Resumo
As reformas iniciadas em 1996 pretendiam que as Administrações Regionais de Saúde (ARS) viessem a ter um papel relevante no processo de transformação de um sistema de saúde de modelo integrado num outro de modelo contratual. O instrumento essencial desta transformação viria a ser a Agência de Contratualização, instituída em cada uma das ARS. O seu papel na nova cultura de contratualização era de proceder a negociação de orçamentos prospectivos com as instituições prestadoras de cuidados de saúde, onde se incluíam os Cuidados de Saúde Primários. Este artigo realiza uma análise longitudinal da evolução de um conjunto de 9 indicadores de contratualização de cuidados de saúde primários, em três Agrupamentos de Centros de Saúde (ACeS), da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT). Verificamos que a fixação de metas, em sede de contratualização externa e a sua monitorização e acompanhamento são decisivos para que os profissionais de saúde definam trajetórias e objetivos de desempenho. Reconhecemos ainda, a necessidade de se reverem os indicadores de base, fazendo-os evoluir para indicadores de resultado.
Cuidados de saúde primários; Contratualização; Indicadores
Introdução
Em 2005 iniciou-se a Reforma dos Cuidados de Saúde Primários (RCSP) em Portugal que havia de assentar numa nova estrutura de resposta aos problemas de saúde das populações, quer ao nível local, quer ao nível regional e nacional. Esta foi das mais bem-sucedidas reformas dos serviços públicos das últimas décadas em Portugal, implementada pela Missão para os Cuidados de Saúde Primários (MCSP), com a responsabilidade de condução do projeto global de lançamento, coordenação e acompanhamento da estratégia de reconfiguração dos centros de saúde e implementação das unidades de saúde familiar (USF).
A RCSP tem evoluído, em termos gerais, no sentido de integração de diversos aspectos inovadores, em larga medida consensuais, como foi o caso do modelo organizacional aplicado às unidades prestadoras de cuidados e às de gestão, acompanhados por um regime remuneratório associado ao desempenho dos profissionais. Interessa aqui analisar a experiência de adoção da contratualização, até porque foi na Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo que se deu início (em 1996) a esse processo, enquanto importante instrumento de apoio ao financiamento numa perspectiva de maior equidade e garantia de acesso à saúde, por parte dos cidadãos.
Nesse contexto, cabia às Agências de Acompanhamento dos Serviços de Saúde (AASS)11. Portugal. Despacho Normativo nº 61/1999 de 12 novembro. Altera as orientações relativas à instalação e funcionamento das agências de acompanhamento dos serviços de saúde junto das administrações regionais de saúde. Diário da República 1999; 11 dez., constituídas em 1997 (mais tarde alterada a designação para Agências de Contratualização dos Serviços de Saúde22. Portugal. Despacho Normativo nº 46/1997 de 8 de agosto. Determina a instalação e funcionamento das Agências de Acompanhamento dos serviços de saúde junto das administrações regionais de saúde. Diário da República 1997; 8 ago. uma por cada região de saúde), constituírem-se como entidades interventivas no sistema, com representação de cidadãos e da administração e com a missão de explicitar as necessidades de saúde e defender os interesses da sociedade em geral. Por isso, a equidade e a racionalidade técnica deveriam pautar a distribuição de recursos financeiros pelas instituições de saúde de cada região.
Tiveram papel essencial os contratos-programa, necessários para referir a atividade prevista ao volume de recursos financeiros entregues à instituição, ao invés de aliar essas transferências financeiras à estrutura interna. Se, numa primeira fase, o modelo de orçamentos-programa foi parcialmente aplicado e só envolveu parte das instituições públicas de saúde portuguesas, numa segunda fase previa-se, de acordo com Escoval et al.33. Escoval A, Matos T, Ribeiro R, Santos A. Contratualização em CSP: Horizonte 2015/20. 2010. [acessado 2016 nov 8]. Disponível em: http://www.acss.min-saude.pt/Portals/0/Fase%205_Relatorio%20Final.pdf
http://www.acss.min-saude.pt/Portals/0/F... , estender à generalidade dos serviços e numa terceira fase estava previsto o desenvolvimento de novos modelos de financiamento.
