Resumos
O artigo analisa a influência da “Configuração Representativa” do Conselho Municipal de Saúde do Rio de Janeiro na atuação dos conselheiros dos usuários. A Configuração Representativa é definida como a combinação de dois eixos de regras institucionais: o Eixo 1 é composto por regras de elegibilidade e participação e o Eixo 2, por regras de representação. A discussão teórica centrou-se nas relações entre Representação e Participação no contexto democrático contemporâneo, enfatizando os Conselhos Municipais de Saúde. O método do estudo articulou Observação Participante, Entrevistas e Análise Documental. Os resultados indicam que os representantes dos conselhos distritais atuam pautados pelo mandato de seus representados, pois firmam vínculos estreitos com tais instituições. Já os conselheiros das entidades municipais tendem a ter autonomia em sua representação, com relações mais tênues com suas entidades. A postura mandato dos representantes distritais associou-se a uma participação mais expressiva nas reuniões e maior vocalização dos interesses de seus representados.
Conselhos de Saúde; Participação social; Representação
Introdução
O atual arranjo democrático brasileiro conta com Conselhos Gestores que ampliam a participação da sociedade no processo decisório das políticas públicas e configuram-se em experiências marcantes na conjuntura de renovação das democracias contemporâneas11. Santos BS, Avritzer L. Introdução: para ampliar o cânone democrático. In: Santos BS, organizador. Democratizar a democracia. Os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2002. p. 39-82.
2. Fung A. Receitas para esferas públicas: oito desenhos institucionais e suas consequências. In: Coelho VSP, Nobre M, organizadores. Participação e Deliberação: teoria democrática e experiências no Brasil contemporâneo. São Paulo: Editora 34; 2004. p. 173-209.-33. Lüchmann LHH. A representação no interior das experiências de participação. Lua Nova 2007; 70:139-170.. Os estudos sobre estes conselhos concentram-se em leituras acerca dos avanços e limites da participação de novos atores na condução das políticas44. Almeida C, Tatagiba L. Os conselhos gestores sob o crivo da política: balanços e perspectivas. Serv Soc Soc 2012; 109:68-92., mas trabalhos recentes também contemplam a reconfiguração da representação da sociedade em tais instâncias e seu papel na efetividade da participação33. Lüchmann LHH. A representação no interior das experiências de participação. Lua Nova 2007; 70:139-170.,55. Gurza Lavalle A, Houtzager PP, Castello G. Democracia, pluralização da representação e sociedade civil. Lua Nova 2006; 67:49-103.
6. Avritzer L. Sociedade civil, Instituições Participativas e Representação: da autorização à legitimidade da ação. Dados 2007; 50(3):443-464.-77. Lüchmann LHH. Associações, participação e representação: combinações e tensões. Lua Nova 2011; 84:141-174..
Neste cenário, os Conselhos de Saúde destacam-se pela força de sua institucionalização e por suas atribuições deliberativas em todas as etapas do ciclo de políticas88. Moreira MR, Escorel S. Conselhos Municipais de Saúde do Brasil: um debate sobre a democratização da política de saúde nos vinte anos do SUS. Cien Saude Colet 2009; 14(3):795-806.,99. Escorel S, Moreira MR. Participação Social. In: Giovanella L, Escorel S, Lobato LVC, Noronha JC, Carvalho AI, organizadores. Políticas e Sistema de Saúde no Brasil. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2012. p. 853-883., garantidas pelas Leis Orgânicas do setor. Assim, os conselhos promovem a participação social no Sistema Único de Saúde (SUS) incluindo segmentos diretamente vinculados ao mesmo: usuários, trabalhadores, gestores e prestadores de serviço1010. Moreira MR. Democratização da Política de Saúde: avanços, limites e possibilidades dos Conselhos Municipais de Saúde [tese]. Rio de Janeiro (RJ): Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca; 2009..
Boa parte das análises sobre Conselhos de Saúde abordam os avanços e (sobretudo) os limites da efetivação do controle social no SUS, relacionando-os às incapacidades dos órgãos de transformar a estrutura social capitalista1111. Bravo MIS, Correia MVC. Desafios do controle social na atualidade. Serv Soc Soc 2012; 109:126-150. ou de modificar a cultura política tradicional das instituições nacionais superando suas tendências autoritárias e elitistas1212. Labra ME. Conselhos de Saúde: dilemas, avanços e desafios. In: Lima NT, Gershman S, Edler FC, Suárez JM, organizadores. Saúde e Democracia: histórias e perspectivas do SUS. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2005. p. 353-383.,1313. Labra ME, Figueiredo JSA. Associativismo, participação e cultura cívica. O potencial dos conselhos de saúde. Cien Saude Colet 2002; 7(3):537-547.. Em descompasso com seus objetivos legais, tais críticas tendem a obscurecer as demais funções dos Conselhos na gestão da Saúde1010. Moreira MR. Democratização da Política de Saúde: avanços, limites e possibilidades dos Conselhos Municipais de Saúde [tese]. Rio de Janeiro (RJ): Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca; 2009., como a vocalização de demandas da sociedade e a deliberação de políticas do setor1414. Côrtes SV. Sistema Único de Saúde: espaços decisórios e a arena política de saúde. Cad Saude Publica 2009; 25(7):1626-1633..
Por outro lado, há poucos estudos sobre representação no âmbito dos Conselhos, o que mantém ainda inexploradas as relações entre conselheiros e seus representados. O presente artigo busca contribuir para preencher esta lacuna, estudando as relações entre Representação e Participação no domínio dos Conselhos Municipais de Saúde (CMS), sob a perspectiva das regras institucionais.
