Resumo
Este artigo apresenta a aplicação de um protocolo de indicadores para a avaliação da capacidade de gestão do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (CEAF) em um estado do Sul do Brasil. A escolha do referencial teórico de capacidade de governo de Carlos Matus, refletido no conceito de capacidade de gestão e de gestão da assistência farmacêutica, tem por base a necessidade de superar a fragmentação e a redução tecnicista imposta à área. A aplicação do protocolo envolveu a coleta de dados em 74 unidades (municipais ou estaduais). Os resultados das análises indicam que a capacidade de gestão necessita de avanços nas três dimensões avaliadas, principalmente em relação aos aspectos que visam à sustentabilidade da gestão. O modelo e o protocolo utilizados trazem avanços para a gestão da assistência farmacêutica ao propor uma mudança do foco técnico-logístico, para as ações de natureza estratégica e política, ou que fomentem maior participação e autonomia. De posse dos resultados poder-se-á desenvolver estratégias para a qualificação do acesso a medicamentos no SUS, no sentido de que o CEAF se torne capaz de garantir a integralidade dos tratamentos medicamentosos.
Avaliação em saúde; Gestão em saúde; Assistência farmacêutica; Política Nacional de Assistência Farmacêutica; Componente Especializado da Assistência Farmacêutica
Introdução
As tecnologias em saúde, entre elas os medicamentos, constituem um dos fatores do aumento nos gastos em saúde nos países11. Sorenson C, Drummond M, Bhuiyan KB. Medical technology as a key driver of rising health expenditure: disentangling the relationship. Clinicoecon Outcomes Res 2013; 5:223-234.. Este crescimento pode ser atribuído à mudança do perfil epidemiológico, à pressão pela incorporação das novas tecnologias nos serviços públicos e à ampliação do acesso nos sistemas de saúde22. Soares L. O acesso ao serviço de dispensação e a medicamentos: modelo teórico e elementos empíricos [tese]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; 2013..
Para garantir o acesso e o Uso Racional dos Medicamentos (URM), o Brasil tem implementado diferentes políticas públicas desde 199833. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria n° 3.916, de 30 de outubro de 1998. Aprova a Política Nacional de Medicamentos. Diário Oficial da União 1998;,44. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Resolução nº 338, de 6 de maio de 2004. Aprova a Política Nacional de Assistência Farmacêutica. 2004. Diário Oficial da União 2004; 7 maio.. O Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (CEAF) é uma estratégia que objetiva viabilizar o acesso aos medicamentos para a garantia da integralidade dos tratamentos, a partir de linhas de cuidado expressas em Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) publicados pelo Ministério da Saúde (MS)55. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 2.981, de 26 de novembro de 2009. Aprova o Componente Especializado da Assistência Farmacêutica. Diário Oficial da União 2009; 27 nov..
O CEAF é uma estratégia relevante à medida que é a única via de acesso a alguns medicamentos, especialmente os de preço mais elevado. Em 2014, dos 12,4 bilhões de reais investidos em medicamentos pelo MS, 4,9 bilhões foram destinados ao financiamento do CEAF66. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Componente Especializado da Assistência Farmacêutica: inovação para a garantia do acesso a medicamentos no SUS. Brasília: MS; 2014..
Apesar do grande destaque aos aspectos financeiros, diferentes desafios compõem um contexto complexo a ser administrado pelos gestores do SUS, visando o acesso integral e universal aos medicamentos. Um destes desafios é a descentralização das ações, a partir da qual os estados e municípios passaram a assumir a responsabilidade direta pela atenção à saúde, incluindo as ações relacionadas à Assistência Farmacêutica (AF). Segundo Solla77. Solla J. Dilemas e desafios da gestão municipal do SUS: avaliação da implantação do Sistema Municipal em Vitória da Conquista (Bahia), 1997- 2008. São Paulo: Ed. Hucitec; 2010., a descentralização por si só não é suficiente para viabilizar os princípios e as diretrizes do SUS, pois depende do fortalecimento institucional, da capacidade de gestão e da democratização das instituições de saúde.