Na metodologia de contratualização adotada estava prevista a atribuição de incentivos financeiros aos profissionais das Unidades de Saúde Familiar (USF), sendo os dos médicos devidos como compensação das atividades específicas desenvolvidas e os dos restantes profissionais – enfermeiros e pessoal administrativo – integrados na compensação pelo desempenho. Este processo foi alterado ao longo do tempo, mas tem mantido a orientação original, de diferenciar incentivos institucionais e incentivos médicos, associados ao desempenho.
A aplicação de incentivos implica a elaboração e a aprovação de um Plano para a Aplicação de Incentivos Institucionais, podendo ser utilizados em formação, documentação, equipamentos e reabilitação de infraestruturas. Este incentivo institucional representa uma qualificação do investimento, ou seja, este é assumido como prioritário nas unidades que cumpram os objetivos contratualizados.
Métodos
Este estudo realiza uma análise longitudinal de três Agrupamentos de Centros de Saúde (ACeS), da Administração Regional de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT), entre 2009 e 2015, no que se refere ao processo de contratualização dos cuidados primários em saúde. A seleção dos ACeS obedeceu a critérios de maturidade do processo de contratualização ao longo do período temporal selecionado.
Quanto aos indicadores de desempenho (Quadro 1), assumiu fator crítico a consistência da informação presente no Sistema de Informação das ARS (SIARS), o qual apoia a contratualização, a monitorização e o acompanhamento dos Cuidados de Saúde Primários (CSP) nas Administrações Regionais de Saúde. A informação do SIARS é proveniente dos vários softwares base dos CSP e determina o acompanhamento, a monitorização e a avaliação do desempenho das unidades funcionais de saúde e ACeS. Pretendeu-se ainda que os indicadores refletissem as várias dimensões da contratualização, do acesso, do desempenho assistencial, da prevenção primária e da eficiência, bem como da carteira de serviços básicos dos CSP. No que respeita à dimensão da satisfação, ainda que avaliada individualmente pelas USF, será, ao nível dos ACeS, avaliada num âmbito supra-regional pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), garantindo uniformidade de metodologia na avaliação desta dimensão.
Importa ainda referir que se incluem na análise os resultados alcançados em 2009, considerando-o como o ano base, anterior ao processo de contratualização e de celebração de contratos-programa com os ACeS, que se inicia em 2010. Será de recordar que os ACeS foram criados em fevereiro de 2008 após extinção das sub-regiões de saúde, pelo que após passarem por um processo de instalação das Direções Executivas, têm como primeiro ano completo de registo de informação no SIARS o ano base de 2009.
Os três ACeS selecionados para o estudo possuem uma localização diversa, sendo um fora da Área Metropolitana de Lisboa, com densidades e problemáticas populacionais próprias. O ACeS Almada Seixal, constituído por dois concelhos, localizados na margem sul do Rio Tejo, a cerca de 24 Km ou 32 minutos de Lisboa; o ACeS Oeste Norte, constituído por seis concelhos, localizados a norte da RSLVT no litoral, a cerca de 123 Km ou 88 min de Lisboa e o ACeS Amadora, que corresponde integralmente ao concelho de Amadora, contíguo ao concelho de Lisboa, a 13,5 Km ou 21 minutos do centro desta cidade.
Resultados
Para a análise aos resultados dos ACeS é importante recordar que a contratualização é efetuada com as Direções Executivas para todos os utentes inscritos nas suas Unidades Funcionais, que por sua vez contratualizam com as USF e Unidades de Cuidados de Saúde Personalizadas (UCSP), estas últimas que acomodam aqueles sem médico de família atribuído. Portanto, os resultados alcançados pela Região (agregado dos 15 ACeS) e os resultados dos três ACeS aqui analisados abrangem todos os utentes inscritos nos CSP, independentemente da atribuição de médico de família.
Assim, os resultados dos indicadores alcançados na RSLVT no período de 2010 a 2015, decorrentes do processo de contratualização externa com os ACeS, evidenciam uma trajetória de evolução positiva conforme se pode observar na Tabela 1.
Analisando os indicadores de cada área, verifica-se que, quanto ao acesso, a taxa de utilização global de consultas médicas manteve-se constante no período de 2010 a 2012, com acréscimo substancial no último triênio, 2013 a 2015, decorrente em parte da reformulação do cálculo do indicador neste período. Até 2012, o indicador media a taxa de utilização anual de consultas (utentes com pelo menos uma consulta médica presencial no ano), passando, a partir de 2013, a mediar a taxa de utilização de consultas nos últimos 3 anos (utentes com pelo menos uma consulta médica nos últimos 3 anos).