A hipótese trabalhada é a de que regras de representação que favorecem o contato dos conselheiros com seus representados propiciam uma participação mais intensa dos representantes no cotidiano do CMS (portanto, na política de saúde) e mais qualificada, por ser pautada pelas demandas dos representados. Em adição, na medida em que as regras de elegibilidade permitem o acesso democrático aos Conselhos e que as regras de participação induzem condições equitativas de atuação dos conselheiros, elevam-se as chances para as demandas dos representados influenciarem a atividade dos órgãos.
Esta hipótese foi testada no Conselho Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (CMS-RJ), enfocando-se o segmento dos usuários. Para tal, elaborou-se um modelo analítico baseado na noção de “Configuração Representativa”, que agrega dois eixos de regras institucionais: o Eixo 1 envolve as regras de elegibilidade – que definem entidades e conselheiros – e as regras de participação – que delimitam as possibilidades de atuação desses atores; o Eixo 2 engloba as regras de representação das entidades, que orientam as relações com os conselheiros, delineando o caráter da representação praticada.
O objetivo do artigo é, pois, analisar a influência da “Configuração Representativa” do CMS-RJ na atuação dos conselheiros titulares dos usuários entre 2013 e 2014.
Aspectos metodológicos
Neste sentido, conduziu-se uma pesquisa de abordagem qualitativa na qual foram analisadas as regras de elegibilidade e participação do CMS-RJ – através do estudo dos documentos normativos do órgão e das entrevistas realizadas com os conselheiros – e as regras de representação das entidades dos usuários, com base em tais entrevistas. Também foi analisada a atuação dos conselheiros do segmento no CMS-RJ em 2013 e 2014 mediante Observação Participante e estudo das atas de reuniões e das entrevistas.
Todas as entrevistas foram orientadas por um roteiro com 12 questões abertas e devidamente gravadas. O material foi integralmente transcrito e, em seguida, os trechos mais relevantes foram sistematizados para viabilizar a análise, que centrou-se nos dados sobre elegibilidade dos conselheiros, relações entre eles e seus representados e atuação dos atores no CMS-RJ. A Observação Participante foi efetuada nas reuniões do Conselho de maio a dezembro de 2014 utilizando um roteiro específico para estudar a representação e a participação praticadas pelos conselheiros.
A opção por pesquisar o segmento dos usuários justifica-se pela inovação política expressada pela participação de representantes da sociedade nas decisões do SUS, inclusive como parte majoritária nos Conselhos de Saúde. No CMS-RJ, este segmento é composto por 20 conselheiros titulares. Dois deles não participaram (assim como seus suplentes) de nenhuma das plenárias do Conselho durante o período estudado, o que circunscreveu o universo da pesquisa aos 18 conselheiros titulares que participaram de ao menos uma reunião.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da ENSP/Fiocruz. Respeitando os princípios de Bioética, o estudo foi apresentado à plenária do CMS-RJ anunciando a presença do pesquisador nas reuniões e os conselheiros foram convidados a integrar a pesquisa após clara apresentação de seus objetivos. Assim, todos os 18 sujeitos decidiram participar, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
A seguir, para contextualizar os resultados da pesquisa, apresenta-se o referencial teórico que fundamenta o modelo analítico das informações coletadas.
Democracia, representação e participação
O debate histórico sobre Democracia tem envolvido correntes de pensamento e movimentos políticos em conflitos teóricos e ideológicos pela hegemonia do ‘ideal democrático’ mais virtuoso para organizar as esferas política e social. Neste domínio, as noções e práticas de ‘Participação’ e ‘Representação’ figuram como elementos essenciais dos arranjos democráticos contemporâneos por indicarem, respectivamente, o contingente de cidadãos que participam da eleição do governo e de suas instâncias políticas99. Escorel S, Moreira MR. Participação Social. In: Giovanella L, Escorel S, Lobato LVC, Noronha JC, Carvalho AI, organizadores. Políticas e Sistema de Saúde no Brasil. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2012. p. 853-883.,1515. Dahl RA. Poliarquia: Participação e Oposição. São Paulo: Edusp; 2012. e o mecanismo que operacionaliza a participação nas democracias de massas através da atuação de representantes nas arenas decisórias1515. Dahl RA. Poliarquia: Participação e Oposição. São Paulo: Edusp; 2012.,1616. Pitkin HF. The Concept of Representation. California: University of California Press; 1967.. Por outro lado, os modelos de ‘Democracia Representativa’ e ‘Democracia Participativa’ travam uma disputa prescritiva em torno do formato de organização dos sistemas políticos, tendo o primeiro se firmado como proeminente nas últimas décadas11. Santos BS, Avritzer L. Introdução: para ampliar o cânone democrático. In: Santos BS, organizador. Democratizar a democracia. Os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2002. p. 39-82..
Neste campo, destaca-se o modelo poliárquico de Robert Dahl1515. Dahl RA. Poliarquia: Participação e Oposição. São Paulo: Edusp; 2012., que assinala a capacidade do governo de ampliar continuamente sua responsividade às demandas dos cidadãos como expressão do ideal democrático. Para o autor, o desenvolvimento institucional dos regimes nacionais ampliando o número e a variedade de cidadãos com interesses representados no governo conduz à formação de Poliarquias. Esta transição demanda garantias para a igualdade política distribuídas nos eixos de inclusividade, que reflete a extensão de participantes da competição política, e de liberalização, que reúne as regras e condições institucionais para viabilizar esta competição.
Dahl aponta três caminhos principais para a Poliarquia: (i) desenvolvimento simultâneo dos dois eixos; (ii) avanço da liberalização antes da inclusividade, possibilitando a legitimação das instituições democráticas previamente à ampliação da participação dos cidadãos; (iii) avanço da inclusividade antes da liberalização, o que requer a formação de tais instituições em ambientes de grande conflito dada a diversidade de atores1515. Dahl RA. Poliarquia: Participação e Oposição. São Paulo: Edusp; 2012.. Enquanto o segundo caminho, trilhado pelas poliarquias tradicionais, é considerado pelo autor como mais exitoso para estabelecer a democracia, o último percurso, mais próximo à história brasileira, revela-se instável para a consolidação democrática.
