O processo de regionalização do SUS: revisão sistemática

Guilherme Arantes Mello Ana Paula Chancharulo de Morais Pereira Liza Yurie Teruya Uchimura Fabíola Lana Iozzi Marcelo Marcos Piva Demarzo Ana Luiza d’Ávila Viana Sobre os autores

Resumo

Nesta revisão foram incluídos apenas estudos específicos sobre o processo de regionalização do SUS, baseados em resultados empíricos e publicados a partir de 2006, já sob o referencial do Pacto pela Saúde. Foi evidenciado que o processo de regionalização é hoje uma realidade em todas as esferas de governo, sujeito a um conjunto de desafios comuns às diversas realidades do país. Entre os principais, os colegiados são valorizados com espaços de inovação, mas ainda em busca da superação da cultura política burocrática e clientelista. A governança regional é ainda prejudicada pela fragmentação do sistema e, em particular, pela histórica deficiência com planejamento, desde o nível local às políticas estratégicas de incorporação tecnológica. As análises permitiram implicar a cultura de amplo privilégio para negociação política em detrimento do planejamento como uma das principais responsáveis por um ciclo vicioso que sustenta a deficiência técnica da gestão.

Regionalização; Descentralização; Reforma dos serviços de saúde; Política de saúde

Introdução

A regionalização dos serviços de saúde tem ocupado o centro do debate da reorganização do SUS na última década, caminho bem representado no principal arcabouço normativo do período, com as NOAS, Pacto pela Saúde e, mais recentemente, Decreto 7.508 e seus contratos organizativos. Essa visão regional tem sido fortalecida pela crescente constatação dos limites de acesso e equidade em um sistema exclusivamente de base municipal. Dificuldade prevista ainda na própria NOB 96, principal responsável pela política de municipalização: “elevado risco de atomização desordenada dessas partes do SUS, permitindo que um sistema municipal se desenvolva em detrimento de outro, ameaçando, até mesmo, a unicidade do SUS”11. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria no 2.203, de 5 de novembro de 1996. Norma Operacional Básica do Sistema Único de Saúde (NOB-96). Diário Oficial da União 1996; 6 nov..

A disjunção entre a descentralização e a regionalização na saúde brasileira tem sua explicação inicial na própria desmedida diferença de peso político, histórico e conceitual em favor da primeira22. Viana ALA, Lima LD, Ferreira MP. Condicionantes estruturais da regionalização na saúde: tipologia dos Colegiados de Gestão Regional. Cien Saude Colet 2010; 15(5):2317-2326.,33. Mello GA, Viana ALA. Uma história de conceitos na saúde pública: integralidade, coordenação, descentralização, regionalização e universalidade. Hist. cienc. saude-Manguinhos 2012; 19(4):1219-1240.. O modelo dessa orientação municipalista, por sua vez, resultou da somatória das possibilidades conjunturais de cada época, na qual aquela que se inicia define as novas possibilidades sobre o molde esboçado no momento anterior44. Viana ALA. Descentralização e política de saúde: origens, contexto e alcance da descentralização. São Paulo: Hucitec Editora; 2013.,55. Ouverney ALM. Federalismo e descentralização do SUS: a formação de um regime polarizado de relações intergovernamentais na década de 1990. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas; 2015..

Mas, diante do primado atual da regionalização, o conhecimento internacional deixa claro que seria um erro encarar a descentralização da saúde brasileira como uma etapa estanque e definida, restando acertar o processo regional. A experiência mostra que a ordem estabelecida está sujeita à constante movimentação das correlações de forças políticas66. Saltman RB, Bankauskaite V, Vrangbæk K, editors. Decentralization in health care: strategies and outcomes. Maidenhead: Open Univ. Press; 2007. (European observatory an health systems and policies series).,77. Pisco L. Centralizar ou descentralizar a gestão da saúde? [Entrevista]. [acessado 2016 maio 15]. Disponível em: http://www.resbr.net.br/centralizar-ou-descentralizar-a-gestao-da-saude/
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; rearranjos ideológicos agudos88. Greer SL, Jarman H, Azorsky A. A reorganisation you can see from space. The architecture of power in the new NHS [Internet]. Center for Health and the Public Interest; 2014 [acessado 2016 fev 21]. Disponível em: http://chpi.org.uk/wp-content/uploads/2014/01/The-architecture-of-power-in-the-NHS-Scott-Greer-Jan-2014.pdf
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,99. Marchildon GP. The crisis of regionalization. Health Manage Forum 2015; 28(6):236-238.; além de alguns aspectos relacionados às novas tecnologias e cuidado “relativamente independentes das estruturas políticas”1010. Jakubowski E, Saltman RB, European Observatory on Health Systems and Policies, editors. The changing national role in health system governance: a case-based study of 11 European countries and Australia. Copenhagen: European Observatory on Health Systems and Policies; 2013. Observatory studies series..

