Mecanismos de governança e o desenho institucional da Secretaria de Saúde do Município do Rio de Janeiro (RJ), Brasil

José Mendes Ribeiro Flávio Alcoforado Sobre os autores

Resumo

Neste artigo efetuamos um balanço do debate sobre mecanismos de governança e gestão pública e a sua posição em termos das principais escolas econômicas e políticas que afetam a tomada de decisão por governantes eleitos e as ações de atores e instituições relevantes para a configuração do setor público e o funcionamento do aparelho de Estado. É discutido o caráter pendular das orientações de reforma e o grau de esvaziamento das teses weberianas de burocracia racional. À luz destes elementos conceituais e da trajetória do debate sobre a nova gerência pública e a Reforma do Estado no Brasil desde 1995, analisamos o desenho institucional da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro após as reformas adotadas em direção ao modelo das organizações sociais e a capacidade regulatória e a sustentabilidade das escolhas governamentais.

Governança; Reforma do Estado; Nova gerência pública

Introdução

Nas três últimas décadas o debate sobre as funções do setor público e do aparelho de Estado se associou progressivamente aos mecanismos de governança. Influenciado pela literatura em economia, administração e ciência política, e com um certo caráter pendular, gerou polêmicas e atraiu a atenção de governantes, políticos e especialistas. Hoje conforma uma abrangente área de interesse sob a influência de importantes escolas, como a economia institucional e o institucionalismo. O delineamento destas escolas e suas interfaces é tratado por influente literatura11. Goodin RE, Rein M, Moran M. The public and its policies. In: Goodin RE, Rein M, Moran M, editors. The Oxford handbook of public policy. New York: Oxford University Press; 2006. p.3-35. que, pelos conhecimentos que proporcionam, afeta as propostas de reformas do setor público. Além disso, nota-se que as mudanças relacionadas à administração pública têm o foco, segundo graus variáveis, na alteração do modelo administrativo conhecido como weberiano.

O Brasil é um caso relevante de experiências influenciadas por uma sólida agenda política e experimentou, como em outros países ocidentais, forte conflito político-partidário desde a Reforma do Estado e a Reforma Gerencial de 1995. A cultura técnica e política da Nova Gerência Pública esteve presente no Plano Diretor da Reforma do Estado22. Brasil. Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado. Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado. Brasília: Imprensa Nacional; 1995. e o seu caráter gerencial inclui um formato de governança para o Estado. Isto vinculou o debate sobre os mecanismos de governança aos conflitos de agenda política de partidos e de lideranças societárias sobre as funções e o funcionamento da administração pública.

Muitos municípios e estados governados por diferentes partidos políticos competidores (como no caso do Partido dos Trabalhadores e do Partido da Social Democracia Brasileira) introduziram inovações, com sucessos e fracassos variados, em torno desta agenda. Mudanças foram desenvolvidas na provisão de serviços sob contratos de gestão, regimes de metas e incentivos associados a resultados e na adoção de estruturas autônomas de regulação de compras e contratações. O município do Rio de Janeiro promoveu em 2009 uma reforma no setor saúde sob a influência desta agenda política iniciada por serviços de atenção primária e sua gestão por Organizações Sociais (OS). Este modelo vinha sendo utilizado no país desde a década anterior seguindo as disposições gerais da reforma de 1995.

Este artigo analisa o debate internacional sobre mecanismos de governança e gestão pública e o desenho institucional da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (SMS Rio). O marco conceitual estudado revela o caráter pendular da adoção de inovações e de reformas segundo maior ou menor peso do aparelho de Estado em suas relações com a sociedade e os mercados. O artigo trata das relações entre a agenda política e o desenho institucional e não analisa os impactos da reforma no município.

Os procedimentos metodológicos envolveram a revisão das principais teorias e conceitos utilizados no pensamento político, econômico da administração e influentes na política pública a partir de alguns de seus principais autores. Na política foi destacado o entrelaçamento destas áreas do conhecimento no desenvolvimento de duas agendas modernas – a nova gerência pública e os mecanismos de governança. O modo como este debate se articula com as informações e documentos obtidos junto à SMS Rio segue a tradição das escolas de análise de políticas. Um balanço sobre este campo e seu estado da arte foi realizado para o caso brasileiro33. Vaitsman J, Ribeiro JM, Lobato L. Policy Analysis in Brazil. Bristol: Policy Press; 1989.. Para fins analíticos, estes marcos teóricos e conceituais foram utilizados para organizar uma argumentação coerente sobre o processo político estudado, na qual a combinação do quadro observado com a coesão argumentativa forma a explicação para o processo político analisado, como bem estabelecido por Majone44. Majone G. Evidence, argument, and persuasion in the policy process. New Haven: Yale University Press; 1989.. A análise da tomada de decisões em favor das reformas adota as premissas do clássico modelo incrementalista desenvolvido a partir de Lindblom55. Lindblom CE. The Science of “muddling through”. Public Administration Review 1959; 9(2):79-88.. Por fim, com relação à trajetória das reformas no país, foram utilizadas as análises elaboradas por Bresser-Pereira66. Bresser-Pereira LC. Gestão do setor público: Estratégia e estrutura para um novo Estado. In: Bresser-Pereira LC, Spink PK, organizadores. Reforma do Estado e administração pública gerencial. Rio de Janeiro: Editora FGV; 1998. p. 21-38.,77. Bresser-Pereira LC. O modelo estrutural de gerência pública. Rev Administração Pública 2008; 42(2):391-410. e por Abrucio88. Abrucio FL. Trajetória recente da gestão pública brasileira: um balanço crítico e a renovação da agenda de reformas. Rev Administração Pública 2007; 4(n. esp.):67-86. sobre os fundamentos e os efeitos da Reforma do Estado desde 1995.

