Resumo
Este estudo teve por objetivo avaliar a completitude das fichas de investigação, os principais indicadores da Vigilância do óbito fetal do Jaboatão dos Guararapes, Pernambuco, e suas contribuições para o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). A população de estudo consistiu em todos os óbitos fetais ocorridos no ano de 2014, de residentes. Os dados foram obtidos das fichas de investigação do óbito e do banco do SIM. Foi analisada a completitude das fichas de 68 óbitos fetais e de 13 variáveis da Declaração de Óbitos (DO) antes e após a investigação. Em 2014, a taxa de mortalidade fetal foi de 10,3‰. Dos 102 óbitos, 86,3% (88) foram investigados, 67% (59) foram investigados antes de 120 dias. Apenas nove (10,2% dos óbitos investigados) foram discutidos. A ficha hospitalar foi a mais frequente e a síntese com maior completitude, e com pior preenchimento a ambulatorial. Houve retificações das 13 variáveis estudadas da DO. Os resultados mostraram que a vigilância do óbito fetal no Jaboatão dos Guararapes apresentou deficiências e dificuldades operacionais. Por outro lado, revelou a contribuição do processo investigativo na qualificação do SIM.
Óbito fetal; Vigilância Epidemiológica; Avaliação em saúde; Sistemas de informação em saúde
Introdução
Nos últimos anos, os óbitos fetais têm ganhado notoriedade através das sucessivas publicações sobre sua magnitude e invisibilidade, desencadeando pressões de muitos países integrantes da OMS para o reconhecimento e o monitoramentos dessas mortes11. Lawn JE, Blencowe H, Waiswa P, Amouzou A, Mathers C, Hogan D, Flenady V, Frøen JF, Qureshi ZU, Calderwood C, Shiekh S, Jassir FB, You D, McClure EM, Mathai M, Cousens S; The Lancet Ending Preventable Stillbirths Series study group, The Lancet Stillbirth Epidemiology investigator group. Stillbirths: rates, risk factors, and acceleration towards 2030. Lancet 2016; 387(10018):587-603.
Para que haja um monitoramento efetivo dos óbitos fetais é necessário reconhecer a importância da produção oportuna e contínua das informações22. Frøen JF, Friberg IK, Lawn JE, Bhutta ZA, Pattinson RC, Allanson ER, Flenady V, McClure EM, Franco L, Goldenberg RL, Kinney MV, Leisher SH, Pitt C, Islam M, Khera A, Dhaliwal L, Aggarwal N, Raina N, Temmerman M. The Lancet Ending Preventable Stillbirths Series study group. Stillbirths: progress and unfinished business. The Lancet 2016; 387(10018):574-586. e, ainda, incentivar a realização da captura de dados em domicílios, de maneira semelhante às já realizadas com os óbitos infantis em alguns países, tomando como base a auditoria dos natimortos registrados nos estabelecimentos de saúde11. Lawn JE, Blencowe H, Waiswa P, Amouzou A, Mathers C, Hogan D, Flenady V, Frøen JF, Qureshi ZU, Calderwood C, Shiekh S, Jassir FB, You D, McClure EM, Mathai M, Cousens S; The Lancet Ending Preventable Stillbirths Series study group, The Lancet Stillbirth Epidemiology investigator group. Stillbirths: rates, risk factors, and acceleration towards 2030. Lancet 2016; 387(10018):587-603.
Nesse sentido, no Brasil, a investigação dos óbitos fetais foi instituída por meio de base legal a partir de 201033. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância à Saúde. Portaria nº 72, de 11 de janeiro de 2010. Dispõe sobre a regulamentação da Vigilância de Óbitos Infantis e Fetais. Diário Oficial da União 2010; 11 jan. e tem sido utilizada como ferramenta de monitoramento e vigilância, a fim de reconhecer as situações de risco e fomentar o cuidado adequado às gestantes no pré-natal e parto44. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Manual de vigilância do óbito infantil e fetal e do Comitê de Prevenção do Óbito Infantil e Fetal. 2a ed. Brasília: MS; 2009.. A vigilância do óbito (VO) consiste em estratégia de prevenção de novas mortes, pois envolve uma sequência de etapas, dentre elas a discussão dos óbitos pelo Grupo Técnico (GT), que permite: detectar correções nas informações dos registros vitais, analisar a cadeia de determinantes, avaliar a rede assistencial envolvida nas ocorrências com o enfoque na evitabilidade e propor medidas preventivas e corretivas; para tanto, é importante o envolvimento de representantes de todas as áreas técnicas da assistência na discussão55. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Saúde Brasil 2014: uma análise da situação de saúde e das causas externas. Brasília: MS; 2015..
