Implantação do Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, Brasil

André Luis Andrade Justino Lourdes Luzón Oliver Thayse Palhano de Melo Sobre os autores

Resumo

A reforma da Atenção Primária à Saúde na cidade do Rio de Janeiro gerou diversas necessidades de melhoria da rede, em uma delas está a qualificação profissional de médicos para atuar neste nível. Desta forma, foi estruturado o Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade pela própria Secretaria Municipal de Saúde. Este artigo tem como objetivo descrever a experiência da implantação desse Programa no contexto da reforma da Atenção Primária à Saúde. Além disso, demonstrar a estruturação do Programa para atingir os objetivos propostos pela reforma e como isso se reflete na rede e sugere investimentos em estudos que possam sinalizar os impactos gerados pelo Programa.

Medicina de família e comunidade; Atenção Primária à Saúde; Educação médica; Internato e residência

Introdução

A Medicina de Família e Comunidade é uma especialidade clínica orientada para os cuidados primários, isto é, “são médicos pessoais, principalmente responsáveis pela prestação de cuidados abrangentes e continuados a todos os indivíduos que os procurem, independentemente da idade, sexo ou afecção. Cuidam de indivíduos no contexto das suas famílias, comunidades e culturas, respeitando sempre a autonomia dos seus pacientes”11. World Organization of Family Doctors. A definição europeia de medicina geral e familiar. Barcelona: Wonca Europa, OMS; 2002. [acessado 2015 jun 01]. Disponível em: http://www.woncaeurope.org/sites/default/files/documents/European%20Definition%20in%20Portuguese.pdf
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Desde 1976, embora ainda não tivesse o nome de Medicina de Família e Comunidade, a especialidade vem trilhando a busca de espaço como a especialidade responsável pelo cuidado médico na Atenção Primária à Saúde (APS). Data desta época o surgimento das três primeiras iniciativas de formação da especialidade Medicina Geral e Comunitária: o Centro de Saúde Escola Murialdo em Porto Alegre (RS), o Projeto Vitória em Vitória de Santo Antão (PE) e o Serviço de Medicina Integral da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Em novembro de 1981 é criada a Sociedade Brasileira de Medicina Geral e Comunitária (SBMGC). Cinco anos mais tarde, o Conselho Federal de Medicina, em 1986, reconhece a especialidade e a SBMGC como sua representante. A partir de 1995, com a instituição do Programa de Saúde da Família, a especialidade recebe um novo impulso e em agosto de 2001 é decidido em votação pela internet pela adoção do novo nome: Medicina de Família e Comunidade (MFC)22. Falk JW. A Medicina de Família e Comunidade e sua entidade nacional: histórico e perspectivas. Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade 2004; 1(1):5-10..

Alguns programas de residência em MFC têm se constituído como importantes formadores, como o Grupo Hospitalar Conceição com 22 vagas anuais e a Secretaria Municipal de Fortaleza, que inicialmente ofertava 100 vagas e atualmente oferece 7633. Universidade Federal do Ceará. Seleção Unificada para Residência Médica do Ceará. Quadro de vagas. [acessado 2015 jun 1]. Disponível em: http://www.resmedceara.ufc.br/2015/?pag=VerVagas
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,44. Sampaio PGPRP. Residência em Medicina de Família e Comunidade: dois programas brasileiros [dissertação]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca; 2014..

Em relação ao reconhecimento da especialidade, a MFC no Brasil, no momento, não tem nem o prestígio e nem o reconhecimento merecido devido a diferentes fatores. De um lado, tanto a sociedade quanto o coletivo médico em geral, continuam categorizando-a como a “Medicina dos pobres”, principalmente devido ao modo como se deu a implementação do Programa de Saúde da Família no país55. Anderson MIP, Gusso G, Castro Filho ED. Medicina de Família e Comunidade: especialistas em integralidade. Revista de APS 2005; 8(1):61-67.,66. Costa C. Médica de família ‘dirige Chevette e namora Creisom’ em apostila para concurso. [acessado 2015 nov 8]. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/09/140920_salasocial_eleicoes2014_saude_abre_medicos_cc
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, como se fosse possível eticamente distinguir médicos para ricos e médicos para pobres. Em países como Canadá, Espanha, Holanda e Inglaterra o Médico de Família tem o reconhecimento não só de seus colegas especialistas como também da população, independentemente da classe social a qual pertence77. Vicente VC, Pitz PB, Arenal JMC, Ferrández ES, Gonzales FS. La Medicina familiar y comunitaria y la universidad. Informe SESPAS 2012. Gac Sanit 2012; 26(Supl.):69-75. Para a população, o médico de família é o médico de referência para qualquer problema de saúde, já que a Atenção Primária está consolidada como base estruturante do sistema de saúde.

