Políticas de fomento à ciência, tecnologia e inovação em saúde no Brasil e o lugar da pesquisa clínica

Marge Tenório Guilherme Arantes Mello Ana Luiza D’Ávila Viana Sobre os autores

Resumo

Este artigo tem o objetivo de agregar relevo a algumas questões de base que podem ser úteis em um amplo processo de revisão do tema para a gestão das políticas de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde (CT&I/S), bem como suas estratégias e prioridades. Trata-se de um ensaio analítico amparado por extensa revisão narrativa de literatura técnica, jornalística, legislação e portarias do governo federal. Como resultados conclui-se que o Complexo Produtivo da Saúde necessita, de modo indeclinável e crescente, da ciência para a sua manutenção. É possível inferir que vem sendo construído, no Brasil, um arcabouço de marcos institucionais que fortalece, orienta e incentiva as atividades de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) no país e que a investigação clínica gera conhecimento científico para a resolução dos agravos da saúde pública, a partir da geração de novos insumos ou incremento de técnicas, processos e tecnologias já existentes, que, por sua vez, serão produzidos, comercializados e empregados nos seus diferentes segmentos, alimentando, assim, todo o processo do Complexo Produtivo da Saúde.

Políticas; Planejamento e administração em saúde; Gestão de ciência tecnologia e inovação em saúde; Ensaios clínicos

Introdução

Este estudo aborda a estrutura do Sistema Nacional de Inovação em Saúde (SNIS), considerando que este representa a sua interface com o Sistema Único de Saúde (SUS), bem como o fato dessa conexão configurar um componente importante para os setores econômico e social do país.

Para entender o contexto da pesquisa clínica como janela de oportunidade de fomento à inovação, faz-se necessário, a priori, trazer o contexto histórico da criação do Departamento de Ciência e Tecnologia (Decit) no âmbito do Ministério da Saúde. Com esse intento, ainda demarcar determinados conceitos essenciais, ponderando-se que, enquanto estrutura formal promotora de diversas atividades relevantes – pesquisas, disseminação de conhecimento, desenvolvimento de produtos e processos –, essa estrutura interage e estabelece vínculos, aportando conhecimento e competência específicos, em busca de um desempenho efetivamente inovador11. Marques EC. Redes sociais e instituições na construção do Estado e da sua permeabilidade. Revista Brasileira de Ciências Sociais 1999; 14(41):45-67..

Desenha-se o arcabouço que promove a sustentabilidade das atividades de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) e ações regulatórias instaladas no Brasil, as políticas públicas implantadas para o seu fortalecimento, além das janelas de oportunidades criadas a partir dos arranjos em rede proporcionados pela pesquisa clínica – uma das estratégias para a produção de bens e serviços de saúde.

Assume-se o propósito de conferir relevo a algumas questões de base que podem ser úteis a um amplo processo de revisão do tema para a gestão das políticas de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde (CT&I/S), bem como suas estratégias e prioridades.

Em relação à abordagem acerca das possibilidades de rede, vínculo e colaborações, são apontados os atores protagonistas na indução de ações que suportam os processos. Apresentam-se ainda possíveis arranjos entre os grupos que compõem a Rede Nacional de Pesquisa Clínica, demonstrando os fatores a serem considerados para o estabelecimento de parcerias que fomentem e fortaleçam o sistema de CT&I/S no Brasil.

Trata-se de um ensaio analítico amparado em extensa revisão narrativa da literatura nacional e internacional relacionados a instrumentos e políticas voltadas ao fortalecimento da ciência, tecnologia e inovação em saúde no Brasil. Foram realizadas buscas não sistemáticas por artigos e teses nas principais bases de dados científicas, além da chamada literatura cinzenta. Outras fontes de dados incluíram capítulos de livros, textos técnicos e jornalísticos, legislação e portarias do governo federal. O texto representa um recorte da pesquisa de doutorado da autora principal, intitulada “A gestão de redes de pesquisa científica, tecnológica e de inovação em saúde no Brasil”.

O Sistema Nacional de Inovação em Saúde

Foi no final da década de 1980 que surgiu o conceito de Sistema Nacional de Inovação (SNI) em estudos realizados por Freeman22. Freeman C. Technology Policy and Economic Performance: Lesson from Japan. London: Pinter; 1987., com o propósito de explicar o desempenho econômico do Japão naquela época. Trata-se de um conjunto de diversas instituições voltadas à geração, incorporação, uso e difusão de conhecimento, tendo como fonte empresas, organizações e demais instituições envolvidas nesse processo22. Freeman C. Technology Policy and Economic Performance: Lesson from Japan. London: Pinter; 1987.. Também é explorado para explicar como o conhecimento e a inovação determinam a competitividade dos países, especialmente pelo fato desse novo conceito extrapolar o foco individualizado quando associado à análise das organizações. O surgimento desse conceito é atribuído aos estudos de Freeman22. Freeman C. Technology Policy and Economic Performance: Lesson from Japan. London: Pinter; 1987., Lundvall33. Lundvall BÅ. National systems of innovation: Toward a theory of innovation and interactive learning. London: Anthem Press; 2010. e Nelson44. Nelson RR. National innovation systems: a comparative analysis. Oxford: Oxford university press; 1993., apud Costa55. Costa LS. Análise da dinâmica de geração de inovação em saúde: a perspectiva dos serviços e do território [tese]. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2013..