Dessa forma, a VO possibilita o aperfeiçoamento permanente dos profissionais envolvidos através da análise dos óbitos66. Frias PG, Viola RC, Navarro LM, Machado MRM, Rocha PMM, Wakimoto MD, Bittencourt SDA. Vigilância do óbito: uma ação para melhorar os indicadores de mortalidade e a qualidade da atenção à saúde da mulher e da criança. In: Bittencourt SDA, Dias MAB, Wakimoto MD, organizadores. Vigilância do óbito materno, infantil e fetal e atuação em comitês de mortalidade. Rio de Janeiro: EAD/ENSP; 2013. p. 201-246. e contribui de forma complementar na qualificação das estatísticas vitais ao resgatar e corrigir suas informações77. Oliveira CM, Bonfim CV, Guimarães MJB, Frias PG, Medeiros ZM. Mortalidade infantil: tendência temporal e contribuição da vigilância do óbito. Acta Paul Enferm 2016; 29(3):282-290..
Para garantir a efetividade da vigilância e a oportunidade das informações, a Portaria do Ministério da Saúde no72, de 11 de janeiro de 2010, estabelece prazos a serem cumpridos para cada uma das etapas que compõem a vigilância dos óbitos fetais, devendo encerrar todo o processo investigativo em até 120 dias da data do óbito33. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância à Saúde. Portaria nº 72, de 11 de janeiro de 2010. Dispõe sobre a regulamentação da Vigilância de Óbitos Infantis e Fetais. Diário Oficial da União 2010; 11 jan..
As informações precisam ainda dispor de boa qualidade, com dados representativos88. Lawn JE, Blencowe H, Oza S, You D, Lee ACC, Waiswa P, Lalli M, Bhutta Z, Barros AJD, Christian P, Mathers C, Cousens SN; The Lancet Every Newborn Study Group. Every Newborn: progress, priorities, and potential beyond survival. Lancet 2014; 384(9938):189-205.. Logo, consistência e completitude das variáveis são parâmetros que devem ser considerados na análise da adequação das informações e no seu monitoramento e que podem contribuir para o aperfeiçoamento dos registros99. Ramalho MOA, Frias PG, Vanderlei LCM, Macêdo VC, Lira PIC. Avaliação da incompletitude de óbitos de menores de um ano em Pernambuco, Brasil, 1999-2011. Cien Saude Colet 2015; 20(9):2891-2898..
Pesquisas sobre a vigilância dos óbitos fetais (VOF) são escassas no Brasil, principalmente aquelas que se propõem a analisar dimensões do processo investigativo e sua contribuição para o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). Este estudo teve por objetivo avaliar a completitude das fichas de investigação, os principais indicadores da VOF do Jaboatão dos Guararapes-PE, município da Região Metropolitana do Recife, em 2014, e suas contribuições para o SIM.
Métodos
Trata-se de um estudo de corte transversal, descritivo, de base populacional. A população foi composta por todos os óbitos fetais (peso ≥ 500g e/ou idade gestacional ≥ 22 semanas) ocorridos no ano de 2014, de mulheres residentes no Jaboatão dos Guararapes.
O município é integrante da Região Metropolitana do Recife, localizado no litoral de Pernambuco, possui extensão territorial de 256 km22. Frøen JF, Friberg IK, Lawn JE, Bhutta ZA, Pattinson RC, Allanson ER, Flenady V, McClure EM, Franco L, Goldenberg RL, Kinney MV, Leisher SH, Pitt C, Islam M, Khera A, Dhaliwal L, Aggarwal N, Raina N, Temmerman M. The Lancet Ending Preventable Stillbirths Series study group. Stillbirths: progress and unfinished business. The Lancet 2016; 387(10018):574-586. e população estimada em 680.943 habitantes para o ano de 2014, segunda maior população do estado1010. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Diretoria de Pesquisas (DPE). Coordenação de População e Indicadores Sociais (COPIS). Estimativas da População 2014. [acessado 2016 mar 1]. Disponível em: ftp://ftp.ibge.gov.br/Estimativas_de_Populacao/Estimativas_2014/estimativa_dou_2014.pdf
ftp://ftp.ibge.gov.br/Estimativas_de_Pop... .