A política de descentralização na saúde brasileira e, mais acentuadamente, o discurso da regionalização reconhecem no acesso equitativo uma grande força motriz. Grandes ambições, grandes desafios. A desigualdade na distribuição dos equipamentos de saúde é uma realidade antiga e comum nos contextos mais variados, questão reconhecidamente de difícil abordagem1111. Hart JT. The inverse care law. Lancet 1971; 297(7696):405-412.,1212. Dussault G, Franceschini MC. Not enough there, too many here: understanding geographical imbalances in the distribution of the health workforce. Hum Resour Health 2006; 4:12.. Características próprias – “único país com mais de 100 milhões de habitantes que tem sistema universal de saúde. E [...] descentralização política, administrativa e financeira para o poder local”1313. Monteiro O. Integralidade truncada [Entrevista]. [acessado 2016 maio 15]. Disponível em: http://www.resbr.net.br/integralidade-truncada/
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–, e tradição do critério político na incorporação tecnológica são elementos adicionais no caso brasileiro. Mas, do lado técnico, um problema é que a relação direta entre descentralização/regionalização com a equidade não é algo simples de demonstrar – começando pela dificuldade na definição de variáveis dependentes e independentes1414. European Union. Committee of the Regions. The management of health systems in the EU Member States the role of local and regional authorities. Luxembourg: Publications Office; 2012.. Soma-se a complexificação da leitura sobre o município1515. Roux AVD. Health in cities: is a systems approach needed? Cad Saude Publica 2015; 31(Supl. 1):9-13..

No intuito de contribuir com as análises do processo de regionalização assistencial da saúde, este artigo apresenta uma revisão sistemática sobre as experiências recentes de organização regional do SUS, em busca dos principais condicionantes desse processo no país.

Metodologia

Este estudo foi despertado pela leitura de Vargas et al.1616. Vargas I, Mogollón-Pérez AS, Unger J-P, da-Silva MRF, De Paepe P, Vázquez M-L. Regional-based Integrated Healthcare Network policy in Brazil: from formulation to practice. Health Policy Plan 2015; 30(6):705-717., cujas referências forneceram seis indicações iniciais de artigos. Para a revisão foi realizada busca sistematizada nas bases da Biblioteca Virtual em Saúde – que inclui Lilacs e SciELO –; e Medline/PubMed. Foram utilizados os descritores “regionalização/regional health planning” AND “Brasil/Brazil” nos campos título, resumo ou assunto; incluindo artigos originais, teses e dissertações em português, inglês, espanhol. Fontes complementares incluíram as referências dos artigos selecionados e indicações de conhecimento dos próprios autores. Como critério de inclusão: estudos com objeto específico na regionalização do SUS; com resultados empíricos e publicados a partir de 2006, de forma a incluir apenas pesquisas já referenciadas ao ‘Pacto pela Saúde’ e adiante. Como critérios de exclusão: revisões; ensaios de opinião; e pesquisas com foco em políticas anteriores ao Pacto pela Saúde; ou nos quais a regionalização surge como contexto e não como objeto primário. Interessado na revisão exaustiva, foram incluídas todas as pesquisas alcançadas pela revisão, sem considerar a relevância da publicação ou opção metodológica.

A dinâmica de seleção foi realizada por dois pesquisadores de forma independente, e os casos de dúvida foram julgados por um terceiro. Iniciou-se pela exclusão de textos através da leitura dos metadados. Neste ponto foi realizada busca de possíveis textos não incluídos nas bases científicas através do Google Acadêmico – “literatura cinzenta” –, sem sucesso. Em seguida foi realizada a leitura dos resumos dos textos incluídos na primeira triagem. Todos os textos selecionados após a leitura dos resumos foram lidos integralmente e tiveram os dados extraídos de modo independente por pelo menos dois dos autores, na sequência organizado em conjunto. A Figura 1 sistematiza o processo de busca e identificação dos trabalhos.

Figura 1
Esquema de busca e seleção dos artigos.

Resultados

Os critérios metodológicos permitiram incluir vinte e seis estudos sobre o processo de regionalização brasileiro (Quadro 1). Dois estudos foram incluídos como exceção. Um ensaio, por se considerar o discurso de um grupo de secretários de saúde municipais como análogo às entrevistas empíricas com estes atores1717. Assis E, Cruz VS, Trentin EF, Lucio HM, Meira A, Monteiro JCK, Cria SM, Focesi MR, Cielo CA, Guerra LM, Farias RMS. Regionalização e novos rumos para o SUS: a experiência de um colegiado regional. Saúde Soc. 2009; 18(Supl. 1):17-21.. Outro com tema em redes de atenção, mas que após leitura foi considerado que lidava precipuamente com a questão da organização regional na saúde1818. Medeiros CRG, Gerhardt TE. Avaliação da Rede de Atenção à Saúde de pequenos municípios na ótica das equipes gestoras. Saúde Debate 2015; 39(n.spe):160-170.. Um estudo foi excluído por duplicidade e inconsistência.

Quadro 1
Estudos incluídos na revisão.

Como esperado, a maioria das pesquisas concentram-se na abrangência regional (estado, macro e região)1616. Vargas I, Mogollón-Pérez AS, Unger J-P, da-Silva MRF, De Paepe P, Vázquez M-L. Regional-based Integrated Healthcare Network policy in Brazil: from formulation to practice. Health Policy Plan 2015; 30(6):705-717.

17. Assis E, Cruz VS, Trentin EF, Lucio HM, Meira A, Monteiro JCK, Cria SM, Focesi MR, Cielo CA, Guerra LM, Farias RMS. Regionalização e novos rumos para o SUS: a experiência de um colegiado regional. Saúde Soc. 2009; 18(Supl. 1):17-21.