Na sequência brasileira de fundamentação de SNIS, destaca-se o desenvolvimento de um arcabouço teórico a partir do qual se deriva o conceito que compõe o Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS)66. Gadelha CAG, Vargas MA, Maldonado JM, Barbosa PR. O Complexo Econômico-Industrial da Saúde no Brasil: formas de articulação e implicações para o SNI em saúde. Revista Brasileira de Inovação 2013; 12(2):251-282.,77. Gadelha CAG, Costa LS, Bahia L. Reflexões sobre saúde na agenda contemporânea do desenvolvimento. In: Costa LS, Bahia L, Gadelha CAG, organizadores Saúde, Desenvolvimento e Inovação. Rio de Janeiro: CEPESC; 2015. p. 43-69.. Este, por sua vez, é pautado em um projeto desenvolvimentista-social ao possibilitar a articulação entre inclusão social, consumo de massa, expansão do emprego e da renda, fortalecimento da estrutura produtiva, de processos de inovação e dos investimentos, culminando, assim, com a possibilidade de redução da dependência nacional, que, segundo Costa55. Costa LS. Análise da dinâmica de geração de inovação em saúde: a perspectiva dos serviços e do território [tese]. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2013.:

... o arcabouço político-institucional do CEIS é influenciado pela atuação do Estado (relações de poder, estrutura decisória e formulação de políticas implícitas e explícitas), instituições (desde as instituições formais de C&T e de educação, agências de fomento e órgãos de financiamento, por exemplo, até as de normas de conduta institucionalizada na sociedade), sociedade civil organizada (órgãos e associações de classe, por exemplo) e a população em geral.

Depreende-se, portanto, que a inovação na área da saúde envolve um campo de estudos de excelência, uma vez que possui capacidade para mobilizar infraestrutura de CT&I/S articulada com a base industrial, além de promover a sua consolidação. Ademais, é vista também como um processo político e social por fazer parte do planejamento estratégico do país, que visa à redução nacional da dependência de insumos para saúde produzidos no exterior, reforçando a economia política do país88. Cassiolato J, Lastres HMM. Inovação e sistemas de inovação: relevância para a área de saúde. Revista Eletrônica de Comunicação, Informação & Inovação em Saúde 2007; 1(1):153-162.,99. Botelho AJJ, Alves AS. As lacunas de inovação em Saúde no Brasil: entre a produção de ciência e tecnologia na saúde. In: Costa LS, Bahia L, Gadelha CAG, organizadores Saúde, Desenvolvimento e Inovação. Rio de Janeiro: CEPESC; 2015. p. 279-309..

Políticas e ações: a construção dos marcos regulatório e de incentivo à Ciência e Tecnologia

Entre os instrumentos e políticas que visam à sustentação das ações de CT&I/S, uma ênfase deve ser feita à Política Nacional de Ciência Tecnologia e Inovação para a Saúde (PNCTIS) em articulação com a Política Nacional de Saúde (PNS) e a Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (PNCTI). Isso, por se entender que seus eixos e estratégias são instrumentos facilitadores na interface entre as ações do Estado, do mercado e da comunidade científica, em prol do Sistema Único de Saúde (SUS)1010. Brasil. Ministério da Saúde (MS), Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Relatório de Gestão 2005 do Departamento de Ciência e Tecnologia. Brasília: Ed. Ministério da Saúde; 2007.,1111. Brasil. Ministério da Saúde (MS), Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Ciência e Tecnologia. Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde. Brasília: Ed. Ministério da Saúde; 2008..

A Agenda Nacional de Prioridades de Pesquisa em Saúde (ANPPS) compreende uma das estratégias da PNCTIS e assume o relevante papel de direcionar as ações de fomento à pesquisa e à formação de recursos humanos voltados para o SUS, de forma a potencializar esforços em direção às áreas que efetivamente integram o elenco estratégico do enfrentamento aos agravos da saúde pública local e nacionalmente.

A construção da ANPPS contou com ampla contribuição da comunidade científica, gestores do setor de saúde, bem como representantes do controle social nos segmentos da Saúde, Educação, Ciência e Tecnologia, além da área de Serviços Sociais. Nesse processo foi realizada uma série de seminários em nível municipal, estadual, regional, e nacional, culminando na 2ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia e Inovação para Saúde (CNCTIS) em 20041212. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Saúde no Brasil: Contribuições para a Agenda de Prioridades de Pesquisa. Brasília: Ed. Ministério da Saúde; 2006.

13. Brasil. Ministério da Saúde (MS), Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Relatório de Gestão 2006 do Departamento de Ciência e Tecnologia. Brasília: Ed. Ministério da Saúde; 2007.
-1414. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Ciência e Tecnologia. Agenda Nacional de Prioridades de Pesquisa em Saúde. Brasília: Ed. Ministério da Saúde; 2011..