As fontes dos dados foram as fichas de investigação do óbito fetal do município e o banco dos óbitos fetais municipal, por residência, do SIM. A investigação dos óbitos fetais em Jaboatão é feita por meio das fichas recomendadas pelo Ministério da Saúde33. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância à Saúde. Portaria nº 72, de 11 de janeiro de 2010. Dispõe sobre a regulamentação da Vigilância de Óbitos Infantis e Fetais. Diário Oficial da União 2010; 11 jan.-44. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Manual de vigilância do óbito infantil e fetal e do Comitê de Prevenção do Óbito Infantil e Fetal. 2a ed. Brasília: MS; 2009.: Ficha ambulatorial (F1), Ficha hospitalar (F2), Ficha domiciliar (F3), Ficha de coleta de dados de laudo de necropsia (IF4) e Ficha de investigação do óbito infantil e fetal – sínteses, conclusões e recomendações (IF5).
Foi analisada a completitude das variáveis das fichas dos 68 óbitos que possuíam ao menos uma das fichas de investigação disponível- F1, F2, F3 e IF5. Não foi analisada a completitude das fichas IF4 uma vez que nem todos os óbitos foram enviados para necropsia e mesmo aqueles que foram enviados, não tiveram tais fichas devidamente preenchidas.
A Ficha Ambulatorial é composta por 38 variáveis e encontra-se dividida em dois blocos: Identificação e Assistência pré-natal. A Ficha Hospitalar possui 52 variáveis distribuídas em três blocos: Identificação, Assistência ao parto e Anotações sobre o natimorto. A Ficha Domiciliar contém 96 variáveis e cinco blocos: Identificação, Características da mãe e da família, Gestação e pré-natal, Assistência ao parto e Informações sobre o natimorto. A IF5 (Ficha Síntese) não é dividida em blocos, embora seja constituída por 50 variáveis aplicáveis aos óbitos fetais que permitem sua subdivisão, desde informações de identificação às recomendações para os serviços de saúde. Para cada ficha foi criado um banco de dados em planilha do programa Microsoft Excel.
Foram analisadas a frequência de retificação e a completitude, antes e depois da investigação, das seguintes variáveis da Declaração de Óbito (DO): Sexo, Peso ao nascer, Idade gestacional, Idade da mãe, Escolaridade da mãe, Bairro, Local de ocorrência, Estabelecimento onde ocorreu o parto, Número de filhos nascidos vivos, Número de filhos nascidos mortos, Tipo de parto, Óbito em relação ao parto, Encaminhado para necropsia.
A análise da completitude teve como base o sistema de escore proposto por Romero e Cunha1111. Romero DE, Cunha CB. Avaliação da qualidade das variáveis socioeconômicas e demográficas dos óbitos de crianças menores de um ano registrados no Sistema de Informações sobre Mortalidade do Brasil (1996/2001). Cad Saude Publica 2006; 22(3):673-681. adaptado, já utilizado em publicações nacionais. Esse considera a proporção de campos ignorados e/ou em branco analisando a incompletitude das variáveis. O presente trabalho utilizou o inverso – a completitude das informações – para a classificação do preenchimento nos seguintes graus de avaliação: Excelente (> 95,0%); Bom (90,0 a 95,0%); Regular (80,0 a 89,9%); Ruim (50,0 a 79,9%) e Muito ruim (< 50,0%). Foram realizadas as frequências relativas e medidas de tendência central (médias) da completitude por blocos de variáveis e da ficha como um todo.
Foram analisados ainda os seguintes indicadores para os óbitos fetais: proporção de óbitos investigados; proporção de óbitos investigados dentro do prazo; proporção de óbitos investigados com atraso; proporção de óbitos discutidos pelo GT; proporção de óbitos discutidos dentro do prazo preconizado; e distribuição da frequência da investigação por tipo de ficha.
O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisas do Centro de Ciências Médicas da Universidade Federal de Pernambuco (CEP/CCS/UFPE) e aprovado. Também foi obtida a anuência da Secretaria Executiva de Promoção da Saúde do Jaboatão dos Guararapes.
Resultados
Em 2014, ocorreram 9.921 nascimentos, 102 nascidos mortos e 9.819 nascidos vivos no Jaboatão dos Guararapes. A taxa de mortalidade fetal foi de 10,3 óbitos por mil nascimentos de mães residentes. Do total desses natimortos, 75,5% nasceu no Recife contra 20,6% de nascidos no Jaboatão e 3,9% em outros municípios.
