Dificuldade de acesso a serviços de média complexidade em municípios de pequeno porte: um estudo de caso

Camila Ribeiro Silva Brigida Gimenez Carvalho Luiz Cordoni Júnior Elisabete de Fátima Pólo de Almeida Nunes Sobre os autores

Resumo

O estudo visou analisar a oferta de consultas especializadas pelo SUS de maior dificuldade de acesso em municípios de pequeno porte na 18ª Regional de Saúde do Paraná, utilizando a metodologia de Estudo de Caso. Os dados foram coletados de janeiro a abril de 2015, por meio de entrevistas com gestores, membros das equipes gestoras e a diretoria do Consórcio Intermunicipal de Saúde. As 21 especialidades estudadas foram categorizadas em Cota Suficiente, Cota Insuficiente, Oferta Inexistente e Vazio Assistencial. As áreas de maior dificuldade de acesso na região são: Cirurgia Vascular, Proctologia, Geriatria, Endocrinologia e Neurologia, que foram consideradas oferta inexistente/vazio assistencial. Enquanto que Ortopedia, Neuro-pediatria, Urologia, Reumatologia, Oftalmologia e Otorrinolaringologia foram consideradas insuficientes. Contribuem para a magnitude do problema: carência de especialistas com consequente insuficiência de consultas, dependência do setor privado e redução da participação da União e do Estado na oferta de serviços e no financiamento. A situação da atenção especializada na região é complexa e de difícil solução a curto prazo, reforçando a tese de que a atenção neste nível é atualmente o gargalo do SUS.

Gestão em saúde; Administração de serviços de saúde; Necessidades e demandas de serviços de saúde; Atenção secundária à saúde; Sistema Único de Saúde

Introdução

O acesso universal aos serviços de saúde, além de ser uma garantia constitucional, é uma bandeira de luta dos movimentos sociais e se constituiu em um dos direitos fundamentais de cidadania11. Jesus WLA, Assis MMA. Revisão sistemática sobre o conceito de acesso nos serviços de saúde: contribuições do planejamento. Cien Saude Colet 2010; 15(1):161-170.. O acesso não equivale à simples utilização do serviço de saúde, mas também à oportunidade de dispor dos serviços em circunstâncias que permitam o uso apropriado dos mesmos, no tempo adequado, para o alcance dos melhores resultados de saúde22. Sanchez RM, Ciconelli RM. Conceitos de acesso à saúde. Rev Panam. Salud Publica 2012; 31(3):260-268.,33. U.S. Department of Health & Human Services. Chapter 9. Access to Health Care. Content last reviewed October 2014. Agency for Healthcare Research and Quality, Rockville, MD. [acessado 2015 abr 1]. Disponível em: http://www.ahrq.gov/research/findings/nhqrdr/nhqr11/chap9.html
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O processo de descentralização e regionalização do sistema de Saúde do país é complexo devido a diversas realidades e desigualdades regionais e também em razão do envolvimento de múltiplos agentes de diferentes instâncias no que diz respeito à acessibilidade aos seus serviços44. Lima LD, Viana ALD, Machado CV. Regionalização da saúde no Brasil: Condicionantes de Desafios. In: Scatena JHG, Kehrig RT, Spinelli MAS, organizadores. Regiões de Saúde, diversidade e processo de regionalização em Mato Grosso. São Paulo: Editora Hucitec; 2014. p. 21-46.. Essa questão envolve o fato de que no sistema de saúde brasileiro – ao contrário do sistema inglês, nacionalizado, e do canadense, provincial – optou-se pela descentralização em nível municipal, delegando aos municípios a responsabilidade pela organização e gestão55. Campos GWS. Efeitos paradoxais da descentralização do Sistema Único de Saúde do Brasil. In: Fleury S, organizadora. Democracia, descentralização e desenvolvimento: Brasil e Espanha. Rio de Janeiro: FGV; 2006. p. 417-442..

Historicamente, a descentralização não assumiu papel prioritário de acesso universal aos serviços de saúde, mas sim um caráter estratégico de intervenção na economia, com o projeto de enxugamento do Estado e estabilidade econômica44. Lima LD, Viana ALD, Machado CV. Regionalização da saúde no Brasil: Condicionantes de Desafios. In: Scatena JHG, Kehrig RT, Spinelli MAS, organizadores. Regiões de Saúde, diversidade e processo de regionalização em Mato Grosso. São Paulo: Editora Hucitec; 2014. p. 21-46.. Ou seja, representa uma estratégia de deslocamento da responsabilidade sobre o gasto social para as esferas subnacionais, que nem sempre têm condições de assumir tais encargos66. Lima LD. Federalismo fiscal e financiamento descentralizado do SUS: balanço de uma década expandida. Trab. educ. saúde 2008; 6(3):573-598..

Desta forma, a descentralização do sistema de saúde serviu mais ao propósito de retração da União e de contenção de despesas do que de sua expansão, como gostariam seus idealizadores66. Lima LD. Federalismo fiscal e financiamento descentralizado do SUS: balanço de uma década expandida. Trab. educ. saúde 2008; 6(3):573-598.. Isso traduz o alto peso sobre os municípios que, além da Atenção Básica (AB), acabam tendo que garantir acesso a serviços de Média Complexidade (MC).

