Resumo
Estressores do trabalho afetam a capacidade para o trabalho (CT) e o aumento da idade associa-se ao envelhecimento funcional. Foi avaliado se diferentes estressores afetam a CT de profissionais de enfermagem jovens e em envelhecimento. Uma coorte (2009-2011) de 304 trabalhadores de um hospital de São Paulo respondeu aos questionários Desequilíbrio Esforço-Recompensa (ERI), Escala Estresse no Trabalho (EET), Atividades que contribuem para dor/lesão (WRAPI) e Índice de Capacidade para o Trabalho (ICT). Mudanças na exposição aos estressores nos grupos etários (< 45 anos e ≥ 45anos) foram comparadas ao delta-ICT (diferença na pontuação inicial e final) pelo teste Mann-Whitney. Houve piora no delta-ICT (p = 0,609), sem diferença entre os dois grupos etários. Nos jovens a intensificação dos estressores ERI (p = 0,004), excesso de comprometimento (p = 0,002), apoio social (p = 0,014) e WRAPI (p = 0,004) associou-se à diminuição da CT e nos mais velhos apenas o ERI (p = 0,047). A CT dos jovens sofreu efeito da intensificação de vários estressores, enquanto a CT dos mais velhos recebeu influência apenas do desequilíbrio esforço-recompensa, indicando que ações de intervenção devem ser diferenciadas para os grupos etários.
Avaliação da capacidade para o trabalho; Carga de trabalho; Ambiente de trabalho; Condições de trabalho; Saúde do trabalhador
Introdução
As questões do envelhecimento funcional ganharam relevância a partir da década de 1980 em função do envelhecimento populacional, das mudanças sociais e no mundo do trabalho e do maior tempo de permanência das pessoas no mercado de trabalho11. Tuomi K, Ilmarinen J, Martikainen R. Aging, work, life-style and work ability among Finnish municipal workers in 1981-1992. Scand J Work Environ Health 1997; 23(Supl. 1):58-65.
2. Ilmarinen J. Maintaining work ability. In: Towards a longer worklife! Ageing and the quality of worklife in the European Union. Helsinki: Finnish Institute of Occupational Health; 2006. p.132-148.
3. Ilmarinen J. Promoting active ageing in the workplace. Bilbao: European Agency for Safety and Health at Work; 2012.
4. Cloostermans L, Bekkers MB, Uiters E, Proper K. The effectiveness of interventions for ageing workers on (early) retirement, work ability and productivity: a systematic review. Int Arch Occup Environ Health 2015; 88(5):521-532.
5. Ilmarinen J. Aging and work. Occup Environ Med. 2001; 58:546-551.-66. Martinez MC, Latorre MRDDO, Fischer FM. A cohort study of psychosocial work stressors on work ability among Brazilian hospital workers. Am J Ind Med 2015; 58(7):795-806.. Desta forma, tópicos como a manutenção da empregabilidade de trabalhadores em fase de envelhecimento, a produtividade no trabalho, a sustentabilidade dos sistemas previdenciários e a promoção da saúde do trabalhador impulsionaram os estudos sobre capacidade para o trabalho11. Tuomi K, Ilmarinen J, Martikainen R. Aging, work, life-style and work ability among Finnish municipal workers in 1981-1992. Scand J Work Environ Health 1997; 23(Supl. 1):58-65.
2. Ilmarinen J. Maintaining work ability. In: Towards a longer worklife! Ageing and the quality of worklife in the European Union. Helsinki: Finnish Institute of Occupational Health; 2006. p.132-148.
3. Ilmarinen J. Promoting active ageing in the workplace. Bilbao: European Agency for Safety and Health at Work; 2012.
4. Cloostermans L, Bekkers MB, Uiters E, Proper K. The effectiveness of interventions for ageing workers on (early) retirement, work ability and productivity: a systematic review. Int Arch Occup Environ Health 2015; 88(5):521-532.
5. Ilmarinen J. Aging and work. Occup Environ Med. 2001; 58:546-551.-66. Martinez MC, Latorre MRDDO, Fischer FM. A cohort study of psychosocial work stressors on work ability among Brazilian hospital workers. Am J Ind Med 2015; 58(7):795-806.. A importância da promoção da capacidade para o trabalho como estratégia para promoção da saúde é reconhecida, em especial em sociedades em fase de envelhecimento populacional11. Tuomi K, Ilmarinen J, Martikainen R. Aging, work, life-style and work ability among Finnish municipal workers in 1981-1992. Scand J Work Environ Health 1997; 23(Supl. 1):58-65.
2. Ilmarinen J. Maintaining work ability. In: Towards a longer worklife! Ageing and the quality of worklife in the European Union. Helsinki: Finnish Institute of Occupational Health; 2006. p.132-148.-33. Ilmarinen J. Promoting active ageing in the workplace. Bilbao: European Agency for Safety and Health at Work; 2012..
A capacidade para o trabalho é entendida como a condição do trabalhador para desempenhar seu trabalho, em função das exigências deste, de seu estado de saúde e de sua capacidade física e mental11. Tuomi K, Ilmarinen J, Martikainen R. Aging, work, life-style and work ability among Finnish municipal workers in 1981-1992. Scand J Work Environ Health 1997; 23(Supl. 1):58-65.
2. Ilmarinen J. Maintaining work ability. In: Towards a longer worklife! Ageing and the quality of worklife in the European Union. Helsinki: Finnish Institute of Occupational Health; 2006. p.132-148.-33. Ilmarinen J. Promoting active ageing in the workplace. Bilbao: European Agency for Safety and Health at Work; 2012.,77. Tuomi K, Ilmarinen J, Jahkola A, Katajarinne L, Tulkki A. Índice de capacidade para o trabalho. São Carlos: EduFSCar; 2005.,88. Martinez MC, Latorre MRDO, Fischer FM. Validity and reliability of the Brazilian version of the Work Ability Index questionnaire. Rev Saude Publica 2009; 43(3):55-61.. O envelhecimento funcional, caracterizado pelo comprometimento da capacidade para o trabalho, resulta da interação complexa de diversos fatores, incluindo características sociodemográficas, estado de saúde, valores, competências e características do trabalho11. Tuomi K, Ilmarinen J, Martikainen R. Aging, work, life-style and work ability among Finnish municipal workers in 1981-1992. Scand J Work Environ Health 1997; 23(Supl. 1):58-65.