Dos 102 óbitos fetais, 86,3% (88) foram investigados e 14 não. Dentre os 88 óbitos investigados, 09 (10,2%) não tiveram as fichas de investigação localizadas na ocasião do estudo, sendo incluídos na análise da investigação 79 óbitos. Sessenta e oito óbitos possuíam ao menos uma das fichas de investigação disponível.
Dos óbitos investigados, 67,0% (59) foram dentro do prazo de 120 dias. Para 29 (33,0%) óbitos investigados após o prazo, a mediana dos dias de atraso foi de 63 dias, com quartis de 25% e 75% equivalentes a 11 e 177 dias, respectivamente. O tempo mínimo de atraso foi de 02 dias e o máximo de 393 dias. Apenas 09 óbitos (10,2% dos óbitos investigados e 8,8% do total de óbitos fetais) foram discutidos pelo GT estadual, desses 04 foram concluídos dentro do período máximo de 120 dias.
Os principais entraves relatados pela equipe da VO do município foram: a rotatividade dos profissionais da equipe técnica, a dificuldade de localizar o endereço da mãe para a investigação domiciliar, a indisponibilidade das informações dos prontuários e o não encaminhamento da DO dos óbitos ocorridos em outro município. A ausência de profissional médico pediatra no GT do município foi o principal motivo relacionado à baixa proporção de óbitos concluídos com discussão.
Nenhum dos 79 óbitos estudados apresentou mais de uma ficha por tipo de investigação (ambulatorial, hospitalar), mesmo tendo a mãe realizado o pré-natal em dois estabelecimentos distintos ou passado por mais de um hospital durante o trabalho de parto.
Observou-se maior frequência de preenchimento da Ficha Hospitalar, disponível para 65 (73,9%) dos 88 óbitos investigados, o que corresponde a 82,3% dos óbitos estudados. Em segundo lugar, ficou a Ficha Domiciliar com 26,1% (23) óbitos investigados ou 29,1% dos estudados. A ficha ambulatorial foi preenchida com menor frequência, para 11 (12,5%) dos óbitos investigados ou 13,9% dos estudados.
O município dispunha de guia de remoção de cadáver e do protocolo de necropsia de 31 natimortos. Entretanto, apenas para 09 (10,2% dos 88 óbitos investigados) a ficha IF4 (laudo de necropsia) foi parcialmente preenchida, o que inviabilizou o estudo da sua completitude. Ainda, para 11 óbitos a investigação foi encerrada tendo somente as informações que compõem a IF4.
A ficha IF5 só era preenchida nas discussões e estava presente em 08 casos. Embora tenham sido discutidos 09 óbitos, um caso não foi localizado nos arquivos do município. Nesse ano, a discussão dos óbitos era centralizada no estado e o caso não localizado pode ter sido arquivado pela Secretaria de Saúde de Pernambuco.
Em relação à completitude das fichas, foram analisadas as variáveis, os blocos e as fichas. A ficha com pior preenchimento foi a Ambulatorial (61,5%) e a mais bem preenchida foi a Síntese (94,0%). As fichas Hospitalar e Domiciliar apresentaram preenchimento regular com 80,9% e 85,2%, respectivamente.
A Ficha Ambulatorial apresentou completitude considerada ruim e seus blocos de Identificação e Assistência Pré-natal também tiveram preenchimento ruim 61,62% e 61,44%, respectivamente. As variáveis com melhor grau de preenchimento foram: Número da Declaração de Óbito (DO); Nome da Mãe; Local do Pré-natal; e informações sobre a história reprodutiva materna (Número de gestações, abortos, tipo de parto). Essas tiveram completitude de 100%, ou seja, preenchimento excelente. Em contraste, as variáveis referentes à caracterização da assistência pré-natal recebida foram categorizadas, predominantemente, como ruim (Tabela 1).
Algumas variáveis dessa ficha não foram preenchidas (0% de completitude) e classificadas em muito ruim: Número do cartão SUS da mãe; Distrito Sanitário/Administrativo; Código do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) do pré-natal; Observações gerais e Observações do entrevistador (Tabela 1).