Nos indicadores de desempenho assistencial, o relativo à utilização de consultas médicas de planeamento familiar realizadas a mulheres em idade fértil tem vindo a melhorar, apresentando um aumento de cerca 6 e 5 p.p. nos anos 2014 e 2015, respectivamente. Este indicador também foi reformulado, passando as consultas a serem medidas como um parâmetro de avaliação do acompanhamento adequado do planeamento familiar nas mulheres em idade fértil. No que respeita ao indicador relacionado com a vigilância dos recém-nascidos nos primeiros dias de vida (até aos 28 dias), apesar de não ter sido contratualizado no triênio 2013 a 2015, verifica-se uma melhoria do desempenho, especialmente neste período. Ao nível da atividade de rastreio oportunístico, realizado em contexto de CSP, das doenças oncológicas mais prevalentes (mama, útero, cólon e reto), os resultados dos indicadores (cancro do colo retal em inscritos com idade [50;75], colpocitologia atualizada, uma nos 3 últimos anos em mulheres com idade [25;60], e mulheres entre os [50;70] com mamografia nos últimos 2 anos) têm evoluído positivamente, com maior crescimento de 2013 a 2015. Contudo, estes resultados necessitam ser melhorados de forma a abranger um número mais alargado de população inscrita, permitindo diagnosticar na população, em fase precoce, situações potenciais de doença maligna e tratar os doentes com maior acuidade, eficácia e efetividade.
Na dimensão eficiência, com ênfase na necessidade de aumentar o consumo de medicamentos genéricos no âmbito dos CSP em detrimento dos não genéricos, almejando também introduzir uma maior racionalidade e adequação da prescrição de medicamentos e de meios complementares de diagnóstico e terapêutica (MCDT), as metas contratualizadas têm vindo a ser alcançadas ao longo do período em análise.
Sublinha-se, neste âmbito, o trabalho desenvolvido no último triênio pela Comissão de Farmácia e Terapêutica da ARSLVT, de apoio à contratualização externa e interna dos ACeS, na análise dos dados de prescrição, consumo e despesa com medicamentos, publicação de orientações técnico-científicas com vista ao conhecimento do perfil do prescritor médico e da racionalidade da prescrição médica no contexto dos CSP, tendo em conta as guidelines internacionais e nacionais, identificando áreas de oportunidade de melhoria e de adequação.
A análise do percurso, comportamento e resultados dos indicadores contratualizados nos ACeS selecionados apresenta uma trajetória de melhoria incremental, globalmente com resultados favoráveis em todos os ACeS da Região. Os resultados de 2015 comparados com os de 2009 evidenciam a progressão e a consistência do trabalho realizado nos CSP.
Os valores alcançados em cada um dos ACeS selecionados são apresentados de seguida.
Um dos ACeS criados pela Portaria nº 394-B/2012 de 29 de novembro, que procedeu à reorganização dos ACeS da ARSLVT44. Portugal. Portaria n.º 394-B/2012. Visa a reorganização dos Agrupamentos de Centros de Saúde integrados na Administração Regional de Lisboa e Vale do Tejo, I. P. Diário da República 2012; 29 nov., foi o ACeS Almada-Seixal, que agregou na sua área geográfica de influência os concelhos de Almada e Seixal, do distrito de Setúbal, a sul do Rio Tejo (Tabela 2).
O ACeS Almada–Seixal tem um percurso claramente incremental no seu desempenho, sendo que em 2015 todos os indicadores apresentam resultados superiores aos valores (médios) regionais.
A alteração da constituição do Agrupamento em 2012 não prejudicou a tendência de melhoria iniciada em 2009. No entanto, a variação mais substancial no indicador taxa de utilização global de consultas médicas, está naturalmente influenciada pelas alterações no cálculo do indicador, aplicadas a partir de 2013.
Nos indicadores de desempenho assistencial, o relativo à utilização de consultas médicas de planeamento familiar realizadas a mulheres em idade fértil tem vindo a melhorar, mais que duplicando o resultado alcançado entre 2009 e 2015 (41,3%).