A CNCTIS configurou-se em um instrumento político-democrático, levando em conta as seguintes características em sua construção: i) a situação de Saúde e as condições de vida da população brasileira – sistematizado na publicação Saúde no Brasil: contribuições para a Agenda de Prioridades de Pesquisa; ii) a definição de subagendas em pesquisa – realizada por um Comitê Técnico Assessor, composto por especialistas e gestores; iii) a definição de temas de pesquisa elencados por grupos de trabalho para discussão em cada subagenda1010. Brasil. Ministério da Saúde (MS), Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Relatório de Gestão 2005 do Departamento de Ciência e Tecnologia. Brasília: Ed. Ministério da Saúde; 2007.,1313. Brasil. Ministério da Saúde (MS), Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Relatório de Gestão 2006 do Departamento de Ciência e Tecnologia. Brasília: Ed. Ministério da Saúde; 2007..

Dessa forma, a ANPPS e a PNCTIS são os instrumentos norteadores para as ações de CT&I/S no âmbito da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE) do Ministério da Saúde.

Outra iniciativa que tem contribuído para uma mudança positiva no cenário de C&T no país foi a criação dos Fundos Setoriais em 1999, sob gestão da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Esse empreendimento assumiu ritmo acelerado a partir da disponibilização de um conjunto de instrumentos, políticas, programas e leis que são favoráveis ao SNI1515. Guimarães R. Desafios da pós-graduação em saúde humana no Brasil. Revista de Saúde Pública 2011; 45(1):1-13..

O Quadro 1 apresenta a seleção de uma síntese cronológica dos principais instrumentos e políticas que contribuem para o fortalecimento da CT&I/S, os quais se configuram como fortes aliados para o fomento à inovação na área de saúde.

Quadro 1
Distribuição dos principais instrumentos políticos relacionados ao desenvolvimento científico, à pesquisa, à capacitação científica e tecnológica e à inovação, por ordem cronológica.

Os instrumentos apresentados nesse quadro não se esgotam por si mesmo. Diversos outros instrumentos, a exemplo dos termos de cooperação firmados entre o MS e o MCTI, permitiram e têm facilitado a implementação de um conjunto de ações que favorecem o fortalecimento e colaboram para a intensificação das demandas de P&D/S e de CT&I/S, inclusive por promover maior confiabilidade para os atores envolvidos, tanto na geração de produtos e processos – as universidades, os centros de pesquisa e as empresas públicas ou privadas – quanto para os investidores e consumidores1616. Almeida-Andrade P. Avaliação da Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde: contribuições para a pesquisa & desenvolvimento em biotecnologia em saúde (2004 – 2014) [tese]. Brasília: Universidade de Brasília; 2015..

Por meio dessa análise, é possível inferir que vem sendo construído, no Brasil, um arcabouço de marcos institucionais com o intuito de fortalecer, orientar e incentivar as atividades P&D/S e de CT&I/S no país, além do fomento à articulação com as iniciativas do setor produtivo. Entretanto, é também preciso ressaltar o incremento em C&T proporcionado pelos: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), desde o início da década de 1950; Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo (Fapesp), iniciado em 1962; e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), a partir de 19711717. Guimarães R. Pesquisa no Brasil: a reforma tardia. São Paulo em Perspectiva 2002; 16(4):41-47..

Acredita-se que a articulação real entre os atores que permeiam essas políticas possa facilitar o acesso a resultados; atrair C&T estrangeiras para inovação no Brasil; bem como instrumentalizar o Estado para responder à crescente pressão social e do mercado por incorporação tecnológica de produtos de alto valor agregado no SUS1616. Almeida-Andrade P. Avaliação da Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde: contribuições para a pesquisa & desenvolvimento em biotecnologia em saúde (2004 – 2014) [tese]. Brasília: Universidade de Brasília; 2015..

O Departamento de Ciência e Tecnologia e o fomento à pesquisa

Na esfera federal, as atribuições de fomentar, acompanhar e avaliar os projetos de pesquisas em saúde são prerrogativas do Departamento de Ciência e Tecnologia (Decit) subordinado à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE) do MS, trata-se do principal agente responsável por fazer cumprir a PNCTIS, promovendo a articulação intersetorial no Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia em Saúde.

Após a 2ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde (CNCTIS), na qual foram aprovadas a PNCTIS e a ANPPS, o Decit passou a ser o protagonista na definição de prioridades para fomentar P&D em saúde no país, incorporando um importante diferencial frente ao modelo praticado anteriormente pelas agências de fomento, ao incluir no processo de definição de linhas de pesquisa a serem fomentadas representantes da comunidade científica e de segmentos do mercado, além de gestores de saúde1818. Guimarães R, Santos LMP, Angulo-Tuesta A, Serruya SJ. Defining and implementing a national policy for science, technology, and innovation in health: lessons from the Brazilian experience. Cad Saude Publica 2006; 22(9):1775-1785.,1919. Goldbaum M, Serruya SJ. O Ministério da Saúde e a política de ciência, tecnologia e inovação em saúde. Cad Saude Publica 2006; 22(3):470-471..