2. Ilmarinen J. Maintaining work ability. In: Towards a longer worklife! Ageing and the quality of worklife in the European Union. Helsinki: Finnish Institute of Occupational Health; 2006. p.132-148.-33. Ilmarinen J. Promoting active ageing in the workplace. Bilbao: European Agency for Safety and Health at Work; 2012.,66. Martinez MC, Latorre MRDDO, Fischer FM. A cohort study of psychosocial work stressors on work ability among Brazilian hospital workers. Am J Ind Med 2015; 58(7):795-806.,99. Hasselhorn HM, Conway PM, Widerszal-Bazyl M, Simon M, Tackenberg P, Schmidt S, Camerino D, Müller BH, NEXT-Study Group. Contribution of job strain to nurses’ consideration of leaving the profession—results from the longitudinal European nurses’early exit study. Scand J Work Environ Health; 2008; 6(Supl.):75-82.. A elevação da idade é apontada como um fator de risco para a capacidade para o trabalho e as relações entre o envelhecimento cronológico e o funcional são identificadas em diversos estudos, podendo ser mediadas por outros fatores33. Ilmarinen J. Promoting active ageing in the workplace. Bilbao: European Agency for Safety and Health at Work; 2012.,66. Martinez MC, Latorre MRDDO, Fischer FM. A cohort study of psychosocial work stressors on work ability among Brazilian hospital workers. Am J Ind Med 2015; 58(7):795-806.,1010. Fischer FM, Martinez MC. Work ability among hospital food service professionals: multiple associated variables require comprehensive intervention. Work 2012; 41(Supl. 1):3746-3752.
11. Ilmarinen J, Tuomi K, Klockars M. Changes in the work ability of active employees over an 11-year period. Scand J Work Environ Health 1997; 17(Supl. 1):49-57.-1212. Seitsamo J, Klockars M. Ageing and changes in health. Scand J Work Environ Health 1997; 23(Supl. 1):27-35..
O comprometimento da capacidade para o trabalho tem valor preditivo para afastamento por adoecimento em trabalhadores jovens1313. Kujala V, Remes J, Laitinen J. Regional differences in the prevalence of decreased work ability among young employees in Finland. Int J Circumpolar Health 2005; 65(2):169-177. e para abandono precoce da profissão entre trabalhadores com idade mais elevada1414. Camerino D, Conway PM, Van Der Hei Jden BIJM, Estryn-Behar M, Consonni D, Gould D, Hasselhorn HM & The Next-Study Group. Low-perceived work ability, ageing and intention to leave nursing: a comparison among 10 European countries J Adv Nursing 2006; 56(5):542-552.. Trabalhadores de diferentes faixas etárias podem estar submetidos a distintos estressores, seja pela posição hierárquica que ocupam nas organizações, seja pelas atividades desenvolvidas durante o trabalho e/ou pelas estratégias de enfrentamento nas situações de constrangimento com que se deparam no trabalho cotidiano33. Ilmarinen J. Promoting active ageing in the workplace. Bilbao: European Agency for Safety and Health at Work; 2012.,66. Martinez MC, Latorre MRDDO, Fischer FM. A cohort study of psychosocial work stressors on work ability among Brazilian hospital workers. Am J Ind Med 2015; 58(7):795-806.,1111. Ilmarinen J, Tuomi K, Klockars M. Changes in the work ability of active employees over an 11-year period. Scand J Work Environ Health 1997; 17(Supl. 1):49-57.. A literatura enfatiza a necessidade de prioridades e formas diferenciadas de intervenção para a promoção e proteção da capacidade para o trabalho em trabalhadores em fase de envelhecimento22. Ilmarinen J. Maintaining work ability. In: Towards a longer worklife! Ageing and the quality of worklife in the European Union. Helsinki: Finnish Institute of Occupational Health; 2006. p.132-148.,33. Ilmarinen J. Promoting active ageing in the workplace. Bilbao: European Agency for Safety and Health at Work; 2012.,1515. Ilmarinen J. 30 years’ work ability and 20 years age management. In: Age Management During the Life Course Proceedings of the 4th Symposium on Work Ability. Tampere: University Press; 2011. p.12-22..
São escassos os estudos entre trabalhadores com diferentes faixas etárias e/ou com desenho longitudinal e, em especial, entre trabalhadores de enfermagem. O trabalho de enfermagem é caracterizado por estressores decorrentes das cargas físicas e mentais que são associados a desfechos negativos, como abandono da profissão, lesões e adoecimento, absenteísmo, insatisfação no trabalho, prejuízo na qualidade de vida e comprometimento da capacidade para o trabalho44. Cloostermans L, Bekkers MB, Uiters E, Proper K. The effectiveness of interventions for ageing workers on (early) retirement, work ability and productivity: a systematic review. Int Arch Occup Environ Health 2015; 88(5):521-532.,66. Martinez MC, Latorre MRDDO, Fischer FM. A cohort study of psychosocial work stressors on work ability among Brazilian hospital workers. Am J Ind Med 2015; 58(7):795-806.,99. Hasselhorn HM, Conway PM, Widerszal-Bazyl M, Simon M, Tackenberg P, Schmidt S, Camerino D, Müller BH, NEXT-Study Group. Contribution of job strain to nurses’ consideration of leaving the profession—results from the longitudinal European nurses’early exit study. Scand J Work Environ Health; 2008; 6(Supl.):75-82.,1616. Silva AA, Souza JMP, Borges FNS, Fischer FM. Health-related quality of life and working conditions among nursing providers. Rev Saude Publica 2010; 44(4):718-725.
17. Fischer FM, Martinez MC. Individual features, working conditions and work injuries are associated with work ability among nursing professionals. Work 2013; 45(4):509-517.
