Este número temático nasce de um projeto de pesquisa sobre o aprimoramento da política pública para pessoas com funcionalidade reduzida, liderado pela Fundação Oswaldo Cruz, em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Social e com apoio da Faculdade de Medicina de Petrópolis. Os artigos refletem sobre os aspectos positivos e negativos de uma política pública ímpar a nível mundial por conta de seu foco na funcionalidade.
Em 2001 a OMS propôs, por meio da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), uma abordagem que compreende a deficiência como um fenômeno multidimensional e universal, indo de níveis leves a severos, e que se situa não somente no indivíduo, mas depende de vários fatores de seu entorno físico, político e social. Hoje, 16 anos mais tarde, a OMS ainda recebe muitos pedidos de suporte de países que incorporaram a CIF em sua legislação, mas que encontram muita dificuldade em implementá-la em políticas públicas. Uma barreira muito importante é o desenvolvimento de benefícios que foquem de fato na funcionalidade, e não simplesmente na usual presença de impedimentos e doenças. Um segundo desafio considerável é desenvolver um processo de avaliação que de fato meça funcionalidade em toda sua complexidade.
O Brasil estabelece com o BPC um exemplo mundial de como é possível utilizar a CIF em políticas públicas. O presente número temático analisa em artigos científicos de excelente qualidade, utilizando avaliações qualitativas e quantitativas, dois “mitos” persistentes que continuam a impedir que mais países sigam o exemplo brasileiro, ou que podem colocar em risco a continuidade da política no próprio Brasil.
O primeiro “mito”, de que uma avaliação baseada em critérios de elegibilidade construídos com base na CIF e em consonância com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com deficiência da ONU aumenta consideravelmente o número de concessões, é contestado no artigo Proteção social e política pública para populações vulneráveis: uma avaliação do Benefício de Prestação Continuada (BPC) no Brasil, utilizando dados secundários do Ministério do Desenvolvimento Social.
Avaliações do perfil dos demandantes são especialmente importantes devido ao segundo “mito” da insuficiência da funcionalidade como indicadora da necessidade de benefícios sociais. Estas avaliações são tema dos artigos Desigualdades sociais nas limitações causadas por doenças crônicas e deficiências no Brasil: Pesquisa Nacional de Saúde – 2013 e Posição socioeconômica e deficiência: “Estudo Saúde em Belo Horizonte, Brasil".
O número temático também oferece avaliações precisas da atual acessibilidade do BPC nos artigos Burocracia e Política Social no Brasil; Benefício de Prestação Continuada (BPC) para pessoas com deficiência: barreiras de acesso e lacunas intersetoriais e também no texto Perfil da demanda e dos Benefícios de Prestação Continuada concedidos a crianças com diagnóstico de microcefalia no Brasil. O artigo O BPC: dos avanços na seguridade aos riscos da reforma da Previdência analisa as regras atuais que organizam o acesso ao BPC, bem como as alterações discutidas na reforma previdenciária, proposta pelo governo em 2016, e seu possível impacto no futuro.
A acessibilidade desta estimulante seção temática está garantida porque os artigos são acompanhados por arquivos de áudio em inglês e português, uma iniciativa pioneira na área de saúde para leitores com diferentes níveis de funcionalidade.
Carla Sabariego
Institute for Medical Information Processing, Biometry and Epidemiology, Chair for Public Health and Health Services Research, Ludwig-Maximilians-Universität (LMU) München
- Este artigo também está disponível em áudio.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Nov 2017