Resumo
A violência afeta negativamente a saúde de crianças e adolescentes, impactando sua qualidade de vida. Provoca estresse e exige da vítima uma capacidade adaptativa, o que pode acarretar mudanças psicológicas e biológicas. Os níveis do hormônio cortisol têm sido utilizados como biomarcador de estresse em vários estudos. Este artigo se propõe a realizar uma revisão bibliográfica sistemática das publicações sobre cortisol e violência envolvendo adolescentes no período de 2000 a 2013. Os seguintes descritores foram usados: “violência”, “adolescente” e “cortisol”, “violence, “adolescent”, cortisol”, que incluiu as bases bibliográficas PubMed/Medline, Lilacs, BVS e SciELO. Foram analisados 12 artigos. A maior parte dos estudos envolve participantes dos Estados Unidos, de ambos os sexos e sem grupo controle. Diferentes tipos de violência são estudados, destacando-se a familiar, vitimização ou testemunho. Todos utilizaram a saliva para medição do cortisol. Não existe uma padronização metodológica para a análise. A maior parte dos estudos (83,3%) encontrou associação estatisticamente significativa entre o nível de cortisol e a exposição à violência. Ainda não existe uniformidade nos resultados encontrados, seja quanto ao sexo, tipo de violência, condição socioeconômica ou forma de análise de cortisol.
Cortisol; Violência; Adolescência; Estresse
Introdução
A Organização Mundial da Saúde1 define violência como “Uso da força física ou do poder real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha qualquer possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação”. A violência decorre de uma rede de fatores socioeconômicos, políticos e culturais diversos, que possuem uma grande interdependência e influenciam a vida de indivíduos e/ou grupos sociais. Pode atingir todos os seres humanos, independente do sexo, localização geográfica, condição socioeconômica e cultural, com importantes diferenças na sua prevalência em distintas populações.
A violência é um evento particularmente prejudicial e que provoca estresse, exigindo da vítima uma capacidade adaptativa, o que pode acarretar mudanças psicológicas e biológicas, as quais, por sua vez, impactam na saúde2. A violência e o estresse possuem uma relação intrínseca, em que ambos se retroalimentam, já que o estresse crônico pode levar a mais atos violentos e revitimizações, acarretando mais estresse e problemas de saúde. Miller et al.3, alertam que a exposição ao estresse crônico aumenta em três a quatro vezes as chances de uma situação médica adversa.
A partir do final de 1980, estudos eminentemente experimentais começaram a ser desenvolvidos sobre a análise fisiológica e bioquímica do eixo Hipotalâmico-Pituitário-Adrenocortical (HPA), do hormônio cortisol e sua função biológica no organismo, assim como da resposta do cortisol ao despertar e seu ritmo circadiano. O eixo HPA é um sistema de resposta hormonal e pode ser ativado por uma série de eventos estressores físicos ou psicológicos. Numa perspectiva biológica, um dos objetivos desta linha de investigação é compreender como se dá a ativação de sistemas fisiológicos específicos que são modulados por condições físicas e psicológicas2.
Um dos principais produtos bioquímicos produzidos pelo eixo HPA é o hormônio cortisol, que é produzido pelas glândulas adrenais, sendo um grande modulador da resposta imune, além de mediador da cadeia glucogênica para a rápida obtenção de energia no enfrentamento de uma situação estressora4,5. A produção e a secreção do cortisol aumentam em quantidades crescentes durante e após a exposição a alguns estressores. Usualmente, o cortisol apresenta uma excelente associação entre a sua produção e a atividade do eixo HPA e é facilmente detectado em saliva, sangue e urina6. Pode ser considerado como um excelente biomarcador da função HPA e, consequentemente, do estudo dos efeitos de estresse em seres humanos7.
A partir deste contexto, no final da década de 1990, deu-se início o desenvolvimento de pesquisas em vários países, empregando métodos confiáveis de detecção de cortisol livre no organismo. Então, a relação entre estresse e cortisol passou a ser investigada, sendo a exposição à violência considerada questão importante. Veteranos de guerra com distúrbios emocionais severos foram os grupos populacionais particularmente investigados, além dos grupos clínicos com problemas de saúde mental, entre os quais o transtorno de estresse pós-traumático, a depressão e a ansiedade8.
