Resumo
O artigo objetiva analisar potencialidades, limites e desafios da governança regional no processo de implementação de redes de atenção à saúde, em três regiões da Amazônia: Alto Solimões (AM), Metropolitana de Belém (PA) e Topama, região interestadual englobando os estados de Tocantins, Pará e Maranhão. Tem por base pesquisa avaliativa da implementação do Projeto de Formação e Melhoria da Qualidade da Rede de Atenção à Saúde (QualiSUS-Rede). Trata-se de investigação qualitativa, por meio de estudo de casos múltiplos, tendo como fontes a análise de documentos oficiais e entrevistas semiestruturadas com atores-chave, realizadas entre julho e dezembro de 2014. A análise da governança abarcou três componentes: os atores envolvidos, sobretudo os grupos condutores locais e sua capacidade de coordenação e articulação regional; as estratégias para o fortalecimento da governança regional, ancoradas na modelização da intervenção; e a implementação das redes de atenção. Os resultados apontam que as comissões gestoras regionais conformaram a principal estratégia da governança e que o Projeto QualiSUS-Rede reforçou a governança e a integração regional de modo diferenciado entre os casos, a depender da capacidade de direção e consenso entre os atores sobre as prioridades regionais e políticas.
Governança; Redes de atenção à saúde; Regionalização
Introdução
As implicações da adoção da descentralização como diretriz na implementação de sistemas de saúde e sua relação com movimentos de reforma do setor têm sido apontadas na literatura nacional e internacional11. Marques E, Arretche M. Condicionantes locais da descentralização das políticas de saúde. Cad CRH 2003; 39:55-81.
2. Lima LD, Viana ALD, Machado CV, Albuquerque MV, Oliveira RG, Iozzi FL, Scatena JHG, Mello GA, Pereira AMM, Coelho APS. Regionalização e acesso à saúde nos estados brasileiros: condicionantes históricos e político-institucionais. Cien Saude Colet 2012; 17(11):2881-2892.
3. Saltman R, Busse R, Figueras J. Decentralization in health care: strategies and outcomes. London: McGraw-Hill Education; 2007.-44. Viana ALD, Lima LD, Oliveira RG. Decentralization and federalism: the health politics in new context-lessons of the Brazilian case. Cien Saude Colet 2002; 7(3):493-507.. Análises sobre a dimensão municipalista do sistema de saúde brasileiro demonstram resultados diversificados e fortemente condicionados pelo contexto da implementação refletindo as realidades dos municípios e a disposição política dos atores governamentais11. Marques E, Arretche M. Condicionantes locais da descentralização das políticas de saúde. Cad CRH 2003; 39:55-81.,55. Lima LD, Queiroz LFN, Machado CV, Viana ALD. Descentralização e regionalização: dinâmica e condicionantes da implantação do Pacto pela Saúde no Brasil. Cien Saude Colet 2012; 17(7):1903-1914.,66. Souza C. Governos e sociedades locais em contextos de desigualdades e de descentralização. Cien Saude Colet 2002; 7(3):431-442.. Este cenário colocou no centro do debate a necessidade de compatibilizar a descentralização da política de saúde com estratégias de regionalização, a fim de promover relações intergovernamentais mais complementares, equilibrar a autonomia e a interdependência entre os entes governamentais, incentivar a formalização das pactuações e organizar em nível regional um sistema de saúde integrado55. Lima LD, Queiroz LFN, Machado CV, Viana ALD. Descentralização e regionalização: dinâmica e condicionantes da implantação do Pacto pela Saúde no Brasil. Cien Saude Colet 2012; 17(7):1903-1914.,77. Dourado DA, Elias PEM. Regionalização e dinâmica política do federalismo sanitário brasileiro. Rev Saude Publica 2011; 45(1):204-211.
8. Viana ALD, Ibanes N, Elias PEM, Lima LD, Albuquerque MV, Iozzi FL. Novas perspectivas para a regionalização da saúde. São Paulo em Perspect 2008; 22(1):92-106.-99. Albuquerque MV de, Viana ALD. Perspectivas de região e redes na política de saúde brasileira. Saúde Em Debate 2015; 39(n. esp.):28-38..
Normativas e diretrizes foram então editadas com vistas a dar materialidade à regionalização22. Lima LD, Viana ALD, Machado CV, Albuquerque MV, Oliveira RG, Iozzi FL, Scatena JHG, Mello GA, Pereira AMM, Coelho APS. Regionalização e acesso à saúde nos estados brasileiros: condicionantes históricos e político-institucionais. Cien Saude Colet 2012; 17(11):2881-2892.,55. Lima LD, Queiroz LFN, Machado CV, Viana ALD. Descentralização e regionalização: dinâmica e condicionantes da implantação do Pacto pela Saúde no Brasil. Cien Saude Colet 2012; 17(7):1903-1914.,77. Dourado DA, Elias PEM. Regionalização e dinâmica política do federalismo sanitário brasileiro. Rev Saude Publica 2011; 45(1):204-211.,88. Viana ALD, Ibanes N, Elias PEM, Lima LD, Albuquerque MV, Iozzi FL. Novas perspectivas para a regionalização da saúde. São Paulo em Perspect 2008; 22(1):92-106.. Nesse processo, foram estabelecidos parâmetros para a definição de recortes territoriais (regiões de saúde) e instituídos colegiados de gestão inter-regionais, com representação das distintas esferas de governo, responsáveis pela condução da política de saúde no nível regional88. Viana ALD, Ibanes N, Elias PEM, Lima LD, Albuquerque MV, Iozzi FL. Novas perspectivas para a regionalização da saúde. São Paulo em Perspect 2008; 22(1):92-106.. Também foram formulados diversos instrumentos para o planejamento regional99. Albuquerque MV de, Viana ALD. Perspectivas de região e redes na política de saúde brasileira. Saúde Em Debate 2015; 39(n. esp.):28-38.. Contudo, observam-se descontinuidades e mudanças no seu escopo, vis a vis os distintos matizes teóricos e políticos que nortearam as estratégias adotadas para a regionalização no Brasil: a conformação de regiões e de redes de atenção à saúde (RAS)99. Albuquerque MV de, Viana ALD. Perspectivas de região e redes na política de saúde brasileira. Saúde Em Debate 2015; 39(n. esp.):28-38..
