Destes, 72,9% e 18,6% utilizavam um e dois medicamentos, respectivamente. No total, 194 medicamentos foram relatados, com uma média de 1,38 (DP = 0,70) por motorista e, no máximo, quatro medicamentos por motorista. Os medicamentos mais citados pelos entrevistados foram captopril (10,7%), metformina (10,3%), omeprazol (6,2%), sinvastatina (6,2%), enalapril (5,6%) e hidroclorotiazida (5,2%) (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição dos medicamentos utilizados por motoristas de caminhão segundo grupo terapêutico, Porto de Paranaguá, Paranaguá, Paraná, Brasil (n = 194).

No que se refere ao tratamento medicamentoso dos cinco principais agravos referidos pelos motoristas de caminhão, a HAS e DM apresentaram os maiores percentuais de tratamento (47,2% e 48,0%, respectivamente). Por outro lado, as dores crônicas musculoesqueléticas referidas pelos motoristas apresentaram percentual de tratamento de 2,5% e as hemorroidas de 3,4% (Tabela 2).

Tabela 2
Tratamento medicamentoso dos cinco principais agravos de saúde referidos pelos motoristas de caminhão, Porto de Paranaguá, Paranaguá, Paraná, Brasil, 2012 (n = 421).

As características profissionais que se apresentaram associadas ao uso contínuo de medicamentos no modelo não ajustado foram o tempo de experiência como motorista igual ou superior a 16 anos; a propriedade do caminhão do próprio motorista; e não ter vínculo empregatício (sem registro em carteira de trabalho). Após os ajustes realizados (por faixa etária, escolaridade e acesso a plano de saúde), estas variáveis mantiveram-se associadas ao uso contínuo de medicamentos: tempo de experiência como motoristas igual ou superior a 16 anos (RP 1,67; IC 95% 1,11-2,51); propriedade do caminhão do próprio motorista (RP 1,38; IC 95% 1,03-1,86) e não ter vínculo empregatício (RP 1,49; IC 95% 1,11-2,00) (Tabela 3). A maior faixa etária (mais de 40 anos) também se mostrou associada ao uso contínuo de medicamentos em todas as análises ajustadas realizadas.

Tabela 3
Associação entre características profissionais e uso contínuo de medicamentos por motoristas de caminhão (não ajustada e ajustada), Porto de Paranaguá, Paranaguá, Paraná, Brasil, 2012 (n = 665).

Discussão

As dores crônicas musculoesqueléticas, em geral, mostraram-se como um importante agravo referido pelos motoristas avaliados, o que se assemelha com estudos prévios que avaliaram essa categoria profissional1919. Takitane J, Oliveira LG, Endo LG, Oliveira KC, Munoz DR, Yonamine M, Leyton V. Uso de anfetaminas por motoristas de caminhão em rodovias do estado de são paulo: Um risco à ocorrência de acidentes de trânsito? Cien Saude Colet 2013; 18(5):1247-1254.,2424. Saporiti AF, Borges LH, Salaroli LB, Molina MDCB. Dores osteomusculares e fatores associados em motoristas de carretas nas rodovias do Espírito Santo. Rev Bras Pesq Saúde 2010; 12(1):72-78.,2525. Andrusaitis SF, Oliveira RP, Barros Filho TE. Study of the prevalence and risk factors for low back pain in truck drivers in the state of Sao Paulo, Brazil. Clinics 2006; 61(6):503-510.,3131. Macedo E, Blank VLG. Processo de trabalho e prevalência de dor lombar em motoristas de caminhões transportadores de madeira, no sul do Brasil. Cad Saúde Coletiva 2006; 14(3):435-450.. A função do motorista não se restringe à direção do caminhão, havendo a necessidade de efetuar ou auxiliar no carregamento ou descarga dos produtos transportados3232. Brasil. Ministério do Trabalho e Emprego (TEM). Secretaria de Políticas Públicas de Emprego. Classificação brasileira de ocupações: CBO – 2010. Brasília: MTE; 2010., além da direção por muitas horas ininterruptas, o que pode elevar o risco de lesões e agravos à saúde3333. Souza JC, Paiva T, Reimão R. Sono, qualidade de vida e acidentes em caminhoneiros brasileiros e portugueses. Psicol Estud 2008; 13(3):429-436.,3434. Costa LB, Koyama MaH, Minuci EG, Fischer FM. Morbidade declarada e condições de trabalho: O caso dos motoristas de São Paulo e Belo Horizonte. São Paulo Perspec 2003; 17(2):54-67..

A presença de fatores de risco cardiovascular (HAS, DM e dislipidemias) também foi mencionado por outros motoristas avaliados no Brasil1919. Takitane J, Oliveira LG, Endo LG, Oliveira KC, Munoz DR, Yonamine M, Leyton V. Uso de anfetaminas por motoristas de caminhão em rodovias do estado de são paulo: Um risco à ocorrência de acidentes de trânsito? Cien Saude Colet 2013; 18(5):1247-1254.,3535. Cavagioni LC, Bensenõr IM, Halpern A, Pierin AMG. Síndrome metabólica em motoristas profissionais de transporte de cargas da Rodovia BR-116 no trecho paulista-Régis Bittencourt. Arq Bras Endocrinol Metabol 2008; 52(6):1015-1023.

