Perfil de mortalidade por causas externas entre Adventistas do Sétimo Dia e a população geral

Ana Paula Costa Velten Nágela Valadão Cade Gulnar Azevedo e Silva Elizabete Regina Araújo de Oliveira Sobre os autores

Resumo

Este estudo teve por objetivo comparar o perfil de mortalidade por causas externas entre Adventistas do Sétimo Dia e população geral do Espírito Santo no período de 2003 a 2009. Realizou-se busca dos Adventistas no banco nominal do Sistema de Informação sobre Mortalidade de posse das informações dos Adventistas fornecidas pelas sedes administrativas da instituição. Os óbitos por causas externas ocorridos no período estudado foram então separados em dois grupos: Adventistas e população geral. Os Adventistas apresentaram menor mortalidade proporcional por causas externas (10%) que a população geral (19%), sendo o sexo masculino o principal responsável por essa diferença. Em ambos os grupos os óbitos predominaram na faixa de 20 a 29 anos. As mortes por causas acidentais foram mais expressivas entre os Adventistas (68,08%) enquanto as mortes por causas intencionais relacionadas às agressões e lesões autoprovocadas foram mais significativas na população geral (53,67% de todas as mortes). A razão de mortalidade padronizada para as causas externas foi 41,3, sendo assim ser Adventista reduziu a mortalidade em 58,7%. Acredita-se que o benefício dos Adventistas verificado em relação à mortalidade por causas externas possa estar relacionado à recomendação de abstinência do consumo de álcool por esse grupo.

Causas externas; Mortalidade; Abstinência de álcool

Introdução

As causas externas representam um grande problema de Saúde Pública, configurando-se como inquestionável desafio aos gestores de políticas públicas. No Brasil entre os anos de 2000 a 2009 as causas externas representaram a terceira causa de morte mais frequente no Brasil, chegando à segunda causa em algumas regiões. Na análise por faixa etária as causas externas ocuparam a primeira posição na população entre 10 e 39 anos11. Mascarenhas MDM, Monteiro RA, Bandeira de Sá NN, Gonzaga LAA, Neves ACM, Silva MMA, Malta DC. Epidemiologia das causas externas no Brasil: mortalidade por acidentes e violências no período de 2000 a 2009. In: Brasil. Ministério da Saúde (MS). Saúde Brasil 2010: Uma análise da situação de saúde e de evidências selecionadas de impacto de ações de vigilância em saúde. Brasília: MS; 2011..

Na determinação multifatorial das causas externas, o álcool é um importante fator a ser considerado. Estima-se que 46% das mortes por acidentes de trânsito, suicídio, homicídio e outros tipos de violência intra e interpessoal estejam relacionadas ao consumo de álcool, afetando diretamente a mortalidade pelas causas externas22. Rehm J, Room R, Monteiro M, Gmel G, Graham K, Rehn N, Sempos CT, Frick U, Jernigan D. Alcohol use. In: Ezzati M, Lopez AD, Rodgers A, Murray C JL, editors. Comparative quantification of health risks: global and regional burden of disease attributable to selected major risk factors. Geneva: World Health Organization; 2004. p. 959-1108..