18. Silva FJ, Felli VEA, Martinez MC, Mininel VA. A fadiga em trabalhadores de enfermagem, o presenteísmo e a (in)capacidade para o trabalho. In: Felli VEA, Baptista PCP, organizadoras. Saúde do trabalhador de enfermagem. Barueri: Manole; 2015. p. 289-304.-1919. Lindegård A, Larsman P, Hadzibajramovic E, Ahlborg Junior G. The influence of perceived stress and musculoskeletal pain on work performance and work ability in Swedish health care workers. Int Arch Occup Environ Health 2014; 87(4):373-379.. Assim, consideramos que é relevante verificar se a ação dos estressores sobre a capacidade para o trabalho difere segundo faixas etárias.
Este artigo verifica as modificações ocorridas na capacidade de trabalho ao longo de um seguimento de 2 anos, entre trabalhadores de enfermagem, bem como avaliar os estressores e sua associação com as modificações da capacidade de trabalho, segundo a faixa etária dos participantes.
Método
Trata-se de um estudo de coorte com 2 anos de seguimento (2009-2011), conduzido em um hospital filantrópico, de porte médio e alta complexidade, com certificação de qualidade pela Joint Commission International, da cidade de São Paulo, Brasil.
No momento inicial (2009), todos os 613 profissionais de enfermagem ativos do quadro de pessoal foram convidados a participar do estudo. Foram consideradas perdas as situações em que os trabalhadores não participaram por estar em férias, não responderam o questionário ou o fizeram de forma incompleta ou quando não assinaram o termo de compromisso. Dos elegíveis, 514 trabalhadores (83,8%) participaram desta etapa. Não houve diferença entre os participantes e os não participantes em termos de sexo, idade e função. Também não houve diferença quanto ao indicador de capacidade para o trabalho inicial (p = 0,77). Houve diferença estatisticamente significativa quanto à média do tempo de trabalho (6,3 anos vs.7,9 anos, p = 0,013). Participantes também diferiram dos não participantes quanto ao setor de trabalho (p < 0,001): houve menor adesão no Centro de Material e Centro Cirúrgico e nas Unidades de Internação de Crônicos. Do grupo inicial de participantes, 204 trabalhadores não participaram do seguimento em 2011, e foram excluídos 6 trabalhadores que foram transferidos para uma função fora da enfermagem, sendo que a participação final foi de 304 pessoas (59,1% daqueles que participaram no momento inicial).
A coleta de dados foi realizada por meio de um questionário autoaplicável. A primeira parte do instrumento continha questões sobre características sociodemográficas, estilo de vida e características funcionais: sexo, idade, estado conjugal, nível educacional, renda familiar mensal, responsabilidade sobre crianças em fase de crescimento, consumo de álcool, tabagismo, peso e altura (para composição do índice de massa corporal), prática de atividade física, idade de ingresso na força de trabalho, tempo na empresa, tempo de trabalho na enfermagem, turno de trabalho, setor de trabalho, carga horária semanal total (no hospital, em outro emprego e em atividades domésticas), segundo emprego, violência no trabalho, história recente de doença no trabalho e de acidentes no trabalho. A segunda parte do instrumento incluiu a versão do Job Content Questionnaire (Job Stress Scale - JSS), baseado no modelo Demanda-Controle, validada para uso no Brasil2020. Alves MGM, Chor D, Faerstein E, Lopes CS, Wenerck GL Versão resumida da “job stress scale”: adaptação para o português. Rev Saude Publica 2004; 38(2):164-171.. Por meio das escalas demanda, controle e apoio social, o JSS avalia o desgaste decorrente de estressores do ambiente psicossocial do trabalho. A terceira parte do instrumento incluiu a versão brasileira do Effort-Reward Imbalance Questionnaire – ERI2121. Chor D, Werneck GL, Faerstein E, Alves MGM, Rotenberg L. The Brazilian version of the effort-reward imbalance questionnaire to assess job stress. Cad Saude Publica 2008; 24(1):219-224., cujas variáveis desequilíbrio esforço-recompensa e excesso de comprometimento também são usadas para avaliar estressores do ambiente psicossocial do trabalho. A quarta parte foi a versão validada para uso no Brasil do questionário Work-Related Activities That May Contribute To Job-Related Pain and/or Injury – WRAPI2222. Coluci MZO, Alexandre NMC Adaptação cultural de instrumento que avalia atividades do trabalho e sua relação com sintomas osteomusculares. Acta Paul Enferm 2009; 22(2):149-154., um instrumento com objetivo de avaliar situações presentes nos locais de trabalho que podem estar associadas a lesões musculoesqueléticas. A última parte do instrumento incluiu a versão brasileira do Índice de Capacidade para o Trabalho (Work Ability Index) – ICT77. Tuomi K, Ilmarinen J, Jahkola A, Katajarinne L, Tulkki A. Índice de capacidade para o trabalho. São Carlos: EduFSCar; 2005.,88. Martinez MC, Latorre MRDO, Fischer FM. Validity and reliability of the Brazilian version of the Work Ability Index questionnaire. Rev Saude Publica 2009; 43(3):55-61., que foi usado para avaliar a variável dependente deste estudo – capacidade para o trabalho. O ICT inclui 7 dimensões, fornecendo um escore que varia de 7 a 49 pontos. O escore foi categorizado em ótima, boa, moderada e baixa capacidade para o trabalho com base nos critérios de Tuomi et al.77. Tuomi K, Ilmarinen J, Jahkola A, Katajarinne L, Tulkki A. Índice de capacidade para o trabalho. São Carlos: EduFSCar; 2005. para os trabalhadores com idade a partir de 35 anos e de Kujala et al.1313. Kujala V, Remes J, Laitinen J. Regional differences in the prevalence of decreased work ability among young employees in Finland. Int J Circumpolar Health 2005; 65(2):169-177. para aquele com idade inferior a 35 anos.
Para caracterização da população de estudo foi feita análise descritiva dos dados por meio de médias, medianas, desvios padrão, valores mínimos e máximos para as variáveis quantitativas e proporções para as variáveis categóricas. A confiabilidade dos questionários foi avaliada por meio do coeficiente alfa de Cronbach.