A atenção especializada é marcada por diferentes gargalos, principalmente no que se refere ao acesso. Segundo o Ministério da Saúde (MS), a dificuldade para a garantia de acesso a serviços especializados decorre do modelo de atenção adotado, da resolutividade da AB e também do dimensionamento e organização da oferta dos serviços77. Brasil. Ministério da Saúde (MS), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Protocolos de encaminhamento da Atenção Básica para Atenção Especializada – Endocrinologia e Nefrologia. Brasília: MS, UFRGS; 2015. v. 1..

Nesse nível de atenção verifica-se fragmentação e desorganização dos serviços de saúde, devido à existência de vários sistemas locais isolados, onde os espaços decisórios dos gestores são permeados por interesses locais, em detrimento de ações pautadas pela universalidade do Sistema88. Viana ALD. SUS além dos limites territoriais (entrevista). Revista Região e Redes - Caminho para a universalização da saúde no Brasil. 2014. [acessado 2015 jul 5]. Disponível em: http://www.resbr.net.br/o-sus-alem-dos-limites-territoriais
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. Associado a isso, os gestores, especialmente os de municípios pequenos, carecem de maior representatividade nas instâncias regionais de decisão99. Nicoletto SCS. As Comissões Intergestores Regionais e a Gestão Interfederativa no Norte do Paraná [tese] Londrina: UEL; 2015.. Existe um descompasso no processo de descentralização do Sistema, apesar da expansão da oferta e do ganho de autonomia por parte dos municípios nos últimos anos44. Lima LD, Viana ALD, Machado CV. Regionalização da saúde no Brasil: Condicionantes de Desafios. In: Scatena JHG, Kehrig RT, Spinelli MAS, organizadores. Regiões de Saúde, diversidade e processo de regionalização em Mato Grosso. São Paulo: Editora Hucitec; 2014. p. 21-46..

Apesar do crescente interesse sobre a acessibilidade à atenção especializada, a realidade dos municípios pequenos é pouco descrita na literatura. Conhecer o panorama desse tipo de assistência, no que concerne ao acesso aos serviços de MC, especificamente às consultas especializadas, possibilitou lançar o olhar para esta questão, na tentativa de responder à seguinte indagação: que dimensão tem o problema da dificuldade de acesso dos usuários às ações e serviços da MC em municípios de pequeno porte (MPP)?

A compreensão desse contexto contribuirá para a proposição de estratégias para o enfrentamento da questão da garantia de acesso a esses procedimentos, além de auxiliar gestores, principalmente estaduais e municipais, na elaboração do Contrato Organizativo da Ação Pública (COAP), importante instrumento para a organização da gestão nas Regiões de Saúde. Desta forma, este estudo teve como objetivo analisar a oferta de consultas especializadas pelo SUS e as especialidades de maior dificuldade de acesso em MPP.

Material e métodos

Realizou-se estudo de caso único com várias unidades de análise, com o objetivo de identificar áreas/especialidades de maior dificuldade para a garantia de acesso dos usuários a serviços de MC.

O estudo de caso é caracterizado como uma investigação empírica sobre um fenômeno contemporâneo complexo, em seu contexto, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos1010. Yin RK. Estudo de Caso: planejamento e métodos. 4º ed. Porto Alegre: Bookman; 2010., o que se aplica ao objeto deste estudo.

O caso estudado é a 18ª Regional de Saúde (RS), localizada na região norte do Estado do Paraná. As unidades de análise selecionadas foram os 18 municípios com até 20.000 habitantes, considerados de pequeno porte1111. Brasil. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Secretaria Nacional de Assistência Social. Política Nacional de Assistência Social PNAS/ 2004 e Norma Operacional Básica NOB/SUAS. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Secretaria Nacional de Assistência Social; 2005..

Os dados foram obtidos por meio de entrevista com roteiro estruturado com os gestores e membros da equipe de gestão responsáveis pela regulação de procedimentos especializados, sendo preenchido um instrumento para cada um dos 18 municípios estudados. O roteiro abordava: oferta mensal de vagas de consultas pelo consórcio, se considerava a oferta suficiente ou insuficiente; se especialidades não ofertadas pelo Consórcio eram oferecidas pelo município, neste caso como se dava o custeio e qual o critério utilizado para garantir o acesso ao usuário.

Também foi realizada entrevista semiestruturada com a diretora administrativa do Consórcio Intermunicipal de Saúde (CIS) da região, cujo roteiro enfocou os seguintes aspectos: se o número de vagas ofertadas pelo CIS para os municípios era considerado suficiente para o atendimento da demanda, qual o critério/parâmetro utilizado para a distribuição de vagas e sua opinião sobre o que ocasiona o problema da falta de vagas para consultas especializadas.

Esse instrumento para obtenção dos dados dos gestores foi validado em estudo piloto realizado em um município da região não integrante deste estudo de caso, no mês de setembro de 2014. As entrevistas foram realizadas no período de janeiro a abril de 2015.