Para responder a estes desafios, a investigação de políticas e serviços de saúde cumpre um papel fundamental ao possibilitar a identificação de problemas relevantes e a provisão de informação confiável, constituindo uma importante ferramenta para a melhoria da qualidade dos serviços88. Lugones R, Bermudez JAZ, Bonfim JRA. Analisis comparado de política de medicamentos. São Paulo: Hucitec/Sobravime; 1999..
Apesar de muitos países terem desenvolvido sistemas de monitoramento e avaliação de programas e políticas, poucos têm produzido informações regulares sobre sua continuidade e sobre os benefícios esperados99. Felisberto E. Análise da implantação e da sustentabilidade da política nacional de monitoramento e avaliação da atenção básica no Brasil, no período de 2003-2008 [tese]. Recife: Fundação Oswaldo Cruz; 2010.. Segundo Kruk e Freedman1010. Kruk ME, Freedman LP. Assessing health system performance in developing countries: a review of the literature. Health Policy 2008; 85(3):263-276., embora estudos de avaliação do desempenho de sistemas de saúde incorporem indicadores relacionados com a continuidade do cuidado, a oportunidade do acesso, a equidade e a satisfação dos pacientes, alguns destes ainda estão pouco desenvolvidos no mundo. Nesse sentido, é necessária a construção de modelos de avaliação que possibilitem detectar as dificuldades e produzir recomendações que auxiliem na correção de rumos e disseminação de lições e aprendizagens visando à melhoria do desempenho das políticas1111. Humphreys K, Mclellan AT. A policy-oriented review of strategies for improving the outcomes of services for substance use disorder patients. Addiction 2011; 106(12):2058-2066..
No caso das políticas de AF, as avaliações realizadas usualmente focam-se nos aspectos técnicos e logísticos, desconsiderando os aspectos políticos e sociais que influenciam a implementação das políticas públicas1212. Santos RI. Concepções de assistência farmacêutica no contexto histórico brasileiro [doutorado]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; 2011.. Alguns avanços no conceito de gestão e avaliação da AF foram apresentados por Guimarães1313. Guimarães MCL. Indicadores para avaliar a gestão descentralizada da Assistência Farmacêutica na Atenção Básica: um modelo em construção [resumo executivo projeto de pesquisa]. Salvador: Universidade Federal da Bahia; 2007., Barreto1414. Barreto JL. Análise da gestão descentralizada da assistência farmacêutica: um estudo em municípios baianos [dissertação]. Salvador: Universidade Federal da Bahia; 2007. e Barreto e Guimarães1515. Barreto JL, Guimarães MCL. Evaluation of decentralized management of basic pharmaceutical care in Bahia State, Brazil. Cad Saude Publica 2010; 26(6):1207-1220. na Bahia, Manzini e Leite1616. Manzini F, Leite SN. Matriz de indicadores do modelo de avaliação e as premissas da capacidade de gestão da Assistência Farmacêutica em âmbito municipal. In: Manzini F, Farias MR, Rover MRM, Mendes SJ, Leite SN, organizadores. Gestão da Assistência Farmacêutica: Proposta para Avaliação no Contexto Municipal: A Experiência em Santa Catarina 2015. Florianópolis: Editora da UFSC; 2016. p. 95-141.e Mendes e Leite1717. Mendes SJ, Leite SN. Resultados gerais da avaliação da gestão da assistência farmacêutica em Santa Catarina. In: Manzini F, Farias MR, Rover MRM, Mendes SJ, Leite SN, organizadores. Gestão da Assistência Farmacêutica: Proposta para Avaliação no Contexto Municipal: A Experiência em Santa Catarina 2015. Florianópolis: Editora da UFSC; 2016. p. 147-160. em Santa Catarina. Estas avaliações da gestão da AF básica adotaram o referencial teórico de capacidade de governo de Matus1818. Matus C. Política, planejamento & governo. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 1993. adaptando-o ao contexto político e às particularidades do sistema de saúde brasileiro em cada um dos estados estudados. Esta concepção de gestão valoriza o processo e não só o resultado; e privilegia discussões sobre os aspectos sociais, o poder e sua legitimidade. Além disso, consideraram que a gestão deve ser orientada pelos princípios do SUS e que a avaliação, como um instrumento de gestão, deve seguir também estes preceitos.