As informações que fundamentam o desenho institucional de governança da SMS Rio foram obtidas por pesquisa documental (organograma, contratos de gestão, estrutura e procedimentos dos órgãos reguladores) e a partir da experiência cotidiana dos autores. A pesquisa cobriu o período imediato após a adoção das reformas e os documentos pesquisados são de acesso público.

O debate sobre governança no setor público

A crítica sobre as dimensões e o funcionamento da administração pública nos países industrializados e democráticos remonta à década de 1970 e pode ser abordada de acordo com dois marcos principais. Um deles, influenciado pela economia neoclássica, trata o Estado como base de atrito quanto às interações em mercados e entre indivíduos, agentes e produtores independentes. Os agentes públicos tenderiam a agir segundo o próprio interesse e orientados a benefícios próprios. Utilizariam a sua posição no Estado para fortalecer o status, a relevância burocrática e eventuais vantagens econômicas como na tradição da escolha pública99. Buchanan JM, Tullock G. The calculus of consent: Logical foundations of constitutional democracy. Ann Arbor: University of Michigan Press; 1962.. Estas escolas se desenvolveram com sólida base empírica e dotadas de um forte caráter normativo. As orientações políticas daí derivadas favorecem proposições pela redução do tamanho do Estado e de sua ação regulatória.

Por outro lado, com crescente influência a partir da década de 1980, teorias contidas sob o guarda-chuva da nova gerência pública (aqui designada a partir do inglês – NPM) focaram nas estruturas de incentivos na administração pública, na orientação a resultados e na adoção de técnicas de gestão desenvolvidas em empresas bem sucedidas1010. Hood C. The “new public management” in the 1980s: variations on a theme. Accountings, organizations and society 1995; 20(3):93-109.. As orientações políticas daí derivadas enfatizam menos o tamanho do Estado e mais a sua influência na sociedade, assim como os resultados, a transparência e a sustentabilidade de suas políticas. A NPM e as reformas em mecanismos de governança adquiriram crescente convergência. Fundamentos da economia institucional e da crítica do weberianismo expressam a convergência em torno de uma agenda para a reforma do setor público.

O modelo weberiano – na forma como se tornou conhecido na hierarquia estatal – estabelece que a administração pública e empresarial combina elementos de dominação carismática, tradicional e racional-legal, com a tendência ao predomínio da administração racional em países que lograram o desenvolvimento econômico e político e nas empresas bem-sucedidas. A democracia política e a burocracia insulada, estruturada por meio de concursos públicos, da seleção dos melhores e de carreiras meritocráticas, internalizaria o espírito público e a neutralidade na tomada de decisões segundo normas cientificamente elaboradas1111. Weber M. Economia e Sociedade: Fundamentos da Sociologia Compreensiva. Brasília: Editora da UNB; 1999..

A crítica neoclássica trata este arranjo como facilitador da captura do Estado por interesses de funcionários públicos e de grupos privados. Porém a tradição da NPM se orientou para as reformas na governança onde o núcleo weberiano seria preservado e a administração pública funcionaria combinando as estruturas verticais com as horizontais, onde contratos (como na teoria da agência) seriam incentivados na forma de parcerias entre os setores público e privado e adotando práticas gerenciais de caráter empresarial.

A análise das estruturas estatais fora do weberianismo também produziu conceitos vantajosos para a compreensão destas. Silberman1212. Silberman BS. Cages of Reason: the rise of the rational state in France, Japan, USA and Great Britain. Chicago: The University of Chicago Press; 1993. define que os padrões de burocracia adotados por países desenvolvidos derivam do nível de incerteza em transições políticas, as quais decorrem da previsibilidade sobre o processo sucessório político. A racionalização burocrática predominaria como resultado de escolhas racionais em ambientes de conflitos segundo dois modelos – a orientação organizacional decorrente da baixa definição da sucessão política e elevada incerteza política e a orientação profissional que surge sob regras bem definidas de sucessão. O modelo weberiano não seria o único padrão de desenvolvimento, pois a orientação profissional foi típica das trajetórias políticas dos Estados Unidos da América e da Grã-Bretanha. O padrão organizacional típico da França sob o código civil napoleônico e do Japão ancorado em carreiras longas e protegidas seria o equivalente à matriz weberiana.