Desde 2011, a implementação das RAS no país tem sido induzida por meio de financiamento federal em torno de prioridades estabelecidas de acordo com diretrizes clínicas ou organizativas, como materno-infantil, atenção psicossocial, doenças crônicas, ou de serviços de urgência e emergência, denominadas redes temáticas1010. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Implantação das Redes de Atenção à Saúde e outras estratégias da SAS. Brasília: MS; 2014.,1111. Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Cien Saude Colet 2010; 15(5):2297-2305.. Um dos dispositivos para essa estratégia é a governança das redes de atenção, compreendida como um arranjo institucional organizativo que favorece a gestão dos componentes das redes (serviços de atenção e de apoio diagnóstico e ou logístico) e busca fortalecer relações de cooperação e solidariedade entre os distintos responsáveis, para obter resultados mais satisfatórios para a região1111. Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Cien Saude Colet 2010; 15(5):2297-2305.,1212. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria 4.279. de 30 de dezembro de 2010. Diário Oficial da União 2010; 30 dez.. O sistema de governança tem como objetivo fomentar uma missão e visão para a região de saúde, definir metas e objetivos, promover a articulação de políticas institucionais e intersetoriais e fortalecer a própria capacidade de gestão regional por meio do planejamento, monitoramento e avaliação1010. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Implantação das Redes de Atenção à Saúde e outras estratégias da SAS. Brasília: MS; 2014.
11. Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Cien Saude Colet 2010; 15(5):2297-2305.-1212. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria 4.279. de 30 de dezembro de 2010. Diário Oficial da União 2010; 30 dez.. Esse arranjo abrange três aspectos: o institucional, por meio do fortalecimento das instancias gestoras do SUS; o gerencial, com organização de grupos condutores das regiões de acordo com a rede temática, responsáveis pela elaboração dos diagnósticos regionais e desenho dos planos de ação; e o financiamento1010. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Implantação das Redes de Atenção à Saúde e outras estratégias da SAS. Brasília: MS; 2014..
Não obstante a existência de um escopo de orientações, normativas e diretrizes, a implementação das RAS e a própria regionalização enfrentam dificuldades não superadas22. Lima LD, Viana ALD, Machado CV, Albuquerque MV, Oliveira RG, Iozzi FL, Scatena JHG, Mello GA, Pereira AMM, Coelho APS. Regionalização e acesso à saúde nos estados brasileiros: condicionantes históricos e político-institucionais. Cien Saude Colet 2012; 17(11):2881-2892.,88. Viana ALD, Ibanes N, Elias PEM, Lima LD, Albuquerque MV, Iozzi FL. Novas perspectivas para a regionalização da saúde. São Paulo em Perspect 2008; 22(1):92-106.,1313. Viana ALD, Lima LD, Ferreira MP. Condicionantes estruturais da regionalização na saúde: tipologia dos Colegiados de Gestão Regional. Cien Saude Colet 2010; 15(5):2317-2326.,1414. Mello G, Pereira APC de M, Iozzi FL, Uchimura L, Demarzo MMP, Viana ALD. O olhar gestor sobre a regionalização da saúde brasileira. Novos Caminhos [Internet]. 9 (Pesquisa Política, Planejamento e Gestão das Regiões e Redes de Atenção à Saúde no Brasil):30. [acessado 2016 abr 15]. Disponível em: www.regioaoeredes.com.br
www.regioaoeredes.com.br... . A regionalização da saúde ocorre por meio de relações com atores diversos, com orientações e interesses distintos, não necessariamente convergentes envolvendo diversos processos de negociação. Essa dinâmica relacional, base do processo político da regionalização, tem sido caracterizada por interesses de teor municipalista, político-partidário, econômico, privatista, entre outros, dificultando sua institucionalidade nas regiões de saúde. Além disso, são vários os estágios de institucionalidade da regionalização no país, processo fortemente condicionado por aspectos de natureza histórico-estrutural, político-institucional e conjuntural22. Lima LD, Viana ALD, Machado CV, Albuquerque MV, Oliveira RG, Iozzi FL, Scatena JHG, Mello GA, Pereira AMM, Coelho APS. Regionalização e acesso à saúde nos estados brasileiros: condicionantes históricos e político-institucionais. Cien Saude Colet 2012; 17(11):2881-2892.,1313. Viana ALD, Lima LD, Ferreira MP. Condicionantes estruturais da regionalização na saúde: tipologia dos Colegiados de Gestão Regional. Cien Saude Colet 2010; 15(5):2317-2326.. Acrescenta-se a diversidade de estratégias de operacionalização, fragilidade dos instrumentos de gestão, pouca cultura de planejamento, dificuldade na regulação do setor privado contratado, subfinanciamento, além de ausência de mecanismos de coordenação regional que garantam juridicamente as pactuações22. Lima LD, Viana ALD, Machado CV, Albuquerque MV, Oliveira RG, Iozzi FL, Scatena JHG, Mello GA, Pereira AMM, Coelho APS. Regionalização e acesso à saúde nos estados brasileiros: condicionantes históricos e político-institucionais. Cien Saude Colet 2012; 17(11):2881-2892.,1313. Viana ALD, Lima LD, Ferreira MP. Condicionantes estruturais da regionalização na saúde: tipologia dos Colegiados de Gestão Regional. Cien Saude Colet 2010; 15(5):2317-2326.