18. Medeiros CRG, Gerhardt TE. Avaliação da Rede de Atenção à Saúde de pequenos municípios na ótica das equipes gestoras. Saúde Debate 2015; 39(n.spe):160-170.

19. Souto Junior JV. O papel da CIB/MG no processo de regionalização do SUS em Minas Gerais [dissertação]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca; 2010.

20. Brandão ICA, Martiniano CS, Monteiro AI, Marcolino EC, Brasil SKD, Sampaio J. Análise da organização da rede de saúde da Paraíba a partir do modelo de regionalização. R bras ci Saúde 2012; 16(3):347-352.

21. Bretas Junior N, Shimizu HE. Planejamento regional compartilhado em Minas Gerais: avanços e desafios. Saúde Debate 2015; 39(107):962-971.

22. Guerra DM. Descentralização e regionalização da assistência à saúde no sstado de São Paulo: uma análise do índice de dependência. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2015.

23. Stephan-Souza A, Chebli ICF, Jacometti EJM, Paiva MG. Regionalização sob a ótica dos gestores: uma abordagem dialética. Rev APS 2010; 13(Supl. 1):S35-45.

24. Pereira AMM. Dilemas federativos e regionalização na saúde: o papel do gestor estadual do SUS em Minas Gerais [dissertação]. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2009.

25. Coelho APS. O público e o privado na regionalização da Saúde: processo decisório e condução da política no estado do Espírito Santo. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca; 2011.

26. Mesquita RMS. Consensos da comissão intergestores regional para a organização do sistema regional de Saúde [dissertação]. Fortaleza: Universidade de Fortaleza; 2011.

27. Venancio SI, Nascimento PR, Rosa TE, Morais MLS, Martins PN, Voloschko A. Referenciamento regional em saúde: estudo comparado de cinco casos no Estado de São Paulo, Brasil. Cien Saude Colet 2011; 16(9):3951-3964.

28. Silva EC, Gomes MHA. Impasses no processo de regionalização do SUS: tramas locais. Saúde Soc. 2013; 22(4):1106-1116.

29. Silva EC da, Gomes MH de A. Regionalização da saúde na região do Grande ABC: os interesses em disputa. Saúde Soc. 2014; 23(4):1383-1396.

30. Silva MJV. Regionalização da saúde no oeste de Mato Grosso: um estudo de caso do Colegiado de Gestão Regional [dissertação]. Cuiabá: Universidade Federal de Mato Grosso; 2014.

31. Santos AM, Giovanella L. Governança regional: estratégias e disputas para gestão em saúde. Rev Saude Publica 2014; 48(4):622-631.

32. Martinelli NL. A regionalização da saúde no Estado de Mato Grosso: o processo de implementação e a relação público-privada na região de saúde do Médio Norte Mato grossense [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2014.

33. Mendes A, Louvison MCP, Ianni AMZ, Leite MG, Feuerwerker LCM, Tanaka OY, Duarte L, Weiller JAB, Lara NCC, Botelho LAM, Almeida CALO. O processo da gestão regional da saúde no Estado de São Paulo: subsídios para a análise. Saúde Soc. 2015; 24(2):423-437.
-3434. Kehrig RT, Souza ES, Scatena JHG. Institucionalidade e governança da regionalização da saúde: o caso da região Sul Mato-Grossense à luz das atas do colegiado de gestão. Saúde Debate 2015; 39(107):948-961.; quatro apresentam dimensão nacional22. Viana ALA, Lima LD, Ferreira MP. Condicionantes estruturais da regionalização na saúde: tipologia dos Colegiados de Gestão Regional. Cien Saude Colet 2010; 15(5):2317-2326.,3535. Lima LD, Viana AL d’Ávila, Machado CV, Albuquerque MV, Oliveira RG, Iozzi FL, Scatena JHG, Mello GA, Pereira AMM, Coelho APS. Regionalização e acesso à saúde nos estados brasileiros: condicionantes históricos e político-institucionais. Cien Saude Colet 2012; 17(11):2881-2892.