Os grupos etários foram classificados em jovens (< 45 anos) e trabalhadores em fase de envelhecimento (> 45 anos). Esse ponto de corte foi estabelecido considerando que, em geral, é a partir desta idade que se manifestam a diminuição da capacidade funcional e a elevação da incidência de agravos à saúde relacionados ao envelhecimento22. Ilmarinen J. Maintaining work ability. In: Towards a longer worklife! Ageing and the quality of worklife in the European Union. Helsinki: Finnish Institute of Occupational Health; 2006. p.132-148.,33. Ilmarinen J. Promoting active ageing in the workplace. Bilbao: European Agency for Safety and Health at Work; 2012.,55. Ilmarinen J. Aging and work. Occup Environ Med. 2001; 58:546-551..
Para caracterização da mudança do nível de capacidade para o trabalho foi estimada a diferença (delta) entre a pontuação no escore do ICT final (2011) e inicial (2009), sendo que valores positivos indicaram melhoria no ICT e valores negativos indicaram piora na capacidade para o trabalho.
Para caracterização da modificação da exposição aos estressores no trabalho foram usados critérios baseados no escore de cada estressor, dado que não há parâmetros na literatura. Foram consideradas como piora na exposição: (a) elevação maior que 1 ponto no escore da demanda no trabalho (1 ponto significa 6,7% no total possível do escore com intervalo de 15 pontos); queda superior a 1 ponto no escore (significa 5,6% no total possível do escore com intervalo de 18 pontos) para (b) controle no trabalho e (c) apoio social no trabalho; (d) aumento maior ou igual a 0,70 pontos no escore de ERI (corte pelo percentil 60, considerando a distribuição da variável; (e) elevação maior que 1 ponto no escore de excesso de comprometimento (significa 5,6% no total possível do escore com intervalo de 18 pontos); e (f) elevação a partir de 15 pontos em WRAPI (representa alteração de 10,0% no total possível escore com intervalo de 150 pontos).
Foi realizado o teste de Kolmogorov-Smirnov para verificar a aderência das variáveis quantitativas à distribuição normal. Os dois grupos etários foram comparados quanto aos resultados do ICT, características demográficas, de estilo de vida e relacionadas ao trabalho, utilizando o teste Mann-Whitney, Qui-quadrado ou exato de Fisher. Estas análises visaram identificar as características dos dois grupos etários e a existência de diferenças entre estes grupos.
Em seguida, foram verificadas diferenças entre os dois grupos etários quanto a mudanças na exposição aos estressores durante o seguimento, utilizando o teste Qui-quadrado. Estas análises visaram verificar se os dois grupos etários tiveram diferentes percepções quanto à exposição aos estressores no decorrer do seguimento.
Por fim, para cada grupo etário, foram comparadas as mudanças no ICT (delta do ICT) segundo percepção de mudanças na da exposição (piora ou não piora) aos estressores do trabalho, utilizando o teste Mann-Whitney. Estas análises visaram verificar se e quais modificações na exposição aos diferentes estressores influenciaram a capacidade para o trabalho de cada grupo etário.
Em todas as análises foi considerada diferença estatisticamente significativa quando p < 0,050.
Quanto à confiabilidade dos instrumentos utilizados, avaliada no início do seguimento, o resultado do coeficiente alfa de Cronbach foi de: 0,64 para demanda; 0,47 para controle; 0,82 para apoio social; 0,74 para esforço; 0,83 para recompensa; 0,73 para excesso de comprometimento; 0,93 para WRAPI; e 0,71 para ICT.
O projeto foi aprovado pelo comitê de ética do Hospital Samaritano e da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo e seguiu os princípios da Declaração de Helsinki. A participação foi voluntária mediante assinatura do termo de consentimento informado, e os resultados individuais foram confidenciais.
Resultados
As Tabelas 1 a 3 mostram os resultados das variáveis contínuas e categóricas. A média de idade dos participantes no início do seguimento foi de 35,9 anos (DP = 9,0) e 16,0% tinham 45 anos ou mais. A maior proporção de participantes foi de mulheres (79,9%), casada ou vivendo com um companheiro (53,3%), e em 43,4% da amostra, a renda familiar mensal foi de até 5 salários mínimos.
Estatística descritiva das variáveis quantitativas relativas ao Índice de Capacidade para o Trabalho - ICT e às características demográficas, estilo de vida e funcionais segundo grupo etário, Equipe de Enfermagem, São Paulo.
Estatística descritiva das variáveis quantitativas relativas aos estressores do trabalho segundo grupo etário, Equipe de Enfermagem, São Paulo.
Consumo regular (2 ou mais dias/semana) de bebidas alcoólicas foi relatado por 5,6% dos participantes e 38,2% dos participantes informaram prática regular de atividade física. Além disso, 44,1% relataram obesidade ou sobrepeso, sendo que a média do índice de massa corporal foi 25,5 (DP = 4,4).
A média etária de ingresso na força de trabalho foi de 16,7 anos (DP = 3,3), o tempo médio na profissão de enfermagem foi de 11,7 anos (DP = 7,8), e o tempo médio de emprego na instituição estudada foi de 6,8 anos (DP = 6,7). A jornada de trabalho semanal (hospital, segundo emprego e atividades domésticas) tinha em média 57,9 horas (DP = 18,4). Trabalho noturno foi relatado por 38,5% dos trabalhadores e 18,8% informaram ter um segundo emprego. Quanto à função, 32,3% eram enfermeiras (assistenciais ou com cargo administrativo ou gerencial), 53,0% eram técnicos de enfermagem, 8,9% eram auxiliares de enfermagem e 5,9% ocupavam outras funções auxiliares. Quanto ao setor de trabalho, 35,9% atuavam em unidades de terapia intensiva, 31,6% em unidades de internação não críticas, 18,8% em Pronto Atendimento, 10,9% em Centro Cirúrgico e Central de Material, e 3,0% em funções não assistenciais. Os trabalhadores relataram baixos níveis de violência no trabalho (média de 7,7 pontos em uma escala de 7,0 a 21,0 pontos, DP = 1,1), 10,5% informaram história pregressa de acidente de trabalho e 10,2% de doença relacionada ao trabalho.