A Organização Mundial da Saúde (OMS) calcula que haja aproximadamente 2 bilhões de pessoas em todo o mundo que consumam bebidas alcoólicas e que 76,3 milhões destas apresentem algum tipo de desordem por causa do uso do álcool33. World Health Organization (WHO). WHO Library Cataloguing-in-Publication Data. Global status report on alcohol 2004. [site da Internet]. [acessado 2013 jul 12]. Disponível em: http://www.who.int/substance_abuse/publications/alcohol/en/index.html
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. Globalmente, o álcool provoca cerca de 1,8 milhões de mortes anuais, 3,2% de todas as mortes. Ainda cerca de 4% de todas as doenças estão relacionadas ao seu uso. Do total de números de mortes atribuídas ao álcool, 32% são resultantes de injúrias não intencionais, ou seja, acidentes de trânsito, afogamentos, queimaduras, quedas e outras44. World Health Organization (WHO). WHO Library Cataloguing-in-Publication Data. Alcohol and injury in emergency departments: summary of the report from the WHO collaborative study on alcohol and injuries (2007). [site da Internet]. [acessado 2013 jun 18]. Disponível em:http://www.who.int/substance_abuse/publications/alcohol/en/index.html
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Algumas populações têm despertado o interesse da comunidade acadêmica por apresentarem características peculiares em seu estilo de vida. Dos diversos grupos pesquisados e descritos na literatura, um de particular interesse são os Adventistas do Sétimo Dia (ASD). Os ASD são uma denominação cristã, com mais de 17 milhões de membros regulares no mundo, sendo cerca de 1.200.000 no Brasil e 50.000 no Espírito Santo55. General Conference of Seventh-day Adventists. Seventh-Day Adventist Yearbook, 2013. Hagerstown: Review and Herald Publishing Association; 2013.,66. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo Demográfico 2010. [site da Internet]. [acessado 2014 dez 20]. Disponível em: http://censo2010.ibge.gov.br/pt/
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Sobre suas características, os ASD pregam a completa abstinência do álcool, do tabaco e de outras drogas. A instituição também recomenda, mas não exige, uma dieta vegetariana, com abundância de frutas, grãos, vegetais e castanhas, entretanto somente uma minoria dos membros se abstêm completamente de alimentos cárneos. Os ASD ainda evitam o uso de café, chá preto e outras bebidas que contenham cafeína, condimentos picantes, e alimentos altamente refinados (como o açúcar refinado e farinha de trigo branca). Exercícios físicos e repouso noturno adequado também são altamente recomendados77. Navarro JC, Prado SC, Guimarães G, Martins MC, Caramelli B. Vegetarians and semivegetarians are less exposed to cardiovascular risk factors. Int J Atheroscler 2006; 1(1):48-54.

8. Butler TL, Fraser GE, Beeson WL, Knutsen SF, Herring RP, Chan J, et al. Cohort profile: the Adventist Health Study-2 (AHS-2). Int J Epidemiol 2008; 37(2):260-265.

9. Montgomery S, Herring P, Yancey A, Beeson L, Butler T, Knutsen S, Sabate J, Chan J, Preston-Martin S, Fraser G. Comparing Self-reported Disease Outcomes, Diet, and Lifestyles in a National Cohort of Black and White Seventh-day Adventists. Prev Chronic Dis 2007; 4(3):A62.

10. Phillips RL, Kuzma JW. Rationale and methods for an epidemiologic study of cancer among Seventh-Day Adventists. Natl Cancer Inst Monogr 1977; 47: 107-12.
-1111. Wynder EL, Lemon FR. Cancer, coronary artery disease and smoking: a preliminary report on differences in incidence between Seventh-day Adventists and others. Calif Med 1958; 89(4):267-272..

A experiência de saúde da população ASD vem sendo estudada desde 19581212. Loma linda university. School of Public Health. Adventist Health Studies. [site da Internet]. [acessado 2013 Jul 14]. Disponível em: http://www.llu.edu/public-health/health/index.page?
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. Existem mais de 300 artigos científicos abordando estudos sobre a saúde dos ASD publicados em periódicos científicos da Dinamarca, Holanda, Noruega, Japão, Austrália, além dos bem conhecidos estudos da Universidade de Loma Linda, Califórnia, Estados Unidos1212. Loma linda university. School of Public Health. Adventist Health Studies. [site da Internet]. [acessado 2013 Jul 14]. Disponível em: http://www.llu.edu/public-health/health/index.page?
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Ressalta-se que os estudos envolvendo ASD já publicados detêm-se no impacto dos hábitos de vida dos ASD sobre a mortalidade geral, mortalidade por doenças crônicas degenerativas e eventos não fatais também ligados às doenças crônicas degenerativas. O impacto dos hábitos de vida, em especial o consumo de álcool, sobre as causas externas ainda não foi avaliado.