Será de destacar ao nível da atividade de rastreio oportunístico, apesar dos três indicadores terem sido alterados na sua fórmula de cálculo, a partir de 2013, o ACeS manteve a tendência de aumento da população coberta pela realização dos exames preconizados, ultrapassando 50% na percentagem de mulheres entre os 50 e 69 anos com mamografia realizada (não estando este ACeS coberto por rastreio de base populacional). O valor de 48,3% no indicador da percentagem de inscritos entre os 50-74 anos com rastreio do cólon e reto efetuado é o valor máximo alcançado por um ACeS no ano 2015.
Na dimensão eficiência, em 2015 verificou-se que cerca de 52% da população do ACeS Almada-Seixal consumia medicamentos genéricos no âmbito da prescrição efetuada pelos CSP, tendo-se reduzido 32,3% o custo médio por medicamentos faturados por utilizador entre 2010 e 2015 e reduzido 33,8% o custo médio de MCDT faturados por utilizador.
Dos nove indicadores analisados, neste ACeS, em 2015, todos atingiram melhor resultado do que a média regional.
O ACeS Oeste Norte é um agrupamento que tem por missão garantir a prestação de CSP à população dos concelhos de Alcobaça, Bombarral, Caldas da Rainha, Nazaré, Óbidos e Peniche, com a evolução de resultados constante na Tabela 3.
Este agrupamento apresenta na Região o melhor resultado do ano 2015 no indicador da taxa de utilização global de consultas médicas, em que quase 90% da população é utilizadora dos CSP. Será relevante destacar que este ACES apresenta a maior distância à cidade de Lisboa, e uma menor oferta de cuidados de saúde do setor privado. É também um dos ACeS da Região que no final de 2015 tinha a menor percentagem de utentes sem médico de família (11,8%).
O indicador da percentagem de mulheres entre os 50-69 anos com mamografia realizada nos últimos 2 anos atinge o valor de 63,1%, com relevante incremento desde 2012, que neste ACeS está associado ao fato de existir um rastreio de base populacional, protocolado entre a ARSLVT e uma Instituição Particular de Solidariedade Social. O valor de 51,74% no indicador da proporção mulheres entre os 25 e 59 anos com colpocitologia atualizada é o valor máximo alcançado por um ACeS no ano 2015, com um incremento de 58,5% desde 2012. De salientar o fato deste indicador ter sido objeto de reformulação, nomeadamente por estreitamento da faixa etária de vigilância, que passou de 64 anos para 59 anos.
Nos indicadores de eficiência, o custo médio de medicamentos faturados por utilizador e o custo dos MCDT faturados por utilizador, têm uma redução desde 2009/2010, de 44,3% e de 50,8%, respetivamente, ou seja, em 5/6 anos foram alcançados resultados relevantes nos valores apurados. O valor de 46,6€ apurado no ano 2015 para o custo médio de MCDT por utilizador é o menor dos 15 ACeS que integram a ARSLVT.
Dos nove indicadores analisados neste ACeS em 2015, identificam-se oito com melhor resultado que a média regional.
Finalmente, o ACeS Amadora é um agrupamento sem qualquer alteração geográfica no período entre 2009 e 2015, coincidindo integralmente com o concelho da Amadora. Uma das principais caraterísticas deste Agrupamento é a sua forte densidade populacional, uma vez que o número de habitantes por km2, em toda a Região, é de aproximadamente 300 hab./km2 enquanto que no ACeS da Amadora sobe para os 7.364,8 hab./km2
Dos três ACeS em destaque, recorda-se que o de Amadora detém menor percentagem de utentes inscritos em USF (51,4% em 2015) e a maior percentagem de inscritos sem médico de família (23,1% em 2015) (Tabela 4).
Assim, neste Agrupamento, mantém-se, tal como nos anteriores, um incremento nos resultados apurados nos indicadores contratualizados, mas as variações entre os anos 2009 e 2015 são menos acentuadas.
O resultado do indicador de acesso da taxa de utilização global de consultas médicas em 2015 (76,8%) é inferior ao valor regional (78,97%), a que não será alheia à percentagem de utentes sem médico de família e à proximidade com a cidade de Lisboa com múltipla oferta de cuidados de saúde no setor privado.
Dos nove indicadores analisados, neste ACeS, em 2015, identificam-se seis com melhor resultado que a média regional.