A Ficha Hospitalar é composta por três blocos. O primeiro bloco (Identificação) obteve preenchimento excelente para todas as variáveis exceto para Número do cartão SUS da mãe (10,8% ou muito ruim). O bloco Assistência ao parto apresentou completitude de 82,9% (regular), uma vez que a de seus componentes variou de 100% (excelente) a 33,9% (muito ruim). As variáveis com pior preenchimento do bloco foram Código CNES estabelecimento, Data do último parto e Medicação durante a gravidez com 33,9%, 38,5% e 40,0%, respectivamente. Nesse bloco, uma em cada três (13/36) das variáveis teve preenchimento excelente, além disso, variáveis que informam sobre a presença de fatores de risco materno-gestacionais e sobre a qualidade da assistência prestada no parto tiveram preenchimento ruim – Tempo de bolsa rota, Aspecto do líquido amniótico, Intercorrência(s) materna durante o trabalho de parto, Fatores de risco, Maior intervalo sem avaliação fetal e Medicação utilizada (Tabela 2).
O último bloco da Ficha Hospitalar (Anotações sobre o natimorto) obteve completitude de 68,7% (ruim). Das 09 variáveis 05 são semiestruturadas (abertas), as quais tiveram preenchimento de ruim (70,8%) a muito ruim (16,9%). As demais apresentaram preenchimento de excelente a regular, sendo a de maior completitude a de Condições de nascimento (95,4%) (Tabela 2).
Na Ficha Domiciliar, o preenchimento dos seus blocos variou de bom a ruim, os de maior completitude foram: Assistência ao parto (90,7%) e Características da mãe e da família (90,4%), e o de pior preenchimento foi Identificação (74,4%). Este embora possua 05 das 10 variáveis com preenchimento excelente, duas foram classificadas em muito ruim – Número do cartão SUS da mãe (17,4%) e Distrito Sanitário/Administrativo (8,7%). O bloco Características da mãe e da família apresentou 13 das 23 (56,5%) variáveis com preenchimento excelente, uma ruim (trabalho remunerado) e uma muito ruim – Data do último parto (Tabela 3).
O grupo denominado Gestação e Pré-natal foi composto de 14 variáveis com preenchimento excelente, dessas 04 com completitude de 100% (Mãe fez pré-natal, Motivo não fez pré-natal, mês iniciou o pré-natal e Número de consultas pré-natal). Por outro lado, informações importantes sobre o acesso ao Centro de Saúde, pré-natal de alto risco (PNAR) exames e medicamentos tiveram preenchimento ruim. Nas informações da Assistência ao parto, 12 das 20 variáveis (60,0%) mostraram preenchimento excelente e 04, ruim. E no último bloco, apenas a variável Observação da família foi classificada como excelente com completitude 100%. Entretanto, a variável Repercussões na família apresentou preenchimento muito ruim (34,8%) (Tabela 3).
Das 50 variáveis da Ficha Síntese que se aplicam aos óbitos fetais, 41 (82,0%) tinham preenchimento excelente com 100% de completitude em todas elas. Apenas 02 variáveis que tratam da classificação da evitabilidade dos óbitos apresentaram preenchimento muito ruim (Fundação SEADE e Wigglesworth Expandida), ambas com 0% de completitude. Só foi verificado o preenchimento da classificação de evitabilidade da lista de mortes evitáveis por intervenção dos SUS. A escolaridade materna, que apresentou completitude excelente na Ficha Domiciliar, mostrou preenchimento ruim (75,0%) na Ficha Síntese (Tabela 4).
Ao comparar a completitude de 13 variáveis da DO, antes e após a investigação, pôde-se observar a contribuição da vigilância do óbito no resgate de informações do SIM. A completitude das informações sobre a escolaridade da mãe e encaminhamento do corpo para necropsia foi classificada como ruim antes do resgate do processo investigativo (79,4% e 62,8%, respectivamente) e passaram para completitude regular após o resgate das fichas (85,3% e 86,3%, respectivamente). O grupo das 13 variáveis apresentou grau de preenchimento antes e após o resgate através da investigação de 88,9% e 94,9%, respectivamente, passando de completitude regular para boa. Houve retificações nas 13 variáveis estudadas da DO (Tabela 5).
Foram constatados erros de registro em 11 variáveis analisadas na DO. A variável “Número de nascidos mortos” apresentou mudança considerável na distribuição de frequência após a investigação. Antes da investigação, 64,7% das mães haviam apresentado perda fetal anterior e, após a investigação, 60,8% não apresentaram. A completitude dessa variável passou de regular a boa. Houve alteração em 49 dos 88 óbitos investigados (55,7%) nas informações no número de filhos previamente mortos.
Também foram verificadas algumas inconsistências no preenchimento de variáveis da DO, como: Idade gestacional igual a zero, dois ou sete semanas; número de nascidos vivos igual a 16 para uma mãe de 16 anos de idade; e parto cesáreo para um óbito ocorrido em via pública.