No Brasil, comumente, acredita-se que os médicos de família não têm qualificação e nem potencial suficiente para atender as demandas da população. Ao mesmo tempo, esta situação gera entre os próprios especialistas em medicina de família um “complexo de inferioridade” ao se compararem com seus colegas hospitalares e os processos de qualificação para os dois grupos de profissionais. Entretanto, os MFC são os profissionais da APS melhor capacitados para lidar com queixas inespecíficas, múltiplas doenças em um único paciente, assim como doenças que se transformam ao longo do tempo88. Starfield B. Atenção Primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Edição Brasileira. Brasília: Unesco, Ministério da Saúde; 2002..

Desta forma, a percepção que muitos acadêmicos e internos têm quando fazem seus estágios na Atenção Primária é de uma medicina praticada em unidades precárias, com pouco “brilho tecnológico”, com profissionais pouco qualificados e pouco resolutivos que referenciam para outros níveis do sistema muitas das situações clínicas que atendem99. Casajuana J, Gérvas J. Introducción: la necesaria renovación de la Atención Primaria desde “abajo”, desde la consulta. El ímpetu innovador contra la rutina y la “cultura de la queja”. In: Casajuan J, Gérvas J, organizadores . La renovación de la Atención Primaria desde la Consulta. Colección Economía de la salud y gestión sanitaria. CRES-UPF. Madrid: Springer Healthcare; 2012. p. 1-6.. Este quadro, somado a atrativa oferta do mercado privado para especialistas do nível secundário, faz com que a Medicina de Família e Comunidade seja a última opção entre os estudantes.

Este modelo tem claras repercussões negativas para o sistema de saúde e para a sociedade porque oferece uma atenção fragmentada, sem coordenação entre níveis de assistência, e que potencializa a polimedicação e a iatrogenia para uma população cada vez mais envelhecida, com problemas mais complexos e com maior necessidade de coordenação do cuidado99. Casajuana J, Gérvas J. Introducción: la necesaria renovación de la Atención Primaria desde “abajo”, desde la consulta. El ímpetu innovador contra la rutina y la “cultura de la queja”. In: Casajuan J, Gérvas J, organizadores . La renovación de la Atención Primaria desde la Consulta. Colección Economía de la salud y gestión sanitaria. CRES-UPF. Madrid: Springer Healthcare; 2012. p. 1-6.,1010. Mendes EV. O cuidado das condições crônicas na atenção primária à saúde: o imperativo da consolidação da estratégia da saúde da família. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2012. 512 p. [acessado 2014 Jun 30]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cuidado_condicoes_atencao_primaria_saude.pdf.
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Para a mudança desse cenário, a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (SMS-Rio), além de realizar a reforma da Atenção Primária à Saúde, buscou implantar o seu próprio Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade e incentivar os Programas já existentes no município a fim de qualificar profissionais médicos para este nível de atenção à saúde.

Neste sentido, este artigo tem como objetivo descrever a experiência da implantação do Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (PRMFC-Rio) no contexto da reforma da Atenção Primária à Saúde.

Neste relato de experiência foram utilizados dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) para se conseguir a localização dos egressos da 1ª turma do PRMFC-Rio. Também foram obtidos dados da própria rede municipal de saúde por meio de websites públicos da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro.

A Reforma da Atenção Primária à Saúde como indutora do Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade

A gestão municipal do Rio de Janeiro entende que a Atenção Primária à Saúde (APS) deve ser porta de entrada do sistema de saúde, e tem investido, desde 2008, na Estratégia Saúde da Família (ESF), tal como direcionado pela Política Nacional de Atenção Básica1111. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília: MS; 2006.,1212. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília: MS; 2012..