As 21 especialidades analisadas foram selecionadas a partir da Relação Nacional de Ações e Serviços de Saúde (RENASES)1212. Brasil. Ministério da Saúde (MS). RENASES – Relação Nacional de Ações e Serviços em Saúde. Brasília: MS; 2012., e do COAP da 18ª Regional de Saúde, ainda em processo de elaboração1313. Cornélio Procópio. 18ª Regional de Saúde. Contrato Organizativo da Ação Pública: 2013-2016. Cornélio Procópio: 18ª Regional de Saúde; 2014.. São elas: Angiologia, Cardiologia, Dermatologia, Gastroenterologia, Infectologia, Neurologia, Neuro-Pediatria, Nefrologia, Obstetrícia de Alto Risco, Reumatologia, Ortopedia, Mastologia, Oftalmologia, Psiquiatria, Endocrinologia, Nutrição, Urologia, Otorrinolaringologia, Geriatria, Proctologia e Vascular.

A oferta de consultas especializadas foi categorizada, a partir das informações dos gestores, em uma das quatro possibilidades: Cota Suficiente: as vagas de consultas ofertadas mensalmente pelo Consórcio Intermunicipal do Norte Pioneiro (CISNOP) são suficientes para suprir a demanda mensal do município. Cota Insuficiente: as vagas de consultas ofertadas mensalmente pelo CISNOP não são suficientes para suprir a demanda mensal do município e os mesmos atuam para garantir acesso aos usuários. Cota Inexistente: não existe oferta de vaga de consulta de determinada especialidade pelo CISNOP na programação mensal habitual de consultas especializadas, fazendo com que os municípios atuem de outras maneiras para garantir o acesso. Vazio Assistencial: não existe nenhuma oferta de vaga de consulta pelo CISNOP, nem os municípios conseguem, por outros meios, garantir acesso dos usuários a essas especialidades.

Os dados obtidos foram organizados inicialmente para cada unidade de análise separadamente para que se pudesse obter um panorama geral da situação de cada município em particular. A seguir, os dados dos municípios foram agrupados em um banco de dados e transportados para o programa Excel®, onde foram geradas tabelas que apresentam os resultados considerando as frequências relativa e absoluta das respostas, bem como a média ponderal dos resultados analisados.

Também foram acessados dados secundários: populacionais, de ações e serviços de saúde ofertados pelo SUS e sobre financiamento público da saúde, obtidos de bases de dados nacionais (CNES, IBGE, SIOPS). Essas informações foram utilizadas para contextualizar o caso em estudo e subsidiaram a análise dos dados primários.

O presente trabalho integra uma pesquisa maior denominada “A gestão do trabalho no SUS em Municípios de Pequeno Porte do Paraná a partir do olhar da Equipe Gestora”, apoiada pelo PPSUS/2013 (Fundação Araucária-PR / SESA-PR / MS-DECIT/CNPq) e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade em que estão inseridos os pesquisadores.

Além da aprovação do CEP, o projeto foi apresentado na reunião da Comissão Intergestores Regional (CIR), no mês de novembro de 2014, tendo sua execução aprovada por esse colegiado. A realização da entrevista nos municípios foi precedida de explicação sobre os objetivos e as características da pesquisa, esclarecimento de dúvidas e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos sujeitos pesquisados.

Resultados

O contexto

A 18ª RS conta com 404 estabelecimentos de saúde, sendo 126 de administração direta do governo, 42 privados sem fins lucrativos e 236 com fins lucrativos1414. Região e Redes. Caminhos para a Universalização da Saúde no Brasil. Banco de Indicadores Regionais e Tipologias, 2013. [acessado 2015 abr 1]. Disponível em: http://www.resbr.net.br. Acesso em 01/04/2015.
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. O município sede concentra a maioria dos estabelecimentos de saúde, especialmente os serviços especializados, integrantes da MC do SUS, com destaque para o Hospital Regional e o Centro Regional de Especialidades1313. Cornélio Procópio. 18ª Regional de Saúde. Contrato Organizativo da Ação Pública: 2013-2016. Cornélio Procópio: 18ª Regional de Saúde; 2014.. A divisão dos procedimentos realizados pelo SUS, em relação aos prestadores públicos e privados, está apresentada na Tabela 1.

Tabela 1
Distribuição dos procedimentos ambulatoriais realizados pelo SUS, por tipo de prestador, 18ª Regional de Saúde, 2013.

Analisando os dados apresentados na tabela, verifica-se, no que diz respeito à produção ambulatorial, que os procedimentos de MC são realizados, predominantemente, pelo setor privado (Figura 1).

Figura 1
Comparativo de Produção Ambulatorial por Prestador, 18ª Regional de Saúde, 2013.

Em relação à organização da assistência à saúde, todos os 18 MPP aderiram à Estratégia Saúde da Família, cuja cobertura populacional nestas localidades é de 85,4%1515. Paraná. Secretaria de Estado da Saúde do Paraná (SESA). Plano Estadual de Saúde Paraná – 2012-2015. Curitiba: SESA; 2013.. Além disso, todos os municípios possuem ao menos uma unidade básica de saúde e 14 deles, hospital1616. Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). Estabelecimentos de Saúde da Região Macro Norte do Estado do Paraná. [2015 ago 12]. Disponível em: http://cnes.datasus.gov.br
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A oferta de consultas especializadas

Os 21 municípios que compõem a 18ª RS constituem o Consórcio Intermunicipal de Saúde do Norte do Paraná (CISNOP), responsável pela oferta da maioria das especialidades médicas disponibilizadas pelo SUS na região.