Na interface violência e saúde, os problemas psicossociais são comumente estudados, todavia são raros os trabalhos que examinam sua associação com questões fisiológicas. Refletindo a partir da abordagem biopsicossocial do desenvolvimento humano, é importante lançar um olhar de quanto o ambiente é impactante nas manifestações orgânicas (fisiológicas, genéticas, epigenéticas, entre outras), compreendendo-o numa relação de interdependência. Nesta direção, para a saúde pública é importante compreender como estados de alerta e de estresse, ocasionados, por exemplo, pela violência que atinge crianças e adolescentes, impactam o desenvolvimento humano, constituindo assim uma problemática social que merece ser investigada, prevenida e enfrentada. Também se constitui relevante compreender a relação entre os níveis de cortisol e a violência no período da adolescência, já que este momento se caracteriza como fase naturalmente mais crítica e estressante, com transformações físicas, psicológicas e sociais, quando as polaridades da coragem e do medo contido, a transição para o ensino médio, os conflitos com os pais, e os lutos e aprendizagens se evidenciam9,10. Tendo como ponto de partida a relevância de se investigar o cenário desta área, o presente artigo pretende apresentar uma revisão bibliográfica sistemática de publicações nacionais e internacionais sobre o tema.
Método
Este estudo caracteriza-se por uma revisão sistemática da literatura, que segundo Greenhalgh11 envolve a elaboração de um panorama de estudos primários que contêm de forma explícita seus objetivos, métodos e materiais de forma que possam ser reproduzidos por outros autores. Esta revisão seguiu as orientações propostas no checklist Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses - PRISMA12 e o Amstar13, que compreende as seguintes etapas: identificação do material (busca nas bases bibliográficas), seleção e elegibilidade (exclusão de registros duplicados e aplicação dos critérios de exclusão), e definição das publicações a serem analisadas (Figura 1).
Trata-se de uma revisão que se baseou nas seguintes bases bibliográficas: BVS (Biblioteca Virtual em Saúde), SciELO (Scientific Eletronic Library Online), Lilacs (Literatura Latino-Americana e do Caribe) e Medline/PubMed (Medical Literature Analysis and Retrieval System Online). Para a busca dos artigos, foram utilizados os descritores em português ‘adolescente’, ‘violência’ e ‘cortisol’; e em inglês ‘adolescent’, ‘violence’ e ‘cortisol’. Esses descritores foram selecionados devido à sua recorrência na indexação de artigos envolvendo o tema. Para maior qualificação dos resultados de busca, foi adicionado o descritor booleano ‘AND’ entre todos os utilizados.
O recorte temporal para seleção das publicações analisadas neste estudo foi de 2000 a 2013, visto que a partir dos anos 2000 as pesquisas sobre violência e cortisol se tornaram mais frequentes. Todo o levantamento de dados foi feito entre março e abril de 2014.
A Tabela 1 apresenta o número de publicações identificadas, segundo a base bibliográfica consultada, chegando a um número final de 121 artigos científicos localizados.
Na fase de seleção, 32 artigos foram excluídos por duplicidade entre as bases bibliográficas. Em seguida, foi feita leitura parcial (apenas o resumo) ou total de todos os artigos identificados. A leitura parcial foi feita inicialmente, e quando o resumo não era conclusivo, era realizada a leitura total do artigo. A seleção dos artigos foi feita por dois pesquisadores, de forma independente. Discrepâncias entre a seleção dos artigos a serem analisados foram decididas por discussão conjunta entre os pesquisadores. Nesta fase, 69 artigos foram eliminados por falta de adequação ao objeto da pesquisa.
Em seguida, na fase de elegibilidade, os seguintes critérios de exclusão foram aplicados: (A) os que incluíam majoritariamente amostras de crianças ou adultos, tendo como limite a idade de 10 anos para a infância e acima de 19 para os adultos; (B) os que não apresentavam análises dos resultados de cortisol, e (C) os que não tinham descrição metodológica da análise do cortisol. O critério A eliminou dois artigos, o B, três, e o C também três.
A Figura 1 apresenta o fluxograma de identificação e seleção dos artigos para a revisão sistemática sobre o tema da violência na adolescência e o cortisol, chegando ao resultado final de 12 artigos aqui analisados.
Resultados
O Quadro 1 apresenta as principais características dos estudos selecionados. Das 12 publicações incluídas nesta revisão, seis artigos (50,0%) foram publicados nos últimos três anos (2011, 2012 e 2013), três (25,0%) antes de 2006, e os outros três entre 2006 e 2011.