Apesar de tais variações, tipos de burocracia estatal de natureza organizacional (insulada ou weberiana) têm sido alvo de críticas e objeto de reformas políticas. Para Peters1313. Peters BG. The two futures of governing: decentering and recentering processes in governing. The Journal of Public Administration and Policy 2009; 2(1):7-24., a trajetória observada nestas reformas tem caráter pendular do tipo “mais weberianismo, menos weberianismo”.

As teorias de agência e dos custos transacionais, moldadas em noções de racionalidade limitada e contratos imperfeitos, favoreceram orientações em favor de decisões sujeitas a renegociações constantes relaxando algumas tradições weberianas e de hierarquias estatais. As conexões entre instituições estatais e de mercado se entrelaçam e formam ambientes políticos propícios às reformas nos modos de governança.

A NPM envolve orientações que a diferenciam da administração hierárquica tradicional do setor público: Gestão profissional com responsabilização da liderança; autonomia decisória e sujeita a resultados observáveis; padrões nítidos de avaliação de desempenho e de controle sobre os resultados; capacidade de desagregar unidades em produtos dotados de orçamentos descentralizados; maior competição e rivalidade por menores preços e qualidade; uso de estilos de gestão do setor privado; e maior parcimônia no uso de recursos1010. Hood C. The “new public management” in the 1980s: variations on a theme. Accountings, organizations and society 1995; 20(3):93-109.. Doutrinas sobre tais estilos de governo se difundiram1414. Osborne D, Gaebler T. Reinventing government. Reading: Addison-Wesley; 1992., no qual o caráter indutor, supervisor e facilitador da ação societária na provisão de serviços de interesse público foi exaltado. Ativismo societário, descentralização e ferramentas de gestão empresarial na gestão pública andariam de mãos dadas.

Com ênfase nos aspectos microeconômicos sob a premissa da racionalidade limitada em ambientes de elevada complexidade, Williamson1515. Williamson OE. The economic institutions of capitalism. New York: The Free Press; 1985. desenvolveu a teoria da agência para responder a questão do equilíbrio entre os incentivos à verticalização das empresas e aqueles orientados aos contratos horizontais.

Os problemas contratuais e a dicotomia empresa verticalizada x terceirização estão por trás da decisão governamental entre escolher a provisão de serviços públicos por via estatal direta ou por meio de terceirizações. Estas questões já haviam sido bem estudas com relação às empresas privadas. A integração dos profissionais como funcionários que fazem parte da estrutura da empresa foi tratada no clássico estudo de Coase1616. Coase RH. The nature of the firm. Economica, New Series 1937; 4(16):386-405., nos quais a verticalização reduziria os custos contratuais frente aos provedores independentes e geraria informações estratégicas sobre processos produtivos. Por outro lado, o poder do agente detentor de informações sob controle hierárquico gera incentivos para que se produza abaixo da sua capacidade ou que se deixe de fornecer informações relevantes. Logo, uma dada estrutura de incentivos segundo contratos horizontais pode minimizar as desvantagens da integração vertical.

Apesar das diferenças em objeto e contexto, não é difícil para dirigentes governamentais atuais identificarem tais dilemas, por exemplo, no status da profissão médica nos mercados. É comum a governantes compelidos a decidir entre realizar concursos para provimento de cargos públicos no setor saúde ou terceirizar serviços sob um regime regulatório alternativo, a escolha pela última opção. O dilema principal e agente se desenvolveu em muitas direções e no setor saúde e a questão da assimetria informacional tem destaque especial. Como mostrou Arrow1717. Arrow KJ. Uncertainty and the welfare economics of medical care. The American Economic Review 1963; 13(5):941-973., os mercados em saúde diferem do modelo convencional de mercados competitivos, seja na demanda ou na oferta. Os principais fatores não competitivos são as barreiras de entrada e o monopólio profissional (veto a outros profissionais de custo de formação menor para práticas semelhantes). Nos seguros privados, há o risco moral dos médicos que afetam as decisões de consumo dos clientes. Em termos de lógica securitária, confirma os argumentos de Coase sobre a fragilidade dos preços agirem como reguladores ótimos em economia ao tratar da falha de mercado médico em prover um ambiente competitivo1717. Arrow KJ. Uncertainty and the welfare economics of medical care. The American Economic Review 1963; 13(5):941-973..

A teoria dos custos de transação atualizou o debate sobre os contratos e os limites de racionalidade e estimulou a adoção do modelo de agências1515. Williamson OE. The economic institutions of capitalism. New York: The Free Press; 1985.. A noção de que empresas ordenam suas estruturas para reduzir os custos de transação explicaria, por exemplo, as escolhas por estabelecer contratos de serviços sob arbitragem por terceiros observadas em reformas do aparelho de Estado.