Para além do nível dos regimes nacionais, Dahl ressalta a relevância das regras institucionais para delinear os rumos da participação e representação nas instâncias democráticas1515. Dahl RA. Poliarquia: Participação e Oposição. São Paulo: Edusp; 2012., o que permite a aplicação de suas ideias em análises dos Conselhos de Saúde.
Wanderley Guilherme dos Santos elenca a elegibilidade como um terceiro eixo do modelo poliárquico, destacando seu papel na estabilidade democrática já que mudanças nas regras de elegibilidade demarcam o número de participantes, tanto no sentido democratizante quanto no oposto1717. Santos WG. Poliarquia em 3D. Rio de Janeiro: Dados. 1998: 41(2):207-281..
Trabalhos recentes direcionam críticas ao modelo representativo, questionando as dificuldades de promover efetiva participação dos cidadãos na esfera política e de concretizar a representação das demandas sociais, apontando alternativas de revitalização democrática baseadas na complementação da estrutura representativa com mecanismos inovadores que ampliem a participação e a representação da população nas decisões públicas11. Santos BS, Avritzer L. Introdução: para ampliar o cânone democrático. In: Santos BS, organizador. Democratizar a democracia. Os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2002. p. 39-82.,55. Gurza Lavalle A, Houtzager PP, Castello G. Democracia, pluralização da representação e sociedade civil. Lua Nova 2006; 67:49-103.,1818. Urbinati N. O que torna a representação democrática? Lua Nova 2006; 67:191-228.,1919. Lima Júnior OB. Instituições Políticas Democráticas – o segredo da legitimidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora; 1997.. No cenário brasileiro, os CMS despontam como experiências de relevo em razão de sua criação em todos os municípios do País como órgãos com funções deliberativas nas políticas de saúde88. Moreira MR, Escorel S. Conselhos Municipais de Saúde do Brasil: um debate sobre a democratização da política de saúde nos vinte anos do SUS. Cien Saude Colet 2009; 14(3):795-806..
As articulações entre Representação e Participação no campo democrático são apuradas contemplando a concepção de representação política como atividade concreta de Hanna Pitkin1616. Pitkin HF. The Concept of Representation. California: University of California Press; 1967., na qual a atuação dos representantes nas instâncias políticas e sua relação com os representados são determinantes para consolidar a representação de pessoas e grupos.
Pitkin indica que nas ideias radicais da corrente mandato os representantes atuam expressamente de acordo com os interesses dos representados, assumindo posições mais coadjuvantes no processo político. Já nas visões extremas da corrente autonomia, o caminho para atingir o interesse geral é conferir independência para os representantes atuarem conforme seus julgamentos sobre o bem-estar da população, sendo o governo uma questão de deliberação racional pela classe política, pouco influenciada pela vontade popular1616. Pitkin HF. The Concept of Representation. California: University of California Press; 1967..
Para a autora, estas perspectivas polares, além de não concretizarem a representação por prescindirem de relações representantes-representados, configuram uma disputa teórica e prática insolúvel, nomeada de controvérsia mandato-autonomia. Assim, a representação envolve elementos das duas tendências, demarcando um dilema para os representantes: perseguir os interesses dos representados através da postura mandato ou buscar o interesse geral segundo suas visões, adotando a postura autonomia? Nestes limites, a efetivação e legitimação da representação compreende a atuação razoavelmente independente de representantes que conjuguem suas visões políticas aos interesses dos representados, definida como postura mandato-autonomia1616. Pitkin HF. The Concept of Representation. California: University of California Press; 1967..
Considerando que a discussão exposta aponta que Representação e Participação estão indissociavelmente relacionadas na realidade das instituições democráticas, este raciocínio será projetado para o contexto dos CMS.
Representação e participação nos Conselhos Municipais de Saúde
A experiência dos CMS é registrada por uma série de estudos que descrevem seu funcionamento em variadas situações locais. Alguns pontuam entraves na participação, relacionados à assimetria de recursos dos conselheiros2020. Fuks M. Participação e influência política no Conselho Municipal de Saúde de Curitiba. Rev Sociol Polit 2005; 25:47-61., predomínio do discurso técnico dos gestores2121. Wendhausen A, Caponi S. O diálogo e a participação em um conselho de saúde em Santa Catarina, Brasil. Cad Saude Publica 2002; 18(6):1621-1628. e persistência da cultura política autoritária nos conselhos2222. Guizardi FL, Pinheiro R. Dilemas culturais, sociais e políticos da participação dos movimentos sociais nos Conselhos de Saúde. Cien Saude Colet 2006; 11(3):797-805.,2323. Oliveira LC, Pinheiro R. A participação nos conselhos de saúde e sua interface com a cultura política. Cien Saude Colet 2010; 15(5):2455-2464.. Outros enfocam as atribuições deliberativas, associando-as a temas diversos como a dinâmica de atuação dos conselheiros2424. Côrtes SV, Michelotti FC, Goldoni AC, Santos LA. Conselhos Municipais de Saúde da Região Metropolitana de Porto Alegre: funcionamento, atores e dinâmica das relações sociais. In: Côrtes SV, organizadora. Participação e Saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2009. p. 145-176., peculiaridades do associativismo no País2525. Avritzer L. Associativismo e Participação na saúde: uma análise da questão na região nordeste do Brasil. In: Fleury S, Lobato LVC, organizadoras. Participação, democracia e saúde. Rio de Janeiro: CEBES; 2009. p. 151-174 e modelos de avaliação funcional2626. Vieira M, Calvo MCM. Avaliação das condições de atuação de Conselhos Municipais de Saúde no Estado de Santa Catarina, Brasil. Cad Saude Publica 2011; 27(12):2315-2326.. Já os aspectos da representação têm despertado raras análises consistentes, destacando-se as sugestões de publicização da seleção dos representantes e adoção de mecanismos mais inclusivos da variedade de organizações da sociedade2727. Coelho VSP. Conselhos de saúde enquanto instituições políticas: o que está faltando? In: Coelho VSP, Nobre M, organizadores. Participação e Deliberação: teoria democrática e experiências no Brasil contemporâneo. São Paulo: Editora 34; 2004. p. 255-269..