A partir de 2009, o município do Rio de Janeiro, que possuía um histórico de sistema de saúde fortemente baseado na atenção hospitalar e com baixa cobertura de ESF, inicia uma intensa transformação ao mudar o cenário de 124 equipes de saúde da família em 2009 para mais de 780 equipes completas em 2013. Em 4 anos saltou de menos de 7% para cobrir mais de 40% dos 6.390.290 habitantes da cidade carioca. Todavia, a proposta de expansão possui como meta atingir 70% de cobertura dos cidadãos cariocas com a ESF até 20161313. Brasil. Departamento de Atenção Básica. Redes e Programas. Saúde mais perto de você. Atenção Básica. Equipes da Saúde da Família. [acessado 2014 jun 10]. Disponível em: http://dab.saude.gov.br/portaldab/historico_cobertura_sf.php.
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,1414. Prefeitura do Rio de Janeiro. Plano Estratégico da Prefeitura do Rio de Janeiro 2013 - 2016. [acessado 2014 jun 30]. Disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/2753734/DLFE-241955.pdf/Planejamentoestrategico2.0.1.3.2.0.1.6.pdf
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Como forma de garantir a equidade, a expansão foi iniciada nas áreas onde não existia nenhum tipo de cobertura sanitária e em áreas de população com maior risco1515. Harzheim E, Lima KM, Hauser L. Reforma da Atenção Primária à Saúde na cidade do Rio de Janeiro – avaliação dos três anos de Clínicas da Família. Pesquisa avaliativa sobre aspectos de implantação, estrutura, processo e resultados das Clínicas da Família na cidade do Rio de Janeiro. Porto Alegre, RS: OPAS; 2013.. A expansão da APS teve como principais objetivos melhorar o acesso e a qualidade do atendimento para a população carioca, por meio da implantação das Clínicas da Família, reestruturação de Unidades Básicas tradicionais, incluindo as de nível secundário que ofertavam este tipo de atenção e, sobretudo, a qualificação dos profissionais.

Com a implantação das Clínicas da Família surgiu um diferenciador do que até o momento se conhecia no Rio de Janeiro por APS. As clínicas concentram cinco ou mais equipes em média, possuem estrutura física diferenciada, além de incorporarem tecnologias apropriadas para maior resolutividade dos profissionais e conforto dos pacientes, oferecendo radiografias, ultrassonografias, eletrocardiogramas e exames laboratoriais coletados nas próprias clínicas1515. Harzheim E, Lima KM, Hauser L. Reforma da Atenção Primária à Saúde na cidade do Rio de Janeiro – avaliação dos três anos de Clínicas da Família. Pesquisa avaliativa sobre aspectos de implantação, estrutura, processo e resultados das Clínicas da Família na cidade do Rio de Janeiro. Porto Alegre, RS: OPAS; 2013..

Toda essa inovação foi construída com base no provimento de recursos adequados para a oferta de cuidados primários. Desta forma, a maioria das equipes de Saúde da Família, sejam de Clínicas da Família ou de Centros Municipais de Saúde reestruturados, possuem prontuário eletrônico, acesso à internet, ar condicionado, múltiplas salas equipadas para atendimento de adultos, gestantes e crianças; sala de observação, sala de curativos, sala de procedimentos, auditório, equipes e salas de saúde bucal, além de materiais que facilitam o cumprimento da carteira de serviços e aumentam a resolutividade dos profissionais da clínica, como criocautério, materiais para inserção de DIU e materiais para fazer pequenos procedimentos.

Outro eixo complementar à expansão da APS foi a criação da Rede de Estações Observatórios de Tecnologias de Informação e Comunicação em Sistemas e Serviços de Saúde (OTICS)1616. Rio de Janeiro. Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil (SMSDC). Subsecretaria de Atenção Primária, Vigilância e Promoção da Saúde. Rede OTICS RIO - Observatório de Tecnologias de Informação e Comunicação em Serviços de Saúde no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: SMSDC; 2012., que proporciona todo um suporte físico e tecnológico como auditórios, bibliotecas, laboratórios de informática para qualificação de profissionais e para avaliação de indicadores da APS.