Discussão
A investigação do óbito fetal em Jaboatão dos Guararapes apresentou elevada proporção de óbitos investigados (86,3%), superior ao percentual observado no Brasil em 2013 – 72% dos óbitos infantis e fetais55. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Saúde Brasil 2014: uma análise da situação de saúde e das causas externas. Brasília: MS; 2015.. Entretanto, ao analisar o total de concluídos com discussão ou mesmo a proporção de óbitos investigados dentro do prazo de 120 dias, pode-se inferir dificuldades no processo investigativo.
A falta de recursos financeiro e humano, o desconhecimento de suas atribuições pela equipe de investigação e o preenchimento incompleto dos dados hospitalares, têm sido apontados como fatores que dificultam o processo investigativo1212. Dutra IR, Andrade GN, Rezende EM, Gazzinelli A. Investigação dos óbitos infantil e fetal no Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, Brasil. Reme: Rev Min Enferm 2015; 19(3):597-611.. Assim como, há evidências de que barreiras no acesso aos prontuários e à DO contribuem para o atraso na conclusão do caso no prazo estabelecido1212. Dutra IR, Andrade GN, Rezende EM, Gazzinelli A. Investigação dos óbitos infantil e fetal no Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, Brasil. Reme: Rev Min Enferm 2015; 19(3):597-611.. Também, é possível que ocorram obstáculos para a realização da entrevista domiciliar por recusa familiar, mudança ou inexistência do endereço como mencionado em estudos sobre óbito infantil realizados no Nordeste1313. Mathias TAF, Uchimura TT, Assunção AN, Predebon KM. Atividades de extensão universitária em comitê de prevenção de mortalidade infantil e estatísticas de saúde. Rev Bras Enferm 2009; 62 (2):205-311.,1414. Santana IP, Santos JM, Costa JR, Oliveira RR, Orlandi MHF, Mathias TAF. Aspectos da mortalidade infantil, conforme informações da investigação do óbito. Acta Paul Enferm 2011; 24(4):556-562.. O tempo de investigação acima do preconizado prejudica a oportunidade da informação para a definição de ações de intervenção e melhoria do cuidado, além de contribuir para o abandono do processo investigativo, uma vez que a todo o momento surgem novos casos que passam a ser priorizados.
A Ficha Hospitalar teve maior frequência de preenchimento, diferente da realidade encontrada em outro município nordestino com óbitos infantis ocorridos em 2009/20101515. Caetano SF, Vanderlei LCM, Frias PG. Avaliação da completitude dos instrumentos de investigação do óbito infantil no município de Arapiraca, Alagoas. Cad. Saúde Colet. 2013; 21(3):309-317.. Isso pode ser explicado pelo fato de que a maioria dos natimortos de residentes em Jaboatão, em 2014, terem nascido no Recife e em estabelecimentos que possuem Núcleo Hospitalar de Epidemiologia que, dada a obrigatoriedade conferida pela legislação brasileira33. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância à Saúde. Portaria nº 72, de 11 de janeiro de 2010. Dispõe sobre a regulamentação da Vigilância de Óbitos Infantis e Fetais. Diário Oficial da União 2010; 11 jan.,1616. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução nº 36, de 03 de junho de 2008. Dispõe sobre o Regulamento Técnico para Funcionamento dos Serviços de Atenção Obstétrica e Neonatal. Diário Oficial da União 2008; 03 jun., realizam a investigação e o preenchimento dessa ficha logo após a ocorrência do óbito.