Ademais, alguns trabalhos enfatizam os desafios de efetivação do controle social, explicando-os por: restrições na representação dos usuários na conjuntura neoliberal2828. Gershman S. Conselhos Municipais de Saúde: atuação e representação das comunidades populares. Cad Saude Publica 2004; 20(6):1670-1681., domínio da agenda pelos gestores2929. Landerdhal MC, Unfer B, Braun K, Skupien JA. Resoluções do Conselho de Saúde: instrumento de controle social ou documento burocrático? Cien Saude Colet 2010; 15(5):2431-2436., elitização e burocratização dos conselhos3030. Morita I, Guimarães JFC, Di Muzio BP. A participação de Conselhos Municipais de Saúde: solução que se transformou em problema? Saude Soc 2006; 15(1):49-57. e baixa divulgação das ações e afastamento entre representantes e bases3131. Cotta RMM, Cazal MM, Martins PC. Conselho Municipal de Saúde: (re)pensando a lacuna entre o formato institucional e o espaço de participação social. Cien Saude Colet 2010; 15(5):2437-2445..
Revisando tais estudos, Moreira e Escorel88. Moreira MR, Escorel S. Conselhos Municipais de Saúde do Brasil: um debate sobre a democratização da política de saúde nos vinte anos do SUS. Cien Saude Colet 2009; 14(3):795-806. indicam que os CMS contribuem para a democratização da política municipal de saúde ao ampliar e diversificar os atores que participam das decisões no SUS, mas isto não garante que eles protagonizem este processo decisório para torná-lo efetivamente democratizado. Ao estudarem o conjunto nacional de CMS com um modelo analítico baseado na teoria da Poliarquia1515. Dahl RA. Poliarquia: Participação e Oposição. São Paulo: Edusp; 2012., os autores concluem que as regras institucionais são exitosas para elevar a participação, mas insuficientes para incentivar a consolidação institucional dos conselhos. Esta situação estimula os CMS a assumirem posturas veto player nas deliberações do setor, o que desperta reações dos gestores no sentido de privar os órgãos de recursos para sua atuação88. Moreira MR, Escorel S. Conselhos Municipais de Saúde do Brasil: um debate sobre a democratização da política de saúde nos vinte anos do SUS. Cien Saude Colet 2009; 14(3):795-806..
Incrementando esta perspectiva à luz do conceito de controvérsia mandato-autonomia1616. Pitkin HF. The Concept of Representation. California: University of California Press; 1967., Moreira1010. Moreira MR. Democratização da Política de Saúde: avanços, limites e possibilidades dos Conselhos Municipais de Saúde [tese]. Rio de Janeiro (RJ): Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca; 2009. analisou a representação dos segmentos nos CMS brasileiros, caracterizando os usuários pela condição de “multiplicidade dispersa” – entidades com interesses variados e distintos entre si – que incentiva os conselheiros a adotarem posturas do tipo mandato e se articularem através de vetos às propostas de outros atores. Igualmente, a representação dos demais segmentos tende a ser efetuada por posturas mandato, ainda que seus interesses sejam mais homogêneos e que a atuação dos conselheiros envolva alianças com outros segmentos.
Almejando refinar os resultados dos estudos nacionais88. Moreira MR, Escorel S. Conselhos Municipais de Saúde do Brasil: um debate sobre a democratização da política de saúde nos vinte anos do SUS. Cien Saude Colet 2009; 14(3):795-806.,1010. Moreira MR. Democratização da Política de Saúde: avanços, limites e possibilidades dos Conselhos Municipais de Saúde [tese]. Rio de Janeiro (RJ): Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca; 2009., elaborou-se um modelo analítico das relações Representação-Participação em CMS específicos baseado na noção de “Configuração Representativa”, que foi aplicado à realidade dos usuários no CMS-RJ.
Representação e participação no Conselho Municipal de Saúde do Rio de Janeiro
Fundado em 1991, o CMS-RJ integra a estrutura da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (SMS-RJ), reunindo atribuições deliberativas na gestão das políticas setoriais, atualmente dispostas na Lei Municipal 5104/2009. O Conselho possui sede própria, espaço fixo para reuniões, Secretaria Executiva, linhas telefônicas, computadores com acesso à internet e site para divulgar informações sobre seu funcionamento. Isto contribui para que a instância esteja dentre os CMS de melhor desempenho funcional no País88. Moreira MR, Escorel S. Conselhos Municipais de Saúde do Brasil: um debate sobre a democratização da política de saúde nos vinte anos do SUS. Cien Saude Colet 2009; 14(3):795-806..
A Lei 5104/2009 determina que o CMS-RJ tenha formações quadrienais com 40 entidades distribuídas segundo o princípio de paridade da representação dos usuários. Esta Lei também estabelece que os 20 assentos dos usuários sejam divididos entre os 10 Conselhos Distritais de Saúde (CODS) – localizados nas Áreas de Planejamento (APs) de saúde da cidade3232. Instituto Pereira Passos (IPP). Anuário Estatístico da cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IPP; 2000. – e 10 entidades de base municipal. Na atual formação do CMS-RJ, a composição do segmento inclui as entidades listadas no Quadro 1.
Embora as missões institucionais destas entidades sejam distintas entre si, reproduzindo a situação de “multiplicidade dispersa”1010. Moreira MR. Democratização da Política de Saúde: avanços, limites e possibilidades dos Conselhos Municipais de Saúde [tese]. Rio de Janeiro (RJ): Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca; 2009. dos usuários nos CMS brasileiros, o que de fato caracteriza o arranjo representativo do segmento no CMS-RJ é a clivagem em dois grupos peculiares: os CODS e as entidades municipais.