Este trabalho tem por objetivo comparar o perfil de mortalidade por causas externas entre ASD e população geral do Espírito Santo no período de 2003 a 2009.

Metodologia

Estudo observacional descritivo sobre os óbitos por causas externas ocorridos no Espírito Santo no período de 2003 a 2009 separados em óbitos de ASD e da população geral.

Para a coleta de dados utilizou-se o Sistema Adventista de Gerenciamento de Igrejas para a identificação dos ASD falecidos; o banco estadual da Secretaria de Saúde do Espírito Santo do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) para consulta das declarações de óbito; e dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística disponíveis no endereço eletrônico do Departamento de Informação e Informática do Sistema Único de Saúde para consulta da população do Espírito Santo em cada ano.

O Sistema Adventista de Gerenciamento de Igrejas é um sistema on-line utilizado para controle cadastral dos membros. Os dados de cada membro são inseridos quando o mesmo é batizado, o que na denominação ocorre após o indivíduo adquirir maturidade de conhecimento das doutrinas e possuir poder de decisão quanto a ser membro. Em se tratando de remoção do membro da igreja (seja por abandono ou falecimento, sendo neste caso informada a data do óbito) o seu registro é notificado e direcionado para membros removidos.

Neste estudo foram utilizados os dados do sistema referentes ao Espírito Santo, cedidos pelas sedes administrativas da igreja no estado, a Associação Espírito Santense (AES) e Associação Sul Espírito Santense (ASES). Foram solicitados dados correspondentes aos membros removidos por falecimento e também os dos membros vivos em cada ano estudado. O ano de 2003 foi o ano inicial do registro informatizado dos membros no estado, e por isso o ano escolhido para o início do estudo.

O banco estadual da Secretaria de Saúde do SIM é uma consolidação das declarações de óbitos do estado, no qual é possível ter acesso ao nome do falecido. Coletaram-se os dados dos óbitos ocorridos até 2009, uma vez que os dados posteriores eram preliminares no momento da entrega dos mesmos.

Posteriormente à coleta dos dados, os indivíduos foram separados nos grupos citados. Inicialmente realizou-se busca manual dos nomes dos ASD falecidos no banco estadual do SIM. Para os ASD não encontrados na busca manual foi utilizado o relacionamento probabilístico de registros com o programa RecLink III versão 3.1.6.3160. Tanto na busca manual quanto pelo relacionamento probabilístico, quando se encontrava um indivíduo com o mesmo nome eram checadas as demais informações, como data de nascimento, filiação, endereço, data do óbito, para confirmar que se tratavam da mesma pessoa. Ao se conferirem no mínimo três informações, o indivíduo era identificado como encontrado. Também se utilizou um linkage entre o SIM e os ASD vivos, para detectar possíveis ASD que faleceram e que ainda não tinham sido desligados por esse motivo nas Associações.

Após a separação dos grupos, verificou-se a quantidade total de óbitos por todas as causas e a quantidade de óbitos por causas externas para o cálculo da mortalidade proporcional. Ressalta-se que os óbitos fetais não foram contabilizados. Posteriormente, os óbitos por causas externas foram descritos quanto às variáveis gênero, raça/cor, estado civil e escolaridade em ambos os grupos.

A fim de conhecer a parcela de óbitos por causas externas de morbidade e de mortalidade correspondente ao grupo das mortes acidentais e ao grupo das por violência em ambos as populações analisou-se a distribuição dos óbitos segundo os grupos mencionados. As demais causas externas não foram incluídas nesta análise.

Em seguida calcularam-se os óbitos esperados e observados por causas externas para a população ASD em cada faixa etária, tendo como população de referência a residente no Espírito Santo.