Nas Tabelas 1 a 3 observa-se que as variáveis demográficas, do estilo de vida e as relacionadas ao trabalho em que ocorreram diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos etários foram: anos de trabalho na profissão atual (p < 0,001), anos de trabalho na instituição (p < 0,001), carga horária semanal total (p = 0,021), trabalho noturno (p = 0,010) e setor de trabalho (p = 0,019). Para as duas primeiras variáveis o resultado é esperado em função da correlação com a idade cronológica. Para as demais variáveis, os trabalhadores mais velhos apresentaram: maior carga horária semanal do que os jovens (média semanal de 62,6 X 57,0 horas), maior percentual em trabalho noturno (55,1% X 35,3%) e maior percentual de trabalhadores nos Centros Cirúrgico e de Material (24,5% X 8,2%).
Na Tabela 1 observa-se também que no momento inicial do seguimento (2009), a média do ICT foi de 46,2 pontos (DP = 4,2) e ao final (2011) de 42,3 pontos (DP = 5,0). Ao início do seguimento 49 trabalhadores (16,1%) apresentavam capacidade para o trabalho comprometida (moderada ou baixa) e ao final do seguimento 65 pessoas (21,4%) se enquadravam nesta categoria. No momento inicial do seguimento não havia diferença estatisticamente significativa no ICT dos dois grupos etários (p = 0,465) e ao final do seguimento também não houve diferença estatisticamente significativa (p = 0,464). Quanto à mudança no escore do ICT (delta entre 2009 e 2011), também não ocorreram diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos etários (p = 609).
A Tabela 4 mostra que não ocorreram diferenças estatisticamente significativas na percepção dos trabalhadores entre os dois grupos etários quanto a mudanças na exposição aos estressores do trabalho.
Apesar desta ausência de diferenças na percepção quanto à exposição aos estressores, o efeito destes sobre a capacidade para o trabalho foi diferente entre os dois grupos etários. A Tabela 5 mostra que entre os trabalhadores mais jovens (< 45 anos de idade) a piora na percepção da exposição ao estresse esteve associada a uma na capacidade para o trabalho (maior delta negativo no ICT, ou seja, maior diferença negativa entre a avaliação final e a inicial). Isso ocorreu para o desequilíbrio esforço-recompensa (p < 0,001), o excesso de comprometimento (p < 0,001), o apoio social (p = 0,002) e o WRAPI (p = 0,001). Entre os trabalhadores mais velhos (≥ 45 anos de idade) somente a piora no desequilíbrio esforço-recompensa esteve associada à piora no ICT (p = 0,014). Demanda e controle não apresentaram associação com o ICT em nenhum dos grupos etários.
Discussão
Os resultados deste estudo de coorte de 2 anos mostraram que em sua fase inicial (2009) não houve diferença na capacidade para o trabalho comparando trabalhadores mais jovens (< 45 anos) e com mais idade (≥ 45 anos). Ao longo do seguimento observou-se discreta piora na capacidade para o trabalho, e esta redução da capacidade para o trabalho também foi semelhante nos dois grupos. Também não foram observadas diferenças significativas quanto à percepção inicial e final de exposição aos estressores do trabalho.
Entretanto, apesar destas semelhanças observadas, os estressores associados à capacidade para o trabalho foram distintos entre os dois grupos etários: enquanto a capacidade para o trabalho dos participantes com idade até 45 anos foi influenciada por todos os estressores analisados (exceto demandas e controle no trabalho), para os mais velhos esteve associada somente ao desequilíbrio entre esforços e recompensas no trabalho.
A partir dos 45 anos a capacidade funcional física e mental pode começar a deteriorar, influenciada pela diminuição da capacidade cardiorrespiratória e musculoesquelética e das funções cognitivas11. Tuomi K, Ilmarinen J, Martikainen R. Aging, work, life-style and work ability among Finnish municipal workers in 1981-1992. Scand J Work Environ Health 1997; 23(Supl. 1):58-65.
2. Ilmarinen J. Maintaining work ability. In: Towards a longer worklife! Ageing and the quality of worklife in the European Union. Helsinki: Finnish Institute of Occupational Health; 2006. p.132-148.-33. Ilmarinen J. Promoting active ageing in the workplace. Bilbao: European Agency for Safety and Health at Work; 2012.,55. Ilmarinen J. Aging and work. Occup Environ Med. 2001; 58:546-551.,1111. Ilmarinen J, Tuomi K, Klockars M. Changes in the work ability of active employees over an 11-year period. Scand J Work Environ Health 1997; 17(Supl. 1):49-57.,1212. Seitsamo J, Klockars M. Ageing and changes in health. Scand J Work Environ Health 1997; 23(Supl. 1):27-35.. Entretanto, neste estudo o perfil de capacidade para o trabalho foi semelhante entre os dois grupos etários estudados. Questões relacionadas aos indivíduos, ao ambiente e às condições de trabalho e ao ambiente macrossocial interferem na relação entre envelhecimento cronológico e funcional22. Ilmarinen J. Maintaining work ability. In: Towards a longer worklife! Ageing and the quality of worklife in the European Union. Helsinki: Finnish Institute of Occupational Health; 2006. p.132-148.,33. Ilmarinen J. Promoting active ageing in the workplace. Bilbao: European Agency for Safety and Health at Work; 2012.,66. Martinez MC, Latorre MRDDO, Fischer FM. A cohort study of psychosocial work stressors on work ability among Brazilian hospital workers. Am J Ind Med 2015; 58(7):795-806.,1111. Ilmarinen J, Tuomi K, Klockars M. Changes in the work ability of active employees over an 11-year period. Scand J Work Environ Health 1997; 17(Supl. 1):49-57.. Essas relações podem em alguma medida ser compensadas pelo aumento do conhecimento, da experiência, da habilidade para trabalhar de forma independente e do maior vínculo ao emprego que trabalhadores com mais idade tendem a apresentar22. Ilmarinen J. Maintaining work ability. In: Towards a longer worklife! Ageing and the quality of worklife in the European Union. Helsinki: Finnish Institute of Occupational Health; 2006. p.132-148.,33. Ilmarinen J. Promoting active ageing in the workplace. Bilbao: European Agency for Safety and Health at Work; 2012.,66. Martinez MC, Latorre MRDDO, Fischer FM. A cohort study of psychosocial work stressors on work ability among Brazilian hospital workers. Am J Ind Med 2015; 58(7):795-806.,1111. Ilmarinen J, Tuomi K, Klockars M. Changes in the work ability of active employees over an 11-year period. Scand J Work Environ Health 1997; 17(Supl. 1):49-57.. Um fator que deve ser considerado é o efeito do trabalhador sadio, que consiste em um processo de seleção progressiva, permanecendo aqueles que tendem a ser mais saudáveis2323. Weed DL. Historical roots of the healthy worker effect. Occup Med 1986; 28(5):343-347.. É possível que os trabalhadores mais velhos desta população de estudo sejam aqueles que mantiveram melhores condições de higidez e recursos de enfrentamento ao longo de sua trajetória laboral e, portanto, apresentam melhor perfil de capacidade para o trabalho.