Discussão
As agências de contratualização existentes em cada uma das cinco regiões de saúde pretendiam modificar o modo de alocação de recursos dentro de SNS, introduzindo a negociação de orçamentos prospectivos. Existe, porém, uma clara limitação desde o princípio, ou seja, em caso de não cumprimento, estas agências não podem impor consequências ou forçar medidas corretoras. Porém, esperava-se que a introdução dos mecanismos de contratualização haveria de consciencializar prestadores e utentes dos custos inerentes aos serviços e associar a produção aos incentivos55. Barros P, Machado S, Simões J. Portugal: Health system review. Health Systems in Transition 2011; 13(4):1-156..
De fato, verificamos que na fixação de metas em sede de contratualização externa, o monitoramento e o acompanhamento são decisivos para que as equipes definam uma trajetória e os objetivos a alcançar, colocando pressão e necessidade de cumprimento dos compromissos assumidos. Luz66. Luz A. Contratualização com os centros de saúde na Região de Lisboa e Vale do Tejo. Revista Portuguesa de Saúde Pública 2001; (2):27-41. afirmava que a contratualização conseguiu introduzir uma maior transparência na utilização dos recursos de saúde e criou instrumentos que permitem um melhor controle da mesma. O que o autor não garante é se influenciou a distribuição dos recursos, embora reconheça que foram desencadeados mecanismos de negociação interna entre um número considerável de interlocutores que poderiam ter ocasionado uma mais criteriosa distribuição dos mesmos.
Reconhecemos que, para se alcançarem as metas fixadas, não será de todo alheio na avaliação de desempenho o pagamento de incentivos financeiros, individuais e de equipe. Roland77. Roland M. Does pay-for-performance in primary care save lives? The Lancet Online, May 17, 2016. [acessado 2016 jul 13]. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(16)00550-X .
http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(16)... , numa apreciação crítica que escreveu, sob a pergunta “Será que o pagamento por objetivos salva vidas?”, no National Health Service britânico, dizia que a adesão dos médicos a estes incentivos foi notável (desde 2004), tendo feito com que a maioria dos objetivos consensualizados tenha sido alcançada. Contudo, será que esta adesão melhorou a saúde dos britânicos e salvou vidas? Lá, como em Portugal, os estudos sobre estes assuntos são restritos e as conclusões assumem as mesmas tendências que ficaram descritas para a ARSLVT. Nessa medida, concordamos com Roland77. Roland M. Does pay-for-performance in primary care save lives? The Lancet Online, May 17, 2016. [acessado 2016 jul 13]. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(16)00550-X .
http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(16)... ao afirmar que as mudanças sociais possuem fortes impactos sobre os resultados em saúde, sendo mais importantes as consequências derivadas das mudanças seculares relacionadas com hipertensão e colesterolemia (por exemplo), que a medicação prescrita nos CSP. Esta conclusão conjuga com os resultados diretamente atribuíveis ao desempenho do sistema de saúde, os determinantes sociais da saúde, não desvalorizando em nada as mudanças organizacionais que se vão registando nos CSP. Veja-se, por exemplo, que à semelhança do que foi referido em termos de indicadores de acesso na ARSLVT, existe consenso de que estes foram claramente alcançados pelos profissionais. A evidência tem demonstrado que a contratualização, em CSP, contribui para aumentar a acessibilidade aos serviços, pois acresce a sua oferta, utilização e cobertura. Simultaneamente, a literatura demonstra também que este é um indicador comummente utilizado para medir efeitos de contratualização, dado que incorpora medidas de quantidade de serviços disponibilizados à população, cobertura populacional e disponibilidade de cuidados. Os prestadores são mais eficientes e eficazes em contexto de contratualização do que os que se mantêm em esquemas de vencimento fixo pago pelo Estado, sendo que, quanto mais rigorosos os estudos, maior a demonstração de impacto deste indicador.
No que diz respeito aos indicadores de eficiência, à semelhança do que ocorre na ARSLVT, os estudos sugerem que a contratualização tem potencial para diminuir os custos de produção para serviços similares. Porém, não é claro se esta redução se reflete nos custos totais e também na eficiência global do sistema.