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Em relação ao consumo de medicamentos, percebeu-se semelhança nos referidos pelos motoristas àqueles utilizados pela população em geral44. Costa KS, Barros MBA, Francisco PMSB, César CLG, Goldbaum M, Carandina L. Utilização de medicamentos e fatores associados: Um estudo de base populacional no município de Campinas, São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica 2011; 27(4):649-658.,55. Vosgerau MZS, Soares DA, Souza RKT, Matsuo T, Carvalho GS. Consumo de medicamentos entre adultos na área de abrangência de uma unidade de saúde da família. Cien Saude Colet 2011; 16(Supl. 1):1629-1638.,4848. Neves SJF, Marques APO, Leal MCC, Diniz AS, Medeiros TS, Arruda IKG. Epidemiologia do uso de medicamentos entre idosos em área urbana do nordeste do Brasil. Rev Saude Publica 2013; 47(4):759-768.,4949. Marin MJS, Cecílio LCDO, Perez AEWUF, Santella F, Silva CBA, Gonçalves Filho JR, Roceti LC. Caracterização do uso de medicamentos entre idosos de uma unidade do programa saúde da família. Cad Saude Publica 2008; 24(7):1545-1555.. Em estudo realizado em Campinas-SP, entre os medicamentos de uso contínuo mais consumidos, destacaram-se a hidroclorotiazida, captopril e enalapril44. Costa KS, Barros MBA, Francisco PMSB, César CLG, Goldbaum M, Carandina L. Utilização de medicamentos e fatores associados: Um estudo de base populacional no município de Campinas, São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica 2011; 27(4):649-658.. Em pesquisas realizadas em Ponta Grossa-PR55. Vosgerau MZS, Soares DA, Souza RKT, Matsuo T, Carvalho GS. Consumo de medicamentos entre adultos na área de abrangência de uma unidade de saúde da família. Cien Saude Colet 2011; 16(Supl. 1):1629-1638. e Campinas-SP44. Costa KS, Barros MBA, Francisco PMSB, César CLG, Goldbaum M, Carandina L. Utilização de medicamentos e fatores associados: Um estudo de base populacional no município de Campinas, São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica 2011; 27(4):649-658., os medicamentos de uso contínuo que atuam nos aparelhos cardiovascular e digestivo e no metabolismo foram os mais relatados pelos entrevistados.

O reduzido percentual de tratamento medicamentoso dos principais agravos relatados é um importante aspecto identificado neste estudo. Estudos com indivíduos que reconheciam sua condição de portadores de HAS5050. Nogueira D, Faerstein E, Coeli CM, Chor D, Lopes CDS, Werneck GL. Reconhecimento, tratamento e controle da hipertensão arterial: estudo Pró-Saúde, Brasil. Rev Panam Salud Publica 2010; 27(2):103-109.,5151. Souza ARA, Costa A, Nakamura D, Mocheti LN, Stevanato Filho PR, Ovando LA. Um estudo sobre hipertensão arterial sistêmica na cidade de Campo Grande, MS. Arq Bras Cardiol 2007; 88(4):441-446. e DM5252. Gontijo MF, Ribeiro AQ, Klein CH, Rozenfeld S, Acurcio FA. Uso de anti-hipertensivos e antidiabéticos por idosos: inquérito em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Cad Saude Publica 2012; 28(7):1337-1346.,5353. Francisco PMSB, Belon AP, Barros MBA, Carandina L, Alves MCGP, Goldbaum M, Cesar CLG. Diabetes auto-referido em idosos: prevalência, fatores associados e práticas de controle. Cad Saude Publica 2010; 26(1):175-184. apresentaram resultados de índices de tratamento superiores aos da presente investigação. Os baixos índices de tratamento encontrados entre os motoristas de caminhão podem estar relacionados à dificuldade de acesso e adesão ao tratamento medicamentoso, especialmente devido a estes profissionais não apresentarem uma rotina (condições de trabalho) que facilite e estimule o uso correto e/ou contínuo dos medicamentos, bem como seus hábitos de vida, os quais muitas vezes vão de encontro ao manejo adequado do paciente portador de doenças crônicas, como a HAS e a DM.