Cabe lembrar que quanto mais precoce, intensa e frequente é a exposição a demandas intensas do trabalho, maior é o risco de envelhecimento funcional precoce22. Ilmarinen J. Maintaining work ability. In: Towards a longer worklife! Ageing and the quality of worklife in the European Union. Helsinki: Finnish Institute of Occupational Health; 2006. p.132-148.,33. Ilmarinen J. Promoting active ageing in the workplace. Bilbao: European Agency for Safety and Health at Work; 2012.,1717. Fischer FM, Martinez MC. Individual features, working conditions and work injuries are associated with work ability among nursing professionals. Work 2013; 45(4):509-517.. Neste estudo, nos dois grupos etários, a diminuição da capacidade para o trabalho esteve associada ao aumento da percepção de exposição aos estressores do ambiente de trabalho. Como aponta a literatura, os estressores do ambiente físico e psicossocial do trabalho são consistentemente identificados como fatores atuando negativamente sobre a capacidade para o trabalho, inclusive entre trabalhadores da área hospitalar66. Martinez MC, Latorre MRDDO, Fischer FM. A cohort study of psychosocial work stressors on work ability among Brazilian hospital workers. Am J Ind Med 2015; 58(7):795-806.,99. Hasselhorn HM, Conway PM, Widerszal-Bazyl M, Simon M, Tackenberg P, Schmidt S, Camerino D, Müller BH, NEXT-Study Group. Contribution of job strain to nurses’ consideration of leaving the profession—results from the longitudinal European nurses’early exit study. Scand J Work Environ Health; 2008; 6(Supl.):75-82.,1717. Fischer FM, Martinez MC. Individual features, working conditions and work injuries are associated with work ability among nursing professionals. Work 2013; 45(4):509-517.
18. Silva FJ, Felli VEA, Martinez MC, Mininel VA. A fadiga em trabalhadores de enfermagem, o presenteísmo e a (in)capacidade para o trabalho. In: Felli VEA, Baptista PCP, organizadoras. Saúde do trabalhador de enfermagem. Barueri: Manole; 2015. p. 289-304.-1919. Lindegård A, Larsman P, Hadzibajramovic E, Ahlborg Junior G. The influence of perceived stress and musculoskeletal pain on work performance and work ability in Swedish health care workers. Int Arch Occup Environ Health 2014; 87(4):373-379..
As percepções de exposição aos estressores do trabalho ao longo dos anos de seguimento neste estudo devem ser entendidas à luz das condições de trabalho na enfermagem. Esse trabalho é caracterizado por demandas vinculadas a questões como responsabilidade pelo trato na vida humana, contato frequente com dor, sofrimento e morte, relacionamentos interpessoais conflituosos, cargas físicas intensas, baixo reconhecimento e/ou valorização, intensificação no uso de novas tecnologias, relações trabalhistas deterioradas e, especificamente para os enfermeiros, também há o aumento nas exigências por competências gerenciais66. Martinez MC, Latorre MRDDO, Fischer FM. A cohort study of psychosocial work stressors on work ability among Brazilian hospital workers. Am J Ind Med 2015; 58(7):795-806.,1616. Silva AA, Souza JMP, Borges FNS, Fischer FM. Health-related quality of life and working conditions among nursing providers. Rev Saude Publica 2010; 44(4):718-725.
17. Fischer FM, Martinez MC. Individual features, working conditions and work injuries are associated with work ability among nursing professionals. Work 2013; 45(4):509-517.
18. Silva FJ, Felli VEA, Martinez MC, Mininel VA. A fadiga em trabalhadores de enfermagem, o presenteísmo e a (in)capacidade para o trabalho. In: Felli VEA, Baptista PCP, organizadoras. Saúde do trabalhador de enfermagem. Barueri: Manole; 2015. p. 289-304.-1919. Lindegård A, Larsman P, Hadzibajramovic E, Ahlborg Junior G. The influence of perceived stress and musculoskeletal pain on work performance and work ability in Swedish health care workers. Int Arch Occup Environ Health 2014; 87(4):373-379.,2424. Magnago TSBS, Lisboa MTL, Griep RH, Kirchho ALC, Camponogara S, Nonnenmacher CQ, Vieira LB Condições de trabalho, características sociodemográficas e distúrbios musculoesqueléticos em trabalhadores de Enfermagem. Acta Paul Enferm 2010; 23(2):187-193..