De fato, à semelhança do SNS em Portugal, vários são os países e respectivos sistemas de saúde que procuram otimizar a alocação de recursos escassos, com o objetivo de obter os melhores impactos ao nível dos utentes e da população em geral, numa perspectiva de acréscimo de valor nos cuidados de saúde prestados. As questões relativas aos modelos de pagamento e o recurso aos modelos de contratualização não são mais do que exemplos dessa procura de acréscimo de valor e de resposta às necessidades das populações, como acima foi afirmado.
De acordo com Heleno88. Heleno B. Justificam-se os indicadores de contratualização dos cuidados de saúde primários sobre rastreios oncológicos? Rev Port Med Geral Fam 2015; 31:302-304., se a remuneração associada ao desempenho é um mecanismo poderoso ao direcionar a atenção dos médicos para determinadas intervenções em saúde, ela deveria ser reservada para situações em que os benefícios ultrapassam largamente os malefícios. É por esse motivo que o autor defende um ajustamento qualitativo dos indicadores utilizados, por exemplo, os que se referem a rastreios não se justificam, pois seu benefício em termos de mortalidade é modesto e existe prejuízo para alguns dos participantes sob a forma de sobrediagnóstico de cancro. Adicionalmente, com a formulação atual (prossegue o autor), estes indicadores estimulam o comportamento errado.
Reconhecemos, também por isso, a necessidade de renovar o conjunto de indicadores base ao processo de contratualização externa dos ACeS, fazendo-os evoluir para indicadores de resultado, orientados pelos níveis de satisfação do utente/cidadão, e melhores resultados em saúde da sociedade em geral, como são os referentes às hospitalizações potencialmente evitáveis (Potentially Avoidable Hospitalizations – PAH). Estes indicadores têm sido utilizados para avaliar a qualidade e o desempenho dos CSP, não apenas dentro de um mesmo país, mas também para comparações internacionais. Resultados recentes destas métricas para Portugal (abril de 2016), da responsabilidade do Regional Office for Europe of The World Health Organization99. Regional Office for Europe of The World Health Organization (WHO). Ambulatory care sensitive conditions in Portugal. Copenhagen: WHO; 2016., permitem concluir que o número de hospitalizações por causas sensíveis aos CSP aumentou entre 2002 e 2013, e também que as doenças crônicas originaram mais internamentos que as agudas durante o último ano. Naquele mesmo estudo, uma análise comparativa dos resultados da última década permitiu verificar que o número de hospitalizações devidas a doenças hipertensivas e diabetes (objeto de contratualização nos CSP) decresceu.
Daí que a terceira conclusão da nossa análise obtenha ainda maior relevância, em quatro dimensões distintas: o trabalho que se tem obtido com a inclusão de indicadores de desempenho relativos a doentes hipertensos e diabéticos deve ser replicado noutras situações crônicas, no âmbito dos CSP; o redimensionamento dos indicadores em função dos internamentos evitáveis é essencial, pois permite identificar e colmatar outras deficiências do sistema na gestão das doenças crônicas; deve questionar-se a cobrança de taxas moderadoras, quando se pretende resolver a incapacidade de cobertura universal pelos CSP; a relativa ineficiência, medida através do internamento por causas sensíveis aos CSP, envolve outros determinantes, como os fatores regionais, o nível educativo dos cidadãos e a capacidade de investimento em cuidados continuados.
Reconhecemos que os resultados obtidos com o processo de contratualização necessitarão agora de potenciar as capacidades instaladas e de rever, através de um processo consultivo adequado que envolva os Médicos de Clínica Geral e Familiar e os representantes das instituições hospitalares, os indicadores de desempenho utilizados.
Considerações Finais
O processo de contratualização externa com os ACeS permitiu a fixação de objetivos e metas ao longo do período 2010-2015 com reflexo positivo na evolução dos resultados alcançados. Apesar de diferentes entre si, cada um dos ACeS evidencia uma melhoria do seu desempenho face ao seu ponto de partida.
As alterações ocorridas ao longo do percurso, decorrentes de mudanças legislativas na composição dos ACeS (2008 e 2012), o ajustamento qualitativo de alguns indicadores (2013), a evolução do número de USF, o aumento da cobertura da população com médico de família ou a sua involução (último triênio) decorrente da aposentadoria de médicos de medicina geral e familiar e da insuficiente contratação de substitutos, influenciam os resultados dos indicadores. Contudo, a fixação de metas em sede de contratualização externa, a monitorização e o acompanhamento definem uma trajetória e objetivos a alcançar, influenciando e exigindo o cumprimento dos compromissos assumidos.