Nesta análise foram excluídos os óbitos dos indivíduos com menos de 20 anos em ambos os grupos devido ao fato de não haver crianças e poucos adolescentes entre os ASD, já que o membro passa a ter o seu nome nos registros da igreja somente quando ele é batizado. Decidiu-se optar por esta idade devido à grande quantidade de óbitos ocorrida por essas causas no Brasil em adultos jovens de 20 a 39 anos11. Mascarenhas MDM, Monteiro RA, Bandeira de Sá NN, Gonzaga LAA, Neves ACM, Silva MMA, Malta DC. Epidemiologia das causas externas no Brasil: mortalidade por acidentes e violências no período de 2000 a 2009. In: Brasil. Ministério da Saúde (MS). Saúde Brasil 2010: Uma análise da situação de saúde e de evidências selecionadas de impacto de ações de vigilância em saúde. Brasília: MS; 2011.. Também não foram contabilizados os indivíduos com menos de 20 anos nas populações expostas (vivos).

O número de óbitos esperados foi obtido multiplicando-se a taxa de mortalidade por causas externas de morbidade e de mortalidade da população padrão por faixa etária (taxas ajustadas de 10 em 10 anos: 20-29, 30-39, 40-49, 50-59, 60-69, 70-79, 80 e mais) pela população de interesse na mesma faixa-etária (ASD vivos).

Ressalta-se que foi calculada apenas uma taxa de mortalidade por faixa etária para os anos entre 2003 e 2009, sendo utilizada a média aritmética dos óbitos anuais dos sete anos por faixa etária, pela média aritmética dos sete anos para a população do Espírito Santo na mesma faixa-etária. Sobre a população ASD (vivos) também foram utilizadas médias da população de cada faixa etária entre 2003 a 2009.

O número de óbitos observados foi obtido pela soma das médias aritméticas dos óbitos da população ASD por faixa-etária nos sete anos estudados em cada capítulo.

Por fim, calculou-se a Razão de Mortalidade Padronizada (RMP) para as mortes por causas externas. A RMP foi obtida através da razão entre o número de óbitos observados (que foi a soma dos óbitos observados em todas as faixas etárias), e o número de óbitos esperados (também a soma dos óbitos esperados em todas as faixas etárias) multiplicado por 100% [RPM = (óbitos observados/óbitos esperados) x 100]. Considerou-se que a RMP seria significativa caso o valor da RPM e do limite superior do Intervalo de Confiança (IC) fosse menor que 100, ou se a RPM e o limite inferior do IC fosse maior que 100. Obteve-se o IC utilizando-se o programa estatístico R versão 2.15.1.

Seguindo os preceitos éticos brasileiros, a pesquisa foi submetida à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde e da rede estadual (Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória).

Resultados

Entre os anos de 2003 a 2009, no Espírito Santo ocorreram 1.015 óbitos segundo os dados do Sistema Adventista de Gerenciamento de Igrejas. Destes, 21,5% (216) não foram encontrados no SIM do Espírito Santo (1,9% por incompletude de dados que possibilitasse a busca; 1,7% por dúvida; e 17,9% pela não localização por nenhum dos dois métodos utilizados). Com o linkage dos ASD vivos foram encontrados mais 153 indivíduos falecidos, totalizando 952 óbitos.

A Tabela 1 apresenta a mortalidade proporcional dos óbitos por Causas externas de morbidade e de mortalidade entre ASD e população geral. Não houve óbitos com gênero ignorado entre os ASD e na população geral eles representaram 0,06% dos óbitos.

Tabela 1
Mortalidade proporcional dos óbitos por Causas externas de morbidade e de mortalidade dos Adventistas do Sétimo Dia e da população geral do Espírito Santo ocorridos entre 2003 a 2009.

A Tabela 2 apresenta a descrição dos óbitos por causas externas segundo as variáveis gênero, faixa etária, raça/cor, estado civil e escolaridade.

Tabela 2
Caracterização dos óbitos por Causas externas de morbidade e de mortalidade dos Adventistas do Sétimo Dia e da população geral do Espírito Santo ocorridos entre 2003 a 2009.