Em 2011, a SMS-Rio estabeleceu sua Carteira de Serviços. Esta visa padronizar a oferta de atendimentos nas Unidades de APS, determina quais tipos de consultas e de procedimentos estas precisam realizar, pois têm estrutura e materiais suficientes para serem executados1717. Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro. Superintendência de Atenção Primária. Guia de Referência Rápida. Carteira de Serviços: Relação de serviços prestados na Atenção Primária à Saúde. Rio de Janeiro: SMSDC; 2011..

Após a consolidação dessa estrutura, permanecia na SMS-Rio a dificuldade de fixar profissionais na rede, apesar do Rio de Janeiro ser a capital com melhor proporção de médicos do país (2,7 médicos/1.000 habitantes na cidade, sendo que a realidade brasileira como um todo é de 1,8/1.000 habitantes)1313. Brasil. Departamento de Atenção Básica. Redes e Programas. Saúde mais perto de você. Atenção Básica. Equipes da Saúde da Família. [acessado 2014 jun 10]. Disponível em: http://dab.saude.gov.br/portaldab/historico_cobertura_sf.php.
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. Além disso, para poder preencher as equipes que cresciam de forma acelerada no município, a SMS-Rio necessitava contratar médicos que não possuíam a especialidade, pois a realidade do mercado de trabalho não favorecia a contratação de médicos de família e comunidade, devido à sua escassez.

Como estratégia para melhorar a realidade de contratação, a SMS-Rio começou a oferecer salários competitivos e incentivos de pagamento por desempenho1818. Norman AH, Russell AJ, Macnaughton J. O modelo de pagamento por desempenho e sua influência nos princípios e prática dos médicos generalistas britânicos. Cad Saude Publica 2014; 30(1):55-67., o que começou a atrair médicos de família e comunidade altamente qualificados, formados no Rio de Janeiro e em outros estados da federação. Ademais, a fim de contribuir para a resolução da escassez de médicos de família, a SMS-Rio começou, em 2011, a planejar o seu próprio Programa de Residência nesta especialidade.

A implantação do Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade

A criação do Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (PRMFC-Rio) teve como objetivo melhorar a qualificação do médico de família e comunidade e também ampliar a oferta desse especialista para atuar na ESF carioca. Para que o objetivo fosse alcançado, em 2012 foram ofertadas 60 vagas pelo próprio Programa e incentivada à ampliação do número de vagas para os demais programas existentes na cidade do Rio de Janeiro. No ano de 2014, este número foi ampliado para 100 vagas.

Todavia, devido ao panorama atual da MFC no país e à alta competitividade das demais especialidades médicas, permaneciam algumas dúvidas: como atrair jovens médicos para esse programa? Como mudar o conceito existente na saúde brasileira e evidenciar que um país com uma APS forte é muito mais eficiente do que um sistema fragmentado? Como mostrar que o médico de família e comunidade é considerado em outras realidades internacionais como um profissional altamente resolutivo, podendo desempenhar um grande número de procedimentos1919. Kelly BF, Sicilia JM, Forman S, Ellert W, Nothnagle M. Advanced procedural training in family medicine: a group consensus statement. Fam Med 2009; 41(6):398-404. [acessado 2016 fev 10]. Disponível em: https://www.stfm.org/fmhub/fm2009/June/Barbara398.pdf
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e que um sistema de saúde eficiente e equitativo começa por ter uma APS forte?

Ainda como obstáculo para atrair os médicos para esta especialidade, a bolsa paga pelo Governo Federal para o residente é de cerca de 2.900 reais em qualquer programa de residência do país. Com este valor de bolsa de estudo, boa parte dos residentes tem outros empregos, reduzindo seu tempo de dedicação e de estudo para o objetivo a que se propõe. Como estratégia para atrair médicos residentes para o programa, a SMS-Rio optou por complementar a bolsa de residência com um valor adicional de cerca de 5.500 reais.

Outro mecanismo atrativo foi a busca por melhores unidades de saúde, tanto em relação ao acesso quanto à sua estrutura, e de preceptores qualificados. Desta maneira, o residente participaria de um programa de residência com um diferencial tanto no pagamento de bolsa como na estrutura, assim como um acompanhamento 100% presencial de preceptoria qualificada. No Quadro 1 apresenta-se uma síntese das debilidades, fortalezas, ameaças e oportunidades do programa na sua implantação utilizando o modelo de matriz DAFO/SWOT levantadas pela coordenação do programa2020. Rodriguez RVR Cómo elaborar el análisis DAFO. Galicia: CEEI,2012. [acessado 2015 dez 28]. Disponível em: http://www.ferrol.es:8080/activateenelcentro/fotos/biblioteca/CPX_ComoelaborarAnalisisDAFO_cas.pdf
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Quadro 1
Fortalezas, Ameaças, Debilidades e Oportunidades na implementação do Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade – SMS-Rio, 2015.