As vagas mensais de consultas especializadas são disponibilizadas aos municípios de acordo com o percentual da população de cada um, em relação à população total da região. A Tabela 2 apresenta a quantidade de consultas especializadas ofertadas aos MPP no mês de março/2015, e qual o índice per capita a que esse valor corresponde.

Tabela 2
Oferta mensal de Consultas Especializadas pelo CISNOP aos 18 MPP da 18ª Regional de Saúde do Estado do Paraná, março de 2015.

A população total da 18a RS é de 230.949 habitantes1717. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo Demográfico 2010: estimativa populacional para o ano de 2015 – Paraná. Rio de Janeiro: IBGE; 2015. e a dos MPP é de 128.285, o que representa 55% da população da região. Segundo o critério utilizado para distribuição de vagas, 55,79% das disponíveis por mês no CIS, foram disponibilizadas para os municípios de até 20.000 habitantes, perfazendo uma média de 0,27 consulta/habitante/ano.

Ao questionar os gestores municipais sobre a oferta de vagas pelo Consórcio e sua suficiência para atender as necessidades/demanda de seus munícipes, verificou-se que mais da metade das especialidades pesquisadas não as atendiam em sua totalidade. Cabe salientar que, embora constem na RENASES e no COAP, existem especialidades pesquisadas que não estavam sendo ofertadas pelo Consórcio. São elas: Neurologia, Neuro-Pediatria, Endocrinologia, Nutrição, Geriatria, Proctologia e Vascular.

Essa situação, segundo os gestores dos MPP, faz com que eles, mesmo não tendo pactuado sua atuação na MC, assumam gastos para a provisão de serviços nessa área, como, por exemplo: o pagamento de mensalidade para a manutenção do Consórcio; compra e contratualizações complementares para a realização de consultas e de serviços de apoio diagnóstico e terapêutico (SADT), elevando assim o percentual de gastos do orçamento municipal com a área da saúde.

A Tabela 3 apresenta a classificação das especialidades segundo a caracterização proposta em: Oferta Suficiente, Insuficiente, Inexistente e Vazio Assistencial. Os números que são apresentados nas linhas representam o número de municípios que seus gestores consideravam a classificação das especialidades dentro de cada categoria.

Tabela 3
Caracterização das Especialidades conforme a indicação das Equipes Gestoras dos MPP, 18ª Regional de Saúde do Paraná, 2015.

Das 21 especialidades analisadas, o CIS oferecia vagas para 14. Para as outras sete – Vascular, Proctologia, Geriatria, Nutrição, Endocrinologia, Neurologia e Neuro-Pediatria – não havia oferta, sendo as mesmas consideradas como cota inexistente ou vazio assistencial pelos municípios. Das 14 especialidades oferecidas mensalmente, para nove destas a oferta foi considerada insuficiente pela maioria dos municípios (Cardiologia, Dermatologia, Gastroenterologia, Reumatologia, Ortopedia, Oftalmologia, Psiquiatria, Urologia e Otorrinolaringologia). A partir dos dados apresentados na Tabela 3 é possível detectar quais são as especialidades de maior dificuldade de acesso a consultas na 18ª Regional de Saúde do estado do Paraná (Figura 2).

Figura 2
Especialidades com maior dificuldade de acesso, segundo a classificação apontada pelas equipes gestoras de MPP da 18ª Regional de Saúde do Estado do Paraná, 2015.

As especialidades apontadas pelos gestores como de maior dificuldade de acesso para os MPP da 18ª RS foram, Vascular, Proctologia, Geriatria, Endocrinologia e Neurologia, por não serem ofertadas pelo CISNOP. As especialidades de Ortopedia, Neuro-pediatria, Urologia, Reumatologia, Oftalmologia e Otorrinolaringologia, apesar de serem regularmente ofertadas pelo consórcio, foram consideradas pela maioria dos municípios como insuficientes, o que gera grande demanda reprimida por esse tipo de atendimento.

Em entrevista, a direção do CIS admitiu que as vagas mensais para consultas, de maneira geral, é insuficiente para atender à demanda por esse tipo de atendimento. Entretanto, não atribui essa insuficiência à quantidade de consultas ofertadas, mas a outros fatores, principalmente à falta de resolutividade da Atenção Básica nos municípios e à falta de articulação entre os níveis de atenção.

O COAP, instrumento previsto para enfrentar esse problema de maneira interfederativa, está, segundo os gestores, em processo de elaboração na 18ª Regional de Saúde, porém encontra-se incipiente, não havendo data prevista para ser firmado entre os gestores e publicado. E, ainda, as negociações não evoluíram e as pactuações necessárias precisam ser revistas. Afirmam que a participação da esfera estadual na destinação efetiva dos recursos precisa ser maior e que a CIR necessita de maior poder de decisão.

Discussão

A oferta insuficiente ou inexistente de consultas em muitas especialidades faz com que os gestores encontrem muita dificuldade para garantir o acesso ao atendimento especializado aos seus munícipes. Quando existe essa dificuldade, as necessidades de saúde dos usuários ou as demandas por serviços de saúde não são atendidas a contento, o que se verificou nos municípios da região estudada.