Em 2004, a cerimônia da 2ª CNCTIS – composta por conferências estaduais realizadas em todos estados, exceto Roraima, Tocantins e Goiás, e 307 conferências regionais e municipais – contou, em sua consolidação final, com 15 mil participantes, entre delegados, convidados e observadores. Além da aprovação da PNCTIS e da ANPPS, incluiu-se em sua pauta de discussões a necessidade de se refletir sobre as ferramentas que se detinha, à época, para operacionalizar o novo modelo de gestão da PNCTIS, sendo almejada a criação de um órgão de fomento para tal1212. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Saúde no Brasil: Contribuições para a Agenda de Prioridades de Pesquisa. Brasília: Ed. Ministério da Saúde; 2006.,2020. Brasil. Anais da II Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde. Brasília: Ed. Ministério da Saúde; 2005..

Frente a isso e sob o tema “Por que uma agência de fomento vinculada ao Ministério da Saúde?” o professor Reinaldo Guimarães – então diretor do Decit – apresentou um painel defendendo a criação de um órgão de fomento que contribuísse efetivamente com a implantação e execução da PNCTIS e da ANPPS, de forma a garantir maior efetividade aos processos. Mas, não houve consenso para aprovação da agência.

O Decit foi assim criado na estrutura da Secretaria Executiva do Ministério da Saúde em 2000, tendo sido integrado à SCTIE, quando da sua criação em 2003. Em sua atual estrutura funcional (Figura 1), conta com 61 profissionais especializados na área finalística da coordenação a qual pertence, sendo destes 30% doutores, 26% mestres, 31% especialistas, e os demais com graduação na área de saúde ou afim.

Figura 1
Organograma do Departamento de Ciência e Tecnologia (Decit).

O fomento no âmbito do Decit obteve sua efetividade e expansão, graças aos termos de cooperação firmados entre os Ministérios da Saúde e da Ciência, Tecnologia e Inovação. Esse ato tem possibilitado a transferência de recursos do Fundo Nacional da Saúde (FNS) para o Fundo Nacional de Desenvolvimento de Ciência e Tecnologia (FNDCT), permitindo, desse modo, que suas agências de fomento – CNPq e Finep – realizem todos procedimentos necessários à contratação de projetos induzidos pelo Decit.

É contumaz a menção sobre “casamento perfeito” para se referir a essa parceria, uma vez que o volume de recursos empenhados versus projetos contratados, advindos dessa cooperação ao longo desses anos (2004-2015), seria impensável sem a expertise inerente a essas agências. As modalidades de fomento praticadas pelo Decit se dividem em três tipos:

✔ Fomento Nacional: chamadas públicas que envolvem a concorrência livre de projetos de pesquisa temáticos, para as quais todas as instituições do país estão aptas a participar;

✔ Fomento descentralizado: chamadas públicas multitemáticas lançadas nos estados, envolvem a concorrência exclusiva para pesquisas das instituições locais. Nessa modalidade está inserido o Programa de Pesquisa para o SUS (PPSUS), cujas chamadas são construídas a partir das necessidades locais e de temas de pesquisas elencados pela comunidade científica também local, em parceria com a Secretaria estadual de Saúde (SES). A gestão desse programa é compartilhada com o CNPq e as Fundações de Amparo a Pesquisas (FAP) de cada estado. O PPSUS tem forte apelo junto à comunidade científica por contribuir para a redução da desigualdade em C&T, historicamente presente nas regiões do país; e

✔ Contratação Direta: modalidade de fomento que ocorre em casos de demandas de emergências de saúde pública ou especificidade, a exemplo da situação mais atual da contratação direta de projetos de pesquisa cujos objetos são o enfrentamento dos agravos pelo vírus Zika.

As contratações de pesquisas fomentadas pelo Decit podem ser de duas formas: por meio de contratos e convênios ou descentralização de recursos aos parceiros administradores. No caso dos convênios, estes são operados pelos sistema de gestão de convênios do governo – Gescon e Siconv – com o Fundo Nacional de Saúde; ou por meio da descentralização de recursos, nos casos das parcerias com as agências do MCTI (CNPq e Finep), com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) do Ministério da Educação (MEC), ou ainda com as Fundações de Amparo à Pesquisa (FAP) nos estados, por meio da descentralização de recursos ao CNPq que administra os convênios.

Nos últimos cinco anos (2011-2015), o Decit investiu recursos da ordem de 509 milhões de reais para a realização de 1.615 pesquisas, destas, 97% foram contratadas a partir de chamadas públicas. Esse investimento possibilitou a expansão e consolidação das seguintes iniciativas: Rede Nacional Pesquisa Clínica (RNPC), Rede Brasileira de ATS (Rebrats), Rede Nacional de Terapia Celular (RNTC), Rede Nacional de Pesquisas em Doenças Negligenciadas (RNPDN), Rede Nacional de Pesquisa sobre Políticas de Saúde (RNPPS), Rede Nacional de Pesquisas em Acidente Vascular Cerebral (RNPAVC), Rede Nacional de Pesquisa Clínica em Câncer (RNPCC), e Rede Nacional de Pesquisa em Doenças Cardiovasculares (RNPDC), além da cooperação técnica nacional e internacional; e o fortalecimento da ética – valorização da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e Comitês de Ética em Pesquisas (CEP).

Investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento

O legado de Joseph Schumpeter2323. Schumpeter JA. Development. In: Journal of Economic Literature 2005; 43:108-120. constitui referencial primordial na abordagem das relações que envolvem a inovação e o desenvolvimento econômico. De acordo com esse autor, o crescimento da economia transcorre como um processo dinâmico, sendo, antes de tudo, “um processo de destruição criadora”, dependendo fundamentalmente da geração e uso de inovações associadas aos processos envolvidos em sua difusão, tais como exploração de novos mercados e novas dinâmicas de negócios55. Costa LS. Análise da dinâmica de geração de inovação em saúde: a perspectiva dos serviços e do território [tese]. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2013.,2323. Schumpeter JA. Development. In: Journal of Economic Literature 2005; 43:108-120.,2424. Viana ALD, Ibañes N, Bousquat A, organizadores. Saúde desenvolvimento, ciência, tecnologia e Inovação. São Paulo: Hucitec-Cealag; 2012. p. 9-31..

Em suma, depreende-se desse contexto que as atividades PD&I/S geram oportunidades de investimento, emprego e renda, compondo, assim, um espaço ativo de desenvolvimento econômico surgido, segundo apontam Viana et al.2525. Viana ALD, Silva HP, Iozzi FL, Albuquerque MV. Políticas públicas para o desenvolvimento em saúde no Brasil. In: Andrade, LOM, Silva HP, Gadelha CAG, Costa L, Portela LES, organizadores. Conhecimento e inovação em Saúde: experiência do Brasil e Canadá. Campinas: Saberes Editora; 2012. p. 29-65., a partir de adaptações entre os subsistemas em momentos históricos distintos, robustecido ainda por uma interligação específica com a produção de insumos, medicamentos, equipamentos e materiais médicos, que hoje se apresenta como o principal eixo para a definição dos rumos da política de saúde em todo mundo.

No Brasil, historicamente, o financiador mais significativo de P&D tem sido o governo1616. Almeida-Andrade P. Avaliação da Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde: contribuições para a pesquisa & desenvolvimento em biotecnologia em saúde (2004 – 2014) [tese]. Brasília: Universidade de Brasília; 2015.,2424. Viana ALD, Ibañes N, Bousquat A, organizadores. Saúde desenvolvimento, ciência, tecnologia e Inovação. São Paulo: Hucitec-Cealag; 2012. p. 9-31.,2626. Quental C, Gadelha CAG, Fialho BDC. O papel dos Institutos Públicos de Pesquisa na inovação farmacêutica: O caso brasileiro. Biblioteca Digital de la Asociación Latino-Iberoamericana de Gestión Tecnológica 2001; 1(1).. Nos países desenvolvidos, entretanto, o investimento privado na área continua crescendo em relação às taxas do investimento público que oscilam entre 2% a 4% do PIB, conforme apresentado no Gráfico 1. O investimento público brasileiro tem-se mantido mais ou menos estável desde 2008, enquanto o setor privado aumentou ligeiramente a sua contribuição2727. Unesco Science Report: towards 2030. (2015). [acessado 2016 abr 26] Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0023/002354/235406e.pdf
http://unesdoc.unesco.org/images/0023/00...
. Quanto aos investimentos privados, percebe-se, ainda, que o Brasil frente ao bloco de países BRICS se encontra em segunda posição, dos quais a China é o que mais recebe esse tipo de incentivo.

Gráfico 1
Representação dos percentuais de investimentos em Pesquisa e desenvolvimento nos países, frente aos aportes públicos e privados em relação aos seus Produtos Internos Brutos.

Segundo o relatório de “Ciências da Unesco: Rumo a 2030”:

Ao manter uma forte demanda por commodities para alimentar seu crescimento rápido, a China resguardou as economias exportadoras de recursos, desde 2008, da queda da demanda da América do Norte e da UE. Em última análise, no entanto, o “boom” cíclico em commodities chegou ao fim, revelando deficiências estruturais, particularmente no Brasil e na Federação Russa2727. Unesco Science Report: towards 2030. (2015). [acessado 2016 abr 26] Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0023/002354/235406e.pdf
http://unesdoc.unesco.org/images/0023/00...
.

No Brasil, as despesas com medicamentos e similares são bastante representativas. Na Tabela 1 é possível comparar o gasto total com medicamentos e investimentos em P&D na área de Assistência Farmacêutica pelo Ministério da Saúde frente ao percentual do orçamento total do MS ao longo de cinco anos.

Tabela 1
Evolução orçamentária dos gastos com medicamentos no Ministério da Saúde.