A proposta é que, ao finalizar o programa, o residente tenha a sua disposição uma série de ferramentas aprendidas para conseguir resolver 90% dos problemas da população que atende, tanto agudos quanto crônicos, bem como esteja qualificado para a realização de pequenos procedimentos.

A estrutura do Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade

O programa de residência tem uma duração de dois anos e ao longo desse período oferece uma série de competências para desenvolver um profissional altamente qualificado. No início de 2015, o PRMFC-Rio contava com 63 preceptores, 98 residentes do 1º ano do programa (R1) e 46 residentes do 2º ano (R2). Alguns dos residentes entraram posteriormente em licença-maternidade ou formalizaram o trancamento no programa por motivos pessoais. Residentes e preceptores atuam em 20 unidades de saúde localizadas em diferentes regiões da cidade, como demonstrado na Tabela 1.

Tabela 1
Distribuição dos residentes no município. Novembro, 2015.

Para o desenvolvimento do PRMFC-Rio algumas diretrizes foram adotadas para nortear sua organização conforme a resolução da Comissão Nacional de Residência Médica de 17 de maio de 20062121. Brasil. Ministério da Educação e Cultura. Comissão Nacional de Residência Médica. Resolução CNRM Nº 02 /2006, de 17 de maio de 2006. Dispõe sobre requisitos mínimos dos Programas de Residência Médica e dá outras providências. Diário Oficial da União 2006; 19 maio., tais como:

  1. O modelo inicial adotou a relação de um preceptor responsável por duas equipes, sendo que em cada uma estavam lotados um residente do primeiro ano e um do segundo. Atualmente, houve uma melhora na proporção entre preceptor/equipe, que se aproxima da meta de um preceptor para uma equipe.

  2. Um dos diferenciais do modelo assistencial e pedagógico é a formação em serviço com foco na garantia do acesso às demandas dos usuários. Esta proposta foi fundamentada nas experiências nacionais2222. Tesser CD, Norman AH. Repensando o acesso ao cuidado na Estratégia Saúde da Família. Saude soc. [Internet]. 2014 Sep [acessado 2016 fev 11]; 23(3):869-883. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-12902014000300869&lng=en. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-12902014000300011.
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    ,2323. Norman AH, Tesser CD. Acesso ao cuidado na Estratégia Saúde da Família: equilíbrio entre demanda espontânea e prevenção/promoção da saúde. Saude soc. [Internet]. 2015 Mar [acessado em 2016 fev 11]; 24(1):165-179. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-12902015000100165&lng=en. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-12902015000100013.
    http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
    e internacionais2424. Murray M, Tantau C. Same-day appointments: Exploding the access paradigm. Family Practice Management 2000; 7(8):45-50.;

  3. A formação do residente é desenvolvida em mais de 50% do tempo nas Equipes de Saúde da Família, nas quais, com a supervisão dos preceptores, aprende as ferramentas fundamentais da MFC, assim como desenvolve habilidades para o melhor desempenho clínico;

  4. Cerca de 15% da formação do residente é desenvolvida ao longo dos dois anos por meio de um programa teórico composto por: aulas de habilidades e aulas teóricas semanais com duração de quatro horas; seminários trimestrais aos finais de semana; e o desenvolvimento de oficinas de raciocínio clínico, sessões clínicas e discussão de casos clínicos nas próprias Unidades de Saúde.