36. Albuquerque MV. O enfoque regional na política de saúde brasileira (2001-2011):diretrizes nacionais e o processo de regionalização nos estados brasileiros [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2013.
-3737. Duarte CMR, Pedroso MM, Bellido JG, Moreira RS, Viacava F. Regionalização e desenvolvimento humano: uma proposta de tipologia de Regiões de Saúde no Brasil. Cad Saude Publica 2015; 31(6):1163-1174.; duas abordam regiões metropolitanas3838. Spedo SM, Pinto NRS, Tanaka OY. A regionalização intramunicipal do Sistema Único de Saúde (SUS):um estudo de caso do município de São Paulo-SP, Brasil. Saúde Soc. 2010; 19(3):533-546.,3939. Ianni AMZ, Monteiro PHN, Alves OSF, Morais MLS, Barboza R. Metrópole e região: dilemas da pactuação da saúde. O caso da Região Metropolitana da Baixada Santista, São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica 2012; 28(5):925-934.; e apenas uma tem o foco em região fronteiriça4040. Preuss LT, Nogueira VMR. O pacto pela saúde nas cidades gêmeas da fronteira do Rio Grande do Sul com a Argentina e o Uruguai. Texto e Contexto 2012; 11(2):320-332.. No geral, sobressaem-se estudos de caso com método qualitativo, abordagem fenomenológica e baixo poder de generalização analítica. Mas, vários estudos se destacam pela originalidade, consistência metodológica e aprofundamento analítico22. Viana ALA, Lima LD, Ferreira MP. Condicionantes estruturais da regionalização na saúde: tipologia dos Colegiados de Gestão Regional. Cien Saude Colet 2010; 15(5):2317-2326.,1616. Vargas I, Mogollón-Pérez AS, Unger J-P, da-Silva MRF, De Paepe P, Vázquez M-L. Regional-based Integrated Healthcare Network policy in Brazil: from formulation to practice. Health Policy Plan 2015; 30(6):705-717.,2222. Guerra DM. Descentralização e regionalização da assistência à saúde no sstado de São Paulo: uma análise do índice de dependência. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2015.,2525. Coelho APS. O público e o privado na regionalização da Saúde: processo decisório e condução da política no estado do Espírito Santo. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca; 2011.,2727. Venancio SI, Nascimento PR, Rosa TE, Morais MLS, Martins PN, Voloschko A. Referenciamento regional em saúde: estudo comparado de cinco casos no Estado de São Paulo, Brasil. Cien Saude Colet 2011; 16(9):3951-3964.,3535. Lima LD, Viana AL d’Ávila, Machado CV, Albuquerque MV, Oliveira RG, Iozzi FL, Scatena JHG, Mello GA, Pereira AMM, Coelho APS. Regionalização e acesso à saúde nos estados brasileiros: condicionantes históricos e político-institucionais. Cien Saude Colet 2012; 17(11):2881-2892.

36. Albuquerque MV. O enfoque regional na política de saúde brasileira (2001-2011):diretrizes nacionais e o processo de regionalização nos estados brasileiros [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2013.
-3737. Duarte CMR, Pedroso MM, Bellido JG, Moreira RS, Viacava F. Regionalização e desenvolvimento humano: uma proposta de tipologia de Regiões de Saúde no Brasil. Cad Saude Publica 2015; 31(6):1163-1174.,4141. Lima JC, Rivera FJU. Gestão de sistemas regionais de saúde: um estudo de caso no Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saude Publica 2006; 22(10):2179-2189.. À exceção da proposta de tipologia regional3737. Duarte CMR, Pedroso MM, Bellido JG, Moreira RS, Viacava F. Regionalização e desenvolvimento humano: uma proposta de tipologia de Regiões de Saúde no Brasil. Cad Saude Publica 2015; 31(6):1163-1174., as demais pesquisas representam o universo discursivo de profissionais ligados à gestão em saúde. Ainda que de modo quase que tangencial, três estudos agregam pontos de vista do prestador2323. Stephan-Souza A, Chebli ICF, Jacometti EJM, Paiva MG. Regionalização sob a ótica dos gestores: uma abordagem dialética. Rev APS 2010; 13(Supl. 1):S35-45.,2525. Coelho APS. O público e o privado na regionalização da Saúde: processo decisório e condução da política no estado do Espírito Santo. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca; 2011.,3232. Martinelli NL. A regionalização da saúde no Estado de Mato Grosso: o processo de implementação e a relação público-privada na região de saúde do Médio Norte Mato grossense [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2014.. O Quadro 2 elenca as principais categorias de análise levantadas nesses estudos. Em seguida, breves comentários sobre as dimensões gerais dessas categorias.

Quadro 2
Categorias prevalentes sobre regionalização no discurso ligado à gestão pública em saúde no Brasil.

Políticas e políticas

Na dimensão política (politcs), a autonomia municipal advinda do processo de descentralização – com consequente fragmentação do sistema – é vista como principal entrave à organização regional dos serviços. Problema cuja solução não se dissocia do desafio próprio que o arcabouço jurídico federativo imprime. A cultura política de negociação em detrimento do planejamento, e de tendência clientelista, é observação comum. Na dimensão das políticas (policies), fica patente a influência da indução normativa federal, responsável por orientar a política regional na maioria dos estados pelo princípio da equidade – no âmbito particular do acesso e desigualdades de financiamento –, e aumento da capacidade instalada. Entretanto, essa indução se vê debilitada no passar do tempo por motivos variados: dificuldade em incrementar o estímulo de modo continuado e proporcional às novas necessidades do fortalecimento do processo regional – o subfinanciamento é consenso; fragmentação das pastas do Ministério da Saúde envolvidas; imprecisão normativa; e iniciativas com baixa perspectiva sistêmica.

Secretaria Municipal de Saúde (SMS)

Categoria onipresente, as SMS, principais responsáveis pelo pressuposto da gestão cooperativa, solidária e de interdependência regional, são vistas como estruturas burocráticas de perfil centralizador. Sua atuação é ainda prejudicada pela descontinuidade política decorrente da rotatividade de secretários. A fragilidade técnica é talvez seu maior ponto de vulnerabilidade. O CONASEMS aparece citado como importante apoiador no processo regional.

Secretaria Estadual de Saúde (SES)

Como regra, a esfera estadual é vista como o parceiro ausente. Há certo clamor para que as SES assumam maior papel de liderança na coordenação do processo regional, com presença efetiva na regulação, mediação e negociação. Entretanto, é reconhecida sua fragilidade estrutural e técnica para este novo protagonismo.