Acredita-se que fomentar CT&I na área de medicamentos, fármacos e insumos para saúde, vem ao encontro das políticas e instrumentos criados para fortalecimento da área, sendo que essa premissa é sustentada por Vargas et al.2828. Vargas MA, Gadelha CAG, Maldonado JM, Costa LS, Quental C. Indústrias de Base Química e a Biotecnologia Voltadas para a Saúde no Brasil: panorama atual e perspectivas para 2030. In: Fiocruz. A saúde no Brasil em 2030 - prospecção estratégica do sistema de saúde brasileiro: desenvolvimento produtivo e complexo da saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz, Ipea, Ministério da Saúde, Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República; 2013. p. 31-78. quando se manifestam sobre o envolvimento de vários atores em prol da retomada do crescimento da base produtiva nacional:

[...] envolve a crescente articulação entre a política industrial e tecnológica e a área da saúde, associada ao processo de retomada de políticas de crescimento, refletindo o reconhecimento da forte interface da saúde com as novas plataformas tecnológicas ligadas à biotecnologia, nanotecnologia e química fina avançada, e de sua importância na base produtiva industrial [...]2828. Vargas MA, Gadelha CAG, Maldonado JM, Costa LS, Quental C. Indústrias de Base Química e a Biotecnologia Voltadas para a Saúde no Brasil: panorama atual e perspectivas para 2030. In: Fiocruz. A saúde no Brasil em 2030 - prospecção estratégica do sistema de saúde brasileiro: desenvolvimento produtivo e complexo da saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz, Ipea, Ministério da Saúde, Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República; 2013. p. 31-78..

Nesse sentido uma das áreas estratégicas para fomentar uma inovação que resulte em novos medicamentos para a população, fazendo a ponte entre pesquisa biotecnológica e produção – a pesquisa clínica –, converge com o debate que engloba a produção de C&T para geração de insumos voltados ao enfrentamento aos agravos à saúde, ou seja, cria-se uma interface entre inovação e produção com assistência. O Estado, então, com sua função de intermediador, formula e aplica ações que geram desenvolvimento para o aparato social2929. Viana ALD, Fonseca AMM. Estado de crise: dimensões política e social da crise atual no brasil e no exterior. Bem comum, esfera pública e ética como sentido e nexos da universalidade. Revista Continentes 2016; 1(7):106 -120..

Ao contrário de outros produtos do mercado, tais como eletrônicos, alimentos, etc., a saúde é um bem público, também sujeito à falha de mercado, mas que, entretanto, envolve a vida humana, o bem maior3030. Vianna CMM, Kropf M, Rodrigues MPS, Mosegui GB. Interesses produtivos e sociais da saúde no âmbito do sistema nacional de inovação: uma análise da experiência do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia. In: Costa LS, Bahia L, Gadelha CAG, organizadores. Saúde, Desenvolvimento e Inovação. Rio de Janeiro: CEPESC; 2015. p. 173-201..

Partindo-se dessa premissa, justifica-se o compromisso do Estado de não abdicar do seu papel regulador, disponibilizando mecanismos de controle e vigilância que possam garantir a segurança dos produtos para saúde (medicamentos, fármacos e demais insumos) mesmo que o próprio Estado seja o fomentador da produção3030. Vianna CMM, Kropf M, Rodrigues MPS, Mosegui GB. Interesses produtivos e sociais da saúde no âmbito do sistema nacional de inovação: uma análise da experiência do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia. In: Costa LS, Bahia L, Gadelha CAG, organizadores. Saúde, Desenvolvimento e Inovação. Rio de Janeiro: CEPESC; 2015. p. 173-201.. Para manter o processo produtivo em saúde, considera-se, então, a necessidade de se envolver vários atores articulados em redes, construídas por intencionalidade nesse contexto, sem, no entanto, abrir mão da segurança e do cuidado a ser dedicado aos indivíduos.

Contribuindo com o contexto, Vianna et al.3030. Vianna CMM, Kropf M, Rodrigues MPS, Mosegui GB. Interesses produtivos e sociais da saúde no âmbito do sistema nacional de inovação: uma análise da experiência do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia. In: Costa LS, Bahia L, Gadelha CAG, organizadores. Saúde, Desenvolvimento e Inovação. Rio de Janeiro: CEPESC; 2015. p. 173-201. escreveram:

Ao longo do tempo, tanto as motivações produtivas quanto as sociais da saúde foram construídas sobre as discussões que envolviam de um lado a PD&I, e do outro, a ética, os direitos e a garantia de acesso aos serviços de saúde de qualidade. Ao longo do tempo, a compreensão de como esses interesses se relacionavam foi decisiva para a construção de políticas ou de mecanismos para integrá-las.

Particularidades da pesquisa clínica

As prioridades em torno da pesquisa clínica podem ser contempladas em todas as 24 subagendas da ANPPS. Trata-se de uma estratégia que transversalmente perpassa todas as subagendas da ANPPS.