14. Mello G, Pereira APC de M, Iozzi FL, Uchimura L, Demarzo MMP, Viana ALD. O olhar gestor sobre a regionalização da saúde brasileira. Novos Caminhos [Internet]. 9 (Pesquisa Política, Planejamento e Gestão das Regiões e Redes de Atenção à Saúde no Brasil):30. [acessado 2016 abr 15]. Disponível em: www.regioaoeredes.com.br
www.regioaoeredes.com.br... -1515. Santos AM, Giovanella L. Regional governance: strategies and disputes in health region management. Rev Saude Publica 2014; 48(4):622-631..
Este artigo tem como objetivo analisar a implementação de redes de atenção com destaque para os aspectos da governança regional, em três regiões do país pertencentes à Amazônia Legal. Estas regiões receberam investimentos oriundos do Projeto de Formação e Melhoria da Qualidade da Rede de Atenção à Saúde (Projeto QualiSUS-Rede) que teve por finalidade apoiar a implementação de redes em quinze regiões do país e propiciar inovações institucionais, num contexto de poucas experiências consolidadas. Os projetos foram financiados com recursos obtidos por meio de empréstimo do Banco Mundial e do Ministério da Saúde (MS). Cada região selecionada elaborou um projeto priorizando investimentos nos eixos: fortalecimento da atenção básica, redes temáticas, apoio logístico e/ou diagnóstico e governança regional1616. Fiocruz. Avaliação de Implementação do Projeto de Formação e Melhoria da Qualidade da Rede de Atenção à Saúde (QualiSus-Rede). Rio de Janeiro: Fiocruz; 2016. Report Nº 3..
Para avaliar o grau de implementação das intervenções dos projetos regionais, foi realizada uma pesquisa avaliativa, concluída em dezembro/20151616. Fiocruz. Avaliação de Implementação do Projeto de Formação e Melhoria da Qualidade da Rede de Atenção à Saúde (QualiSus-Rede). Rio de Janeiro: Fiocruz; 2016. Report Nº 3.. A governança regional, foco deste artigo, considerou as estratégias de fortalecimento desenhadas em cada projeto e o processo de coordenação regional na implementação das redes.
Em virtude dos investimentos realizados nessas regiões para a implementação das redes busca-se compreender em que medida tais iniciativas contribuíram para o fortalecimento da governança regional e os obstáculos para que esta adquira maior institucionalidade. Considera-se que a análise do efeito de intervenções direcionadas ao fortalecimento da governança regional pode ampliar a capacidade de compreensão em contextos diversificados e, ao mesmo tempo, identificar elementos mais gerais que facilitam ou dificultam a regionalização.
Procedimentos metodológicos
A estratégia metodológica adotada foi de estudo de casos múltiplos com método qualitativo e plano de análise regional1616. Fiocruz. Avaliação de Implementação do Projeto de Formação e Melhoria da Qualidade da Rede de Atenção à Saúde (QualiSus-Rede). Rio de Janeiro: Fiocruz; 2016. Report Nº 3.. As informações foram analisadas a partir de dados coletados no âmbito da Pesquisa Avaliativa do QualiSUS-Rede referentes às três regiões selecionadas: documentos oficiais e entrevistas semiestruturadas. A pesquisa de campo foi realizada entre julho e dezembro de 2014.
Contexto do estudo – seleção e caracterização das regiões
Os critérios que subsidiaram a escolha das três regiões consideraram a participação no Projeto QualiSUS-Rede e a situação geográfica das regiões: região de fronteira internacional (Alto Solimões), região metropolitana (Belém) e região de fronteira interestadual que engloba os estados do Tocantins, Pará e Maranhão (Topama), com regiões que se caracterizam como espaços opacos ou de uso coorporativo do território1717. Viana ALD, Machado CV, Faria Baptista TW, Lima LD, Mendonça MHM, Heimann LS, Albuquerque MV, Iozzi FL, David VC, Ibañez P, Frederico S. Sistema de saúde universal e território: desafios de uma política regional para a Amazônia Legal Universal health systems and territory: challenges for a regional policy in the Brazilian Legal Amazon. Cad Saúde Pública 2007; 23(Supl. 2):S117-S131.,1818. Silveira ML. Uma situação geográfica: do método à metodologia. Rev Territ 1999; 16:21-28.. As três regiões integram a Amazônia Legal, espaços em que se observam importantes dificuldades de logística e infraestrutura e que precisam lidar com interesses relacionados à manutenção de sua biodiversidade, qualificação de atividades econômicas tradicionais, e expansão de atividades agroeconômicas1919. Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE). Plano de Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento da Amazônia Legal. Brasília: CGEE; 2013. (Documentos Técnicos). Report Nº 17.. Características das regiões selecionadas são sintetizadas na Tabela 1.
Fontes de informação e tratamento dos dados
As entrevistas foram realizadas com o grupo condutor responsável pela formulação e implementação do QualiSUS-Rede nas regiões. Para a análise documental foram utilizadas atas de reuniões de colegiados gestores e de conselhos de saúde e instrumentos de planejamento estadual e regional, que foram organizados e analisados, por região, e estão apresentados na Tabela 2.
Para os propósitos deste artigo, a análise da governança nas regiões articulou as informações provenientes da pesquisa avaliativa e estabeleceu três componentes principais:
Atores: Para coordenar e implantar os projetos foi instituído um grupo condutor do QualiSUS-Rede, em cada região, tendo como atribuições mobilizar atores estratégicos, formular os projetos, apoiar e monitorar sua implantação. Sua composição deveria contemplar representantes da gestão estadual, dos municípios, do COSEMS, e de instituições parceiras de ensino e pesquisa, caso necessário, além de contar com um apoiador institucional do MS, designado para apoio local ao grupo condutor. A coordenação e a execução financeira do projeto foram atribuídas ao gestor estadual. Esse componente considerou a composição dos grupos, o papel dos atores envolvidos e a capacidade de articulação intersetorial.