Este problema não é exclusivo de MPP, nem do SUS. Estudo realizado em países pertencentes à União Europeia, em 2008, aponta que a espera por cuidados especializados e por cirurgias eletivas é um dos principais problemas de saúde pública e que interfere diretamente no estado de saúde da população. Afirma ainda que, no Reino Unido, embora tenham sido realizados investimentos e incentivos financeiros nos últimos anos, o problema persiste em algumas áreas1818. Huber M, Stanciole A, Wahlbeck K, Tamsma N, Torres F, Jelfs E, Bremner J. Quality in and Equality of Access to Healthcare Services. Directorate-General for Employment, Social Affairs and Equal Opportunities. Luxembourg: European Communities; 2008..

O acesso aos serviços de saúde está ligado aos princípios de equidade, integralidade e universalidade do SUS e estabelece ações ligadas à justiça social. Garantir acesso aos serviços de saúde é garantir que o usuário adentre ao sistema de saúde em condições para que tenha suas demandas e necessidades satisfeitas. A disponibilidade dos serviços é influenciada por fatores como: estrutura, tipo, quantidade, recursos, capacidade de pagamento, continuidade e acessibilidade22. Sanchez RM, Ciconelli RM. Conceitos de acesso à saúde. Rev Panam. Salud Publica 2012; 31(3):260-268.,33. U.S. Department of Health & Human Services. Chapter 9. Access to Health Care. Content last reviewed October 2014. Agency for Healthcare Research and Quality, Rockville, MD. [acessado 2015 abr 1]. Disponível em: http://www.ahrq.gov/research/findings/nhqrdr/nhqr11/chap9.html
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,1919. Cecílio LCO. As necessidades de saúde como conceito estruturante na luta pela integralidade e equidade da atenção. In: Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. Rio de Janeiro: IMS, Abrasco; 2001. p. 113-126..

As possíveis causas do problema do acesso a consultas especializadas são a quantidade de vagas abaixo do normatizado, número de médicos insuficientes, dificuldade de fixação dos médicos no interior, alta dependência do setor privado, redução da participação da União e do estado na oferta e no financiamento de serviços.

Em relação à oferta de consultas especializadas, constata-se que a disponibilidade mensal de vagas pelo CIS é inferior ao normatizado pela portaria nº 1101/2002. O parâmetro de distribuição da portaria é de duas a três consultas/ano para cada habitante, em que as especializadas devem corresponder a 22% do total das programadas2020. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria MS/GM nº 1.101, de 12 de junho de 2002. Parâmetros Assistenciais do SUS. Diário Oficial da União 2002; 13 jun..

Se fossem aplicados os parâmetros preconizados pela Portaria, utilizando-se uma média de 2,5 consultas/habitante/ano, seria recomendada a oferta de 0,55 consultas especializadas/habitante/ano e, desta forma, deveriam ser disponibilizadas aos municípios 5.879 consultas/mês. Assim, pode-se afirmar que as vagas de consultas especializadas que estão sendo oficialmente disponibilizadas aos municípios correspondem à metade do que está normatizado (0,27 consulta/habitante/ano). Esse fato pode justificar a situação de insuficiência/inexistência de vagas de consultas de muitas especialidades na região, o que, de certa forma, contraria a afirmação da direção do Consórcio sobre a causa desse problema.

Ao se analisar o contexto da região, segundo os dados levantados a respeito da capacidade instalada, oferta de serviços, gastos em saúde e orçamento, percebe-se que a situação da garantia de acesso aos serviços de MC vai além dos limites relacionados à articulação da AB com os demais níveis de atenção, e da suposta baixa resolutividade.

Huber et al.1818. Huber M, Stanciole A, Wahlbeck K, Tamsma N, Torres F, Jelfs E, Bremner J. Quality in and Equality of Access to Healthcare Services. Directorate-General for Employment, Social Affairs and Equal Opportunities. Luxembourg: European Communities; 2008. afirmam que para a diminuição da demanda reprimida por atendimentos eletivos, é necessário que se proporcione acesso equânime aos serviços de saúde. Isso inclui a política de se proporcionar o acesso a todo cidadão a atendimento básico de alta qualidade e estabelecimento de um tempo limite para o acesso à média complexidade, caso seja necessário.

O MS tem proposto algumas estratégias para a resolução dos problemas relacionados ao acesso aos serviços de saúde, como, por exemplo: a Estratégia Saúde da Família (modelo de atenção proposto para a reorganização da AB), a implantação de Redes de Atenção, de Protocolos Clínicos para AB, da Telessaúde e Apoio Matricial; as quais também poderão ter impacto sobre a resolutividade da AB, aumentando a capacidade clínica das equipes e a articulação entre os níveis de atenção77. Brasil. Ministério da Saúde (MS), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Protocolos de encaminhamento da Atenção Básica para Atenção Especializada – Endocrinologia e Nefrologia. Brasília: MS, UFRGS; 2015. v. 1..