Os nichos com potencial elevado de sucesso são: produção de vacinas, imunobiológicos e novas tecnologias para diagnóstico. Novos produtos para tratamento, prevenção e promoção, tais como fitoterápicos, fármacos e medicamentos, hemoderivados, medicamentos homeopáticos e insumos para práticas complementares de promoção e prevenção à saúde1111. Brasil. Ministério da Saúde (MS), Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Ciência e Tecnologia. Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde. Brasília: Ed. Ministério da Saúde; 2008.,2828. Vargas MA, Gadelha CAG, Maldonado JM, Costa LS, Quental C. Indústrias de Base Química e a Biotecnologia Voltadas para a Saúde no Brasil: panorama atual e perspectivas para 2030. In: Fiocruz. A saúde no Brasil em 2030 - prospecção estratégica do sistema de saúde brasileiro: desenvolvimento produtivo e complexo da saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz, Ipea, Ministério da Saúde, Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República; 2013. p. 31-78..

Apesar da inquestionável relevância da ANPPS enquanto estratégia para implantação da equidade na distribuição de recursos para a pesquisa faz-se igualmente fundamental considerar que, embora seja desejável, nem sempre os profissionais estão preparados para consumir resultados. Aproximar as atividades de quem faz pesquisa com as ações de quem faz política pode ser uma estratégia a ser considerada3131. Carvalho ECD, Laus AM, Caliri MHL, Rossi LG. Da produção à utilização de resultados de pesquisa na prática assistencial: uma experiência em consolidação. Revista Brasileira de Enfermagem 2010; 63(5):853-858.,3232. Silva R, Caetano R. Um exame dos fluxos financeiros do Ministério da Saúde em pesquisa e desenvolvimento (2003-2005), segundo a Agenda Nacional de Prioridades de Pesquisa em Saúde. Cad Saude Publica 2011; 27(4):687-700..

A prática da pesquisa clínica desenvolvida nas universidades e institutos de ensino e pesquisa contribui com essa premissa, uma vez que, disponibiliza nas instituições oportunidades de formação e capacitação aos profissionais da saúde, intercâmbio técnico e científico, desenvolvimento e aprimoramento dos métodos de ensino e pesquisa, além de novas opções terapêuticas aos pacientes, que podem ser usadas pelo gestor hospitalar para auxiliar na reorientação das atividades tanto de ensino e pesquisa quanto de assistência. De acordo com o National Institutes of Health (NIH)3333. National Institutes of Health (NIH) [acessado 2016 jun 21]. Disponível em: http://grants.nih.gov/grants/glossary.htm#ClínicalResearch
http://grants.nih.gov/grants/glossary.ht...
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Pesquisa Clínica são aquelas conduzidas com participantes humanos (ou em materiais de origem humana como tecidos, espécimes ou fenômenos cognitivos), na qual um investigador (ou membros de equipe) interage diretamente com os participantes. Excluem-se dessa definição os estudos “in vitro” que utilizam tecidos humanos que não podem ser associados a um indivíduo vivo. A pesquisa clínica inclui: (a) mecanismos de doença humana; (b) intervenções terapêuticas; (c) ensaios clínicos; ou (d) desenvolvimento de novas tecnologias.

A pesquisa clínica é também usada pelo gestor de saúde para tomada de decisões, por meio da realização de estudos, como complementação de evidências científicas para subsidiar a tomada de decisões comuns à prática de Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS). Essa prática tem como premissa o estabelecimento de diretrizes e protocolos clínicos, regulação de preços de medicamentos e política formal de avaliação, incorporação e gestão de tecnologias no âmbito do SUS3434. Elias FTS. A importância da Avaliação de Tecnologias para o Sistema Único de Saúde. BIS. Boletim do Instituto de Saúde (Impresso) 2013;14(2):143-150..

Quanto aos ensaios clínicos, trata-se de uma das modalidades/tipos da pesquisa clínica que objetivam avaliar em humanos a eficácia e a segurança de produtos e procedimentos médicos, para que sejam passíveis de uso na prática médica. São, em sua maioria, estudos multicêntricos, multi-institucionais e algumas vezes multissetoriais, e até multinacionais, conforme o grau de complexidade envolvido nos processos em questão.

Envolvem ainda centros de excelência com profissionais altamente treinados, com protocolos de pesquisas elaborados sob rígidos critérios éticos, de boas práticas clínicas e bases sólidas de conhecimento respaldado por estudos anteriores, bem como de conhecimento associado à evolução da doença, que é o foco da pesquisa.

Todo o processo de um ensaio clínico, desde o planejamento até o fechamento do estudo, obedece à regulamentação bem definida pelos órgãos de proteção dos direitos dos participantes (Conep e Anvisa), visando à obtenção de resultados com elevada qualidade científica3535. Dainese SM, Goldbaum M. Pesquisa clínica como estratégia de desenvolvimento em saúde. Revista da Associação Médica Brasileira 2012; 58(1):2-6.,3636. Quental C, Salles Filho S. Ensaios clínicos: capacitação nacional para avaliação de medicamentos e vacinas. Revista brasileira de Epidemiologia 2006; 9(4):408-424.. Esses estudos são realizados por fases conforme ilustra a Figura 2. À medida que os resultados gerados são positivos o estudo avança para fase seguinte.