Neste âmbito, afigura-se relevante o processo de contratualização interna com as unidades funcionais, USF e UCSP, bem como com as restantes unidades funcionais do ACeS, ainda que as USF tenham maior força e capacidade para alcançar as metas fixadas pelo fato de estarem associadas à avaliação de desempenho a atribuição de incentivos financeiros, individuais e de equipe (institucionais).
É reconhecida a necessidade de renovar o conjunto de indicadores associados ao processo de contratualização externa dos ACeS, fazendo-os evoluir para indicadores de resultado, com maior impacto na satisfação do utente/cidadão e melhores resultados em saúde da sociedade em geral.
Por outro lado, o caminho percorrido salienta a necessidade de se aumentar o número e de alargar o âmbito das auditorias externas aos registos da atividade, incluindo a codificação clínica (ICPC-2) e de enfermagem (chamada de “SAPE”) da atividade clínica realizada, a par das auditorias à organização do trabalho de equipe das USF, no âmbito do Diagnóstico do Desenvolvimento Organizacional nas USF (DIOR).
Também a monitorização, o acompanhamento e a auditoria interna são instrumentos essenciais à melhoria da qualidade do processo de contratualização, desenvolvimento da organização e metodologias de trabalho, de forma a atingir resultados e objetivos de saúde e de bem-estar.
No decorrer do ano 2016, sem resultados finalizados na presente data, o processo de contratualização e acompanhamento dos Contratos-Programa com os ACeS evoluiu para um processo menos centrado nos resultados quantitativos a alcançar, passando a focar em medidas para a melhoria dos indicadores de contratualização externa, promovendo em sede de negociação, a identificação de ações concretas para alcançar os objetivos, focando-se em princípios qualitativos a desenvolver na execução dos contratos e que promovam a articulação e a integração de cuidados com os Hospitais da área de influência direta. O processo teve como inovação a presença dos Conselhos de Administração dos Hospitais nas reuniões de contratualização dos ACeS, e vice-versa, com a definição de dois indicadores e metas comuns a Hospitais e ACeS, promovendo-se a melhoria do desempenho assistencial através de projetos de articulação de cuidados, a executar ao longo do ano, dirigidos aos dois indicadores comuns: taxa de internamentos de doentes cerebrovasculares entre residentes < 65 anos e proporção de Recém-Nascidos de termo, de baixo peso. Trata-se de indicadores de resultados, medidos a partir da base de dados de Grupos de Diagnósticos Homogêneos (GDH) de internamento hospitalar, que originará melhores resultados em saúde se decorrer de um trabalho de prevenção e acompanhamento da parte dos CSP, em articulação com o Hospital da área de residência dos utentes.
Referências
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- 2Portugal. Despacho Normativo nº 46/1997 de 8 de agosto. Determina a instalação e funcionamento das Agências de Acompanhamento dos serviços de saúde junto das administrações regionais de saúde. Diário da República 1997; 8 ago.
- 3Escoval A, Matos T, Ribeiro R, Santos A. Contratualização em CSP: Horizonte 2015/20. 2010. [acessado 2016 nov 8]. Disponível em: http://www.acss.min-saude.pt/Portals/0/Fase%205_Relatorio%20Final.pdf
» http://www.acss.min-saude.pt/Portals/0/Fase%205_Relatorio%20Final.pdf - 4Portugal. Portaria n.º 394-B/2012. Visa a reorganização dos Agrupamentos de Centros de Saúde integrados na Administração Regional de Lisboa e Vale do Tejo, I. P. Diário da República 2012; 29 nov.
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» http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(16)00550-X - 8Heleno B. Justificam-se os indicadores de contratualização dos cuidados de saúde primários sobre rastreios oncológicos? Rev Port Med Geral Fam 2015; 31:302-304.
- 9Regional Office for Europe of The World Health Organization (WHO). Ambulatory care sensitive conditions in Portugal. Copenhagen: WHO; 2016.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Mar 2017
Histórico
- Recebido
16 Out 2016 - Revisado
05 Dez 2016 - Aceito
07 Dez 2016