Este estudo evidenciou impacto consistente do desequilíbrio esforço-recompensa sobre a capacidade para o trabalho tanto em trabalhadores mais jovens como entre aqueles com idade mais elevada. Aspectos do contexto social e organizacional do trabalho relativos aos esforços empreendidos e recompensas obtidas podem explicar estes resultados: recompensas financeiras, valorização, oportunidades de carreira e estabilidade no emprego99. Hasselhorn HM, Conway PM, Widerszal-Bazyl M, Simon M, Tackenberg P, Schmidt S, Camerino D, Müller BH, NEXT-Study Group. Contribution of job strain to nurses’ consideration of leaving the profession—results from the longitudinal European nurses’early exit study. Scand J Work Environ Health; 2008; 6(Supl.):75-82.,1414. Camerino D, Conway PM, Van Der Hei Jden BIJM, Estryn-Behar M, Consonni D, Gould D, Hasselhorn HM & The Next-Study Group. Low-perceived work ability, ageing and intention to leave nursing: a comparison among 10 European countries J Adv Nursing 2006; 56(5):542-552.,1717. Fischer FM, Martinez MC. Individual features, working conditions and work injuries are associated with work ability among nursing professionals. Work 2013; 45(4):509-517.. Um estudo entre profissionais de enfermagem no Brasil evidenciou que, quando diversos estressores são considerados, o desequilíbrio esforço-recompensa foi marcadamente o mais importante, em especial entre as enfermeiras1616. Silva AA, Souza JMP, Borges FNS, Fischer FM. Health-related quality of life and working conditions among nursing providers. Rev Saude Publica 2010; 44(4):718-725.. No Next-Study (Nurses Early Exit) que estudou profissionais de enfermagem de 10 países da Europa, o desequilíbrio esforço-recompensa mostrou ser um forte preditor para desgaste dos trabalhadores de enfermagem, com comprometimento da CT em todas as faixas etárias e em todos os países analisados, levando frequentemente a considerar a possibilidade de abandono da profissão e aposentadoria precoce99. Hasselhorn HM, Conway PM, Widerszal-Bazyl M, Simon M, Tackenberg P, Schmidt S, Camerino D, Müller BH, NEXT-Study Group. Contribution of job strain to nurses’ consideration of leaving the profession—results from the longitudinal European nurses’early exit study. Scand J Work Environ Health; 2008; 6(Supl.):75-82..
Neste artigo, entre os trabalhadores mais jovens, além do desequilíbrio esforço-recompensa, a piora na percepção de exposição aos estressores comprometendo a capacidade para o trabalho também foi observada quanto ao excesso de comprometimento, ao apoio social e às situações que podem gerar dor ou lesão. Há evidências que o ICT reflete melhor as alterações da capacidade para o trabalho em atividades com intensas demandas físicas do que em atividades predominantemente mentais11. Tuomi K, Ilmarinen J, Martikainen R. Aging, work, life-style and work ability among Finnish municipal workers in 1981-1992. Scand J Work Environ Health 1997; 23(Supl. 1):58-65.. Se considerarmos que trabalhadores com maior idade tendem a ter uma trajetória profissional com maiores possibilidades de migrar de atividades predominantemente físicas para predominantemente mentais e contam com estratégias que resultam em melhor capacidade de enfrentamento aos estressores no trabalho, estes aspectos podem explicar a menor presença de associações entre os estressores avaliados e a capacidade para o trabalho entre aqueles com mais idade.
Pessoas com excesso de comprometimento podem subestimar demandas e superestimar suas capacidades de enfrentamento, o que pode potencializar o desgaste do trabalhador2525. Siegrist J. Effort-reward imbalance and health in a globalized economy. Scand J Work Environ Health 2008; 6(Supl.):163-168., justificando a redução da capacidade para o trabalho observada entre os mais jovens.
O apoio social está relacionado ao apoio e à interação entre colegas e superiores, e tem um efeito moderador entre os estressores psicossociais do trabalho e suas consequências deletérias, também se associando ao estado de saúde e ao bem-estar2626. Sargent LD, Terry DJ. The moderating role of social support in Karasek’s job strain model. Work Stress 2000; 14(3):245-261.. O NEXT-Study identificou o apoio social como um fator importante para retenção no trabalho entre profissionais de enfermagem com capacidade para o trabalho comprometida99. Hasselhorn HM, Conway PM, Widerszal-Bazyl M, Simon M, Tackenberg P, Schmidt S, Camerino D, Müller BH, NEXT-Study Group. Contribution of job strain to nurses’ consideration of leaving the profession—results from the longitudinal European nurses’early exit study. Scand J Work Environ Health; 2008; 6(Supl.):75-82..
O impacto da piora do WRAPI (atividades relacionadas ao trabalho que podem contribuir para a ocorrência de dor ou lesão) sobre a capacidade para o trabalho evidenciou o papel das cargas físicas do trabalho. As condições de trabalho na enfermagem frequentemente estão associadas à ocorrência de distúrbios musculoesqueléticos, decorrentes do transporte e movimentação inadequados de pacientes, equipamentos e mobiliários não apropriados, movimentos e posturas inadequados do ponto de vista da biomecânica66. Martinez MC, Latorre MRDDO, Fischer FM. A cohort study of psychosocial work stressors on work ability among Brazilian hospital workers. Am J Ind Med 2015; 58(7):795-806.,1717. Fischer FM, Martinez MC. Individual features, working conditions and work injuries are associated with work ability among nursing professionals. Work 2013; 45(4):509-517.
18. Silva FJ, Felli VEA, Martinez MC, Mininel VA. A fadiga em trabalhadores de enfermagem, o presenteísmo e a (in)capacidade para o trabalho. In: Felli VEA, Baptista PCP, organizadoras. Saúde do trabalhador de enfermagem. Barueri: Manole; 2015. p. 289-304.-1919. Lindegård A, Larsman P, Hadzibajramovic E, Ahlborg Junior G. The influence of perceived stress and musculoskeletal pain on work performance and work ability in Swedish health care workers. Int Arch Occup Environ Health 2014; 87(4):373-379.,2424. Magnago TSBS, Lisboa MTL, Griep RH, Kirchho ALC, Camponogara S, Nonnenmacher CQ, Vieira LB Condições de trabalho, características sociodemográficas e distúrbios musculoesqueléticos em trabalhadores de Enfermagem. Acta Paul Enferm 2010; 23(2):187-193..
Um estudo entre profissionais de enfermagem no Brasil mostrou que tanto a demanda como o controle tiveram menor relevância entre os profissionais de enfermagem quando avaliados em conjunto com outros estressores psicossociais1616. Silva AA, Souza JMP, Borges FNS, Fischer FM. Health-related quality of life and working conditions among nursing providers. Rev Saude Publica 2010; 44(4):718-725.. No presente estudo estes dois estressores não afetaram a capacidade para o trabalho. Quanto à demanda, uma possível explicação para este resultado é que houve elevada prevalência de percepção de demandas intensas, o que pode ter homogeneizado a amostra, com perda do efeito da variável.