Enquanto os conselheiros das entidades municipais são escolhidos e balizam sua atuação por meio de um “duplo mecanismo de representação” (representam suas entidades e o segmento dos usuários1010. Moreira MR. Democratização da Política de Saúde: avanços, limites e possibilidades dos Conselhos Municipais de Saúde [tese]. Rio de Janeiro (RJ): Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca; 2009.), os conselheiros distritais fazem-no por um triplo mecanismo de representação, já que representam suas entidades, os CODS e o segmento dos usuários. Este terceiro nível de representação (o do Conselho Distrital) introduz especificidades que interferem na Configuração Representativa do CMS-RJ e, por conseguinte, na representação e participação dos usuários e na atuação do próprio Conselho, conforme analisado a seguir.
Para expor os resultados centrais da pesquisa, reafirma-se a Configuração Representativa como categoria que articula dois eixos de regras: o Eixo 1 envolve as regras de elegibilidade, que definem as entidades e os conselheiros participantes, e as regras de participação, que delimitam as possibilidades de atuação desses atores; o Eixo 2 engloba as regras de representação das entidades, que orientam as relações com os conselheiros, delineando o caráter da representação praticada.
Eixo 1 da configuração representativa: regras de elegibilidade e participação
As regras de participação do CMS-RJ – definidas na Lei 5104/2009 e no Regimento Interno – configuram condições equitativas para a atuação dos conselheiros nas plenárias e para a eleição dos cargos de maior poder decisório no órgão (Presidente, Substituto do Presidente e Comissão Executiva), sem induzir privilégios seletivos e preservando a paridade da representação.
Ao contrário, as regras de elegibilidade do CMS-RJ promovem situações distintivas para os representantes dos usuários, exigindo, portanto, um exame aprofundado. Elas determinam assentos vitalícios para os 10 CODS e disputa para as outras 10 vagas em eleições nas Conferências de Saúde, para as quais podem se candidatar as diversas entidades com abrangência municipal de atuação. Por isso, considera-se que a última condição configura regras do tipo “eleitoral”, em oposição às do tipo “Não eleitoral” destinadas aos CODS.
A escolha dos conselheiros por regras internas de elegibilidade das entidades evidencia um segundo filtro que acentua as disparidades entre os usuários. Neste nível, as entidades municipais selecionam os conselheiros por regras do tipo “Não eleitoral”, isto é, por indicação da presidência ou diretoria, o que revela processos restritos às cúpulas das entidades que limitam as possibilidades para os membros pleitearem o cargo de conselheiro e, normalmente, transcorrem com mínima concorrência. Por sua vez, todos os CODS possuem regras do tipo “eleitoral” para selecionar os representantes municipais, ou seja, existem eleições abertas à candidatura dos usuários desses órgãos. O Gráfico 1 ilustra a oposição no arranjo dos regras de elegibilidade nos dois grupos.
O Gráfico 1 atesta que a seleção dos representantes dos CODS resulta da combinação de regras do CMS-RJ “Não eleitorais”/ regras internas “eleitorais”; inversamente, a escolha dos conselheiros das entidades municipais se dá pela sequência de regras do CMS-RJ “eleitorais”/ regras internas “Não eleitorais”. Como as regras de elegibilidade, além de delimitar o leque de atores que participam do CMS-RJ, constituem um primeiro dispositivo de relação entre representantes e representados, é possível articular tais regras às práticas de representação dos conselheiros seguindo a concepção de Hanna Pitkin1616. Pitkin HF. The Concept of Representation. California: University of California Press; 1967..
Eixo 2 da Configuração Representativa: Regras de Representação
Neste sentido, foram analisadas as regras de representação das 18 entidades estudadas, que orientam as interações com seus representantes no CMS-RJ configurando posturas de representação, classificadas em: mandato, autonomia e mandato-autonomia. Esta análise foi conduzida com base nas entrevistas com os conselheiros, já que os estatutos das entidades municipais e os regimentos dos CODS não explicitam tais regras.
Valorizando a influência das regras de representação no balanço dos elementos mandato e autonomia, consideram-se posturas do tipo mandato aquelas influenciadas preponderantemente pelos interesses das entidades e grupos representados, sendo as regras internas profícuas para estreitar os laços entre conselheiros e entidades. Posturas do tipo autonomia expressam a representação majoritariamente orientada pelos julgamentos do conselheiro sobre a condução das políticas de saúde, em um contexto no qual as regras das entidades têm baixa capacidade para definir práticas de representação dos interesses dos representados. Já as posturas mandato-autonomia indicam situações em que as regras de representação possibilitam aos conselheiros combinar de forma equilibrada as duas tendências de modo a representar os interesses das entidades em articulação com questões ligadas ao interesse geral dos usuários do SUS, simbolizado pelo lema Saúde como direito destacado por Moreira1010. Moreira MR. Democratização da Política de Saúde: avanços, limites e possibilidades dos Conselhos Municipais de Saúde [tese]. Rio de Janeiro (RJ): Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca; 2009..
Verificou-se que, embora as entidades municipais realizem reuniões com seus representados para tratar das demandas de saúde, apenas nos casos da ACD, FAFERJ, FAM-Rio e IABC os encontros contribuem para sinalizar os interesses dos grupos de modo a embasar a atuação dos representantes. Além disso, somente os conselheiros da FAFERJ e do IABC relataram que as reuniões têm debates específicos dos assuntos do CMS-RJ e da transmissão da participação no órgão. Portanto, poucas entidades possuem regras que favoreçam práticas de representação efetivas no Conselho, sendo os exemplos mais categóricos ilustrados pela AFDM – que atualmente não realiza reuniões devido a dificuldades estruturais – e pela AMORVIT-RJ e Grupo Otimismo, cujos representantes afirmaram que a atuação no CMS-RJ não contribui para os objetivos das entidades.