A Ficha Domiciliar apresentou maior grau de preenchimento do que a Hospitalar. Questões ligadas ao preenchimento inadequado ou mesmo aos registros incompletos e ilegíveis dos prontuários médicos podem ter colaborado para o pior preenchimento da Hospitalar em comparação à Domiciliar1313. Mathias TAF, Uchimura TT, Assunção AN, Predebon KM. Atividades de extensão universitária em comitê de prevenção de mortalidade infantil e estatísticas de saúde. Rev Bras Enferm 2009; 62 (2):205-311.,1717. Souza EC, Tonini L, Pinheiro D. Avaliação da qualidade do preenchimento dos prontuários em um hospital de Goiânia, segundo os parâmetros da acreditação hospitalar. Rev. ACRED. 2014; 4(7):66-87.,1818. Oliveira CM, Guimarães MJB, Bonfim CV, Frias PG, Antonino VCS, Guimarães ALS, Medeiros ZM. Adequação da investigação dos óbitos infantis no Recife, Pernambuco, Brasil. Cien Saude Colet No prelo 2016.. Além disso, a melhor completitude da Domiciliar corrobora com o encontrado por outros autores1515. Caetano SF, Vanderlei LCM, Frias PG. Avaliação da completitude dos instrumentos de investigação do óbito infantil no município de Arapiraca, Alagoas. Cad. Saúde Colet. 2013; 21(3):309-317. que referem a contribuição da equipe de saúde da família na investigação1313. Mathias TAF, Uchimura TT, Assunção AN, Predebon KM. Atividades de extensão universitária em comitê de prevenção de mortalidade infantil e estatísticas de saúde. Rev Bras Enferm 2009; 62 (2):205-311.,1414. Santana IP, Santos JM, Costa JR, Oliveira RR, Orlandi MHF, Mathias TAF. Aspectos da mortalidade infantil, conforme informações da investigação do óbito. Acta Paul Enferm 2011; 24(4):556-562., facilitando a localização dos endereços e a sensibilização das famílias para a entrevista. O preenchimento adequado dessa ficha contribui para o resgate de informações importantes das fichas Ambulatorial e Hospitalar, uma vez que seus blocos abarcam dados sobre a assistência prestada nesses estabelecimentos.
As informações sobre os dados ambulatoriais tiveram menor número de formulários preenchidos (1:8) e também o pior grau de preenchimento (61,5%) dentre as fichas analisadas. Caetano et al. também observaram menor completitude na ficha ambulatorial para óbitos infantil em Arapiraca-AL1515. Caetano SF, Vanderlei LCM, Frias PG. Avaliação da completitude dos instrumentos de investigação do óbito infantil no município de Arapiraca, Alagoas. Cad. Saúde Colet. 2013; 21(3):309-317.. Pesquisas sobre qualidade dos prontuários de Unidades Básicas de Saúde assinalam a precariedade das informações com implicações na continuidade do cuidado1919. Vasconcellos MM, Gribel EB, Moraes IHS. Registros em saúde: avaliação da qualidade do prontuário do paciente na atenção básica, Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saude Publica 2008; 24(1):173-182..
Adicionalmente, o número reduzido de fichas de coleta de dados de necropsia preenchidas, apontando que embora haja o acesso aos serviços de necropsia as informações não estão sendo utilizadas em toda sua potencialidade. No entanto, os dados fornecidos por meio desse procedimento poderiam contribuir para a melhor compreensão das causas de morte.
A ficha síntese foi a que obteve maior completitude, mas só foi observado o preenchimento para oito dos óbitos, que foram discutidos e, assim, concluídos. O baixo percentual de preenchimento dessa ficha aponta para dificuldades na consolidação dos casos1212. Dutra IR, Andrade GN, Rezende EM, Gazzinelli A. Investigação dos óbitos infantil e fetal no Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, Brasil. Reme: Rev Min Enferm 2015; 19(3):597-611.,1515. Caetano SF, Vanderlei LCM, Frias PG. Avaliação da completitude dos instrumentos de investigação do óbito infantil no município de Arapiraca, Alagoas. Cad. Saúde Colet. 2013; 21(3):309-317.. A falta de treinamento da equipe e do auxílio do profissional médico para as devidas correções nessa etapa da investigação são alguns dos motivos já relatados por outros pesquisadores1212. Dutra IR, Andrade GN, Rezende EM, Gazzinelli A. Investigação dos óbitos infantil e fetal no Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, Brasil. Reme: Rev Min Enferm 2015; 19(3):597-611..
Atualmente, o município dispõe de profissional pediatra dentro do grupo técnico de discussão dos óbitos, o que facilita a conclusão das investigações e o aumento na proporção de óbitos discutidos. O encerramento dos casos com discussão é essencial para a consolidação da análise do caso1515. Caetano SF, Vanderlei LCM, Frias PG. Avaliação da completitude dos instrumentos de investigação do óbito infantil no município de Arapiraca, Alagoas. Cad. Saúde Colet. 2013; 21(3):309-317., bem como para a divulgação dos resultados e o encaminhamento das recomendações aos gestores dos diversos setores envolvidos44. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Manual de vigilância do óbito infantil e fetal e do Comitê de Prevenção do Óbito Infantil e Fetal. 2a ed. Brasília: MS; 2009.,1212. Dutra IR, Andrade GN, Rezende EM, Gazzinelli A. Investigação dos óbitos infantil e fetal no Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, Brasil. Reme: Rev Min Enferm 2015; 19(3):597-611.. Ademais, é preciso incentivar a correção das informações mesmo nos casos em que os óbitos não forem concluídos com investigação.