Neste contexto, este estudo foi conduzido com o objetivo de avaliar a capacidade de gestão do CEAF, em um estado do sul do país, sob as dimensões organizacional, operacional e de sustentabilidade.
Método
Trata-se de um estudo avaliativo transversal, sendo a posição do avaliador externa. O protocolo de indicadores aplicado foi construído com base nos estudos de Guimarães1313. Guimarães MCL. Indicadores para avaliar a gestão descentralizada da Assistência Farmacêutica na Atenção Básica: um modelo em construção [resumo executivo projeto de pesquisa]. Salvador: Universidade Federal da Bahia; 2007., Barreto1414. Barreto JL. Análise da gestão descentralizada da assistência farmacêutica: um estudo em municípios baianos [dissertação]. Salvador: Universidade Federal da Bahia; 2007. e Barreto e Guimarães1515. Barreto JL, Guimarães MCL. Evaluation of decentralized management of basic pharmaceutical care in Bahia State, Brazil. Cad Saude Publica 2010; 26(6):1207-1220. e nos resultados de estudos exploratórios sobre o CEAF1919. Rover MRM, Vargas-Pelaez CM, Fernanda M, Mendes SJ, Farias MR, Leite SN. Modelo Teórico e Lógico para a avaliação da capacidade de gestão do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica. Gestão e Saúde 2016; 7(1):191-210.
20. Rover MRM, Vargas-Pelaez CM, Farias MR, Leite SN. Acceso a medicamentos de alto precio en Brasil: la perspectiva de médicos, farmacéuticos y usuarios. Gaceta Sanitaria 2016; 30(2):110-116.-2121. Rover MRM, Vargas-Peláez CM, Farias MR, Leite SN. Da organização do sistema à fragmentação do cuidado: a percepção de usuários, médicos e farmacêuticos sobre o Componente Especializado da Assistência Farmacêutica em um estado do sul do Brasil. Physis 2016; 26(2):691-711.. Este protocolo de indicadores foi validado por meio de oficina de consenso com pesquisadores da área, gestores e outros atores envolvidos, e inclui além da descrição dos indicadores, as medidas, os cálculos e os parâmetros, assim como os instrumentos para a coleta de dados2222. Rover MRM, Vargas-Peláez CM, Farias MR, Leite SN. Metodologia para o desenvolvimento de um protocolo de indicadores para a avaliação da capacidade de gestão da assistência farmacéutica. UFSC – Especialização em Gestão da Assistência Farmacêutica. Universidade Aberta do SUS – UNASUS. [acessado 2017 jan 5]. Disponível em: https://ares.unasus.gov.br/acervo/handle/ARES/6141
https://ares.unasus.gov.br/acervo/handle... . Os 25 indicadores são divididos em três dimensões: 8 na organizacional, 11 na operacional e 6 na de sustentabilidade2222. Rover MRM, Vargas-Peláez CM, Farias MR, Leite SN. Metodologia para o desenvolvimento de um protocolo de indicadores para a avaliação da capacidade de gestão da assistência farmacéutica. UFSC – Especialização em Gestão da Assistência Farmacêutica. Universidade Aberta do SUS – UNASUS. [acessado 2017 jan 5]. Disponível em: https://ares.unasus.gov.br/acervo/handle/ARES/6141
https://ares.unasus.gov.br/acervo/handle... .