Para o controle sobre o trabalho, a ausência de associações com a capacidade para o trabalho pode ser decorrente da estrutura da escala que é composta somente por 6 itens, com limitações para captar o construto a ser avaliado. A análise da confiabilidade da escala mostrou baixa consistência interna (α = 0,47), situação identificada em outros estudos1010. Fischer FM, Martinez MC. Work ability among hospital food service professionals: multiple associated variables require comprehensive intervention. Work 2012; 41(Supl. 1):3746-3752.,2020. Alves MGM, Chor D, Faerstein E, Lopes CS, Wenerck GL Versão resumida da “job stress scale”: adaptação para o português. Rev Saude Publica 2004; 38(2):164-171..
O estudo teve, em seu momento inicial uma taxa de resposta de 83,8% – acima dos 75,0% que são considerados como minimamente adequados2727. Fowler Junior FJ. Nonresponse: implementing a sample design. In: Fowler Junior FJ. Survey research methods. New Castle: Sage Publications; 1990. p. 45-60.. Neste momento houve diferença entre participantes e não participantes quanto ao tempo de trabalho na instituição e setor de trabalho. Ao final do seguimento, 59,1% dos trabalhadores permaneceram no estudo A validade interna deste estudo pode ser considerada aceitável. A validade externa pode ser aceita para instituições hospitalares com semelhantes características demográficas e de organização e condições do trabalho.
Apesar da taxa de participação inicial elevada no início deste estudo, o já citado efeito do trabalhador sadio pode estar presente, causando disparidades entre as proporções de participantes no início e no final do seguimento. Em sendo assim, as relações entre estressores do trabalho e capacidade para o trabalho podem estar subestimadas. Salienta-se, também como limitação, que a diferença no número de participantes nas duas faixas etárias consideradas neste estudo, pode ter contribuído para reduzir o poder estatístico no grupo com maior idade, ou seja, 255 trabalhadores mais jovens (< 45 anos) e apenas 49 trabalhadores com mais idade (≥ 45 anos).
Capacidade para o trabalho é a base para a saúde e o bem-estar do trabalhador e para a sua empregabilidade, e estas questões vêm ganhando relevância no mundo do trabalho, em especial em sociedades caracterizadas pelo envelhecimento demográfico22. Ilmarinen J. Maintaining work ability. In: Towards a longer worklife! Ageing and the quality of worklife in the European Union. Helsinki: Finnish Institute of Occupational Health; 2006. p.132-148.
3. Ilmarinen J. Promoting active ageing in the workplace. Bilbao: European Agency for Safety and Health at Work; 2012.-44. Cloostermans L, Bekkers MB, Uiters E, Proper K. The effectiveness of interventions for ageing workers on (early) retirement, work ability and productivity: a systematic review. Int Arch Occup Environ Health 2015; 88(5):521-532.. A empregabilidade também vem se tornando uma questão atual importante para prevenir a discriminação contra profissionais de enfermagem em fase de envelhecimento2828. Cotrim T, Simões A, Silva C. Age and Work Ability among Portuguese Nurses. In: Age Management During the Life Course Proceedings of the 4th Symposium on Work Ability. Tampere: University Press; 2011. p. 117-125.. O desenho longitudinal deste estudo nos permitiu estabelecer relações causais, evidenciando que os estressores do trabalho são fatores que afetam a capacidade para o trabalho dos profissionais de enfermagem, muito embora diferentes estressores tenham diferentes papéis nas duas faixas etárias avaliada.
Esses achados trazem implicações para as políticas institucionais e sociais de promoção da saúde no trabalho, uma vez que apontam para a pertinência do desenvolvimento de ações para controle dos estressores decorrentes das condições e da organização do trabalho. A literatura mostra resultados positivos em termos de custo-efetividade das intervenções para controle do estresse no trabalho, ressaltando a importância de ações de caráter continuado para manutenção de resultados de longo prazo2929. Addley K, Boyd S, Kerr R, McQuillan P, Houdmont J, McCrory M. The impact of two workplace-based health risk appraisal interventions on employee lifestyle parameters, mental health and work ability: results of a randomized controlled trial. Health Educ Res 2014; 29(2):247-258.,3030. Lamontagne AD, Keegel T, Louie A, Ostry A, Landsbergis PA. A systematic review of the job-stress intervention: evaluation literature, 1990-2005. Int J Occup Environ Health. 2007; 13(3):268-280..
Ainda não há conhecimento suficiente sobre o desempenho de trabalhadores em fase de envelhecimento, em especial em trabalhos com altas demandas44. Cloostermans L, Bekkers MB, Uiters E, Proper K. The effectiveness of interventions for ageing workers on (early) retirement, work ability and productivity: a systematic review. Int Arch Occup Environ Health 2015; 88(5):521-532.,3131. Sluiter JK. High-demand jobs: Age-related diversity in work ability? Appl Ergon 2006; 37(4):429-440.. Assim, mais pesquisas longitudinais ainda são necessárias para avaliar a progressão do comprometimento da capacidade para o trabalho, prover estimativas do envelhecimento funcional e avaliar intervenções que podem influenciar os resultados.
Conclusões
Os resultados mostraram que, ao longo do seguimento de 2 anos, houve associação entre a piora na exposição aos estressores do trabalho e o comprometimento da capacidade para o trabalho. O impacto dos estressores sobre a capacidade para o trabalho foi diferente entre os dois grupos etários: enquanto a capacidade para o trabalho dos mais jovens sofreu efeito de vários estressores analisados (piora no apoio social, elevação do desequilíbrio esforço-recompensa, aumento do excesso de comprometimento e aumento de situações que podem gerar dor/lesão), a capacidade para o trabalho dos mais velhos recebeu influência somente da elevação do desequilíbrio entre esforços e recompensas.
Esses resultados apontam para a necessidade de ações preventivas e corretivas visando à promoção da capacidade para o trabalho, ações estas que devem ser adequadas e diferenciadas para diferentes grupos etários.
Referências
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Maio 2017
Histórico
- Recebido
04 Jun 2015 - Revisado
26 Out 2015 - Aceito
28 Out 2015