Ao analisar a completitude de variáveis da DO antes e após a investigação dos óbitos, observou-se a contribuição da vigilância dos óbitos fetais na qualificação do SIM, tanto no resgate de informações ignoradas como na correção de informações registradas na DO ou erros de digitação.
O elevado percentual de alterações do número de nascidos mortos prévios pode ser atribuído à inclusão equivocada, entre essas perdas fetais, do óbito que motivou a declaração. Segundo o Manual de instruções para o preenchimento da DO essa variável não deve considerar o óbito fetal ao qual o documento se refere2020. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Manual de Instruções para o preenchimento da Declaração de Óbito. Brasília: MS; 2011..
A variável da DO referente ao encaminhamento do corpo para necropsia também mostrou elevado percentual de resgate, a semelhança do encontrado por outros autores77. Oliveira CM, Bonfim CV, Guimarães MJB, Frias PG, Medeiros ZM. Mortalidade infantil: tendência temporal e contribuição da vigilância do óbito. Acta Paul Enferm 2016; 29(3):282-290., e pode refletir a pouca importância dada pelo profissional médico ao preenchimento desse campo. As demais inconsistências citadas podem ser resultado de falhas na digitação da DO no sistema ou, ainda, de problemas quanto ao correto preenchimento da DO.
Tais achados corroboram com a afirmação de pesquisadores sobre a importância da validação das informações da DO pela vigilância77. Oliveira CM, Bonfim CV, Guimarães MJB, Frias PG, Medeiros ZM. Mortalidade infantil: tendência temporal e contribuição da vigilância do óbito. Acta Paul Enferm 2016; 29(3):282-290. e mostram que a análise do banco, antes da investigação, pode provocar interpretações erradas na distribuição de algumas variáveis.
Além do acesso às tecnologias em saúde, a qualidade dos dados da DO também dependem da compreensão do médico sobre a dinâmica de eventos que englobam a cadeia causal do óbito e de seu comprometimento com a produção de estatísticas confiáveis77. Oliveira CM, Bonfim CV, Guimarães MJB, Frias PG, Medeiros ZM. Mortalidade infantil: tendência temporal e contribuição da vigilância do óbito. Acta Paul Enferm 2016; 29(3):282-290..
Os resultados mostraram que a vigilância do óbito fetal no Jaboatão dos Guararapes, em 2014, apresentou deficiências e dificuldades operacionais a serem superadas. O pequeno número de óbitos encerrados com discussão revela que a VOF não cumpre a finalidade à qual foi proposta. Uma vez que somente na discussão são feitas a identificação dos problemas, as recomendações de melhorias da rede assistencial e a análise da evitabilidade dos óbitos. Por outro lado, revelou a contribuição do processo investigativo na qualificação do SIM.
A melhoria na qualificação das informações sobre os óbitos fetais requer a realização de capacitações permanentes dos médicos no preenchimento da DO e das equipes envolvidas na operacionalização do SIM e em todas as dimensões do processo investigativo77. Oliveira CM, Bonfim CV, Guimarães MJB, Frias PG, Medeiros ZM. Mortalidade infantil: tendência temporal e contribuição da vigilância do óbito. Acta Paul Enferm 2016; 29(3):282-290.,1212. Dutra IR, Andrade GN, Rezende EM, Gazzinelli A. Investigação dos óbitos infantil e fetal no Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, Brasil. Reme: Rev Min Enferm 2015; 19(3):597-611.,1818. Oliveira CM, Guimarães MJB, Bonfim CV, Frias PG, Antonino VCS, Guimarães ALS, Medeiros ZM. Adequação da investigação dos óbitos infantis no Recife, Pernambuco, Brasil. Cien Saude Colet No prelo 2016..
Para tanto, é imprescindível, desenvolver o pensamento crítico sobre o papel da vigilância do óbito e a importância de informações completas, fidedignas e oportunas para o planejamento das ações de melhoria na qualidade do cuidado integrado da assistência ao pré-natal e parto, a fim de prevenir novas mortes e reduzir a natimortalidade.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Out 2017
Histórico
- Recebido
30 Maio 2017 - Aceito
26 Jun 2017 - Revisado
13 Jul 2017