Figura 2
Fases do Processo de Pesquisa e Desenvolvimento.

Apresentam-se as particularidades que cada fase de ensaio clínico necessita cumprir para a esperada obtenção de resultados cientificamente robustos e confiáveis. São dados gerais, uma vez que, na situação de ensaios clínicos de medicamentos para algumas patologias, determinadas particularidades devem ser observadas, como, por exemplo, no complexo caso do câncer.

Estima-se que para um novo fármaco/medicamento entrar no mercado são necessários investimentos de aproximadamente U$ 1 bilhão e pelo menos dez anos de P&D. Isso acaba por induzir, necessariamente, o estabelecimento de acordos multissetoriais, que envolvam governo, agências de fomento, universidades, hospitais, etc., para se firmar parcerias público-privadas (PPP)3030. Vianna CMM, Kropf M, Rodrigues MPS, Mosegui GB. Interesses produtivos e sociais da saúde no âmbito do sistema nacional de inovação: uma análise da experiência do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia. In: Costa LS, Bahia L, Gadelha CAG, organizadores. Saúde, Desenvolvimento e Inovação. Rio de Janeiro: CEPESC; 2015. p. 173-201..

Considerações finais

A discussão apresentada neste estudo perpassa por importantes marcos teóricos constituídos ao longo dos anos, os quais contribuem para a compreensão e o apontamento de que elementos foram fortalecidos no setor da CT&I/S e da PD&I/S, e de que maneira é possível aproveitar as janelas de oportunidades que se abrem frente ao direcionamento inerente a cada um deles.

Sobre os marcos analisados, revela-se inegável o esforço do governo federal em disponibilizar instrumentos para fomentar a área produtiva da saúde. Uma questão instigante refere-se à possibilidade de conflito de interesses entre as empresas privadas e a saúde pública (mercado x Estado).

Nesse intento, é essencial compreender o que representam a ciência, a tecnologia e a inovação na dinâmica dos atores. Por exemplo, trazer a indústria farmacêutica, para as parcerias de desenvolvimento de ensaios clínicos, aproveitando a estrutura criada no âmbito da RNPC, pode ser uma estratégia para fortalecer o necessário desenvolvimento da pesquisa clínica no país.

Nesse cenário científico em torno da pesquisa clínica tem-se como “ator-chave” o pesquisador-empreendedor que mobiliza os membros da comunidade científica na identificação de expertises comuns para a formação de redes de colaboração, conseguindo estabelecer parcerias com o governo e o setor privado, criando-se, desse modo, uma “estrutura de gestão compartilhada”.

Desse contexto depreende-se que as colaborações, em forma de rede, como reportado por Martins3838. Martins WJ. Gestão estratégica das redes cooperativas de ciência, tecnologia e inovação em saúde: um modelo para o desenvolvimento socioeconômico e a sustentabilidade do SUS [tese]. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2013., potencializam a incorporação e o compartilhamento de conhecimentos nos processos de produção. Somado a isso, relacionam-se ainda com cada ator ao firmar parceria e compartir seus recursos, possibilitando a direcionalidade estratégica no sentido de compor a missão, os objetivos e as funções desse tipo de vínculo, os quais se expressam na agenda de prioridades definida pelo SUS.

É dedutível que o Complexo Produtivo da Saúde necessita, de modo indeclinável e crescente, da ciência para a sua manutenção. E a pesquisa clínica gera conhecimento científico para resolução dos agravos da saúde pública, a partir de subsídios voltados à geração de novas tecnologias ou incremento de técnicas, processos e tecnologias já existentes, que, por sua vez, serão produzidos, comercializados e empregados nos seus diferentes segmentos, alimentando, assim, todo o processo do CEIS.

Esse movimento culmina com o entendimento de Dal Poz3939. Dal Poz MES. Redes de inovação em biotecnologia: genômica e direitos de propriedade intelectual [tese]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2006. e o amparo da Teoria Ator-Rede de Latour4040. Latour B. Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador: Edufba; 2012., o qual, ao abordar as fronteiras de uma rede, alerta para que não as limite ao número de atores, mas ao ambiente delimitado pelo fluxo de artefatos que circulam e permitem compartilhar, inclusive, recursos financeiros. Tal ambiente nada mais é do que o SNI, com seu conjunto de políticas de C&T, regimes tecnológicos e regulatórios. Essa ideia abrange as redes e seus vínculos.

Dessa maneira, avaliar tais interrelações, no contexto deste artigo, é também considerar os progressivos fortalecimento e extensão da interação do sistema de pesquisa e desenvolvimento com o segmento produtivo da saúde, bem como suas capacidades de financiamento e de gestão da estrutura regulatória do Estado.

Agradecimentos

Ao CNPq pela Bolsa GD.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Maio 2017

Histórico

  • Recebido
    02 Jul 2016
  • Revisado
    12 Set 2016
  • Aceito
    05 Dez 2016
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