A Revista Ciência & Saúde Coletiva recebe artigos que utilizam abordagem qualitativa para analisar questões de saúde. Muitos são recusados. Neste editorial, compartilhamos nossa experiência como editores e arriscamos algumas dicas aos autores.
Esta é uma lista dos problemas mais comuns indicados pelos pareceristas: títulos generalistas para tratar questões específicas. Resumos incompletos, ou seja, sem apresentar a questão de pesquisa, o percurso desta ou o método, a análise dos dados ou discussão, e as conclusões. Palavras-chave que não obedecem aos descritores da área. Introdução sem contextualizar nacional e internacionalmente o tema. Descrição apenas formal do método sem realçar como a questão é enfrentada, o local de estudo, o universo e os instrumentos de pesquisa, o trabalho em campo e a forma como a análise foi realizada. Apresentação dos resultados sem se afastar da descrição dos dados empíricos, a não ser por uma categorização formal. Discussão descritiva e pouco analítica, sem avançar em um diálogo entre dados empíricos e conceitos. E conclusões que costumam apresentar dois problemas: ou continuam a discussão inclusive citando bibliografia, ou fogem do assunto, trazendo propostas que não derivam do tema em estudo.
Arriscamos sete sugestões para abertura de um diálogo com os autores: (1) pense no título para que ele seja um minirresumo do que foi escrito. Faça o leitor se interessar por seu texto; (2) Apresente um resumo substancial que contenha objetivo, metodologia, resultados e conclusões. Saiba que o leitor quando se interessa por seu artigo vasculha título e resumo: motive-o a ler oferecendo-lhe informações precisas; (3) Indique palavras-chave que façam parte dos descritores já consagrados para facilitar as buscas bibliográficas; (4) Invista numa introdução que traga pelo menos uma bibliografia esclarecedora no plano nacional e internacional da discussão de sua questão de pesquisa e, quando necessário, contextualize-a no tempo e no espaço; (5) Promova uma descrição metodológica do que realizou para chegar aos resultados citando a abordagem empregada, como definiu o espaço e o universo de pesquisa; como decidiu o grupo de pesquisa e a amostra, se for o caso; com que instrumentos operacionalizou o trabalho de levantamento de dados; como ordenou, classificou e analisou o material, sem se esquecer de mencionar os procedimentos éticos; (6) Na exposição da análise qualitativa, sugerimos dois caminhos: descrever os dados categorizados segundo relevâncias apresentadas pelos interlocutores em campo, ao mesmo tempo em que os discute em profundidade e abrangência; ou, primeiro, fazer a descrição por meio de classificações que se desdobram a partir de categorias trazidas do campo, e, em seguida, produzir uma discussão que tenha como base o empírico, mas mostre a força conceitual do que é dito. Esta etapa costuma ser a mais desafiadora nos artigos recebidos pela revista. Na análise, é preciso partir dos achados empíricos e em seguida sair do seu chão. Ou seja, é preciso superar aquilo que Theodor Adorno chamou de “duplicação dos dados” e Pierre Bourdieu, de “ilusão da transparência”. A arte é encontrar nos dados e não fora deles o que torna qualquer problema local parte dos problemas universais: seu enraizamento no mundo em que vivemos e suas possibilidades transformadoras; (7) Por fim, na conclusão, retorne à questão de pesquisa, não faça mais citações, apresente seu próprio olhar sobre os achados, convidando os leitores a seguir adiante frente às indagações que você apresentou.
Sabemos que não é fácil, e até mesmo arriscado, lançar sugestões como estas. Nossa ideia é abrir uma conversa franca e transparente entre editores, pareceristas e autores para que possamos fortalecer uma área fundamental à saúde coletiva como é a da pesquisa qualitativa.
Maria Cecília de Souza Minayo 1, Debora Diniz 2, Romeu Gomes 3
1,3 Editores Chefes
2 Editora Associada da Área de Ciências Sociais e Saúde
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Ago 2016