Na Tabela 3 os óbitos por causas externas são descritos quanto a causas acidentais e a causas intencionais relacionadas às agressões e lesões autoprovocadas em ambos os grupos.

Tabela 3
Frequência absoluta e relativa dos óbitos dos Adventistas do Sétimo Dia e da população do Espírito Santo ocorridos entre 2003 a 2009 por grupo do capítulo XX – Causas externas de morbidade e de mortalidade.

Por fim, a Tabela 4 apresenta os valores de óbitos observados e esperados por faixa etária para a população ASD entre 2003 e 2009. Para todas as faixas foram observados 11,39 óbitos e esperados 27,58. A RPM para as causas externas foi 41,3 (IC 95%: 20,91 – 73,18), apresentando, portanto, significância estatística. Sendo assim em relação às causas externas ser ASD reduziu a mortalidade em 58,7%.

Tabela 4
Descrição dos óbitos observados e esperados por faixa etária dos Adventistas do Sétimo Dia em relação ao Capítulo XX – Causas externas de morbidade e de mortalidade da 10ª Classificação Internacional de Doenças no período de 2003 a 2009.

Discussão

Inicialmente é importante destacar que no presente estudo o consumo de álcool não foi avaliado e que a provável abstinência de álcool pelos ASD se baseia na recomendação da denominação a seus membros. Em um estudo transversal realizado em Vitória1313. Lopes LJ. Fatores de risco e proteção para doenças crônicas não transmissíveis entre Adventistas do sétimo Dia [dissertação]. Vitória: Programa de Pós-Graduação em saúde Coletiva; 2012. com objetivo de descrever o perfil de saúde dos ASD e investigar a prevalência de fatores de risco e proteção para Doenças Crônicas Não Transmissíveis identificou-se que dos 361 indivíduos entrevistados 3,4% (IC 95%: 1,3-8,5) relatou uso atual de álcool, levando a dedução de que a grande maioria dos membros adota a recomendação de abstinência de álcool.

Os resultados obtidos permitiram comparar o perfil de mortalidade por causas externas entre os ASD e a população geral do Espírito Santo no período de 2003 a 2009. Ao se comparar a mortalidade proporcional por causas externas em ambos os grupos é possível notar que ela foi maior na população geral (10% na população ASD e 19% na população geral), quase que o dobro. Essa maior mortalidade proporcional da população geral era esperada uma vez há indícios de que os ASD adotam a abstinência alcoólica, e como já explanado neste trabalho, o álcool tem ligação com grande parte dos óbitos por Causas externas de morbidade e mortalidade.

O consumo de álcool tem sido associado com aumento do risco de lesão e morte em uma grande variedade de situações, incluindo acidentes de trânsito (envolvendo veículos, bicicletas e pedestres), quedas, incêndios, lesões relacionadas ao esporte e atividades recreativas, ferimentos autoinfligidos e lesões resultantes de violência interpessoal. Há também alguma evidência de que a presença de álcool no corpo no momento da lesão pode ser associada com uma maior gravidade da lesão e um resultado menos positivo1414. Cherpitel CJ. Epidemiology of alcohol-related trauma. Alcohol Health Res World 1992; 16(3):191-196.,1515. Li G, Keyl PM, Smith GS, Baker SP. Alcohol and injury severity: Reappraisal of the continuing controversy. J Trauma Inj Infect Crit Care 1997; 42(3):562-569..

Ao se comparar as proporções de óbitos por causas externas entre os gêneros observa-se que houve maior diferença nas mortalidades proporcionais do masculino (14% nos ASD e 26% na população geral); sendo possível inferir que a diferença na mortalidade proporcional de ambas as populações (10% e 19%) seja praticamente devido à diferença entre os homens, já que a mortalidade proporcional nas mulheres foi quase que a mesma em ambas as populações (6% para a população ASD e 7% para a população geral).