Estratégias: Refere-se à análise lógica das ações propostas para o fortalecimento da governança regional. A modelização dessas intervenções buscou identificar e expressar a coerência entre a situação problema apresentada pelas regiões quanto ao processo de governança regional, com as ações pretendidas e os resultados esperados.
Implementação das Redes de Atenção: O grau de implementação do QualiSUS foi avaliado de acordo com uma matriz de análise e julgamento que agregou seis dimensões avaliativas: conformidade, mecanismos de coordenação, governança, participação social, qualidade técnica de recursos humanos e sustentabilidade. A implementação foi compreendida em termos dos aspectos técnicos e políticos da governança regional. Foram estabelecidos os seguintes subcomponentes de análise:
Coordenação regional: conteúdo das discussões e negociações; relação entre os entes; orientação para as questões regionais, articulação regional;
Organização das redes de atenção: articulação de redes e regionalização; integração intrasetorial (saúde indígena), adoção de instrumentos de planejamento e gestão;
Cofinanciamento e sustentabilidade: definição de responsabilidades entre os entes, formalização de acordos e pactuações.
Resultados
Atores
Nas três regiões analisadas, a composição dos grupos de condução seguiu a orientação sugerida no edital do projeto. Como elemento comum a predominância de atores governamentais e baixa articulação com outros segmentos do governo ou da sociedade, conforme Quadro 1.
Na região do Alto Solimões o grupo condutor foi formado antes que a Comissão Intergestores Regional (CIR) estivesse instituída. No momento inicial, esse grupo contou com a participação da direção do Hospital de Guarnição (do Ministério do Exército), importante retaguarda na região, e também com representante da Universidade Federal do Amazonas. Contudo, posteriormente essa composição foi modificada, mantendo-se apenas gestores e técnicos das secretarias de saúde. A escolha dessa região para o projeto pautou-se na existência de forte componente indígena na composição populacional. A incorporação do subsistema de saúde indígena, por intermédio da participação dos três distritos sanitários indígenas (DSEI) da região no grupo condutor, favoreceu a articulação de demandas e algum grau de compartilhamento de recursos, apesar de haver divergências quanto às prioridades regionais. A região conseguiu estabelecer parceria com o Projeto de Desenvolvimento Regional do Amazonas para o Zona Franca Verde (Proderam), coordenado pela Companhia de Desenvolvimento do Amazonas (Ciama), em parceria com o Banco Mundial, e que tem a saúde como uma das linhas de atuação na região.
Igualmente, na região metropolitana de Belém, no momento de elaboração do projeto QualiSus-Rede, a CIR ainda não havia sido instituída. No decorrer da implementação, a participação dos representantes no grupo condutor (GC) não foi consistente nem uniforme. Não obstante, foi possível formalizar parcerias, com a universidade estadual para fins de formação profissional e educação permanente bem como para viabilizar apoio diagnóstico, por meio do Telesaúde. Foi citada também a participação no GC de unidade de saúde filantrópica, responsável por retaguarda em urgência e emergência na região.
A região Topama, dada a impossibilidade de envolver os gestores de todos os municípios, teve como representantes os daqueles de referência das regiões de saúde que a integram. O grupo condutor contou com a participação de distintas áreas técnicas e da gestão das secretarias estaduais, do COSEMS e dos apoiadores locais. Um representante da saúde indígena foi posteriormente incorporado mediante a integração de demandas dessa área ao projeto.
Nos três casos analisados, a descontinuidade política decorrente das eleições municipais com rotatividade dos gestores municipais, implicou etapas adicionais de envolvimento, negociação e repactuação de prioridades. Na região de Topama, além desse aspecto, ocorreram mudanças na composição das equipes dos departamentos em uma das secretarias de estado, incluindo a área de planejamento, responsável pela condução do Coap e do Projeto. Tais aspectos, em conjunto, apontam dificuldades enfrentadas pelas regiões em garantir institucionalidade às decisões e acordos realizados.
A definição do gestor estadual na coordenação do projeto parece ter tido como efeito o reconhecimento do seu papel nas regiões na indução da regionalização e implantação das RAS. No Amazonas e no Pará, a atuação da gestão estadual foi considerada fundamental ao assumir a coordenação dos projetos, inseri-lo em sua ordem de prioridades e criar as condições organizacionais necessárias para facilitar sua implementação. A região de Belém destacou a redefinição das regiões de saúde e o impulso para a implementação das redes articulada à regionalização, processos que até então ocorriam de forma lenta e gradativa. Em Topama, a capacidade de integração entre os estados foi uma preocupação constante, dada a insuficiência dos recursos humanos disponíveis, dificuldades de conciliação da agenda de gestores e técnicos dos três estados e na definição de financiamento de custeio para a região.
Os apoiadores institucionais foram mencionados como importantes articuladores nas regiões e com papel essencial como mediadores de conflitos e interesses. Contudo, esse apoio enfrenta dificuldades para se institucionalizar e garantir a permanência desses profissionais nas regiões, face aos tipos de contratos de trabalho estabelecidos, com decorrente inconstância dos apoiadores nas regiões.
A inclusão de outros segmentos foi bastante tímida e, no caso de Topama, sequer ocorreu. A representação da sociedade, em todas as regiões, foi buscada por intermédio dos conselhos municipais e/ou estaduais de saúde, mas a análise das atas demonstrou que, quando existente alguma pauta relacionada ao Projeto e seus desdobramentos para a região, foi discutido de forma pontual, com destaque para os investimentos feitos em reformas e aquisição de equipamentos, entre outros.
Estratégias para o fortalecimento da governança
Foram analisadas as intervenções propostas no âmbito do Projeto, de acordo com a identificação da situação-problema por cada Região, conforme o Quadro 2.