As relações contratuais de médicos com hospitais, serviços públicos e empresas médicas em geral podem ser vistas sob este prisma. Ao tratar destes problemas em termos de contestabilidade de mercados e de mensuração de produtos, Preker et al.1818. Preker AS, Harding A, Travis P. “Make or Buy” decisions in the production of health care goods and services: new insights from institutional economics and organizational theory. Bulletin of the World Health Organization 2000; 78(6):779-790. analisaram a posição especial dos médicos. A partir da reconhecida barreira de entrada decorrente do tipo de treinamento, a qual aumenta com a formação especializada e de longa duração, delinearam padrões segundo diferentes configurações de mercados os quais orientam soluções específicas de governança para cada um deles.

Por sua vez, se observa na literatura sociológica e política análises que minimizam os benefícios da governança enquanto uma norma geral. As falhas de governança passaram a fazer parte do vocabulário político. Ceticismo sobre algumas de suas virtudes aparecem entre observadores atentos da cena política internacional, como Offe1919. Offe C. Governance: an “empty signifier”? Constellations 2009; 16(4):550-562.. A Metagovernança (governança das governanças) se tornou tema para importantes autores1313. Peters BG. The two futures of governing: decentering and recentering processes in governing. The Journal of Public Administration and Policy 2009; 2(1):7-24.,2020. Jessop B. Governance and Metagovernance: on reflexivity, requisite variety, and requisite irony. Lancaster: Lancaster University; 2003..

A descentralização política e administrativa foi a tônica das reformas e almejaram, em algum nível, reduzir o controle do centro do governo sobre as demais esferas1313. Peters BG. The two futures of governing: decentering and recentering processes in governing. The Journal of Public Administration and Policy 2009; 2(1):7-24.. Diversos problemas seriam decorrentes deste processo. A perda de capacidade de dirigentes eleitos em controlar as políticas seria uma das principais limitações devidas ao excesso de delegação de funções. A perda de coordenação de políticas e de controle sobre as organizações comprometeria não apenas a capacidade de governar, como a própria função indutora almejada pelos reformadores. A fragmentação de organizações na forma de agências descentralizadas afeta o controle político por dirigentes eleitos e que devem satisfação aos eleitores quanto a instituições que não governam ou que têem um poder reduzido sobre elas. A complexidade organizacional decorrente não só afeta a transparência como facilita o poder de veto de múltiplos atores dentro das políticas e a captura na medida que as organizações ficam muito afastadas do centro político1313. Peters BG. The two futures of governing: decentering and recentering processes in governing. The Journal of Public Administration and Policy 2009; 2(1):7-24.. Os reconhecidos sucessos da NPM em prover melhor qualidade em serviços públicos e sua democratização representam um estilo a ser equilibrado por outro baseado na retomada da coordenação política.

O equilíbrio entre tais estilos de governança remete à metagovernança. Jessop2020. Jessop B. Governance and Metagovernance: on reflexivity, requisite variety, and requisite irony. Lancaster: Lancaster University; 2003. trata dos modelos opostos – comando e trocas – para analisar as formas conhecidas como hierarquias e mercados. Os mecanismos de governança decorrentes da agenda da NPM produzem o modo intermediário aos quais denominou como diálogo. As características distintivas do diálogo (consenso, redes ou simplesmente governança) estão em seu caráter reflexivo e orientado a procedimentos onde o consenso é negociado por meio de redes em vez de Estado e Mercado. Aspectos políticos funcionam como os principais mediadores no lugar da racionalidade econômica ou hierárquica. O modelo é adaptável segundo trajetórias e mudanças e menos sujeito aos limites territoriais. O aspecto mais importante são as falhas de governança caracterizadas pelo ruído no processo decisório e pelo excesso de negociações. A metagovernança representaria a agenda de superação de tais falhas. Os ganhos observados pela agenda da NPM podem ser preservados por instrumentos de metagovernança, como o estabelecimento de prioridades, adequação de processos por meios menos normativos como benchmarks, protocolos, negociações, acordos e o fortalecimento da gestão de desempenho1313. Peters BG. The two futures of governing: decentering and recentering processes in governing. The Journal of Public Administration and Policy 2009; 2(1):7-24.. Outra ordem de problemas vinculados à governança e à NPM seria a sua falta de identidade própria. Offe1919. Offe C. Governance: an “empty signifier”? Constellations 2009; 16(4):550-562. argumenta que a polissemia do conceito permite que seja aplicado a qualquer adjetivo de qualificação positiva e, devido à sua despolitização, o faz desconsiderando os conflitos de interesses e de valores observados fora do seu ambiente organizacional.

Com as ressalvas aqui assinaladas e outras que advém da difusão contínua e abrangente da agenda de reformas da NPM e nas estruturas de incentivos de diferentes mecanismos de governança, diversas orientações políticas podem ser delineadas a partir dos êxitos observados e de lições aprendidas. Os processos de orientação das organizações públicas a resultados, transparência, exposição a fatores regulatórios de caráter societário e a responsabilização no plano micro-organizacional representam uma agenda política de alta relevância especialmente para países onde persistem características patrimonialistas e de tradições corporativas como no caso brasileiro. Agenda da NPM é atraente em função da trajetória política e das características institucionais aqui apontadas e que foram muito bem analisadas na tradição das ciências sociais no país, como na conhecida matriz elaborada por Nunes2121. Nunes E. A Gramática Política do Brasil: Clientelismo e Insulamento Burocrático. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 1997..