Aplicação do protocolo
População de estudo e seleção da amostra de municípios
Considerou-se como população de estudo todas as unidades que desenvolvem atividades do CEAF no estado. Junto à Secretaria Estadual de Saúde (SES) foi obtido o contato de 143 unidades, incluindo as municipais e as estaduais. Para todas foram enviados, via e-mail, convites para a participação na pesquisa. Em 10% a coleta de dados foi realizada na forma presencial e nas demais via online. Foram incluídas na amostra aquelas unidades em que o farmacêutico responsável aceitou participar da pesquisa, incluindo um representante da diretoria de assistência farmacêutica do estado, de um serviço de referência e da Central de Abastecimento Farmacêutico (CAF).
Para a caracterização dos municípios incluídos foi considerado o porte populacional categorizado segundo a proposta de Veber et al.2323. Veber AP, Diehl E, Leite SN, Prospero ENS. Pharmaceutical assistance in local public health services in Santa Catarina (Brazil): characteristics of its organization. Brazilian Journal of Pharmaceutical Sciences 2011; 47(1):75-80.: Conglomerado A até 9.999 habitantes; Conglomerado B entre 10.000 e 49.999; e Conglomerado C mais de 50.000 habitantes. Foram incluídas unidades de todas as macrorregiões de saúde do estado.
Coleta de dados
O trabalho de campo foi realizado entre os meses de fevereiro e maio de 2016. A coleta de dados foi desenvolvida utilizando triangulação de métodos2424. Minayo MCS, Assis SG, Souza ER. Avaliação por Triangulação de Métodos: abordagem de programas sociais. 3ª ed. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2010. incluindo revisão documental, e aplicação in loco e a distância de questionários. Estudos qualitativos que fizeram parte do projeto do estudo avaliativo foram apresentados em artigos complementares e foram utilizados para subsidiar as discussões dos resultados aqui apresentados2020. Rover MRM, Vargas-Pelaez CM, Farias MR, Leite SN. Acceso a medicamentos de alto precio en Brasil: la perspectiva de médicos, farmacéuticos y usuarios. Gaceta Sanitaria 2016; 30(2):110-116.,2121. Rover MRM, Vargas-Peláez CM, Farias MR, Leite SN. Da organização do sistema à fragmentação do cuidado: a percepção de usuários, médicos e farmacêuticos sobre o Componente Especializado da Assistência Farmacêutica em um estado do sul do Brasil. Physis 2016; 26(2):691-711..
Na revisão documental foram incluídos documentos como o organograma da SES; as deliberações da Comissão Intergestores Bipartite (CIB); atas das reuniões do Conselho Estadual de Saúde (CES); Programação Plurianual (PPA), registros do Banco de Preços em Saúde, Plano Estadual de Saúde (PES), registros da ouvidoria e dados dos sistemas informatizados.
Para a coleta de dados in loco os questionários utilizados (um específico para farmacêuticos das unidades municipais, um para os das unidades estaduais e um para o gestor da SES) continham perguntas abertas e fechadas para verificação de aspectos concernentes a cada indicador. Além disso, formulários tipo check-list foram aplicados pela pesquisadora no dia da visita, para a avaliação das condições logísticas das unidades constituintes do CEAF.
Para a coleta de dados a distância, o link dos questionários online foi enviado via e-mail às demais unidades. Estes instrumentos foram adaptados dos questionários e formulários check-list da coleta de dados in loco, e validados após verificação da concordância através do fator Kappa2222. Rover MRM, Vargas-Peláez CM, Farias MR, Leite SN. Metodologia para o desenvolvimento de um protocolo de indicadores para a avaliação da capacidade de gestão da assistência farmacéutica. UFSC – Especialização em Gestão da Assistência Farmacêutica. Universidade Aberta do SUS – UNASUS. [acessado 2017 jan 5]. Disponível em: https://ares.unasus.gov.br/acervo/handle/ARES/6141
https://ares.unasus.gov.br/acervo/handle... ,2525. Gisev N, Bell JS, Chen TF. Interrater agreement and interrater reliability: key concepts, approaches, and applications. Res Social Adm Pharm 2013; 9(3):330-338..
