Violanti JM. Dying for the job: police work exposure and health. Springfield: Charles C Thomas Publisher; 2014

Andrea Maria Silveira Sobre o autor
2014

Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública11. Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública; 2014. 156 p. [acessado 2015 jun 26]. Disponível em: http://www.forumseguranca.org.br/storage/download//anuario_2014_20150309.pdf
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, o Brasil possuía entre 2012 e 2014 aproximadamente 704.231 trabalhadores públicos em defesa social, integrando os efetivos das Polícias Militares, Policias Civis, Guardas Municipais, Policia Federal, Corpo de Bombeiro, e Policia Rodoviária Federal. Apesar da grandiosidade destes números e da relevância da questão da segurança pública na agenda nacional, a produção brasileira sobre a relação entre trabalho e saúde para os profissionais dessa área pode ser considerada discreta. Tal produção vem recebendo poucos, mas importantes, incrementos na última década com a publicação de livro que aborda o tema e está baseado em pesquisas com policiais brasileiros22. Minayo MCS, Souza ER, Constantatino P, organizadores. Missão Prevenir e Proteger: condições de vida, trabalho e saúde dos policiais militares do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2008., além de pelo menos 30 artigos disponibilizados na íntegra pela Scientific Eletronic Library Online (www.scielo.br), os quais enfatizam os transtornos mentais que afligem os policiais e sua relação com o trabalho. Contudo, estudos que tratam de questões relevantes como doenças cardiovasculares, neoplasias, doenças osteomusculares e acidentes relacionados ao trabalho policial ainda são raros. Soma-se a isto a inexistência de publicação que integre, em um único volume, o conhecimento produzido no país sobre a relação entre trabalho policial e saúde e que estabeleça diálogo com a literatura internacional sobre o tema.

Estes fatos aumentam o interesse pelo livro organizado por John M. Violanti, professor titular do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Saúde Pública e Profissões da Saúde da Universidade de Buffalo (estado de Nova York – Estados Unidos da América).

O livro conta com 18 colaboradores, bioestatísticos, epidemiologistas, psiquiatras, psicólogos, cardiologista e médico intensivista, muitos dos quais integraram o grupo de pesquisadores do National Institute for Occupational Safety and Health – Centers for Disease Control and Prevention (NIOSH-CDC) que conduziu durante cinco anos o estudo denominado Buffalo Cardio-Metabolic Occupational Police Stress (BCOPS).

Os autores argumentam que os riscos associados ao trabalho policial vão além da ameaça de violência, morte e testemunho de eventos traumáticos oriundos das ruas e apresentam como principal objetivo da publicação chamar atenção para os riscos menos conhecidos e menos discutidos da atividade policial.

O livro está dividido em 11 capítulos. No primeiro, os autores afirmam que as taxas de morbidade e mortalidade dos policiais são superiores às da população geral e que 20 a 50% das aposentadorias precoces são decorrentes de doenças relacionadas ao trabalho. O capítulo chama atenção para a exposição a fatores de risco no trabalho policial, como ruído, frequências de radar, agentes biológicos, agentes químicos (chumbo, poluentes orgânicos persistentes – POP, gases de escapamento de veículos etc.).

O capítulo 2 trata das disparidades nos indicadores de saúde dos policiais quando comparados ao restante da população norte americana, os quais podem ter até sete anos a menos de expectativa de vida. Os achados de estudos em policiais são comparados com os da população geral e apontam que esses profissionais apresentam níveis mais elevados de fatores de risco tradicionais para doenças cardiovasculares, incluindo tabagismo, obesidade, dislipidemia e hipertensão arterial.

Outros riscos para doenças cardiovasculares tais como, sono insuficiente, trabalho em turnos, excesso de trabalho (segundo emprego) e depressão também foram mais frequentes do que no restante da população. Os autores chamam ainda atenção para as questões de gênero. Da força policial norte americana, 15% é composta por mulheres que têm de lidar com o problema do assédio sexual, discriminação e dificuldades de conciliar o trabalho com as responsabilidades do lar. As minorias raciais, também sub-representadas entre os efetivos policiais, seriam mais acometidas por transtornos mentais, incluindo depressão e síndrome de estresse pós-traumático – SEPT.

O capítulo 3 discute a associação entre trabalho policial e doença cardiovascular, apresenta os fatores de risco e compara a ocorrência desses fatores entre os policiais e a população geral. Achados de revisão da literatura apontam que policiais têm risco mais elevado de morte por doenças cardiovasculares do que a população geral. Este fato desafia os serviços médicos que cuidam desses trabalhadores a implementarem ações preventivas e de promoção a saúde como combate ao tabagismo, estimulo à atividade física regular, adoção de dietas saudáveis, assim como o tratamento da dislipidemia.