  5. O PRMFC-Rio ainda desenvolve ao longo do segundo ano da residência uma carga prática de 12 horas semanais em estágios secundário em maternidade e em emergência adulto e pediátrica;

  6. No segundo ano, o residente tem a possibilidade de realizar um estágio optativo durante um mês, no qual poderá aprimorar algum conhecimento específico e conhecer outros sistemas de saúde no exterior (Espanha, Itália, Portugal, Uruguai, Peru) ou realidades de outros médicos de família e comunidade no Brasil (equipes de população de rua, equipes de saúde fluvial, etc.);

  7. São oferecidos para as Unidades com a Residência em MFC matriciamentos em dermatologia e em saúde mental, para melhor qualificar os residentes nestas áreas;

  8. Como mecanismo de comunicação foi criado um blog com publicações de periódicos, artigos recomendados, cadernos de APS, vídeos e aulas2525. Prefeitura do Rio de Janeiro. Secretaria Municipal de Saúde. Blog do Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade. [acessado 2014 jun 24]. Disponível em: http://www.rmfcrio.org/.
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    .

Desta forma, ao longo de dois anos o programa permite a formação e a qualificação de profissionais que posteriormente trabalharão na rede e continuarão contribuindo na qualificação e expansão da APS no município.

Alguns resultados atingidos após dois anos de implementação do programa de residência

Apesar do incipiente tempo de existência, o PRMFC-Rio já apresenta alguns dados positivos. Em 2014, a APS carioca incorporou 27 médicos de família provenientes do PRMFC-Rio, sendo que esses profissionais estavam lotados em Unidades de APS do Rio de Janeiro como preceptores (06) ou como MFCs de equipe (21). Os demais egressos atuavam em APS de outros Municípios (05); na gestão central (01); em outros níveis de atenção (03); em licença-maternidade (02); ou não estavam vinculados a algum serviço no referido ano (05). Esta distribuição dos egressos da primeira turma de médicos residentes está expressa no Gráfico 1.

Gráfico 1
Distribuição de egressos do PRMFC-Rio – 2014.

Quanto à distribuição dos médicos residentes egressos do programa no primeiro semestre de 2015 por área de planejamento (AP) da cidade (Tabela 2), observou-se que a melhor proporção de número de equipes de ESF existente por equipes com residentes foi na AP 2.1, embora a zona norte represente a região que mais recebeu residentes.

Tabela 2
Distribuição do número de equipes com residentes do PRMFC-SMS-Rio segundo área de planejamento em saúde - 1º semestre 2015.

Outro resultado obtido é que a inserção do PRMFC-Rio nas unidades de saúde refletiu na exigência de se obter a melhoria da qualidade dos demais profissionais e também da organização do serviço, fato que talvez seja justificado por ser um espaço de constantes reflexões sobre o processo de trabalho.

Devido à exigência de formar um novo perfil médico para atuar na ESF, o PRMFC ainda proporcionou que as Unidades que possuem residência recebam materiais diferenciados, tais como: material para pequenos procedimentos e para inserção de DIU, oxímetro de pulso portátil, eletrocautério e criocautério. Este investimento influencia na melhoria da oferta de serviços, ou seja, a população tem mais acesso a serviços diferenciados. Este processo acarretará, ao longo do tempo, em um efeito ‘bola de neve’, expandindo-se para as demais Unidades, pois à medida em que os egressos do PRMFC-Rio são inseridos em novos espaços sem residência, estes exigirão a garantia dos insumos diferenciados e assim estes procedimentos estarão cada vez mais disponíveis na rede.

Perspectivas do programa

Para o ano de 2016 há uma solicitação junto à Comissão Nacional de Residência Médica pela expansão das atuais 100 vagas de Residentes de 1º ano para 150. O processo de expansão almeja as regiões da Zona Norte e Oeste, áreas com maior dificuldade em captar médicos de família visto que a sua concentração está na Zona Sul e região central do município. Sabe-se que esta é uma estratégia adotada para a fixação dos profissionais em locais de difícil provimento2626. Wilson M, Cleland J. Evidence for the acceptability and academic success of an innovative remote and rural extended placement. Rural Remote Health [Internet]. 2008 Jul-Sep [acesso em 2016 fev 14]; 8(3)960. Disponível em: http://www.rrh.org.au/articles/subviewnew.asp?ArticleID=960
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. Com o aumento de vagas, pretende-se contribuir para o processo de ampliação da ESF do município do Rio de Janeiro com a incorporação de médicos especialistas em MFC para estas equipes.