Análise dos dados e cálculo dos indicadores
Para o processamento dos dados coletados e o cálculo dos indicadores foi utilizado o software Microsoft Excel®. O cálculo da pontuação dos indicadores foi realizado a partir da aglomeração dos dados obtidos das unidades participantes, seguindo as medidas e os parâmetros estabelecidos no protocolo de avaliação para cada indicador2222. Rover MRM, Vargas-Peláez CM, Farias MR, Leite SN. Metodologia para o desenvolvimento de um protocolo de indicadores para a avaliação da capacidade de gestão da assistência farmacéutica. UFSC – Especialização em Gestão da Assistência Farmacêutica. Universidade Aberta do SUS – UNASUS. [acessado 2017 jan 5]. Disponível em: https://ares.unasus.gov.br/acervo/handle/ARES/6141
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Na sequência, para cada indicador, foi atribuído um juízo de valor e sua conversão em cores, definidas durante o desenho do protocolo de indicadores (Quadro 1). O julgamento é formado quando as descobertas e as interpretações são comparadas com um ou mais parâmetros selecionados para avaliação2626. Alves CKA, Natal S, Felisberto E, Samico I. Interpretação e análise das informações: o uso de matrizes, critérios, indicadores e padrões. In: Samico I, Felisberto E, Figueiró AC, Frias PG, editores. Avaliação em saúde: bases conceituais e operacionais. Rio de Janeiro: Medbook; 2010. p. 89-107.. A conversão em cores visa facilitar a visualização dos resultados obtidos1313. Guimarães MCL. Indicadores para avaliar a gestão descentralizada da Assistência Farmacêutica na Atenção Básica: um modelo em construção [resumo executivo projeto de pesquisa]. Salvador: Universidade Federal da Bahia; 2007.
14. Barreto JL. Análise da gestão descentralizada da assistência farmacêutica: um estudo em municípios baianos [dissertação]. Salvador: Universidade Federal da Bahia; 2007.-1515. Barreto JL, Guimarães MCL. Evaluation of decentralized management of basic pharmaceutical care in Bahia State, Brazil. Cad Saude Publica 2010; 26(6):1207-1220..
A partir do somatório das pontuações dos indicadores, foi obtida uma pontuação por dimensão, a qual também foi atribuída uma cor, como forma de sintetizar os resultados encontrados.
Aspectos éticos
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina. Foram garantidos o sigilo em relação à identificação dos participantes de acordo com o TCLE assinado por todos os entrevistados.
Resultados
Das 143 unidades convidadas, 76 retornaram aceitando participar da pesquisa. Houve uma desistência de participação para a coleta presencial e uma resposta via online não incluída, pois foi enviada após a finalização do período de coleta de dados. Assim, a coleta presencial ocorreu em 13 unidades e na coleta via formulário eletrônico contou-se com 61 participantes, totalizando 74 unidades incluídas no estudo.
As unidades estaduais participantes foram: a coordenação/diretoria da assistência farmacêutica, 8 unidades descentralizadas, 1 Serviço de Referência (SR) e a CAF Central. Entre as unidades municipais foram coletados dados de 63 unidades de diferentes municípios.
Com relação ao porte populacional, 22 municípios participantes são classificados no conglomerado A, 26 no B e 16 no C.
As unidades participantes atendiam 36.823 usuários do CEAF (aproximadamente 40% dos usuários do CEAF no estado) envolvendo o trabalho de 427 profissionais. A maioria das unidades (90%) atendem outros componentes da assistência farmacêutica e/ou programas além do CEAF, entre eles os mais frequentes são o Componente Básico da Assistência Farmacêutica (CBAF) e as demandas judiciais.