A influência da agenda de reformas no Brasil e mecanismos de governança na SMS Rio

No Brasil, a matriz weberiana da administração pública é amplamente reconhecida na literatura sociológica, política e histórica. O influente estudo de Nunes2121. Nunes E. A Gramática Política do Brasil: Clientelismo e Insulamento Burocrático. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 1997. analisa este processo com foco nas raízes corporativistas e clientelistas e nas estratégias adotadas de promoção do insulamento burocrático e do universalismo de procedimentos orientados a mudar o caráter patrimonial do Estado brasileiro. Embora a tradição nacional de caráter político, histórico e sociológico de crítica do Estado fosse marcante na literatura local, em termos de ação política, a influência da agenda da NPM no país foi estabelecida em 1995 por meio do Plano Diretor da Reforma do Estado22. Brasil. Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado. Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado. Brasília: Imprensa Nacional; 1995. com a Reforma Gerencial. A influência da reforma foi observada em diferentes áreas da política pública77. Bresser-Pereira LC. O modelo estrutural de gerência pública. Rev Administração Pública 2008; 42(2):391-410.,2222. Bresser-Pereira LC, Grau NC. Entre o Estado e o mercado: o público não-estatal. In: Bresser-Pereira LC, Grau NC, organizadores. O Público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas; 1999. p. 15-48.

23. Costa NR, Ribeiro JM, Silva PLB, Melo MAC. O desenho institucional da reforma regulatória e as falhas de mercado no setor saúde. Rev Brasileira de Administração Pública 2001; 35(2):193-228.

24. Ribeiro JM. Regulação e contratualizaçao no setor saúde. In: Negri B, Giovanni G, organizadores. Brasil: Radiografia da Saúde. Campinas: Editora Unicamp; 2001. p. 409-445.
-2525. Ribeiro JM, Costa NR, Silva PLB, Melo MA. As agências reguladoras independentes. In: Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Regulação e Saúde: estrutura, evolução e perspectivas da assistência médica suplementar. Rio de Janeiro: ANS; 2002. p. 137-148. Importante balanço sobre este processo, com delineamento de virtudes e fracassos e o desenvolvimento das reformas da administração pública ao longo dos ciclos políticos subsequentes, foi realizada por Abrucio88. Abrucio FL. Trajetória recente da gestão pública brasileira: um balanço crítico e a renovação da agenda de reformas. Rev Administração Pública 2007; 4(n. esp.):67-86..

O ímpeto do processo político da Reforma do Estado no país, no entanto, refluiu em poucos anos no que se refere a iniciativas do Governo Federal devido, ao menos em parte, ao ajuste macroeconômico do final da década de 1990, que ficou marcado como convergente com a agenda neoclássica de redução do tamanho e das funções do Estado. No entanto, o modelo preconizado de separação entre atividades estratégicas do Estado e atividades delegáveis para entidades civis não lucrativas e contratadas sob regime de metas e contrato de gestão se disseminou entre as administrações públicas municipais e estaduais. O chamado “modelo das Organizações Sociais” e similares se disseminou e foi adotado por todos os partidos políticos relevantes no cenário nacional. Importantes instituições públicas de ensino e pesquisa do governo federal e estaduais, especialmente as universidades, organizaram um híbrido deste modelo na forma de fundações de direito privado que se tornaram conhecidas como “fundações de apoio”.

A agenda da NPM e a reforma nos mecanismos de governança da SMS Rio originaram uma estrutura administrativa e elos entre diferentes arranjos institucionais que são aqui tratados como modos de governança.

Algumas estruturas apresentadas no Quadro 1 configuram o modo de governança de consenso, como é utilizado por diversos dos autores anteriormente citados para dar conta do híbrido entre Estado e Mercado. Pode ser referido como rede, híbrido, parceria público-privadas e equivale ao “diálogo” como definido por Jessop2020. Jessop B. Governance and Metagovernance: on reflexivity, requisite variety, and requisite irony. Lancaster: Lancaster University; 2003.. O conjunto de modos de governança apresentado envolve hierarquias, consensos e mercados. A noção de hierarquia representa a governança vertical, por comando e controle e, por associação mais distante, pode ser identificada no caso do modelo de administração direta brasileiro com o modelo weberiano. A governança de mercados é bem conhecida e reflete a descentralização a tomadores de decisão independentes. A atenção especial deste estudo se dirige ao modo de consensos.

Quadro 1
Desenho institucional dos modos de governança da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (RJ), 2015.