Colegiados Intergestores Regionais (CIR/CGR)

As instâncias regionais são amplamente valorizadas como espaço político inovador e de governança regional. Mas, naturalmente moldadas na amplitude política de uma democracia em consolidação e seus temperos históricos, ressentem-se da dificuldade em superar a reprodução da cultura política municipal e seus acentuados interesses eleitorais, clientelistas e corporativos. Com isto, infere-se que a regionalização da saúde sofre mais influência da dinâmica política e social abrangente, e seu acúmulo histórico, do que da política de saúde especificamente.

Mix estado/mercado (público/privado)

Mais do que coexistência, a interdependência entre Estado e mercado é uma característica disseminada pelo país. Embora apresente regiões com maior ou menor predominância nessa composição, não há um padrão definido pelo país. É consensual a incapacidade do gestor em regular o setor privado contratado, cuja forte influência se dá pela capacidade instalada, participação nos processos de decisão e múltiplos vínculos profissionais.

Instrumentos

A falta de cultura de planejamento é outro forte consenso, obstaculizado ainda mais pela debilidade dos instrumentos disponíveis: o Plano de Saúde é trabalhado de modo formal e simbólico; o PDR contaminado pela política menor; e a PPI obstada pelo subfinanciamento e disputas intermunicipais. Os instrumentos jurídicos de garantia das pactuações são débeis, praticamente ausentes nas dimensões metropolitana, interestadual e fronteiriça. O desenvolvimento de ferramentas eficazes de coordenação, regulação e planejamento é disposto como um dos principais desafios à governança regional.

Regulação

Embora expressão corriqueira, a realidade é que falta clareza sobre o sentido mais abrangente do termo. De pragmático é assinalada a dificuldade geral de regulação de fluxos regionais, comumente referida pelos municípios mais estruturados como “invasão”.

Discussão

Homogeneidade discursiva

Mesmo que se trate do exercício de funções semelhantes, é mais do que notável a homogeneidade e a regularidade do corpo discursivo revisado, independente do tempo, dimensão e região analisada – e que se remete mesmo a estudos anteriores ao Pacto pela Saúde3333. Mendes A, Louvison MCP, Ianni AMZ, Leite MG, Feuerwerker LCM, Tanaka OY, Duarte L, Weiller JAB, Lara NCC, Botelho LAM, Almeida CALO. O processo da gestão regional da saúde no Estado de São Paulo: subsídios para a análise. Saúde Soc. 2015; 24(2):423-437.,4545. Lotufo M, Miranda AS. Sistemas de direção e práticas de gestão governamental em secretarias estaduais de Saúde. Rev. Adm. Pública 2007; 41(6):1143-63.. Característica de certa forma esperada, até porque a indução normativa federal determina certa coesão entre a atuação dos entes, revelando dificuldades técnicas comuns. Fóruns e representações nacionais, à exemplo de CONASS e CONASEMS, também participam nessa correspondência. Mas, é como se um grande resumo dessa literatura revisada tivesse sido encomendado no ensaio produzido por uma reunião de Secretários de Saúde municipais1717. Assis E, Cruz VS, Trentin EF, Lucio HM, Meira A, Monteiro JCK, Cria SM, Focesi MR, Cielo CA, Guerra LM, Farias RMS. Regionalização e novos rumos para o SUS: a experiência de um colegiado regional. Saúde Soc. 2009; 18(Supl. 1):17-21. – no sentido da ideia de “isomorfismo organizacional”4646. Cecilio LCDO, Andreazza R, Souza ALM, Lacaz FADC, Pinto NRS, Spedo SM, Lacaz FAC, Sato WNS, Bestetti LMA. O gestor municipal na atual etapa de implantação do SUS: características e desafios. R Eletr de Com Inf Inov Saúde [Internet]. 2007; 1(2). [acessado 2015 out 15]. Disponível em: http://www.reciis.cict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/84/79
http://www.reciis.cict.fiocruz.br/index....
–, mas sem querer aqui adentrar pela abordagem institucionalista.

Uma primeira indução é que a coesão geográfica e temporal do conjunto de estudos revela substancial validade externa das categorias revisadas; de forma a assumir esse corpo discursivo como uma representação comum do discurso gerencial no processo de regionalização do SUS em todo país. A consequência mais imediata é reforçar o crédito de que os fenômenos mencionados são realmente inegáveis e importantes ao processo regional de sul a norte.

Mas isso não exclui a possibilidade de que o olhar de pesquisa esteja em sua maioria voltado para o mesmo lado, despercebendo possíveis variações do cenário (a escolha dos atores-chaves e do roteiro é opção da pesquisa – e quem pergunta não só apenas conhece parte da resposta como influencia no direcionamento do discurso). Por exemplo, apenas dois trabalhos fazem menção à perspectiva de uma regionalização intersetorial, contudo sem aprofundar os méritos2525. Coelho APS. O público e o privado na regionalização da Saúde: processo decisório e condução da política no estado do Espírito Santo. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca; 2011.,3535. Lima LD, Viana AL d’Ávila, Machado CV, Albuquerque MV, Oliveira RG, Iozzi FL, Scatena JHG, Mello GA, Pereira AMM, Coelho APS. Regionalização e acesso à saúde nos estados brasileiros: condicionantes históricos e político-institucionais. Cien Saude Colet 2012; 17(11):2881-2892.. O papel do prestador, em especial dos hospitais, ou questões tecnológicas e de inovação estão amplamente encobertos.