Na região do Alto Solimões, o grupo reconheceu a falta de cultura de planejamento regional, com pouco uso e desatualização dos instrumentos de planejamento. Na ocasião de formulação do projeto, dois municípios encontravam-se em gestão plena, nenhum havia aderido ao pacto de gestão e apenas quatro apresentaram Plano Municipal de Saúde para o Quadriênio 2010-2013. Desse modo, um dos principais objetivos dessa região foi fortalecer os processos de planejamento e construção dos instrumentos de gestão, por meio de orientação aos municípios. Outro objetivo foi fortalecer a CIR como instância de governança regional, o que foi buscado por meio de ações voltadas para sua estruturação e funcionamento.
A região Topama também orientou suas ações em torno do planejamento regional. Buscou formular e integrar os planos e os instrumentos de gestão municipais e estaduais, além de prever fóruns regionais para organização das RAS. Uma das suas principais estratégias foi definir diretrizes para a criação de um colegiado interestadual por meio de termo de compromisso assinado pelos estados. Foi estabelecida agenda interna para definir como institucionalizar esse espaço de governança, sem desconsiderar os aspectos e os limites dos dispositivos legais (ou normativos), como o Decreto 7.508.
A região metropolitana de Belém priorizou ações de capacitação de gestores, profissionais, conselheiros municipais de saúde e representantes da sociedade civil, especialmente no que se refere às RAS (Quadro 2).
Na elaboração dos projetos QualiSUS-Rede, havia a expectativa de formulação do contrato organizativo de ação pública (Coap). Esta seria inclusive uma meta obrigatória a ser alcançada por todas as regiões. Contudo, no decorrer do processo considerou-se que tal não poderia ser exigido, em face dos momentos distintos das regiões em relação a essa discussão. Alguns entrevistados reconheceram que a priorização da implementação das RAS nas regiões, colocou em segundo plano os debates relativos ao Coap, de forma que apenas na região de Belém observou-se um esforço inicial nesse sentido.
Implementação das redes de atenção
Coordenação Regional
O momento inicial de elaboração do projeto caracterizou-se por maior articulação intergestores. Nas três regiões buscou-se promover a qualificação do grupo condutor em relação às diretrizes da regionalização e das redes de atenção para a definição das prioridades dos projetos. Esses momentos foram caracterizados pela disputa por recursos, entre os gestores municipais (e ou estaduais), que por realidades e necessidades distintas, tinham diferentes prioridades. Após várias rodadas de negociação e pactuação, os grupos conseguiram avançar em direção a propostas mais alinhadas com as necessidades regionais.
No Alto Solimões, o projeto funcionou como um dispositivo de articulação regional, propiciando encontros e discussões entre todos os gestores municipais e maior papel de liderança na coordenação do processo pelo gestor estadual em torno de objetivos regionais, apesar das dificuldades de conciliação de distintas demandas das áreas técnicas, como o subsistema indígena, e interesses municipalistas. Inicialmente foram consideradas as demandas dos municípios, a partir de seus respectivos planos de saúde. Foi elaborado mapa de saúde da região, buscando-se identificar lacunas e dificuldades comuns, o que resultou na elaboração de um plano regional de saúde. O grupo também procurou identificar outras possíveis fontes de financiamento, no âmbito estadual ou federal, de modo a priorizar no projeto ações sem recursos previstos, para estruturação das redes.
Em Topama, cada Estado escolheu linhas de cuidado específicas para a organização de redes, de acordo com seus próprios interesses. Os recursos foram divididos igualmente e cada estado assinou um termo de compromisso e elaborou um plano de aquisição específico. Identificou-se distintos movimentos para implementação das ações entre os estados, a depender da importância conferida na agenda da gestão estadual e com sua capacidade institucional. O diagnóstico situacional foi considerado uma etapa importante para mobilização e sensibilização dos gestores quanto às questões regionais desse recorte territorial, que ultrapassa as fronteiras dos municípios, dos estados ou mesmo das regiões de saúde definidas dentro de cada estado. Realizado nos três estados, possibilitou a visão dos principais entraves, sobretudo na identificação dos vazios assistenciais existentes, e o estabelecimento de objetivos regionais, subsidiando o processo de negociação entre estados e municípios para a alocação dos recursos financeiros nos eixos do projeto. Contudo, tais momentos foram caracterizados por diversos embates e divergências, entre as áreas técnicas e as relacionadas à defesa de interesses municipais. A relação entre os três estados era distinta e nem sempre amistosa, do ponto de vista político, com disputas dos recursos a serem designados para cada estado.
A gente trabalha com três estados e cada um tem avançado de forma diferente na estruturação, no planejamento das ações. Eu acho que pela questão política de cada estado mesmo [...]. Acho que avança quando a gente se junta e procura resolver as condições dentro da Região.... quando a gente, mesmo tendo processos diferentes nos estados, tenta procurar soluções para a Região de Topama (GC-Topama-2105).
Na região de Belém foi realizado o diagnóstico com mapeamento de necessidades dos municípios e da região. Alguns entrevistados destacaram que as dificuldades de acesso da população, decorrentes do déficit de serviços locais, dificultaram a definição inicial da abrangência das redes. Como nas demais regiões, apesar das discordâncias iniciais, o grupo estabeleceu um consenso acerca das necessidades regionais. Os entrevistados consideraram que o projeto constituiu uma oportunidade adicional para o fortalecimento da regionalização e das redes, face aos debates que promoveu. Tais reflexões somaram-se ao conjunto de outras iniciativas, em curso na região.
As principais características da coordenação regional nos três casos são sintetizadas no Quadro 3.