Tais características das regras de representação refletiram-se em um cenário no qual todos os conselheiros das entidades municipais (exceto a representante da FAM-Rio) revelaram ter atuação consideravelmente orientada por suas visões sobre os interesses das entidades e necessidades do SUS, o que traduz a influência da tendência autonomia de representação.
Por sua vez, todos os CODS possuem regras objetivas para organizar plenárias mensais que, pela própria natureza das instâncias, envolvem deliberações específicas de assuntos de saúde das respectivas APs, incluindo temas diretamente relacionados à agenda do CMS-RJ. Além disso, 6 entrevistados do grupo indicaram a utilização de instrumentos práticos de representação, como relatórios de participação no CMS-RJ, ofícios manifestando requerimentos dos CODS e declarações de posicionamento.
As regras de representação dos CODS também incluem a realização mensal de reuniões interdistritais entre os presidentes e os representantes municipais dos dez órgãos, que ambientam discussões das pautas do CMS-RJ e de questões relativas à situação de saúde nas APs. Conforme ressaltado por 9 entrevistados, isto possibilita agregar os interesses dos usuários firmados nos CODS e configurar posições comuns em relação aos temas debatidos.
Neste contexto, tais regras motivam relações sólidas entre os CODS e seus representantes de modo que todos os conselheiros do grupo, com exceção do representante da AP 2.1, revelaram ter atuação significativamente pautada pelos interesses dos usuários pactuados no âmbito destes conselhos, o que expressa a influência da tendência mandato de representação.
Para expor estes achados de modo específico, o Quadro 2 traz os desfechos da análise das regras e relações de representação das 18 entidades estudadas em associação com a disposição das regras de elegibilidade, caracterizando a Configuração Representativa do CMS-RJ.
Nas entidades municipais, o arranjo Eleitoral/Não eleitoral de regras de elegibilidade (Eixo 1) não favorece a aproximação entre entidades e conselheiros. Isto porque as regras “eleitorais” do CMS-RJ demonstram certa fragilidade – pois duas instituições foram indicadas pela SMS-RJ e outras duas (excluídas do estudo) sequer se fizeram presentes no Conselho – e as regras internas das entidades orientam a escolha dos conselheiros por processos que não abrangem a participação de seus membros ou dos usuários do SUS. Associando esta trajetória às regras de representação (Eixo 2), os conselheiros deste grupo tendem a ter autonomia para atuar no CMS-RJ, conforme apontado na distribuição de posturas de representação: 4 tipos autonomia, 3 mandato-autonomia e 1 mandato.
Já nos CODS, a sequência Não eleitoral/Eleitoral de regras de elegibilidade orienta a escolha dos representantes municipais por eleições que envolvem os membros dos usuários nas respectivas APs. Isto se associa a um padrão de regras de representação que incentiva relações firmes entre conselheiros e instâncias, além de aproximar o conjunto de representantes em reuniões interdistritais, conformando um modelo de representação do tipo mandato, demonstrado pela composição das posturas dos atores do grupo: 7 tipos mandato, 2 mandato-autonomia e 1 autonomia.
Relações entre representação e participação nos usuários do CMS-RJ
O cenário da representação foi articulado à participação dos conselheiros no CMS-RJ, cuja análise envolveu o acompanhamento das 24 reuniões ordinárias e 3 extraordinárias de 2013 e 2014. Para isto, foi explorada a pauta de discussões do Conselho, valorizando os três pontos que despertaram debates intensos e geraram oportunidades para os conselheiros participarem do processo decisório da Saúde: (i) apresentações sobre patologias, situações e ações de saúde; (ii) esclarecimentos da SMS-RJ; (iii) apresentações de instrumentos de gestão da SMS-RJ. Também foram valorizados os informes dos conselheiros que, embora não incentivem deliberações consistentes, constituem importante atividade na atuação dos usuários.
Desta maneira, foram contempladas 38 apresentações, sendo 31 realizadas por membros da SMS-RJ (alguns também conselheiros). Dentre elas, ocorreram: 11 exposições de instrumentos de gestão (planos da SMS-RJ, diretrizes orçamentárias, prestações de contas e relatórios administrativos) com apenas 5 votações, que resultaram na aprovação das matérias; 6 esclarecimentos da SMS-RJ e 14 apresentações sobre patologias, situações e ações de saúde. Isto indica uma liderança do segmento dos gestores na condução das pautas, enquanto no período do estudo apenas 3 apresentações foram realizadas por conselheiros dos usuários.
Na análise da participação destes atores, considerou-se a força da atuação como principal parâmetro. Os critérios adotados definem a atuação de nível (+) como simples acompanhamento das reuniões e participação nas votações do CMS-RJ. O nível (++) indica a atuação que, além do exercício do voto, envolve a realização de informes relevantes para o conselho e participações esporádicas nos pontos centrais da pauta, sem contemplar os instrumentos de gestão da SMS-RJ. Já a atuação de intensidade (+++) é caracterizada por intervenções mais frequentes nas principais pautas com atuação irregular nos instrumentos de gestão. Por fim, a intensidade (++++) indica a participação com intervenções consistentes e constantes nas deliberações do CMS-RJ, incluindo tais instrumentos.
Outro parâmetro utilizado na pesquisa foi o perfil da atuação dos conselheiros, que permitiu classificar os atores segundo a prática participativa mais característica nos seguintes perfis: (i) votante: atuação restrita ao voto; (ii) informativo: busca de informações sobre ações de saúde; (iii) vocalizador: vocalização dos interesses das entidades; (iv) reivindicativo: reivindicação de melhorias nos serviços do SUS; (v) avaliativo: avaliações (e críticas) relativas à condução das políticas pela SMS-RJ. O Quadro 3 apresenta os resultados da análise da participação dos conselheiros no CMS-RJ junto aos achados referentes à representação.