Por outro lado, observa-se que na tentativa de garantia de acesso à atenção especializada, os gestores municipais têm assumido o desenvolvimento de ações da MC que extrapolam aquelas pactuadas pelos mesmos, quando do termo de compromisso e gestão do Pacto pela Saúde2121. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria MS/GM nº 399, de 22 de fevereiro de 2006. Pacto pela Saúde. Diário Oficial da União 2006; 23 fev.. Em consequência disto, esses municípios têm investido mais do que preconiza a Lei 141/2012 para os gastos com saúde. Em média, 23,9% dos orçamentos municipais dos MPP estudados estão sendo direcionados para o setor2222. Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (SIOPS). Demonstrativo da despesa com saúde - conforme o anexo XVI do Relatório Resumido de Execução Orçamentária (RREO). [acessado 2015 set 17]. Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br
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. No ano de 2014, a média de gastos com recursos próprios dos municípios para as despesas em saúde, em relação ao gasto total deste segmento, correspondeu a 69,7%2323. Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (SIOPS). Despesas em Saúde Região Macronorte do Estado do Paraná, 2014. [acessado 2015 ago 10]. Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br
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, variando entre 57,2% e 81,8%. O alto percentual de recursos do orçamento municipal investidos em saúde demonstra o grande peso de responsabilização que recai sobre os municípios.

A atenção de MC é mais dispendiosa para os municípios, em relação à AB. Além disso, existe grande demanda reprimida por serviços especializados com a qual os gestores dos municípios têm que conviver rotineiramente, sem que consigam respondê-la satisfatoriamente. Essa questão concentra uma parcela considerável dos recursos públicos em saúde2424. Aguilera SLVU, França BHS, Moysés ST, Moysés SJ. Iniquidades intermunicipais no acesso e utilização dos serviços de atenção secundária em saúde na região metropolitana de Curitiba. Rev. bras. epidemiol. 2014; 17(3):654-667..

Pelo exposto, verifica-se que o ganho de autonomia dos municípios também foi acompanhado de aumento da responsabilidade pelo financiamento das ações e serviços de saúde, devido à gradativa diminuição da participação dos governos estaduais e da União na gestão do Sistema. Nos últimos sete anos, as despesas públicas do Governo Federal com saúde cresceram apenas 40,4%, enquanto estados e municípios aumentaram suas despesas públicas com saúde em 49,4% e 71,6%, respectivamente2525. Conselho Federal de Medicina (CFM). A participação federal no SUS diminui. Conselho Federal de Medicina. Jornal Medicina, n.245, jun./2015. [acessado 2016 jan 25]. Disponível em: http://www.flip3d.com.br/web/pub/cfm/?numero=245
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Essas informações corroboram o que afirmam Teixeira et al.2626. Teixeira L, Mc Dowel MC, Bugarin M. Consórcios Intermunicipais de Saúde: Uma análise à luz da Teoria dos Jogos. Revista Brasileira de Economia 2003; 57(1):253-281., que apesar de os municípios terem sido beneficiados pela Constituição de 1988, com o processo de descentralização, eles ainda continuam apresentando uma grande vulnerabilidade fiscal. Se por um lado, aumentaram as suas fontes de recursos, por outro, o processo de descentralização das funções públicas tem exercido forte impacto nas finanças desses entes federativos.

Além da questão de financiamento, outra que afeta a garantia de acesso a consultas especializadas é a descontinuidade do serviço dentro do Consórcio, podendo estar relacionada à ausência – por motivo de férias, afastamento ou exoneração –, e à quantidade insuficiente de profissionais médicos, além da dificuldade de fixação desses profissionais no interior.

Ao se analisar o índice de médicos por mil habitantes da 18ª Regional no ano de 20131414. Região e Redes. Caminhos para a Universalização da Saúde no Brasil. Banco de Indicadores Regionais e Tipologias, 2013. [acessado 2015 abr 1]. Disponível em: http://www.resbr.net.br. Acesso em 01/04/2015.
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(0,93), em relação aos índices do estado do Paraná (1,96) e do Brasil (2,11), para o ano de 20152727. Scheffer M. Demografia Médica no Brasil 2015. São Paulo: USP, Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, Conselho Federal de Medicina; 2015., percebe-se que o índice da 18ª RS está muito abaixo do apresentado pelo estado e pelo país. A Região Sul é considerada, juntamente com o Centro-Oeste, a de melhor equilíbrio entre a proporção de médicos e a de habitantes2727. Scheffer M. Demografia Médica no Brasil 2015. São Paulo: USP, Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, Conselho Federal de Medicina; 2015., o que leva a inferir que a situação de MPP de outras regiões do país, seja ainda pior.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Organização Pan-americana da Saúde (OPAS) não recomendam nem estabelecem taxas “ideais” de número de médicos por habitante, porque o estabelecimento desse índice depende de fatores regionais, socioeconômicos, culturais e epidemiológicos2727. Scheffer M. Demografia Médica no Brasil 2015. São Paulo: USP, Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, Conselho Federal de Medicina; 2015.. Deve-se considerar o tipo de médico, a especialidade, a facilidade de acesso da população, os recursos existentes, as distâncias a percorrer, a tecnologia disponível e o tipo de população que se refere quando se estabelece esse tipo de índice2828. Fischmann A. Médicos por mil habitantes, quantos? Documento eletrônico. Publicado em: 17/06/2013. [acessado 2015 maio 15]. Disponível em: http://www.sul21.com.br/jornal/medicos-por-mil-habitantes-quantos-por-airton-fischmann
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. Entretanto, é evidente que o número insuficiente de médicos reflete diretamente na disponibilidade de assistência à saúde, em todos os níveis de atenção, e essa situação se agrava por falta de políticas públicas para a resolução do problema2929. Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp). Demografia Médica no Brasil Volume 2 – Cenários e Indicadores de Distribuição. Relatório de Pesquisa. São Paulo: Cremesp; 2013..