O protocolo de indicadores e os resultados da avaliação são apresentados no Quadro 2.
Das três dimensões avaliadas, nenhuma delas está de acordo a imagem objetivo que se deseja construir. A dimensão que atingiu a menor pontuação foi a da sustentabilidade. Nesta dimensão, nenhum dos indicadores avaliados alcançou a maior faixa de pontuação, ou seja, todos os aspectos analisados precisam ser aprimorados, com destaque para o controle social e a relação com os usuários como aspectos mais críticos.
Na dimensão organizacional as parcerias e o acesso descentralizado apresentaram melhor desempenho, enquanto o monitoramento das ações apareceu como um fator a ser priorizado. Por fim, na dimensão operacional, as principais fortalezas foram em relação à infraestrutura, complementariedade e comunicação. As maiores fragilidades se encontraram nas condições normativas, ou seja, existiam debilidades nas condições legais e sanitárias para o exercício das atividades nas unidades.
Discussão
A expressiva participação e representatividade das unidades avaliadas permitiram inferências relativas à gestão do componente em nível estadual e indicou interesse e comprometimento com o desenvolvimento da AF.
Em relação ao resultado geral da avaliação, este expressa a necessidade de investimentos na qualificação da gestão estadual do CEAF em todas as dimensões, mas especialmente na de sustentabilidade.
A dimensão da sustentabilidade avaliou o potencial da gestão em sustentar as ações e os resultados do CEAF, a qual é dependente da inter-relação da AF com outros setores da saúde, da satisfação dos usuários com a qualidade dos serviços e do grau de participação social1515. Barreto JL, Guimarães MCL. Evaluation of decentralized management of basic pharmaceutical care in Bahia State, Brazil. Cad Saude Publica 2010; 26(6):1207-1220.,2727. Guimarães MCL, Santos SMC, Melo C. Sanches Filho A. Avaliação da capacidade de gestão de organizações sociais: uma proposta metodológica em desenvolvimento. Cad Saude Publica 2004; 20(6):1642-1650.. A baixa pontuação desta dimensão e o fato de nenhum indicador alcançar a imagem-objetivo refletiu o fato da sustentabilidade das ações ser um tema pouco avaliado na área da AF1717. Mendes SJ, Leite SN. Resultados gerais da avaliação da gestão da assistência farmacêutica em Santa Catarina. In: Manzini F, Farias MR, Rover MRM, Mendes SJ, Leite SN, organizadores. Gestão da Assistência Farmacêutica: Proposta para Avaliação no Contexto Municipal: A Experiência em Santa Catarina 2015. Florianópolis: Editora da UFSC; 2016. p. 147-160..
As principais fortalezas nesta dimensão se encontraram nos indicadores perfil do gestor e aspectos clínicos. No perfil do gestor destacou-se a formação e a experiência na área farmacêutica, bem como a existência formal do cargo na SES, fator considerado um avanço na direção da institucionalidade do SUS2828. Paim JS, Teixeira CF. Institutional configuration and administration of Brazil’s National Health System (SUS): problems and challenges. Cien Saude Colet 2007; 12(Supl. 0):819-829.. A fragilidade encontrada foi a fragmentação e os problemas de articulação do gestor com outras áreas da SES que são responsáveis por parte das funções relativas ao funcionamento do CEAF.