O capítulo 4 trata do risco de câncer e da mortalidade entre policiais por este tipo de doença. Os pesquisadores verificaram maior mortalidade por todos os tipos de câncer entre policiais e atribuem esses achados à exposição a grande variedade de riscos ambientais, e ao estilo de vida (tabagismo, obesidade, sedentarismo, alcoolismo, trabalho em turnos etc.).

O capítulo 5 discute os efeitos do trabalho em turnos sobre a saúde e o bem estar dos policiais. O trabalho em turnos impõe sobrecargas físicas e psicológicas à saúde dos trabalhadores, dos quais 50% seriam trabalhadores envolvidos em segurança. Estes trabalhadores consideram este regime de trabalho e as horas extras, os mais desafiantes requisitos da carreira, pelos impactos na redução das horas efetivamente dormidas, na vida familiar e social, e pela fadiga. Na impossibilidade de eliminar o trabalho noturno da atividade policial, a alternativa seria o fomento a boa higiene do sono, bons hábitos dietéticos e atividade física regular.

O capítulo 6 trata dos efeitos dos fatores estressores sobre a saúde das policiais, que além da exposição aos mesmos fatores que atingem os colegas homens tem de gerenciar o estresse de viver em um ambiente dominado por homens, o assédio sexual, a discriminação e fatores extratrabalho como responsabilidades domésticas e gravidez.

O capítulo 7 trata do suicídio policial, considerado a mais séria consequência do estresse e do trauma neste tipo de trabalho. São apresentados os modelos teóricos para explicar o suicídio entre policiais e as estratégias preventivas.

O capítulo 8 trata da vulnerabilidade à síndrome do estresse pós-traumático relacionada ao trabalho e a influência de fatores familiares e organizacionais. Os autores argumentam que características familiares e organizacionais podem aumentar a resiliência.

O capítulo 9 trata especificamente da resiliência no policiamento, de fatores protetivos da síndrome do estresse pós-traumático e apresenta uma visão geral dos fatores que estão relacionados. Apresenta ainda uma introdução à teoria da flexibilidade psicológica como um potencial fator associado à resiliência.

O capítulo 10 trata do transtorno de estresse pós-traumático, da psicobiologia e das desordens coexistentes entre policiais. O capítulo apresenta uma rápida revisão do conhecimento sobre a síndrome do estresse pós-traumático, com informações sobre diagnóstico, epidemiologia e neurobiologia. Descreve também as alterações da saúde física e mental associadas à síndrome. Os autores chamam atenção para o aumento do risco individual com o aumento do número de episódios traumáticos vividos. Nos indivíduos com SEPT a ativação crônica dos sistemas de resposta ao estresse pode resultar em uma liberação excessiva ou reduzida de substancias como cortisol e catecolaminas, o que estaria associado às desordens inflamatórias, endócrinas, cardiovasculares e psiquiátricas.

O 11° e último capítulo trata do tratamento da síndrome do estresse pós-traumático. Os autores descrevem os tratamentos que reduzem os sintomas da síndrome. A maioria desses tratamentos apresenta três fases em comum, as quais aumentam a sua eficácia: aumento da percepção de segurança pelo aumento da capacidade para gerenciar e controlar a excitação fisiológica, apoio ao processo de assimilação da memória do trauma, e apoio ao reengajamento na vida social.

Ainda que o livro se referencie em cenários distintos do brasileiro e não traga uma discussão robusta sobre o papel da organização do trabalho policial no processo de adoecimento desses trabalhadores, as descrições dos riscos presentes na atividade policial em muito se assemelham as dos pesquisadores brasileiros. Desta forma, suas informações e reflexões aportam contribuições importantes para a organização da atenção à saúde dos policiais e para futuras pesquisas no nosso meio.

Referências

  • 1
    Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública; 2014. 156 p. [acessado 2015 jun 26]. Disponível em: http://www.forumseguranca.org.br/storage/download//anuario_2014_20150309.pdf
    » http://www.forumseguranca.org.br/storage/download//anuario_2014_20150309.pdf
  • 2
    Minayo MCS, Souza ER, Constantatino P, organizadores. Missão Prevenir e Proteger: condições de vida, trabalho e saúde dos policiais militares do Rio de Janeiro Rio de Janeiro: Fiocruz; 2008.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2016
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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