A centralização da execução integral do Projeto nas secretarias de saúde dos estados teve como prerrogativa o fortalecimento do seu papel na coordenação da regionalização e das redes. Contudo, para alguns entrevistados isso constituiu um problema tendo em vista o volume de projetos que a gestão estadual lida diariamente. Considerou-se que uma parte da execução financeira poderia ter ficado sob a responsabilidade dos municípios, o que daria maior agilidade aos processos licitatórios. Também foi apontado que essa centralização parece ter tido como efeito uma menor implicação dos municípios no acompanhamento mais sistemático da implementação das intervenções. Considerou-se que ao longo da implementação do projeto ocorreu certo “esfriamento” no teor das discussões, constituindo uma fase mais ritualística da governança regional.
Organização das Redes
Em todas três regiões integrou-se as diretrizes e normativas da Portaria 4.279 e do Decreto 7.508 ao desenho dos projetos e na medida do possível, buscou-se um alinhamento entre este e os planos regionais para as redes temáticas. As redes de atenção priorizadas nas regiões foram as redes de Urgência e Emergência (RUE), Cegonha, e Atenção às Pessoas com Doenças Crônicas com foco no câncer (Quadro 3). Dentre os componentes das redes de atenção, a regulação foi considerada fundamental para sua organização nas três regiões.
A conformação de um Complexo Regulador regional foi identificada pelos entrevistados do Alto Solimões como um importante avanço, com a definição e a organização de fluxos e a pactuação de unidades de referência, processo confirmado em análise documental. A aquisição de equipamentos, ampliação e qualificação de laboratório de referência, no apoio diagnóstico e a estruturação das Redes de Urgência e Emergência e Cegonha foram, no conjunto, considerados as principais conquistas da região.
O fortalecimento da atenção básica, através da Rede Cegonha, é uma das prioridades. A Rede de Urgências enfrenta grandes dificuldades por ser a primeira vez que está se desenvolvendo, mas que começam a ser sanadas e vão servir de exemplo para outras regiões. Também a implantação da regulação, a implantação do SAMU (GC-AS-15).
Em Belém, as intervenções que mais tinham avançado foram em relação às redes oncológica, de urgência-emergência, o apoio diagnóstico e terapêutico e a atenção básica. Boa parte das ações esteve relacionada à aquisição de equipamentos e capacitações. Um aspecto problemático que precisou ser resolvido foi a dificuldade de instalação de equipamentos adquiridos mediante a falta de estrutura das unidades para recebê-los. Foi referido a conformação de um complexo regulador na região e a realização de seminários e oficinas promovidos pela gestão estadual com vistas à revisão e atualização de protocolos de regulação assistencial para acesso às consultas, exames e internações em serviços de média e alta complexidade.
Em Topama, foi mencionado que os principais resultados alcançados constituíram a intensificação da articulação e a integração entre os estados; maior conhecimento da realidade da região, qualificação dos gestores e técnicos e avanços na definição de fluxos, regulação e integração dos serviços, iniciando-se pela rede de atenção oncológica.
Várias reuniões que nós tivemos tiveram como pauta a questão da regulação, para que essa Rede de Crônicas pudesse funcionar. Tanto é que ela puxou a regulação, puxou as discussões de protocolo, puxou as discussões de organização de serviços (GC -Topama-21022).
O transporte sanitário, concebido como uma das principais contribuições do projeto nas três regiões, não conseguiu se efetivar. As propostas foram consideradas inviáveis ao se concentrarem na aquisição de transporte (terrestres e ou fluvial) e/ou na contratação de serviços de passagens, sem que um plano estruturante (plano de rotas, organização de fluxo, regulação, definição de responsabilidades, custeio) fosse estabelecido. A falta de experiências regionais e de um modelo de projeto executivo no âmbito do próprio MS foram aspectos referidos que contribuíram para o não avanço em uma proposta consistente. O tempo de execução do projeto também era insuficiente frente à complexidade que envolveria seu desenho e implementação.
Com relação à saúde indígena, prioridade nas regiões Alto Solimões e Topama, buscou-se promover a articulação de demandas dessa população específica nos projetos. Ao colocar na agenda a responsabilidade dos gestores com a saúde da população indígena, ambas as regiões consideraram que o projeto propiciou avanços na integração ainda que não tenha ocorrido conforme o desejado:
[...] Um dos grandes avanços do Projeto QualiSUS-Rede... além de integrar a discussão com município, com o estado, no caso, três estados de abrangência, sobre a saúde indígena, foi dar um conhecimento aos gestores municipais e de estado da sua responsabilidade sobre essa população. Esse foi um grande ganho para nós, da saúde indígena (GC-Topama-15103).
Nós fizemos a integração da Rede de Atenção Primária dos Municípios com os Distritos de Saúde Indígena. Nós conseguimos, hoje, falar uma linguagem mais aproximada, apesar de não ser a ideal ainda. E conseguimos definir alguns fluxos da atenção primária para atenção secundária, tratando atenção primária pra Rede de Urgência e Emergência, talvez esse seja o principal (GC-AS-5).
Quanto aos instrumentos de planejamento e gestão para a organização das redes, houve uma diversidade de respostas entre as regiões, englobando tanto aqueles indicados no Pacto pela Saúde quanto os designados na Portaria 4.279.
Nas três regiões foram referidos alternadamente: a definição de fluxos das redes, o pacto de gestão, os planos municipais de saúde, os planos regionais, os relatórios de gestão e, principalmente, os planos de ação e termos de adesão, formulados no âmbito das redes temáticas. Também foram mencionados sistemas gerenciais de regulação e um sistema de monitoramento com base nos indicadores do SisPacto.
Cofinanciamento e sustentabilidade
Uma das principais estratégias de continuidade e sustentabilidade no Alto Solimões foi a instituição de um consórcio público de saúde, criado com a finalidade de viabilizar a gestão regional em saúde, reduzir custos e expandir a assistência. A associação com o Proderam contribuiu para sua formalização.