Diante do exposto faz-se necessário destacar que estudos relatam maior consumo de álcool entre os homens1616. Peixoto MRG, Monego ET, Alexandre VP, Souza RGM, Moura EC. Monitoramento por entrevistas telefônicas de fatores de risco para doenças crônicas: experiência de Goiânia, Goiás, Brasil. Cad Saude Publica 2008; 24(6):1323-1333.,1717. Almeida RMM, Pasa GG, Scheffer M. Álcool e violência em homens e mulheres. Psicol. Reflex. Crit. 2009; 22(2):252-260.; evidenciando que no presente estudo a provável abstenção de álcool pelos homens ASD foi a possível causa do maior impacto na redução da mortalidade proporcional.

Ressalta-se que a ocorrência de óbitos por causas externas com gênero ignorado na população geral não inviabiliza a confiabilidade da mortalidade proporcional nesta população uma vez que esses óbitos representaram apenas 0,06% de todos aqueles por causas externas (84 óbitos de 135.859).

Ao se analisar a descrição dos indivíduos falecidos por causas externas em ambas as populações é interessante relatar alguns aspectos. Inicialmente, em relação à distribuição dos óbitos por gênero notou-se que em ambas as populações os homens foram maioria (assim como também apresentaram maior mortalidade proporcional tanto entre os ASD quanto na população geral).

Sobre as Causas externas e o gênero masculino vários estudos11. Mascarenhas MDM, Monteiro RA, Bandeira de Sá NN, Gonzaga LAA, Neves ACM, Silva MMA, Malta DC. Epidemiologia das causas externas no Brasil: mortalidade por acidentes e violências no período de 2000 a 2009. In: Brasil. Ministério da Saúde (MS). Saúde Brasil 2010: Uma análise da situação de saúde e de evidências selecionadas de impacto de ações de vigilância em saúde. Brasília: MS; 2011.,1818. Maranhão AGK, Vasconcelos AMN, Aly CMC, Rabello Neto DL, Porto DL, Oliveira H, Poncioni I, Maranhão MHN, Lecca RCR, Fernandes RM. Como morrem os brasileiros: caracterização e distribuição geográfica dos óbitos no Brasil, 2000, 2005 e 2009. In: Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação de Saúde. Saúde Brasil 2010: Uma análise da situação de saúde e de evidências selecionadas de impacto de ações de vigilância em saúde. Brasília: MS; 2011. relatam que a maioria dos óbitos ocorrem em homens. No Brasil, em 2009, cerca de 83% dos óbitos por causas externas ocorreram em homens (taxa de mortalidade de 122,5 óbitos por 100 mil habitantes, contra 24,1 óbitos por 100 mil habitantes nas mulheres, 5,1 vezes maior); e sobretudo em homens jovens, com 50% dos óbitos por causas externas naqueles entre 20 a 39 anos11. Mascarenhas MDM, Monteiro RA, Bandeira de Sá NN, Gonzaga LAA, Neves ACM, Silva MMA, Malta DC. Epidemiologia das causas externas no Brasil: mortalidade por acidentes e violências no período de 2000 a 2009. In: Brasil. Ministério da Saúde (MS). Saúde Brasil 2010: Uma análise da situação de saúde e de evidências selecionadas de impacto de ações de vigilância em saúde. Brasília: MS; 2011..

Com relação à faixa etária em ambos os grupos predominou a de 20-29 anos, seguida por 30-39 anos, o que não causa espanto uma vez que no Brasil os indivíduos mais vulneráveis às mortes por essas causas são justamente os adultos jovens de 20 a 39 anos11. Mascarenhas MDM, Monteiro RA, Bandeira de Sá NN, Gonzaga LAA, Neves ACM, Silva MMA, Malta DC. Epidemiologia das causas externas no Brasil: mortalidade por acidentes e violências no período de 2000 a 2009. In: Brasil. Ministério da Saúde (MS). Saúde Brasil 2010: Uma análise da situação de saúde e de evidências selecionadas de impacto de ações de vigilância em saúde. Brasília: MS; 2011..