A autonomia administrativa se refere aos graus de liberdade que dirigentes desfrutam em seus processos decisórios. Governança, ao fim e ao cabo, diz respeito ao modo como decisões são tomadas em organizações e sistemas. Os mercados representam o maior nível de autonomia e as hierarquias o de menor. No caso dos consensos, há graus distintos de autonomia segundo o arranjo de cada instituição e foram aqui classificados como dotados de média. O modo de mercados não será aqui discutido, bastando a referência às empresas e indústrias do Quadro 1. Quanto às hierarquias, algumas considerações sobre o caso brasileiro devem ser feitas.

A questão da autonomia administrativa na administração pública brasileira é de alta relevância e um ponto de inflexão ocorreu em 1967 por conta do Decreto Lei 2002626. Brasil. Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967. Dispõe sôbre a organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras providências. Diário Oficial da União 1967; 27 fev.. Embora elaborado em meio à ditadura militar e seu conflito sucessório e editado a partir de um Ato Institucional autoritário, este decreto apresentou um modelo de modernização do aparelho de Estado ao associar a autonomia administrativa ao grau de descentralização burocrática. A administração pública foi dividida entre administração direta e indireta, sendo a última dotada de autonomia gerencial na forma de autarquias, fundações e empresas mistas. Esta reforma, na prática, teve poucos efeitos imediatos devido às características de controle central do regime militar e a flexibilização dos processos administrativos acabou vinculada à facilitação de captura da administração pública por grupos de interesses e atores políticos civis e militares.

A fragilidade política da noção de descentralização e autonomia administrativa foi um dos fatores que influenciaram decisões dos constituintes de 1988 no sentido de reforçar o controle e a centralização administrativa no novo arranjo democrático. Abrucio88. Abrucio FL. Trajetória recente da gestão pública brasileira: um balanço crítico e a renovação da agenda de reformas. Rev Administração Pública 2007; 4(n. esp.):67-86. chama a atenção para este processo político pelo qual a Constituição de 1988 adotou decisões opostas às tomadas pelo regime militar ao favorecer a descentralização federativa, os concursos para funcionários públicos e os fundamentos universalistas dos processos de compras públicas.

Na prática, pode-se dizer que a Constituição de 1988 redesenhou todas as dimensões do aparelho de Estado na direção de uma estrutura equivalente ao modelo de administração direta do Decreto Lei 200/1967 e absorveu os processos administrativos das autarquias e fundações neste modelo apesar destas preservarem a denominação de administração indireta. Na esteira da Reforma do Estado de 1995, diversos elementos associados à descentralização e autonomia administrativa foram retomados, como discutido anteriormente, e o modelo das OS ocupou um ponto de destaque.

No Quadro 1, o modo de governança de consensos pode ser compreendido como envolvendo uma diversidade organizacional na forma de parcerias público-privadas, colegiados multipartites e redes cooperativas. Os colegiados, na forma de conselhos de saúde são bem conhecidos e regulamentados a partir da legislação constitucional e seus mecanismos têm sido debatidos na literatura especializada2727. Moreira MR, Escorel S. Conselhos Municipais de Saúde do Brasil: um debate sobre a democratização da política de saúde nos vinte anos do SUS. Cien Saude Colet 2009; 14(3):795-805., assim como as organizações de relações federativas2828. Ribeiro JM. Conselhos de Saúde, Comissões Intergestores e Grupos de Interesses no SUS. Cad Saude Publica 1997; 13(1):81-92.. Com relação aos Pactos e Redes, uma série de inovações, com sucessos e fracassos variados, tem permeado a administração pública nas últimas três décadas, com foco especial para as OS e os contratos de gestão2929. La Forgia GM, Coutollenc BF. Hospital performance in Brazil: The search for excellence. Washingtn: The World Bank; 2008.

Os colegiados observados no modo consensos envolvem os conselhos de saúde nos planos municipal, distrital (em todos os 10 distritos existentes no município) e locais (presentes em alguns grandes serviços). Possuem caráter multipartite e envolvem a participação de representantes governamentais, de seus funcionários e de associações civis. Sua atuação é regulamentada desde os anos 1990 na esteira da legislação que criou o Sistema Único de Saúde. As relações federativas mais importantes que envolvem a SMS Rio são a participação do secretário de saúde no Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Rio de Janeiro (COSEMS RJ) e o assento permanente na Comissão Intergestores Bipartite do Rio de Janeiro (CIB RJ) a partir da delegação do COSEMS RJ. A atuação tem caráter horizontal na medida que a representação na CIB é paritária entre representantes do governo estadual e dos governos municipais. Desta forma, o processo decisório envolve uma combinação entre vocalização política e cooperação e esta configuração é normatizada no âmbito do próprio SUS22. Brasil. Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado. Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado. Brasília: Imprensa Nacional; 1995..