O Quadro 3 revela as disparidades entre os grupos dos usuários: enquanto todos os conselheiros das entidades municipais (exceto o representante da ACD) foram classificados com força de atuação (+) ou (++), 6 conselheiros distritais atuaram nas reuniões com intensidades (+++) ou (++++) e nenhum foi categorizado com (+). Ou seja, metade dos atores do primeiro grupo participou das reuniões unicamente pelo exercício do voto, ao passo que todos os representantes dos CODS integraram em algum momento as deliberações centrais do CMS-RJ.
Como os perfis de atuação reivindicativo, vocalizador e avaliativo caracterizam os 6 atores distritais mais atuantes, entende-se que as reivindicações por aprimoramentos no SUS, a projeção de demandas das entidades e as avaliações das atitudes de gestão da SMS-RJ traduzem a própria atuação dos usuários no Conselho.
Considerando que o Quadro 3 elucida as relações Representação-Participação nos 18 conselheiros estudados, avanços no conhecimento destas relações no âmbito do CMS-RJ demandam analisar os grupos dos usuários. Com este intuito, o Quadro 4 sintetiza os achados da pesquisa, expondo a influência da Configuração Representativa na atuação do segmento.
O Quadro 4 demonstra que nas entidades municipais a disposição Eleitoral/Não eleitoral de regras de elegibilidade e as regras de representação resultam em um modelo de representação do tipo autonomia, que desencadeou uma participação tênue no CMS-RJ, classificada com intensidade (+/++). Já nos CODS, o arranjo Não eleitoral/Eleitoral de regras de elegibilidade em combinação com regras de representação objetivas para o CMS-RJ configura um modelo mandato de representação, que deflagrou uma atuação mais expressiva no conselho, caracterizada por (+++/++++).
O protagonismo dos conselheiros distritais é corroborado pela ocupação de cargos de grande poder decisório no CMS-RJ, que oferecem maiores possibilidades para interferir nas pautas e na condução das reuniões. No intervalo do estudo, as duas formações da Comissão Executiva do CMS-RJ contaram com 6 representantes de CODS e somente 2 conselheiros de entidades municipais. Além disso, os dois substitutos do Presidente eleitos neste período representavam os conselhos das APs 5.1 e 5.3.
A análise das alianças e conflitos revelou que as articulações mais consistentes entre os usuários são praticadas pelos representantes dos CODS nas reuniões interdistritais, que confluem para a formação de um bloco de atuação no CMS-RJ. Por sua vez, as alianças entre conselheiros das entidades municipais demonstraram-se pouco expressivas e as alianças entre os dois grupos dos usuários restritas às votações de temas prioritários e às eleições para Presidência e Comissão Executiva.
No plano das relações entre segmentos, enquanto os conselheiros de entidades municipais assumiram posturas mais neutras tanto na busca de articulações como na manifestação de conflitos, os conselheiros distritais (com exceção dos representantes das APs 2.1 e 4.0) inclinaram-se para formar alianças com o segmento dos gestores no intuito de perseguir os interesses dos usuários das respectivas áreas e conquistar melhorias nos serviços do SUS. Em associação, foram observados conflitos entre representantes dos CODS e do segmento dos trabalhadores, que firmaram persistente oposição ao modelo de gestão por Organizações Sociais adotado pela SMS-RJ.
Portanto, os achados indicam que os conselheiros dos usuários mais atuantes não assumem posturas veto player em relação aos gestores porque pautam sua atuação pelos interesses dos representados e por pactuações interdistritais. Isto corrobora o modelo analítico de Moreira e Escorel88. Moreira MR, Escorel S. Conselhos Municipais de Saúde do Brasil: um debate sobre a democratização da política de saúde nos vinte anos do SUS. Cien Saude Colet 2009; 14(3):795-806., pois na medida em que os usuários não vetam sistematicamente as propostas da SMS-RJ, os gestores tendem a não reagir com restrições de recursos, o que se revela na posição do CMS-RJ entre aqueles com melhores condições de funcionamento.
Considerações finais
Os resultados apresentados sugerem que a proeminente participação dos conselheiros distritais no CMS-RJ aponta para uma significativa representação dos interesses dos usuários estabelecidos no domínio dos CODS a ponto de sobressaírem no âmbito municipal. Isto sinaliza a importância da posição política e estratégica dos CODS no processo decisório das políticas municipais de saúde, tanto por ambientar deliberações relevantes sobre a gestão dos serviços do SUS, quanto por hegemonizar suas propostas no CMS-RJ.
Também é pertinente pontuar que a análise da Configuração Representativa – conjunto articulado de regras de elegibilidade, participação e representação – e sua influência constatada na atuação empírica dos conselheiros gerou avanços na compreensão das relações Representação-Participação no âmbito dos CMS por meio do estudo específico do Rio de Janeiro. Neste ponto, o artigo contribui para incrementar os conhecimentos sobre participação social no SUS, sobretudo por apresentar achados objetivos acerca das interações entre conselheiros e entidades.
A partir disso e considerando as frequentes críticas direcionadas à atuação política dos conselhos, pode-se propor que conselheiros, estudiosos e gestores debatam sobre as relações entre conselheiros, entidades e população a fim de aperfeiçoar os laços de representação dos usuários do SUS e incentivar uma participação social efetiva e transformadora. A perspectiva trabalhada na pesquisa motiva a discussão do impacto das regras institucionais em tais desfechos, sugerindo a elaboração de regras assertivas para delinear processos democráticos de seleção dos conselheiros e práticas de participação representativas dos interesses dos usuários.
Referências
- 1Santos BS, Avritzer L. Introdução: para ampliar o cânone democrático. In: Santos BS, organizador. Democratizar a democracia. Os caminhos da democracia participativa Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2002. p. 39-82.