Segundo Ney e Rodrigues3030. Ney MS, Rodrigues PHA. Fatores críticos para a fixação do médico na Estratégia Saúde da Família. Physis 2012; 22(4):1293-1311., existem fatores críticos para a fixação de médicos no interior do país, principalmente os médicos voltados para a atenção básica, vinculados ao SUS, tais como: políticas municipais de recursos humanos inadequadas, precariedade dos vínculos empregatícios, sobrecarga de trabalho, alta rotatividade dos profissionais, insatisfação com o ambiente e as condições de trabalho e ausência de planos de cargos e salários nos municípios.

As dificuldades encontradas pelos gestores em encontrar profissionais médicos são parcialmente determinadas pela oferta insuficiente de formação para tais especialidades3131. Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Núcleo de Educação em Saúde Coletiva (NESCON). Avaliação nacional da demanda de médicos especialistas percebida pelos gestores de saúde. Belo Horizonte: UFMG; 2009.. Além disso, segundo o relatório Demografia Médica, de 2015, somente 5% dos médicos especialistas atuam no SUS. É uma escassez que certamente contribui para as longas esperas em consultas, exames e cirurgias eletivas2727. Scheffer M. Demografia Médica no Brasil 2015. São Paulo: USP, Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, Conselho Federal de Medicina; 2015..

Em estudo realizado em 2005 abordando os CIS do Estado do Paraná, levantou-se que as principais ofertas de especialidades aconteciam para as áreas de ortopedia, cardiologia, oftalmologia e neurologia. Segundo 64,8% dos diretores dos CIS entrevistados neste estudo, seriam necessários mais médicos das especialidades já existentes, e também seria preciso contratar médicos de especialidades não ofertadas, para compor adequadamente o quadro de profissionais3232. Nicoletto SCS, Cordoni Júnior L, Costa NR. Consórcios Intermunicipais de Saúde: o caso do Paraná, Brasil. Cad Saude Publica 2005; 21(1):29-38..

A procura por vagas em residência médica tem seguido a lógica do mercado, ou seja, as especialidades mais procuradas são as que apresentam melhor retorno financeiro. Os profissionais também têm procurado por menor carga de trabalho. As especialidades de dermatologia, otorrinolaringologia e oftalmologia têm a maior procura3131. Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Núcleo de Educação em Saúde Coletiva (NESCON). Avaliação nacional da demanda de médicos especialistas percebida pelos gestores de saúde. Belo Horizonte: UFMG; 2009.

32. Nicoletto SCS, Cordoni Júnior L, Costa NR. Consórcios Intermunicipais de Saúde: o caso do Paraná, Brasil. Cad Saude Publica 2005; 21(1):29-38.
-3333. Waltrick R. Salário e plantão influenciam escolha de carreiras médicas. Reportagem do Jornal Gazeta do Povo – versão eletrônica. Texto publicado na versão impressa em 22/09/2011. [acessado 2016 fev 8]. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/salario-e-plantao-influenciam-escolha-de-carreiras-medicas-cdnn6ezvbvdlvb59bag0tqzim
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Constatou-se que o número de profissionais das especialidades com maior dificuldade de acesso pesquisadas é pequeno em relação às demais, e sua representatividade no total de especialistas é menor que 5%2727. Scheffer M. Demografia Médica no Brasil 2015. São Paulo: USP, Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, Conselho Federal de Medicina; 2015.. Isso faz com que os municípios tenham que depender, em alguma medida, do setor privado, para suprir a demanda quando o número de especialistas é reduzido.

A situação é ainda mais grave porque “A forte atuação de especialistas em consultórios particulares, em contraste com a baixa presença em serviços ambulatoriais do SUS, é um grande obstáculo à ampliação, na rede pública, da oferta de assistência médica especializada”2727. Scheffer M. Demografia Médica no Brasil 2015. São Paulo: USP, Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, Conselho Federal de Medicina; 2015.. Assim, a relação com o setor privado na saúde, que é anterior ao SUS, tem ganhado força e estabilidade, principalmente nos níveis de atenção onde há a possibilidade de lucro, como no caso da atenção especializada3434. Romano CMC, Scatena JHG, Kehrig RT. Articulação público-privada na atenção ambulatorial de média e alta complexidade do SUS: atuação da Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso. Physis 2015; 25(4):1095-1115..

A questão da disponibilidade de profissionais médicos atuando pelo SUS piora ainda mais a situação dos MPP, tanto na questão de quantidade de consultas, quanto na de manutenção dos serviços especializados, situação esta que, teoricamente, poderia ser superada com a reunião de municípios nos CIS.