Em relação à raça/cor as cores parda e branca foram predominantes em ambos os grupos, com destaque para um grande percentual dessa variável ignorada ou sem preenchimento. Sobre as causas externas e a raça/cor, estudos têm apresentado que indivíduos negros, principalmente do sexo masculino, têm maiores taxas de mortalidade, sobretudo por homicídio, que brancos1919. Batista LE, Escuder MML, Pereira JCR. A cor da morte: causas de óbito segundo características de raça no Estado de São Paulo, 1999 a 2001. Rev Saude Publica 2004; 38(5):630-636.,2020. Soares Filho AM, Souza MFM, Gazal-Carvalho C, Malta DC, Alencar AP, Silva MMA, Morais Neto OL. Análise da mortalidade por homicídios no Brasil. Epidemiol Serv Saude 2007; 16(1):7-18.. Destaca-se que no presente estudo foram apenas listados os percentuais de cada raça/cor; não sendo possível afirmar em qual raça/cor houve maior coeficiente de mortalidade nas populações.

Sobre o estado civil para os ASD predominaram os casados seguidos por solteiros, o que se inverteu na população geral. Possivelmente essa diferença, que não foi expressiva, seja devido aos percentuais ligeiramente maiores de meia-idade e idosos entre os ASD e de crianças e adultos jovens entre os não ASD. Relembra-se que entre os dados fornecidos sobre os ASD não há dados de crianças. Esse fato é uma limitação do estudo uma vez que os óbitos por causas externas nessa faixa-etária não foram contabilizados para os ASD. Entretanto, acredita-se que o pequeno percentual de óbitos por causas externas em crianças na população geral minimize esta limitação.

Com relação à escolaridade não é possível fazer nenhuma inferência devido à grande proporção de dados ignorados ou sem preenchimento dessa variável em ambas as populações.

Na análise que separa as causas externas em acidentais e relacionadas às agressões e lesões autoprovocadas dentre as população, nota-se que entre os ASD as primeiras predominam sobre as segundas, com 68,08% de todas as mortes por causas externas. Já entre a população geral as mortes por causas intencionais relacionadas às agressões e lesões autoprovocadas apresentaram ligeiro predomínio, com 53,67% das mortes referentes ao capítulo XX, sendo, todavia um percentual bem maior que os 31,92% dos ASD.

Sobre essa maior expressão de mortes por causas intencionais relacionadas às agressões e lesões autoprovocadas na população geral e de mortes por causas acidentais nos ASD destaca-se que parece haver uma maior associação entre ser vítima de violência com o álcool, em relação a ser vítima de acidente, o que poderia explicar o achado.

Um estudo que teve por objetivo descrever a frequência de referência à ingestão de bebida alcoólica entre os atendimentos de emergência por causas externas a partir do Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes em Serviços Sentinelas mostrou que a referência à suspeita de uso de álcool foi maior entre as vítimas de violência (37,9%) em relação às vítimas de acidentes (8%), ou seja, a proporção de consumo de bebida alcoólica foi quase cinco vezes maior entre os atendimentos por violência em relação aos atendimentos decorrentes de acidentes2121. Mascarenhas MDM, Malta DC, Silva MMA, Carvalho CG, Monteiro RA, Morais Neto OL. Consumo de álcool entre vítimas de acidentes e violências atendidas em serviços de emergência no Brasil, 2006 e 2007. Cien Saude Colet 2009; 14(5):1789-1796.. Em outro estudo sobre a frequência de ingestão alcoólica em vítimas de causas externas atendidos em emergência a alcoolemia positiva foi mais frequente entre as vítimas de agressão física (57,1%) do que as de queda (18,2%) ou de acidente de trânsito (29,3%)2222. Freitas EAM, Mendes ID, Oliveira LCM. Ingestão alcoólica em vítimas de causas externas atendidas em um hospital geral universitário. Rev Saude Publica 2008; 42(5):813-821..

Como esperado, os homens também foram maioria tanto nas causas acidentais como nas não intencionais relacionadas às agressões e lesões autoprovocadas, devido à sua predominância nas mortes por causas externas já discutida.