Em 2015, a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade publicou o Currículo Baseado em Competências para a Medicina de Família e Comunidade2727. Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade. Currículo Baseado em Competências para Medicina de Família e Comunidade. [acessado 2015 dez 08]. Disponível em: http://www.sbmfc.org.br/media/Curriculo%20Baseado%20em%20Competencias(1).pdf
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documento fundamental que pretende nortear a qualidade da formação dos egressos dos programas de residência médica na área. Este documento também é fonte importante para que os programas de residência em MFC possam se pautar para formular seus currículos e/ou projetos políticos-pedagógicos. Com isso inicia-se uma nova discussão para a estruturação do programa, visando atingir as principais competências do médico de família e comunidade.

Outra ação que o PRMFC-Rio vem fortalecendo é a capacitação e o treinamento dos seus preceptores. No momento há um programa de formação continuada com os preceptores que é desenvolvido ao longo de todo ano, e cujo produto resulta nas aulas teóricas que são desenvolvidas e problematizadas junto aos residentes. Já foram realizadas pelo menos duas turmas do curso EURACT2828. European Academy of Teachers in General Practice / Family Medicine – EURACT. [acessado 2015 nov 10]. Disponível em: http://www.euract.eu/
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(Academia Europeia de Professores de Medicina Familiar) que é o treinamento europeu para preceptoria em Medicina de Família e Comunidade. A coordenação do Programa de Residência também está trabalhando para o desenvolvimento de um programa de mestrado voltado para esses preceptores, para fortalecer o processo formativo dos mesmos.

Considerações finais

O PRMFC-Rio tem proporcionado um aumento significativo de médicos especialistas para a APS no município do Rio de Janeiro. As estratégias adotadas, tais como a complementação de bolsa e insumos, favorecem o ingresso de médicos residentes no programa. Outro fator percebido é que a captação e a implementação de profissionais (preceptores e residentes) para as zonas oeste e norte do município têm sido um desafio para a coordenação do PRMFC-Rio, devido à dimensão territorial do município, às áreas de risco social e à concentração de médicos nas zonas sul e central.

A experiência tem demonstrado que implantar uma residência em meio a uma intensa reestruturação da Atenção Primária à Saúde requer um planejamento adequado à realidade existente. Como forma de gestão é necessário refletir sobre os resultados para assim alcançar os objetivos propostos. De certa forma, o PRMFC-Rio está em seu início e alguns desafios permanecem, tais como: necessidade de melhoria na proporção de preceptores/número de residentes e de uma articulação cada vez mais adequada com as áreas de planejamento (distritos sanitários); aperfeiçoamento dos conteúdos teórico-práticos; e, fortalecimento da rede de atenção à saúde com os níveis secundários e terciários para uma melhor coordenação entre os mesmos2929. Castells MA. Estudo dos Programas de Residência Médica em Medicina da Família e Comunidade: a questão da preceptoria [dissertação]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca; 2014..

Considera-se como fato histórico a formação expressiva de especialistas em MFC no país e, principalmente, a contribuição deste processo para a expansão da APS na cidade do Rio de Janeiro, ao facilitar o acesso da população a uma rede de APS de qualidade. Como sugestão para publicações futuras, enfatiza-se a necessidade de se realizar estudos que sinalizem os impactos gerados deste Programa de residência ao longo de um período mais extenso.

Referências

  • 1
    World Organization of Family Doctors. A definição europeia de medicina geral e familiar. Barcelona: Wonca Europa, OMS; 2002. [acessado 2015 jun 01]. Disponível em: http://www.woncaeurope.org/sites/default/files/documents/European%20Definition%20in%20Portuguese.pdf
    » http://www.woncaeurope.org/sites/default/files/documents/European%20Definition%20in%20Portuguese.pdf
  • 2
    Falk JW. A Medicina de Família e Comunidade e sua entidade nacional: histórico e perspectivas. Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade 2004; 1(1):5-10.
  • 3
    Universidade Federal do Ceará. Seleção Unificada para Residência Médica do Ceará. Quadro de vagas. [acessado 2015 jun 1]. Disponível em: http://www.resmedceara.ufc.br/2015/?pag=VerVagas
    » http://www.resmedceara.ufc.br/2015/?pag=VerVagas
  • 4
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Maio 2016

Histórico

  • Recebido
    13 Nov 2015
  • Revisado
    18 Fev 2016
  • Aceito
    20 Fev 2016
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