Em Belém, poucos entrevistados souberam mencionar estratégias para a continuidade e a sustentabilidade das intervenções. Aludiram a importância do cofinanciamento por parte do Estado, na atenção básica, na média e alta complexidade, assim como os investimentos feitos na qualificação da central de regulação estadual e integração com os sistemas municipais. Esforços realizados para a instituição da CIR e para a elaboração do seu regimento interno, também foram considerados importantes para o fortalecimento da governança regional.
Em Topama, alguns entrevistados destacaram haver conflitos na definição de responsabilidade entre os entes. Para alguns atores essa definição não estava formalizada considerando-se que o Coap não foi assinado. A maior parte respondeu desconhecer estratégias ou propostas de cofinanciamento para a sustentabilidade das ações implementadas. Aqueles que as identificaram descreveram a continuidade do colegiado interestadual, o financiamento federal e o cofinanciamento dos estados e municípios.
Estratégias e recomendações para a sustentabilidade das redes e o fortalecimento da governança regional são sintetizadas no Quadro 3.
Reflexões foram feitas sobre o compromisso real dos gestores com os acordos feitos e sobre certa compreensão de que a governança regional se restringiria aos encontros que ocorrem nos colegiados regionais, desconsiderando que sua efetivação depende da operação e articulação efetiva do conjunto das ações pactuadas.
governança não é só participar de reunião da CIR, e sim, ter atitudes, realizar ações para que o fluxo aconteça. [...] É esse entendimento que os gestores e até muitos técnicos ainda não entenderam. Governança não é só reunião de CIR, não é só ir lá discutir papéis, é você ter uma ação, é você fazer, entrepor, construir uma realidade. É você fazer uma mudança, quebrar paradigmas... (GC-AS-3)
Discussão
As diferentes realidades regionais, em termos do uso e ocupação dos territórios condicionaram de forma importante a implementação dos Projetos QualiSUS-Rede nas regiões de saúde88. Viana ALD, Ibanes N, Elias PEM, Lima LD, Albuquerque MV, Iozzi FL. Novas perspectivas para a regionalização da saúde. São Paulo em Perspect 2008; 22(1):92-106.,1818. Silveira ML. Uma situação geográfica: do método à metodologia. Rev Territ 1999; 16:21-28.,2020. Machado CV, Iozzi FL, Lima LD, Heimann LS, Mendonça MHM, Albuquerque MV, Ibanez P, Frederico S, Baptista TWF, David VC. Proteção social em saúde no Brasil: desafios de uma política para a Amazônia Legal. In: Viana ALD, Ibañez N, Elias PEM, organizadores. Saúde, desenvolvimento e território. São Paulo: Ed Hucitec; 2009.. No Alto Solimões e em Belém, os entrevistados destacaram que, se por um lado, o Projeto teve por objetivo qualificar as RAS, por outro, observaram-se constrangimentos com relação aos seus objetivos iniciais face à insuficiência da rede de serviços existentes, sobretudo na média complexidade. Dificuldades de acessibilidade, transporte, comunicação e conectividade, implicaram investimentos iniciais no apoio diagnóstico e logístico.
Albuquerque2222. Albuquerque MV. O enfoque regional na política de saúde brasileira (2001-2011): diretrizes nacionais e o processo de regionalização nos estados brasileiros [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2013. sinaliza, em estudo realizado na Amazônia, que o objeto do processo de regionalização nos estados direcionou-se para a organização de redes e fluxos, o que ocorreu também nas regiões aqui estudadas, acrescentando-se a ampliação da capacidade instalada.
Tal como encontrado em outros estudos, a CIR foi a principal estratégia da governança1515. Santos AM, Giovanella L. Regional governance: strategies and disputes in health region management. Rev Saude Publica 2014; 48(4):622-631.,2323. Mendes A. Estratégias institucionais inovadoras para a constituição republicana do SUS. Oral apresentado em: 11º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva; 2015 jul 29; Goiânia.. Cabe destacar que as três regiões iniciaram os Projetos sem que as CIR já estivessem constituídas. O Projeto QualiSUS-Rede contribuiu para impulsionar a formalização desses espaços de articulação. Contudo, a necessidade de uma composição diferenciada no Alto Solimões e em Topama reflete as dificuldades que especificidades regionais encontram face à necessidade de adequação às normativas vigentes. No caso do Alto Solimões havia o interesse de que fosse constituída por uma participação tripartite, incluindo o Ministério do Exército, em função do Hospital de Guarnição. Em Topama, região interestadual havia a limitação de participação gestora em mais de uma região de saúde formalizada. A inexistência de regras e instrumentos que possibilitem a formalização de acordos em regiões interestaduais também merece atenção2323. Mendes A. Estratégias institucionais inovadoras para a constituição republicana do SUS. Oral apresentado em: 11º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva; 2015 jul 29; Goiânia.. As regras do desenho federativo são acopladas ao processo de regionalização, desconsiderando-se que as regiões podem ter recortes territoriais diferenciados. Como garantir a participação de um ente em mais de um espaço de gestão regional: o da região de saúde do estado e o da região interestadual? São questões que necessitam ser ponderadas.
No período e regiões analisados, a dimensão técnica de conformação das redes pareceu ganhar destaque e prioridade em relação à dimensão política, que ficou comprometida por algumas razões: primeiro porque o acordo de colaboração entre os entes federativos por meio do Coap não se concretizou; segundo, porque em duas regiões (Alto Solimões e Topama), embora os planos regionais tenham sido elaborados, não foram firmados nas respectivas CIB. Ademais, em termos de financiamento, não existem definições quanto aos arranjos financeiros possíveis, especialmente em área de fronteira (internacional e ou interestadual)1414. Mello G, Pereira APC de M, Iozzi FL, Uchimura L, Demarzo MMP, Viana ALD. O olhar gestor sobre a regionalização da saúde brasileira. Novos Caminhos [Internet]. 9 (Pesquisa Política, Planejamento e Gestão das Regiões e Redes de Atenção à Saúde no Brasil):30. [acessado 2016 abr 15]. Disponível em: www.regioaoeredes.com.br
www.regioaoeredes.com.br... ,2222. Albuquerque MV. O enfoque regional na política de saúde brasileira (2001-2011): diretrizes nacionais e o processo de regionalização nos estados brasileiros [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2013.. Outro aspecto importante é que a forte indução federal para a conformação de redes temáticas pode ter sido um limitante à ordem de prioridades regionais.