Essa baixa variação discursiva nos últimos anos também fortalece indícios de que na sequencia da inflexão promovida pelas NOAS, e mais fortemente pelo Pacto pela Saúde, o processo regional atingiu há algum tempo uma espécie de platô político. Uma das causas mais fáceis de elencar seria a insuficiência de novos estímulos – diga-se recursos – para superar os estágios alcançados. A onipresença da queixa de subfinanciamento é autoexplicativa.

A esfera estadual, por sua vez, agrega pouco no cômputo global, na maioria das vezes tida como omissa, algumas como entrave. No entanto, a fragilidade técnica do ente municipal – mas também estadual – surge como um dos entraves mais categóricos do processo de regionalização no país; sem dúvida com reflexo na percebida vulnerabilidade e burocratização dos CGR/CIR.

De modo geral, as categorias temáticas resultantes são de compreensão imediata, sendo desnecessário estender discussões específicas sobre cada uma. Entretanto, a dimensão e a perenidade desse conjunto em diálogo com o contexto histórico-estrutural do país permite aprofundar as análises em categorias analíticas mais robustas, realizadas a seguir.

Regionalização, descentralização e re-centralização

Há uma crítica renitente à participação da SES no processo regional. Embora seu enunciado tenha origem no âmbito da regionalização, o problema é anterior e se remete ao processo de descentralização44. Viana ALA. Descentralização e política de saúde: origens, contexto e alcance da descentralização. São Paulo: Hucitec Editora; 2013.,55. Ouverney ALM. Federalismo e descentralização do SUS: a formação de um regime polarizado de relações intergovernamentais na década de 1990. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas; 2015.. Provavelmente, com influências mais abrangentes e antigas, pois o desenho da polarização entre municípios e federação já havia sido caracterizada na política varguista4747. Melo MABC. Municipalismo, nation-building e a modernização do Estado no Brasil. Rev. Bras. Ci. Soc. 1993; 6(23):85-99.. Uma questão, portanto, é saber em que medida o processo regional depende também da atualização da questão federativa.

Sabe-se que a municipalização trouxe um padrão mais democrático de governança local4848. Viana AL d’Ávila, Machado CV. Descentralização e coordenação federativa: a experiência brasileira na saúde. Cien Saude Colet 2009; 14(3):807-817.,4949. Fleury S, Ouverney ALM, Kronemberger TS, Zani FB. Governança local no sistema descentralizado de saúde no Brasil. Rev. Panam. Salud Públ 2010; 28(6):446-445.. Mas, inversamente, é conhecido o problema da descentralização com a iniquidade regional, burocratização e politização dos níveis locais, ao mesmo tempo em que dificulta a regulação do nível central66. Saltman RB, Bankauskaite V, Vrangbæk K, editors. Decentralization in health care: strategies and outcomes. Maidenhead: Open Univ. Press; 2007. (European observatory an health systems and policies series)., justamente as motivações para o fortalecimento da questão regional no país.

Os estados brasileiros alcançaram estágios diferenciados de descentralização na saúde, o que se traduz em particular no grau de controle sobre a média e a alta complexidade (MAC), definindo posição privilegiada ao hospital de referência na organização do sistema. O papel que esse hospital exerce na governança regional é ainda pouco compreendido no processo de regionalização1414. European Union. Committee of the Regions. The management of health systems in the EU Member States the role of local and regional authorities. Luxembourg: Publications Office; 2012.. Há certa percepção de que os estados que mais avançaram na descentralização dos seus sistemas de saúde têm hoje mais dificuldade em regular o processo regional, o que levantaria a possibilidade de que algum grau de recentralização poderia ser benéfico em alguns casos (questão certamente incompleta, uma vez que São Paulo detém considerável componente da MAC e é também visto como elo frágil do processo). Balança em que se pesam continuamente medidas estruturais e não estruturais na busca de um equilíbrio dinâmico1010. Jakubowski E, Saltman RB, European Observatory on Health Systems and Policies, editors. The changing national role in health system governance: a case-based study of 11 European countries and Australia. Copenhagen: European Observatory on Health Systems and Policies; 2013. Observatory studies series..

Necessidades municipais e a regionalização

A gestão municipal é amplamente interpretada como um elo frágil e dificultador do processo regional, questão que naturalmente embute a ideia de que a melhoria técnica do quadro municipal impactaria na capacidade regional. Sem dúvida, mas, de fato, os estudos não avançam em uma questão nuclear: porque essa fragilidade não dá mostras de reversão ao longo do tempo? Não parece ser apenas um problema do ‘como fazer’, algo para o qual alguém logo sugeriria cursos técnicos, de especialização e afins, ou apenas ligada à rotatividade.

Sob outro olhar, pode ser aventado que o foco das análises esteja demasiadamente concentrado no conteúdo regional da reforma, na formação de redes, na assistência, em detrimento dos atores envolvidos5050. Walt G, Gilson L. Reforming the health sector in developing countries: the central role of policy analysis. Health Policy Plan 1994; 9(4):353-370.. Aqui pensando especificamente em inverter a perspectiva da visada para o município como ator principal interessado na regionalização e suas próprias necessidades (e não na ‘regionalização’ interessada no município). Deste novo ponto de vista, aparentemente paradoxal, parece despontar a necessidade de apoio, reforço e investimento na gestão municipal como parte inerente das próprias políticas de regionalização. Questão que releva também a discussão do papel do COSEMS, ator pouco rememorado nos estudos, mas sempre de forma positiva.