Os pactos e as redes representam, no Quadro 1, a dimensão que envolve as reformas recentes da SMS RJ. São apresentados dois grupos de organizações não lucrativas e que estabelecem com o poder público uma relação cooperativa mediada por metas e resultados. O principal se refere às OS, que representam o modelo de escolha da liderança política para promover a expansão dos serviços, sua qualidade e a substituição parcial dos serviços públicos executados no âmbito da administração direta. A qualidade destes novos serviços não é tratada neste estudo e os resultados observados na experiência nacional não são convergentes. O regime regulatório observado é discutido a partir do Quadro 2. A transição dos serviços estatais, na esteira do modelo de Reforma do Estado de 1995, para as organizações sociais teve como alvo inicial a implantação das clínicas da família e depois se estendeu para as novas unidades hospitalares, maternidades e CAPS. Novos serviços, como a atenção ao idoso e a coordenação de emergências, assim como as Unidades de Pronto Atendimento (UPA), também adotaram este modelo. O que se conclui pela trajetória de adoção das OS é de que se trata de opção política de reforma do setor público de saúde no município e que converge com as escolhas políticas do executivo municipal para o aparelho de Estado do município. As fundações de apoio mantêm convênios com a SMS sob regime de metas semelhantes, mas o que se observa é uma indução da Prefeitura para a sua transição ao modelo OS. Algumas ONG também mantêm convênios semelhantes como entidades não lucrativas, mas tem um papel residual no modo de consenso analisado.

Quadro 2
Regulação das Organizações Sociais segundo influência da atividade regulatória modo de governança dos reguladores.

No Quadro 2, é analisada a estrutura regulatória dos consensos com ênfase na dimensão de Pactos e Redes e nas OS. Observa-se que a atividade regulatória é exercida pelos Poderes Executivo e Legislativo. Não foi aqui considerada a importante atuação do Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública, que podem atuar provocada por agentes coletivos e individuais ou por tutelas coletivas. Igualmente, não é analisado neste quadro de caráter preliminar a atuação de associações civis de direitos não representadas nos colegiados assinalados. O foco principal se dá no Poder Executivo pela sua direta vinculação com a agenda da NPM e da reforma do Estado.

Os conselhos de saúde têm atividade regulatória fraca apesar de seu caráter institucional deliberativo. Os contratos de gestão não são usualmente a eles submetidos. Por outro lado, em condições de crise a atuação destes colegiados pode se intensificar. Crises podem ser desencadeadas por eventos isolados ou por alguma pressão de atores políticos em cima do tema das OS. Nestas condições, atores políticos presentes nos conselhos, tais como sindicatos profissionais e associações de moradores e de usuários, dispõem de recursos de vocalização política para exercer pressão e afetar o quadro regulatório.

Pela própria natureza hierárquica, a estrutura administrativa da secretaria de saúde dispõe de maior poder de controle sobre os contratos das OS. O modelo regulatório da SMS Rio se caracteriza pelo controle burocrático direto. Este desenho favorece a coordenação política por parte dos dirigentes eleitos. Por outro lado, seguindo a matriz tradicional da NPM, agências autônomas ou terceiros avaliadores trariam a vantagem de ampliar o caráter de consenso e o pacto envolvidos na reforma. No caso, a terceira parte é representada pela Controladoria Geral do Município e pelo Tribunal de Contas do Município, os quais exercem amplamente o papel de contraditório no âmbito das organizações de Estado.

Um destaque neste arranjo deve ser dado à atuação dos vereadores, uma vez que por ação individual de parlamentares ou por comissões da Câmara de Vereadores, exercem pressão política sobre o prefeito e sua administração como parte da atividade partidária.

A Coordenadoria de Administração de Contratos de Gestão com OS, órgão da SMS Rio, é a principal estrutura de regulação direta e opera sob o modo hierárquico, o qual representa como observado no Quadro 2, o principal mecanismo regulatório. Ouvidorias representam atividades de intensidade intermediária.

O arranjo institucional que emerge dos quadros analisados aponta para a implementação da agenda da reforma do Estado nos termos básicos preconizados pelo Plano Diretor elaborado pelo Governo Federal em 1995. O caso do Rio de Janeiro influencia o debate nacional sobre reformas orientadas à administração gerencial devido à aplicação do modelo de OS em larga escala em uma capital importante e após sua difusão por grandes estados como o de São Paulo. A experiência do Rio de Janeiro não foi avaliada em termos dos resultados obtidos e a sustentabilidade do modelo para além do ciclo administrativo, caso observada, permitirá que o alcance das inovações seja analisado em termos de lições aprendidas. Ainda assim, considerações sobre o caráter institucional do modelo podem ser feitas quanto a avanços e lacunas uma vez que as inovações se expandiram ao longo dos últimos seis anos.

Considerações finais: desafios do insulamento burocrático e a sustentabilidade do modelo do Rio de Janeiro

O modelo regulatório é abrangente e diversificado e a ausência de mecanismos de avaliação externa pode representar uma fragilidade em termos de sustentabilidade. A falta de agências reguladoras autônomas, comuns em reformas setoriais, pode comprometer sua sustentabilidade pela falta da chamada constituição de compromisso, pela qual mandatos que atravessam a dinâmica situação-oposição asseguram o cumprimento dos contratos ao longo das transições políticas.