Características dos estudos sobre cortisol, violência e adolescência, segundo ordem cronológica de publicação (dos mais recentes aos mais antigos).
Quanto às populações estudadas, a maior parte contou com participantes dos Estados Unidos (oito; que equivale a 66,7%), Canadá (dois artigos; 16,7%), Suécia e Região Palestina (um cada). Não há trabalhos originários de pesquisas realizadas na América do Sul e nem em língua portuguesa. As principais formas de seleção dos participantes foram: oriundos de um estudo maior14-18, por anúncio19-21 e em serviços de saúde e educação22-25. Pela própria natureza do objeto de investigação, observa-se dificuldades em utilizar amostras com desenhos rigorosos. Apenas três estudos utilizaram grupos controles. A grande maioria trabalhou com uma única amostra, que foi subdividida nas análises estatísticas em grupos de expostos ou não à violência. A maioria dos trabalhos incluiu indivíduos de ambos os sexos (58,3%). No entanto, três artigos abrangeram somente meninas14,15,18 (25,0%) e dois incluíram apenas o sexo masculino23,25 (16,7%). Sobre a idade dos participantes, a maior parte trabalhou exclusivamente com adolescentes (cinco artigos; 41,7%), dois incluíram crianças e adolescentes16,22 (16,7%), dois (16,7%) adolescentes e adultos14,19 e o restante informou apenas a idade média dos participantes21,23,24. Naqueles que envolveram crianças e adultos, a parcela de adolescentes se sobrepôs, conforme previsto nos critérios de exclusão descritos. Neste grupo de cinco artigos exclusivos de adolescentes, apenas um25 fez uma seleção com apenas indivíduos com uma idade fixa, no caso com 14 anos.
Em relação à condição socioeconômica dos participantes da pesquisa, cinco artigos14,17,18,24,25 (41,6%) afirmaram que todos eram oriundos de regiões pobres ou população de baixa renda, citando a renda média das famílias da região e/ou baixo índice de desenvolvimento humano como indicadores de pobreza. Os outros trabalhos analisados compunham populações de diferentes condições socioeconômicas, ou esta informação não foi revelada no texto do artigo.
Diferentes tipos de violência são abordados nos artigos analisados. A maioria14,15,17-19,21,22 (58,3%) se refere à violência familiar, onde a vitimização ou o testemunho são abordados. Dois trabalhos16,24 se debruçam na violência comunitária, um25 naquela motivada por questões políticas e religiosas, outro23 na violência na mídia e um20 que aborda o testemunho de situações de violência em diversos contextos. A presença de transtornos mentais (ansiedade, depressão, tentativa de suicídio e transtorno de estresse pós-traumático) é a questão mais abordada nas publicações, sendo estudadas concomitantemente ao tema da violência e cortisol.
Métodos distintos são desenvolvidos nos 12 artigos analisados. A maioria das publicações analisadas14,15,17,22,23,26 utiliza instrumentos estruturados e validados, como a escala Conflict Tactic Scale14, para verificar uma exposição a atos ou ações violentas sofridas ou perpetradas pelos adolescentes, e a Trier Social Score Test15,17,19,22. Duas outras linhas metodológicas aplicadas foram: a simulação realista de atos violentos feita em laboratório, como a exibição de um filme com cenas violentas ou encenação de atores mostrando um ato violento; e a aplicação de um plano de trabalho misto, contendo a simulação realista e aplicação de questionários.
Em relação à coleta de cortisol, todos os artigos usaram a saliva para a realização das análises. A coleta foi feita na parte da manhã; à tarde; realizada antes, durante e depois da apresentação da situação estressora; com intervalos de tempo curtos e longos; e antes e depois da aplicação do questionário. Quanto ao número de coletas realizadas, verificou-se que os estudos analisados empregaram de uma20 a sete17, sendo quatro o número mais usual14,16,23,25.