A indução exitosa da capacidade técnica municipal é uma possibilidade histórica concreta5151. Arretche M, Marques E. Municipalização da saúde no Brasil: diferenças regionais, poder do voto e estratégias de governo. Cien Saude Colet 2002; 7(3):455-479.. Fica o desafio de se pensar um modelo de indução que fortaleça tecnicamente município e região em paralelo, e em período de tempo aceitável. É como se necessitasse – e se necessita – entrar em uma sociedade pós-industrial, sem antes experimentar a industrialização; ou entrar em uma administração pública moderna, sem antes experimentar uma administração burocrática eficiente.

Em posição serena e reflexiva, Gilles Dussault5252. Entrevista com o professor Gilles Dussault: desafios dos sistemas de saúde contemporâneos, por Eleonor Minho Conill, Ligia Giovanella e José-Manuel Freire. Cien Saude Colet 2011; 16(6):2889-2892. assinala aquela que lhe parece a maior diferença gerencial entre as culturas anglo-saxãs e latinas: “o grau de profissionalização e correspondente despolitização da gestão dos serviços de saúde e, em geral, dos serviços públicos”; aliada a uma tradição de formação em gestão e favorecimento da nomeação meritocrática, especialmente “para postos de direção em que esta resulta das competências e experiências que correspondem às exigências específicas da função”.

Mas, se a necessidade de maior foco nas necessidades municipais, favorecimento de carreiras de gestão e escolhas gerenciais mais apropriadas fornecem parte da resposta, outra característica particular da política brasileira, discutida a seguir, também contribui para determinar a abrangência e a perenidade da incapacidade municipal revelada nas pesquisas.

Planejamento: juntando as partes

O argumento desenvolvido aqui se beneficia da análise de Vargas et al.1616. Vargas I, Mogollón-Pérez AS, Unger J-P, da-Silva MRF, De Paepe P, Vázquez M-L. Regional-based Integrated Healthcare Network policy in Brazil: from formulation to practice. Health Policy Plan 2015; 30(6):705-717., na qual observam que os desafios da regionalização da saúde no Brasil reúnem quatros maiores categorias de análise:

  1. Implementação baseada em negociação ao invés de planejamento

  2. Grande responsabilidade dos municípios com baixa capacidade técnica

  3. Falhas no planejamento e na coordenação das competências envolvidas

  4. Falta de clareza sobre as regras políticas de implementação

Não é o caso de rediscuti-las, senão remeter os interessados à discussão original. Mas, aqui interessa observar que essas categorias não se dispõem no mesmo plano histórico de análise; de forma que é possível discriminar uma hierarquia do tipo causa e consequência entre elas. Nesse raciocínio a cultura política de consenso mediado por negociação, em relação inversa com a política baseada em planejamento, ganha anterioridade às demais – muito particularmente quando contextualizada às tradições do modelo de negociação política no país (barganha), apontadas extensivamente desde Oliveira Viana5353. Viana O. Instituições políticas brasileiras. Brasília: Conselho Editorial do Senado Federal; 1999., Victor Nunes Leal5454. Leal VN. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras; 2012., ou Rodolfo Mascarenhas5555. Mascarenhas RS. Problemas de saúde pública no estado de São Paulo. Arquivos da Faculdade de Higiene e Saúde Pública da Universidade de São Paulo 1954; 8(1):1-13., este na especificidade paulista da saúde pública.

Vargas et al.1616. Vargas I, Mogollón-Pérez AS, Unger J-P, da-Silva MRF, De Paepe P, Vázquez M-L. Regional-based Integrated Healthcare Network policy in Brazil: from formulation to practice. Health Policy Plan 2015; 30(6):705-717. trazem um problema essencial ao debate. No pragmatismo norte-americano, por exemplo, são antigos os exemplos de como a questão metropolitana e regional ligada à saúde pública encontram-se primariamente no âmbito do planejamento e não da barganha política5656. Adams T. Regional Planning in relation to public health. Am J Public Health 1926; 16(11):1114-1121..

Em nosso histórico sanitário, um tanto tributário dessa formação pragmática, Barros Barreto5757. Barreto JB. Medicina curativa em meio rural e suas relações com os serviços de saúde pública. Arquivos de Higiene 1939; 9(1):5-29., principal responsável pela conformação sanitária do país na primeira metade do século XX, já chamava a atenção para a necessidade do planejamento da distribuição dos serviços de saúde no interior do país, atento ao que viria ser abordado como integração intersetorial. Em termos de cultura institucional, a Fundação SESP, de forte influência norte-americana, foi quem mais insistiu na necessidade da organização racional, planejamento e integração dos serviços de saúde entre nós33. Mello GA, Viana ALA. Uma história de conceitos na saúde pública: integralidade, coordenação, descentralização, regionalização e universalidade. Hist. cienc. saude-Manguinhos 2012; 19(4):1219-1240.,5555. Mascarenhas RS. Problemas de saúde pública no estado de São Paulo. Arquivos da Faculdade de Higiene e Saúde Pública da Universidade de São Paulo 1954; 8(1):1-13.