Os CIS podem ser considerados ferramentas importantes na garantia de integralidade e universalidade da assistência à saúde. Surgiram na tentativa de superar as dificuldades de garantia de acesso aos serviços de saúde, principalmente para municípios de pequeno porte, com o objetivo de que se consolide efetivamente a regionalização da gestão do SUS. Entretanto, a concepção dos CIS como ferramenta de gestão não enfrenta questões relacionadas a um contexto mais amplo “em que as políticas públicas são influenciadas pelo modelo neoliberal instalado, que orienta o sistema e fragiliza o provimento de serviços assim como o controle do Estado no campo da Saúde”3535. Quandt FL. Avaliação da efetividade do Consórcio Intermunicipal de Saúde na região do Alto Uruguai Catarinense - CIS/AMAUC [dissertação]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; 2012.. Tais fatos, levantados em um estudo sobre a efetividade dos CIS no Estado de Santa Catarina, em 2012, são corroborados pelos dados levantados na presente pesquisa.

Embora os municípios, por meio do pagamento de mensalidade ao CIS e dos altos investimentos em saúde, contribuam para a viabilização dos serviços, ficam dependentes da possibilidade de oferta de especialidades, tendo poder de controle limitado para as ações realizadas. Parece que o poder de decisão dos municípios na Comissão Intergestores Regional (CIR) tem sido inferior ao da Secretaria Estadual de Saúde (SESA). Esse fato é confirmado por estudo realizado na região norte do Paraná99. Nicoletto SCS. As Comissões Intergestores Regionais e a Gestão Interfederativa no Norte do Paraná [tese] Londrina: UEL; 2015., em que a CIR se configura mais em espaço para repasse de informações do que decisório no que diz respeito às políticas de saúde da região.

As principais consequências dessa situação são: alta demanda reprimida por consultas especializadas (gerando, consequentemente, um tempo longo de espera entre a consulta, o diagnóstico e a intervenção nos agravos), alta sobrecarga de responsabilidade e atribuições para os municípios (tanto na garantia de acesso aos serviços, para além da AB, quanto no financiamento). Além disso, existem discrepâncias entre a situação de municípios maiores – com número superior de estabelecimentos de saúde e com mais densidade tecnológica, maior capacidade de financiamento e de gestão do sistema – e a de municípios menores – que aliam baixa capacidade instalada e sobrecarga fiscal na gestão do sistema3636. Dain S. Os impasses do financiamento fiscal do SUS. Revista Trabalho e Educação em Saúde 2009; 6(3):623-632.. Enquanto os municípios de pequeno porte (MPP), com população de até 20.000 habitantes, arcaram com até 80% das despesas em saúde no ano de 2014, um grande porte da macroregião (com população acima de 500.000 habitantes), por exemplo, arcou com 41,42% dos gastos totais em saúde2222. Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (SIOPS). Demonstrativo da despesa com saúde - conforme o anexo XVI do Relatório Resumido de Execução Orçamentária (RREO). [acessado 2015 set 17]. Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br
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Considerações finais

Este estudo de caso sobre o acesso a serviços especializados reforça a tese de que a atenção de MC é na atualidade o gargalo do SUS.

As especialidades médicas de maior dificuldade de acesso são: Neuropediatria, Vascular, Proctologia, Geriatria, Endocrinologia e Neurologia.

Algumas características do sistema de saúde brasileiro contribuem para a dificuldade de garantia de acesso na atenção de MC no SUS, sobretudo características relativas à organização do sistema, ao financiamento em saúde, à disponibilidade de profissionais médicos e à relação com o setor privado. Na região estudada, a sobrecarga financeira assumida pelos municípios relacionada ao gasto total em saúde, a carência de profissionais especialistas e a consequente insuficiente/inexistente oferta de consultas em várias especialidades, bem como a dependência do setor privado, ficou evidente e certamente contribuem para a magnitude do problema.

Outro fator que contribui para o problema em questão é o crescente distanciamento das instâncias Federal e Estadual de suas atribuições, tanto no que diz respeito ao financiamento quanto à gestão do sistema, especialmente em relação à regionalização. Isso contribui para que o problema do acesso a serviços especializados não vislumbre uma solução a curto prazo, mesmo porque, o COAP, importante instrumento de gestão para o enfrentamento dessa questão, ainda encontra-se incipiente, sem data prevista de publicação na região.

A organização dos municípios em Consórcios Intermunicipais de Saúde não tem se mostrado uma solução eficaz para essa problemática, devido a fatores externos que influenciam sua estruturação e capacidade de oferta de serviços, tais como o modelo de atenção adotado, a dificuldade de dispor de número suficiente de profissionais médicos, capacidade de governança e poder de decisão limitado por parte dos gestores municipais.

Assim, a situação extrapola os limites estabelecidos pelo próprio Consórcio e leva, consequentemente, a que os gestores tenham que buscar outras estratégias para a resolução do problema da garantia de acesso a serviços de média complexidade.

Apesar de lançar luz ao problema, o presente estudo, não alcança sua totalidade. Serão necessários novos estudos que esclareçam quais respostas os municípios têm dado às demandas por serviços especializados, ou seja, quais estratégias têm sido adotadas pelos mesmos para a garantia de acesso aos serviços de média complexidade.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2017

Histórico

  • Recebido
    20 Maio 2016
  • Revisado
    04 Ago 2016
  • Aceito
    29 Set 2016
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