No que se refere à análise do cortisol, a maior parte dos trabalhos (75,0%) utilizou métodos de imunoensaio enzimático (ELISA). Apenas três artigos14,16,25 (25,0%) utilizaram radio imunoensaio (RIA), com a afirmativa de que os resultados encontrados são compatíveis com os imunoensaios enzimáticos14. Sobre os indicadores de qualidade e precisão analítica dos resultados de cortisol foram utilizados distintos métodos, como: coeficiente intraensaios e interensaios16,18,19,21,22,25, sensibilidade do teste bioquímico20,22,24,25 e uso de análises em duplicatas15,17-19,21,22. A repetição dos testes caso o coeficiente intra ou interensaios fosse superior a um valor fixado14,19 também foi mencionada, contudo foram empregados diferentes pontos de corte, sem indicação se o valor utilizado se tratava de um valor arbitrário ou era baseado na literatura.
Sobre os resultados dos estudos, a maior parte (83,3%; 10 artigos) encontrou associação estatisticamente significativa entre o nível de cortisol e a exposição à violência. Dos artigos que descrevem uma mudança da reatividade do cortisol, mais da metade deles14,16-20 (60,0%; 6 artigos) constatou um aumento do nível desse hormônio nos adolescentes expostos à violência, sendo que em quatro15,21,22,24 (40,0%) houve diminuição. Em duas publicações23,25 não foram encontradas alterações nos níveis do hormônio. Saxbe et al.21 ressaltam o efeito cumulativo da história prévia de violência familiar na associação com os níveis de cortisol. Vale ressaltar que a expressão do cortisol variou entre os sexos masculinos e femininos em dois estudos22,24. Entretanto, convém destacar que nem todos os estudos possuem na amostra indivíduos de ambos os sexos.
Discussão
Esta revisão bibliográfica sobre cortisol e violência envolvendo adolescentes é inédita, nacional e internacionalmente, e mostra a tendência metodológica e os principais achados dos estudos na área. Sua análise mostra o crescente interesse e o conhecimento da comunidade científica internacional, a partir dos anos 2000, sobre a relação, destacando-se um maior volume de publicações nos últimos anos, especialmente nos Estados Unidos, o que aponta um certo ineditismo do tema no mundo. Vale destacar a crescente tendência de maior sofisticação dos protocolos desenvolvidos e a utilização de métodos mais robustos. Este cenário incrementa o conhecimento do tema e leva a resultados mais fidedignos6,17.
De modo geral, esta revisão da literatura demonstra claramente a seguinte tendência metodológica nos artigos analisados: o uso da saliva como principal fonte para a análise do cortisol, a duplicata da coleta da saliva, a coleta de várias amostras de uma mesma pessoa durante um dia, a utilização do imunoensaio enzimático na análise do cortisol, e a exposição do sujeito a uma situação realista e produzida em laboratório.
As opções metodológicas utilizadas estão diretamente relacionadas ao escopo da pesquisa, ao orçamento financeiro e à disponibilidade dos participantes. Por exemplo, um aspecto bastante crítico é em relação ao número de coletas numa mesma pessoa. Quanto maior o número de amostras maior é a confiabilidade do estudo. Outro ponto que apresenta grande variação entre os estudos se refere ao período do dia em que é feita a coleta, se pela manhã ou à tarde, o que induz à falta de consenso quanto ao momento mais adequado. A opção de realizar a coleta à tarde parece ser a mais indicada, sendo justificada pela menor variação de cortisol neste período do dia17,18,26.
Apesar da maioria dos artigos demonstrar que há, sim, uma alteração dos níveis de cortisol em adolescentes vítimas de violências, eles diferem enormemente quando comparados pela cronicidade, intensidade e tipos de situações de violência, além dos aspectos metodológicos. Não é consensual a direção da associação entre exposição à violência e nível de cortisol, e explicações distintas são dadas para o aumento e a redução do nível do hormônio. Um dos argumentos mais aceitos para a diversidade de resultados na relação entre violência e cortisol reside no fato dos estudos não levarem em consideração a expressão particular de cada indivíduo sobre sua experiência de vida e os episódios estressantes19. Outros autores afirmam que os indivíduos só expressam mudanças fisiológicas significativas após um tempo de exposição à situação estressora maior8. A explicação da associação positiva se dá pela abrupta ativação da resposta biológica à situação estressora, que, à longo prazo, deixa de ser protetivo e pode passar a ser tóxico ao metabolismo7. Por outro lado, estudiosos explicam que a redução dos níveis de cortisol em vítimas de violência pode gerar um fenômeno chamado hipocortisolismo, que pode representar má adaptação da pessoa em lidar com uma situação de ameaça e acarretar problemas de saúde futuros27,28. Heim et al.29 ainda acrescentam que o estresse precoce na vida pode alterar a resposta a este estado, tendo um efeito cumulativo nas situações agudas e atuais. Assim, Yehuda e Seckl30 hipotetizam sobre um sistema de retroalimentação negativo do eixo HPA, que poderia causar uma alteração do catabolismo de glicocorticóides como adaptação a níveis mais altos de cortisol em alguma fase anterior da sua vida.