56. Adams T. Regional Planning in relation to public health. Am J Public Health 1926; 16(11):1114-1121.

57. Barreto JB. Medicina curativa em meio rural e suas relações com os serviços de saúde pública. Arquivos de Higiene 1939; 9(1):5-29.
-5858. Campos ALV. Políticas internacionais de saúde na Era Vargas: o Serviço Especial de Saude Pública, 1942-1960. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2006. – escola fortemente combatida com a ascensão do pensamento político crítico que culminaria na Saúde Coletiva. Entre as principais motivações, justamente a contraposição ao que se via como uma cultura eminentemente técnica que desconsiderava a importância estratégica da intencionalidade política no planejamento. De todo modo, embora se possa pensar nas repercussões específicas desta ruptura na formação em saúde pública, os resultados revisados sugerem que a dinâmica regional diz mais respeito à cultura social e política aberta do que à questão setorial da saúde propriamente1616. Vargas I, Mogollón-Pérez AS, Unger J-P, da-Silva MRF, De Paepe P, Vázquez M-L. Regional-based Integrated Healthcare Network policy in Brazil: from formulation to practice. Health Policy Plan 2015; 30(6):705-717.,3535. Lima LD, Viana AL d’Ávila, Machado CV, Albuquerque MV, Oliveira RG, Iozzi FL, Scatena JHG, Mello GA, Pereira AMM, Coelho APS. Regionalização e acesso à saúde nos estados brasileiros: condicionantes históricos e político-institucionais. Cien Saude Colet 2012; 17(11):2881-2892.. Notadamente uma cultura político-administrativa com dificuldades de planejamentos virtuosos de longo alcance22. Viana ALA, Lima LD, Ferreira MP. Condicionantes estruturais da regionalização na saúde: tipologia dos Colegiados de Gestão Regional. Cien Saude Colet 2010; 15(5):2317-2326..

Mas, como interpretar a perenidade dessa deficiência em planificação? Uma questão central é que em última análise a lógica da barganha mantém a ideia de planejamento em saúde eminentemente subordinada ao rol de possibilidades restantes da negociação política – de condições desiguais entre os municípios. Desequilíbrio que aniquila a própria concepção de planejamento (como aprimorar um conceito mutilado?). Completa-se assim um círculo vicioso composto pela baixa qualificação técnica e gerencial, alta rotatividade profissional e esvaziamento do sentido de planejamento. Enfim, numa reafirmação de que a categoria do primado da negociação política sobre o planejamento acaba por subordinar as demais elaboradas. Um contexto certamente pouco favorável ao desenvolvimento de ferramentas efetivas e inovadoras de planejamento regional e, por conseguinte, à superação dos limites alcançados pela inovação das novas instâncias regionais. Contribui ainda para compreender a baixa possibilidade de reversão do modelo de planejamento sobre a oferta – obviamente prioridade quando a negociação vem primeiro – para outro sobre a demanda, capaz de conduzir o setor privado complementar a aderir aos objetivos precípuos do SUS.

Considerações finais

A revisão evidenciou que o processo de regionalização é hoje uma realidade vívida na gestão da saúde em todas as esferas de governo, mas que se defronta com um conjunto de desafios comuns às diversas realidades do país. Os colegiados são valorizados como importantes espaços de inovação, mas ainda em busca da superação de uma cultura política burocrática e clientelista. A governança regional deve enfrentar a fragmentação do sistema e a histórica deficiência com planejamento, desde as questões locais às políticas estratégicas, como a incorporação tecnológica. As análises permitiram uma incisiva implicação da cultura de amplo privilégio da negociação política em um ciclo vicioso que sustenta a deficiência técnica da gestão.

Uma produção científica em franco amadurecimento releva, entre outras características, a latência entre as prioridades políticas estabelecidas no setor saúde e a capacidade de reação acadêmica em prover evidências e indicadores do processo. A distância entre as prioridades acadêmicas e a política parece bem representada na presença significativa das universidades no processo regional em apenas três estados3535. Lima LD, Viana AL d’Ávila, Machado CV, Albuquerque MV, Oliveira RG, Iozzi FL, Scatena JHG, Mello GA, Pereira AMM, Coelho APS. Regionalização e acesso à saúde nos estados brasileiros: condicionantes históricos e político-institucionais. Cien Saude Colet 2012; 17(11):2881-2892., além da histórica dificuldade de inserção dos hospitais universitários no planejamento da rede assistencial2323. Stephan-Souza A, Chebli ICF, Jacometti EJM, Paiva MG. Regionalização sob a ótica dos gestores: uma abordagem dialética. Rev APS 2010; 13(Supl. 1):S35-45.. De fato, o descompasso entre a implementação de políticas sociais e a pesquisa acadêmica tem sido descrito na literatura internacional como um desafio comum5959. Oliver K, Lorenc T, Innvær S. New directions in evidence-based policy research: a critical analysis of the literature. Health Res Policy Syst 2014; 12(1):34.. Uma variável fundamental na baixa reflexividade do desmonte recente dos processos regionais da saúde canadense teria sido justamente a ausência de evidências científicas sobre as políticas instituídas99. Marchildon GP. The crisis of regionalization. Health Manage Forum 2015; 28(6):236-238..

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2017

Histórico

  • Recebido
    11 Maio 2016
  • Revisado
    04 Ago 2016
  • Aceito
    23 Set 2016
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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