Percebeu-se que a maior experiência (16 anos ou mais) como motorista de caminhão mostrou forte associação com o uso contínuo de medicamentos. É de se esperar que os motoristas com maior experiência, salvo exceções, são aqueles que também apresentam maior idade (destaca-se que a maior faixa etária também se mostrou associada ao uso de medicamentos neste estudo). Assim, como estudos na população geral demonstram que há um aumento proporcional do consumo de medicamentos com a idade44. Costa KS, Barros MBA, Francisco PMSB, César CLG, Goldbaum M, Carandina L. Utilização de medicamentos e fatores associados: Um estudo de base populacional no município de Campinas, São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica 2011; 27(4):649-658.,5454. Silva AL, Ribeiro AQ, Klein CH, Acurcio FA. Utilização de medicamentos por idosos brasileiros, de acordo com a faixa etária: um inquérito postal. Cad Saude Publica 2012; 28(6):1033-1045., há também um crescimento deste com maior experiência profissional. Ainda assim, pode-se considerar que as condições de trabalho vivenciadas pelos motoristas ao longo da profissão podem ter contribuído para o aumento da prevalência de alguns agravos2424. Saporiti AF, Borges LH, Salaroli LB, Molina MDCB. Dores osteomusculares e fatores associados em motoristas de carretas nas rodovias do Espírito Santo. Rev Bras Pesq Saúde 2010; 12(1):72-78.,2525. Andrusaitis SF, Oliveira RP, Barros Filho TE. Study of the prevalence and risk factors for low back pain in truck drivers in the state of Sao Paulo, Brazil. Clinics 2006; 61(6):503-510.,3535. Cavagioni LC, Bensenõr IM, Halpern A, Pierin AMG. Síndrome metabólica em motoristas profissionais de transporte de cargas da Rodovia BR-116 no trecho paulista-Régis Bittencourt. Arq Bras Endocrinol Metabol 2008; 52(6):1015-1023., favorecendo um maior uso contínuo de medicamentos.

Esperava-se que a ausência de vínculo empregatício, normalmente relacionado à propriedade do caminhão ser do próprio motorista, fizesse com que o motorista permanecesse por muito tempo esperando cargas para carregamento e transporte, o que aumentaria sua jornada de trabalho e dificultasse a procura por tratamento médico. Entretanto, como este estudo encontrou associação entre a maior prevalência de uso contínuo de medicamentos e motoristas de caminhão que não apresentavam vínculo empregatício, acredita-se que exista a possibilidade de os motoristas com vínculo formal terem maior dificuldade de controlar o seu horário de trabalho, postergando o acesso aos serviços de saúde e, consequentemente, o diagnóstico e o tratamento das doenças presentes.

Alguns cuidados metodológicos foram tomados para garantir a validade interna dos resultados obtidos, como realização de estudo piloto e elaboração de um manual de instruções aos coletadores. No entanto, dada a dinâmica de funcionamento do local estudado, a seleção dos participantes foi por conveniência, fato este que impossibilita a generalização dos resultados ao total de motoristas que frequentaram o Pátio de Triagem do Porto de Paranaguá no período de estudo. Além disso, deve-se enfatizar que pode haver vieses de memória, mensuração ou informação nas variáveis obtidas por medidas indiretas, com a utilização de um formulário, principalmente naquelas referentes às enfermidades e medicamentos.

Diante das doenças relatadas e medicamentos de uso contínuo identificados, observa-se que o perfil epidemiológico e farmacoterapêutico dos motoristas avaliados assemelham-se à população em geral, especialmente quanto aos agravos cardiovasculares e ao uso de medicamentos para o seu tratamento, com exceção da HAS, a qual apresentou índices de prevalência inferiores aos estudos de base populacional. Também merece destaque o subtratamento dos agravos identificados e, principalmente, a identificação da relação entre algumas características profissionais (tempo de experiência, vínculo empregatício e propriedade do caminhão) e a utilização de medicamentos.

Os motoristas de caminhão possuem características singulares, especificamente por ficarem muitos dias, semanas ou até meses longe de sua residência e de seus familiares, o que implica necessidade de adoção de estratégias de promoção à saúde diferentes da população em geral. Dessa forma, incentivar os pontos de parada, as transportadoras e os locais de carga e descarga a disporem de estruturas mais adequadas a atenderem esta população específica pode favorecer a redução e o impacto dos principais agravos identificados na saúde desse grupo populacional. No momento, percebem-se apenas iniciativas pontuais em alguns postos de abastecimento das estradas brasileiras, nos quais são realizados atendimentos médicos e odontológicos, rastreamento de problemas de saúde e orientação sobre a saúde do homem, mas que ainda são incipientes considerando as necessidades deste grupo populacional. Assim, é importante garantir aos motoristas acesso aos profissionais que possam realizar o diagnóstico correto dos seus problemas de saúde e realizar terapia farmacológica e não farmacológica condizentes com suas necessidades singulares.

Por fim, deve-se enfatizar a importância de ações preventivas e de saúde pública no âmbito das condições de trabalho e de ações relacionadas à vigilância da saúde do trabalhador e da trabalhadora5555. Brasil. Portaria n° 1.823, de 23 de agosto de 2012. Institui a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora. Diário Oficial da União 2012; 23 ago., reduzindo os riscos aos quais se submetem os motoristas de caminhão, tanto para a saúde individual como coletiva, como o envolvimento em acidentes de trânsito.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2016

Histórico

  • Recebido
    29 Ago 2015
  • Revisado
    09 Abr 2016
  • Aceito
    11 Abr 2016
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