Interessante perceber que na revisão aqui apresentada os dois artigos que mais se diferem dos demais em relação ao tipo de violência (religiosa e virtual) não encontraram associação com alterações dos níveis de cortisol. A não associação entre a exposição do adolescente a simulações realistas de jogos violentos de videogames e a alteração do cortisol pode estar relacionada a ausência de estresse da situação, que para o adolescente, pode ser muitas vezes uma atividade prazerosa, além de não realista. Outro argumento é que no jogo violento de videogame, o jogador adolescente é o autor do ato violento, que raramente se vitimiza, o que produz a uma relação inversa entre violência e nível de cortisol. No que se refere à violência religiosa, Victoroff et al.25 apontam a necessidade de aprofundamento do conhecimento de como aspectos do desenvolvimento humano, dos fatores psicológicos inatos e da exposição ao estresse prolongado, oriundo de conflitos entre grupos religiosos, interagem com questões biológicas.
Vale ressaltar que ser do sexo masculino ou feminino é uma questão importante a ser considerada na investigação sobre violência e cortisol. Kliewer24 explica que meninos que se envolvem em situações de violência tendem a se preocupar mais do que as meninas com as avaliações negativas dirigidas a eles e a terem mais preocupações com as perdas de relacionamentos que podem decorrer. Em comparação às meninas, eles tendem a ter menos recursos protetores e menos recursos internos para lidar com as situações de violência. Já em relação ao testemunho de violência, o significado também é distinto para meninos e meninas e consequentemente ao seu processamento. O testemunho da violência parece afetar o adolescente pela via que processa as informações sociais, enquanto que a vitimização direta parece afetar o ajustamento do jovem pela via desregulação emocional24. Harkness et al.19 ainda acrescentam que os problemas de saúde mental, como a depressão, podem mediar a relação entre violência e cortisol por questões biológicas, pessoais e sociais subjacentes.
Outro fator que chama a atenção nos estudos sobre cortisol e violência em adolescentes é a utilização de amostras de grupos populacionais com baixo nível socioeconômico14,17,18,24,25, o que pode resultar em viés de seleção, já que estas populações apresentam chances maiores de se defrontarem com situações estressantes, de terem uma saúde pior e mais dificuldade de acessar serviços de saúde2. Contudo, nenhum procedimento metodológico foi relatado pelos autores analisados com vistas a controlar possíveis vieses.
Uma questão transversal e que a dialoga com os achados desta revisão é o grave dano biológico, emocional e cognitivo que a violência pode acarretar no curso do desenvolvimento humano, configurando-se como questão de saúde pública, especialmente na área da infância e adolescência. A National Scientific Council on the Developing Child31 destaca que a cronicidade nas alterações do eixo HPA (Hipotálamo-Pituitária-Adrenal) pode afetar a rearquitetura cerebral de crianças que estão em desenvolvimento. O estresse tóxico já se mostrou associado ao déficit no desenvolvimento de estruturas cerebrais, ou seja, diminuição no tamanho das mesmas; assim como alterações nas respostas biológicas frente ao evento adverso, propiciando prejuízos no sistema autoimune e maior vulnerabilidade para o desenvolvimento de doenças físicas e mentais31-33.
Para finalizar, a maior fragilidade deste trabalho decorre da própria carência da área na padronização dos métodos e técnicas de análise de cortisol concomitante à violência, seja não explicitando claramente nos trabalhos o caminho metodológico empregado seja pelo conhecimento teórico ainda incipiente. Além disso, muito do que se sabe deste tema provém de amostras pequenas e de pesquisas com desenhos seccionais. Estudos que se utilizem de técnicas mais robustas, que aliem a abordagem qualitativa e que sejam desenvolvidos na América Latina e em outras regiões do mundo ainda se fazem necessários.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Abr 2017
Histórico
- Recebido
21 Set 2015 - Revisado
25 Maio 2016 - Aceito
27 Maio 2016