Estudos recentes indicam que a governança regional tem se caracterizado por predomínio de interesses de teor municipalista, político-partidário, econômico e privatista, em contexto desfavorável de baixa formalização e institucionalidade1414. Mello G, Pereira APC de M, Iozzi FL, Uchimura L, Demarzo MMP, Viana ALD. O olhar gestor sobre a regionalização da saúde brasileira. Novos Caminhos [Internet]. 9 (Pesquisa Política, Planejamento e Gestão das Regiões e Redes de Atenção à Saúde no Brasil):30. [acessado 2016 abr 15]. Disponível em: www.regioaoeredes.com.br
www.regioaoeredes.com.br... ,1515. Santos AM, Giovanella L. Regional governance: strategies and disputes in health region management. Rev Saude Publica 2014; 48(4):622-631.. Os resultados apontam que tais aspectos também estiveram presentes nas regiões deste estudo, durante a implementação do Projeto. Em todas as regiões reconheceu-se que o QualiSUS e a implementação de redes contribuíram para o fortalecimento da governança regional com diferenciação entre os casos, a depender da capacidade de direção e produção de consenso entre os atores sobre as prioridades regionais e políticas.
Contudo, a regionalização e sua governança são processos em construção que precisam ser amadurecidos. A prioridade conferida aos aspectos políticos, eleitorais, municipais e dos estados, em detrimento aos aspectos técnicos, problemas em coadunar a diversidade de interesses de inúmeros atores, as distintas capacidades institucionais, as mudanças na gestão e no corpo técnico decorrentes de processos eleitorais, as dificuldades na definição de responsabilidades entre os diferentes entes e em estabelecer a transparência dos processos decisórios e a diversidade de instrumentos de planejamento e gestão com superposições e, às vezes, falta de articulação, são fatores que dificultam o planejamento regional e limitam de forma importante os avanços e a consolidação da regionalização.
A baixa participação de outros atores nas discussões e definições da agenda regional continua a indicar as dificuldades de articulação intersetorial nas regiões1414. Mello G, Pereira APC de M, Iozzi FL, Uchimura L, Demarzo MMP, Viana ALD. O olhar gestor sobre a regionalização da saúde brasileira. Novos Caminhos [Internet]. 9 (Pesquisa Política, Planejamento e Gestão das Regiões e Redes de Atenção à Saúde no Brasil):30. [acessado 2016 abr 15]. Disponível em: www.regioaoeredes.com.br
www.regioaoeredes.com.br... . Como resultado, torna-se mais difícil o fortalecimento de uma regionalização em saúde articulada com projetos de desenvolvimento econômico e social, fundamentais para superação dos limites impostos pelas desigualdades regionais estruturantes que caracterizam a região da Amazônia Legal1919. Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE). Plano de Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento da Amazônia Legal. Brasília: CGEE; 2013. (Documentos Técnicos). Report Nº 17.,2020. Machado CV, Iozzi FL, Lima LD, Heimann LS, Mendonça MHM, Albuquerque MV, Ibanez P, Frederico S, Baptista TWF, David VC. Proteção social em saúde no Brasil: desafios de uma política para a Amazônia Legal. In: Viana ALD, Ibañez N, Elias PEM, organizadores. Saúde, desenvolvimento e território. São Paulo: Ed Hucitec; 2009.. Em territórios caracterizados por menor densidade técnica e normativa, fluidez territorial rarefeita, à margem dos interesses da economia hegemônica moderna, é importante fortalecer parcerias com outras instituições, ampliar sua escala de atuação e interação, mesmo com outras regiões, de modo a viabilizar processos, ampliar a capacidade de governança no território e reduzir sua relação de dependência2020. Machado CV, Iozzi FL, Lima LD, Heimann LS, Mendonça MHM, Albuquerque MV, Ibanez P, Frederico S, Baptista TWF, David VC. Proteção social em saúde no Brasil: desafios de uma política para a Amazônia Legal. In: Viana ALD, Ibañez N, Elias PEM, organizadores. Saúde, desenvolvimento e território. São Paulo: Ed Hucitec; 2009..
O esforço empreendido pelos distintos atores para refletir a realidade regional e definir suas prioridades deve não apenas ser mantido, mas potencializado, com vistas a ampliar a capacidade de governança, de modo a ultrapassar uma perspectiva procedimental, ritualista, e alcançar uma constitutiva, cujos processos envolvam formulação, formalização de acordos e planejamento regional com base em suas prioridades.
Alguns limites deste estudo apontam para a necessidade de pesquisas futuras: identificar como outros projetos em curso nas regiões interagem ou poderiam interagir para potencializar a articulação intersetorial e o desenvolvimento regional, com vistas a fomentar propostas mais estruturantes de desenvolvimento; como garantir maior transparência e acesso à população local sobre as decisões e definições para a região; e, ainda, elucidar o papel e a influência do setor privado nos espaços de governança regional em saúde.
Agradecimentos
A pesquisa contou com o apoio financeiro do Ministério da Saúde. Agradecemos as equipes de pesquisa de campo das regiões estudadas e, em particular, aos apoiadores do MS, cujo suporte e informações fornecidas foram importantes para a realização da pesquisa.
Referências
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Abr 2017
Histórico
- Recebido
13 Maio 2016 - Revisado
04 Ago 2016 - Aceito
23 Set 2016