- 2Fung A. Receitas para esferas públicas: oito desenhos institucionais e suas consequências. In: Coelho VSP, Nobre M, organizadores. Participação e Deliberação: teoria democrática e experiências no Brasil contemporâneo São Paulo: Editora 34; 2004. p. 173-209.
- 3Lüchmann LHH. A representação no interior das experiências de participação. Lua Nova 2007; 70:139-170.
- 4Almeida C, Tatagiba L. Os conselhos gestores sob o crivo da política: balanços e perspectivas. Serv Soc Soc 2012; 109:68-92.
- 5Gurza Lavalle A, Houtzager PP, Castello G. Democracia, pluralização da representação e sociedade civil. Lua Nova 2006; 67:49-103.
- 6Avritzer L. Sociedade civil, Instituições Participativas e Representação: da autorização à legitimidade da ação. Dados 2007; 50(3):443-464.
- 7Lüchmann LHH. Associações, participação e representação: combinações e tensões. Lua Nova 2011; 84:141-174.
- 8Moreira MR, Escorel S. Conselhos Municipais de Saúde do Brasil: um debate sobre a democratização da política de saúde nos vinte anos do SUS. Cien Saude Colet 2009; 14(3):795-806.
- 9Escorel S, Moreira MR. Participação Social. In: Giovanella L, Escorel S, Lobato LVC, Noronha JC, Carvalho AI, organizadores. Políticas e Sistema de Saúde no Brasil 2ª Ed. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2012. p. 853-883.
- 10Moreira MR. Democratização da Política de Saúde: avanços, limites e possibilidades dos Conselhos Municipais de Saúde [tese]. Rio de Janeiro (RJ): Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca; 2009.
- 11Bravo MIS, Correia MVC. Desafios do controle social na atualidade. Serv Soc Soc 2012; 109:126-150.
- 12Labra ME. Conselhos de Saúde: dilemas, avanços e desafios. In: Lima NT, Gershman S, Edler FC, Suárez JM, organizadores. Saúde e Democracia: histórias e perspectivas do SUS Rio de Janeiro: Fiocruz; 2005. p. 353-383.
- 13Labra ME, Figueiredo JSA. Associativismo, participação e cultura cívica. O potencial dos conselhos de saúde. Cien Saude Colet 2002; 7(3):537-547.
- 14Côrtes SV. Sistema Único de Saúde: espaços decisórios e a arena política de saúde. Cad Saude Publica 2009; 25(7):1626-1633.
- 15Dahl RA. Poliarquia: Participação e Oposição São Paulo: Edusp; 2012.
- 16Pitkin HF. The Concept of Representation California: University of California Press; 1967.
- 17Santos WG. Poliarquia em 3D. Rio de Janeiro: Dados 1998: 41(2):207-281.
- 18Urbinati N. O que torna a representação democrática? Lua Nova 2006; 67:191-228.
- 19Lima Júnior OB. Instituições Políticas Democráticas – o segredo da legitimidade Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora; 1997.
- 20Fuks M. Participação e influência política no Conselho Municipal de Saúde de Curitiba. Rev Sociol Polit 2005; 25:47-61.
- 21Wendhausen A, Caponi S. O diálogo e a participação em um conselho de saúde em Santa Catarina, Brasil. Cad Saude Publica 2002; 18(6):1621-1628.
- 22Guizardi FL, Pinheiro R. Dilemas culturais, sociais e políticos da participação dos movimentos sociais nos Conselhos de Saúde. Cien Saude Colet 2006; 11(3):797-805.
- 23Oliveira LC, Pinheiro R. A participação nos conselhos de saúde e sua interface com a cultura política. Cien Saude Colet 2010; 15(5):2455-2464.
- 24Côrtes SV, Michelotti FC, Goldoni AC, Santos LA. Conselhos Municipais de Saúde da Região Metropolitana de Porto Alegre: funcionamento, atores e dinâmica das relações sociais. In: Côrtes SV, organizadora. Participação e Saúde no Brasil Rio de Janeiro: Fiocruz; 2009. p. 145-176.
- 25Avritzer L. Associativismo e Participação na saúde: uma análise da questão na região nordeste do Brasil. In: Fleury S, Lobato LVC, organizadoras. Participação, democracia e saúde Rio de Janeiro: CEBES; 2009. p. 151-174
- 26Vieira M, Calvo MCM. Avaliação das condições de atuação de Conselhos Municipais de Saúde no Estado de Santa Catarina, Brasil. Cad Saude Publica 2011; 27(12):2315-2326.
- 27Coelho VSP. Conselhos de saúde enquanto instituições políticas: o que está faltando? In: Coelho VSP, Nobre M, organizadores. Participação e Deliberação: teoria democrática e experiências no Brasil contemporâneo São Paulo: Editora 34; 2004. p. 255-269.
- 28Gershman S. Conselhos Municipais de Saúde: atuação e representação das comunidades populares. Cad Saude Publica 2004; 20(6):1670-1681.
- 29Landerdhal MC, Unfer B, Braun K, Skupien JA. Resoluções do Conselho de Saúde: instrumento de controle social ou documento burocrático? Cien Saude Colet 2010; 15(5):2431-2436.
- 30Morita I, Guimarães JFC, Di Muzio BP. A participação de Conselhos Municipais de Saúde: solução que se transformou em problema? Saude Soc 2006; 15(1):49-57.
- 31Cotta RMM, Cazal MM, Martins PC. Conselho Municipal de Saúde: (re)pensando a lacuna entre o formato institucional e o espaço de participação social. Cien Saude Colet 2010; 15(5):2437-2445.
- 32Instituto Pereira Passos (IPP). Anuário Estatístico da cidade do Rio de Janeiro Rio de Janeiro: IPP; 2000.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Maio 2016
Histórico
- Recebido
16 Nov 2015 - Revisado
27 Jan 2016 - Aceito
29 Jan 2016