Em parte, esta lacuna pode ser suprida pelos colegiados, como o Conselho Municipal de Saúde, desde que sua atuação seja orientada a funções regulatórias bem definidas. Isto exigiria a reforma destes colegiados, de seus atributos e prerrogativas, o que não está presente na cena política nacional.

A escassez de estudos avaliativos e de análises destas políticas decorre em parte do caráter recente das mudanças e do menor interesse de instituições de pesquisa no setor saúde sobre a reforma do aparelho de Estado e o funcionamento das OS.

Este artigo buscou contribuir para suprir esta lacuna com o recurso a teorias segundo autores relevantes. Busca delinear os desafios postos pelas reformas implantadas e politicamente sustentadas pela Prefeitura Municipal. Uma síntese dos aspectos institucionais da difusão das OS na SMS Rio ajudam nesta reflexão. Foram criadas pela Lei 5.026/2009 para todas as áreas sociais e regulamentadas em dois Decretos neste mesmo ano. Decretos mais recentes (2013-2014) detalharam o modelo, especialmente com a criação do Painel de Gestão de Parcerias orientado à responsabilização pelo acesso público aos contratos assinados, sua execução e resultados observados.

A relevância da reforma decorre de sua grande abrangência e pelos recursos alocados. Em 2015 estavam em vigência 26 contratos de gestão na Prefeitura, dentre os quais dez de OS no setor saúde. O orçamento do conjunto dos contratos de gestão para 2015 foi de R$ 1.654.434.793,14. O programa de OS no setor saúde envolve a gestão atual de 5 hospitais, 12 Unidades de Pronto Atendimento, 4 Centros de Emergência Regionais, 77 Clínicas da Família e de programas como de atenção domiciliar ao idoso e à maternidade. As despesas com as OS para estas atividades cresceram continuamente desde 2009 até atingirem em 2014 a 38,2% do orçamento global da SMS Rio.

O desenho institucional observado e a estrutura de provisão de serviços se mostram ajustados à agenda de reformas nos termos da NPM e a avaliação de seus resultados, como assinalado, definirá o lugar destas experiências no contexto das lições aprendidas sobre mudanças na administração pública.

Quando se observa este desenho nota-se que a estrutura que regula o modo de governança de consensos tem um padrão de insulamento burocrático na hierarquia da administração direta. Isto decorre não apenas da estratégia de organizar “ilhas de excelência” na administração pública, mas também de assignar a um órgão específico – a Coordenadoria de Administração de Contratos de Gestão com OS onde funcionam as Comissões Técnicas de Avaliação – a palavra final na gestão destes contratos. As demais atividades regulatórias de alta intensidade se dão por determinações legais, como na atuação da Controladoria Geral do Município na qualidade de órgão da Prefeitura Municipal.

Em termos políticos, a sustentabilidade do modelo depende, para além dos resultados observados, da capacidade de persuasão e argumentação dos dirigentes e lideranças sobre os benefícios alcançados. Isto responde pela busca de legitimidade política e social do modelo. A legitimidade é perseguida no cotidiano das relações com os cidadãos e com os atores que participam do jogo político da política setorial. Envolve os organismos colegiados e os atores no modo de governança de consensos. Instituições de ensino e pesquisa são muito ativas no setor saúde embora seu envolvimento seja maior quanto ao tema da atenção primária do que nas reformas organizacionais muitas vezes descartadas por importantes grupos e líderes.

A sustentabilidade implica na capacidade de serem preservadas após a sucessão política. Com a mudança do prefeito e da composição da câmara de vereadores é importante saber se a transição na prestação de serviços públicos pelas OS será mantida caso promovam os benefícios pretendidos. A ausência de um regime de agência com o compromisso de coordenar transições políticas, como discutido neste artigo, representa uma fragilidade do modelo que se mostra bastante promissor. No setor saúde, as agências regulatórias foram amplamente discutidas desde a criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária em 1999 e da Agência Nacional de Saúde Suplementar em 2000. Ampla literatura tratou do modelo, seus objetivos e lacunas3030. Costa NR, Castro AJW. O regime regulatório e a estrutura do mercado de planos de assistência à saúde no Brasil. In: Montone J, Castro AJW, organizadores. Regulação e Saúde. Rio de Janeiro: Agência Nacional de Saúde Suplementar; 2004. p. 49-64.,3131. Ribeiro JM. Restrições de informações, custos de transação e ambiente regulatório em saúde suplementar. In: Montone J, Castro AJW, organizadores. Regulação e Saúde. Rio de Janeiro: Agência Nacional de Saúde Suplementar; 2004. p. 147-177..

Afinal, recorrendo a Lindblom55. Lindblom CE. The Science of “muddling through”. Public Administration Review 1959; 9(2):79-88., decano da análise de políticas e dos processos incrementalistas, o resultado positivo de uma determinada política é a sua aplicação, ou seja, vencer a disputa com as alternativas disponíveis.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Maio 2016

Histórico

  • Recebido
    30 Nov 2015
  • Revisado
    27 Jan 2016
  • Aceito
    29 Jan 2016
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