A análise sobre a RPM dos ASD do Espírito Santo revelou que os mesmos têm a mortalidade reduzida em 58,7% para as Causas Externas. Esse resultado aponta que os ASD não só apresentam menor percentual de óbitos por causas externas como também menor risco de morrer por esse motivo, conforme verificado através da RMP.

Como já explanado neste trabalho, mais uma vez a redução das causas externas de morbidade e mortalidade poderia ser devido à provável abstinência de álcool pelos ASD. A ligação entre morrer por causas externas de morbidade e mortalidade e o consumo de álcool foi abordada anteriormente, sendo atribuídas a este motivo 46% das mortes por acidentes de trânsito, suicídio, homicídio e outros tipos de violência intra e interpessoal; ou seja, praticamente 46% dos óbitos pelas causas externas22. Rehm J, Room R, Monteiro M, Gmel G, Graham K, Rehn N, Sempos CT, Frick U, Jernigan D. Alcohol use. In: Ezzati M, Lopez AD, Rodgers A, Murray C JL, editors. Comparative quantification of health risks: global and regional burden of disease attributable to selected major risk factors. Geneva: World Health Organization; 2004. p. 959-1108..

Nos estudos sobre ASD já desenvolvidos, tanto nacionais como os realizados em outros países, não houve análise sobre as mortes por causas externas, o que impede a comparação destes resultados.

Sobre as limitações do estudo, além da ausência de crianças entre os óbitos ASD, destaca-se que alguns dos ASD falecidos não foram encontrados no SIM (perdas), não sendo, portanto contabilizados. Ressalta-se que uma parcela dessas perdas pode ser de óbitos ocorridos em outros estados antes de 2006, já que até 2006 os indivíduos eram registrados no SIM do estado onde o óbito ocorria em vez do estado em que a pessoa residia. Somente após esse período a declaração de óbito passou a ser reportada ao estado no qual o indivíduo reside.

Vale lembrar que todas as declarações de óbitos de ambas as populações foram processadas e revisadas pela mesma secretaria de saúde. Sendo assim, a qualidade das informações de ambas as populações são similares, minimizando problemas na comparação dos dados.

Enfim, conclui-se que os ASD do Espírito Santo entre 2003 e 3009 apresentaram menor mortalidade proporcional por causas externas que a população geral. As mortes por causas acidentais são mais expressivas entre os ASD enquanto as por causas intencionais relacionadas às agressões e lesões autoprovocadas são mais significativas na população geral. Os ASD tiveram sua mortalidade por causas externas reduzidas em 58,7%. Acredita-se que possivelmente o benefício verificado em relação à mortalidade por causas externas esteja relacionado ao consumo de álcool. A realização futura de estudos analíticos que avaliem o consumo de álcool e seu padrão poderá auxiliar na elucidação e quantificação do mesmo quanto a um fator de risco para as causas externas.

Referências

  • 1
    Mascarenhas MDM, Monteiro RA, Bandeira de Sá NN, Gonzaga LAA, Neves ACM, Silva MMA, Malta DC. Epidemiologia das causas externas no Brasil: mortalidade por acidentes e violências no período de 2000 a 2009. In: Brasil. Ministério da Saúde (MS). Saúde Brasil 2010: Uma análise da situação de saúde e de evidências selecionadas de impacto de ações de vigilância em saúde Brasília: MS; 2011.
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    Rehm J, Room R, Monteiro M, Gmel G, Graham K, Rehn N, Sempos CT, Frick U, Jernigan D. Alcohol use. In: Ezzati M, Lopez AD, Rodgers A, Murray C JL, editors. Comparative quantification of health risks: global and regional burden of disease attributable to selected major risk factors Geneva: World Health Organization; 2004. p. 959-1108.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul 2017

Histórico

  • Recebido
    24 Jul 2015
  • Aceito
    16 Fev 2016
  • Revisado
    18 Fev 2016
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