No caso dos aspectos clínicos destacou-se a participação do farmacêutico no primeiro atendimento (dispensação) dos usuários do CEAF em boa parte das unidades, o que indicou a existência de condições mínimas para a promoção do URM2929. Ev LS, Gonçalves CB. Utilização de medicamentos. In: Osório-de-Castro CGS, Luiza VL, Castilho SR, Oliveira MA, Jaramillo NM, organizadores. Assistência Farmacêutica: Gestão e prática para profissionais da saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2014. p. 119-134. e alcance dos objetivos do CEAF. Porém, é necessário avançar na implementação e registro de atividades do monitoramento dos tratamentos propostos nos PCDT3030. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas. 2010. [acessado 2016 jul 4]. Disponível em: http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2008001400021
http://www.scielosp.org/scielo.php?scrip... . Registros do monitoramento são fontes ricas de informações para a gestão no que se refere à identificação das falhas nos serviços e no planejamento das ações1616. Manzini F, Leite SN. Matriz de indicadores do modelo de avaliação e as premissas da capacidade de gestão da Assistência Farmacêutica em âmbito municipal. In: Manzini F, Farias MR, Rover MRM, Mendes SJ, Leite SN, organizadores. Gestão da Assistência Farmacêutica: Proposta para Avaliação no Contexto Municipal: A Experiência em Santa Catarina 2015. Florianópolis: Editora da UFSC; 2016. p. 95-141.,3030. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas. 2010. [acessado 2016 jul 4]. Disponível em: http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2008001400021
http://www.scielosp.org/scielo.php?scrip... , contudo, foram verificados em apenas pouco mais de um terço das unidades. Para a superação desta limitação são necessárias medidas como a ampliação do quadro de farmacêuticos e o desenvolvimento de atividades de capacitação focadas na “mudança do enfoque filosófico, organizacional e funcional da farmácia, elevando o seu nível de responsabilidade e do profissional farmacêutico”3131. Lima-Dellamora EC, Caetano R, Osorio-de-Castro CGS. Dispensing specialized component medicines in areas of the State of Rio de Janeiro. Cien Saude Colet 2012; 17(9):2387-2396..
O alerta no indicador da acessibilidade estava relacionado com tempo de espera até a primeira dispensação dos medicamentos e a existência de demandas judiciais para medicamentos fornecidos pelo CEAF. Estas evidenciam a necessidade de criação de fluxos mais ágeis e menos burocratizados, visando o atendimento oportuno dos usuários2121. Rover MRM, Vargas-Peláez CM, Farias MR, Leite SN. Da organização do sistema à fragmentação do cuidado: a percepção de usuários, médicos e farmacêuticos sobre o Componente Especializado da Assistência Farmacêutica em um estado do sul do Brasil. Physis 2016; 26(2):691-711., o que redundará na sustentabilidade da gestão pela satisfação das necessidades dos usuários.
De forma similar, o alerta no indicador da relação entre serviços demonstrou a necessidade de informações sobre a demanda de serviços relacionada ao CEAF e a oferta destes pelo estado. Estas informações poderiam ser obtidas, tanto por ações de acompanhamento das unidades do CEAF, quanto por meio da melhoria da interação com outros setores da rede de saúde, no planejamento para atendimento dos serviços. Estas medidas são fundamentais para a superação das limitações na oferta descritas em estudo anterior, com usuários, médicos e farmacêuticos2121. Rover MRM, Vargas-Peláez CM, Farias MR, Leite SN. Da organização do sistema à fragmentação do cuidado: a percepção de usuários, médicos e farmacêuticos sobre o Componente Especializado da Assistência Farmacêutica em um estado do sul do Brasil. Physis 2016; 26(2):691-711..
Os aspectos mais críticos da dimensão da sustentabilidade, e que precisam ser priorizados foram os indicadores Controle social e Relação com os usuários. A relação distante da gestão com os usuários, descrita pelos participantes neste estudo corrobora o relato de Lima-Dellamora et al.3131. Lima-Dellamora EC, Caetano R, Osorio-de-Castro CGS. Dispensing specialized component medicines in areas of the State of Rio de Janeiro. Cien Saude Colet 2012; 17(9):2387-2396.. Estes resultados revelam a necessidade de aproximar a gestão da “ponta”, e que o gestor, no seu papel de líder, estabeleça canais de comunicação eficientes com vistas à transformação da realidade organizacional e das relações sociais de produção de cuidados, de modo que facilitem a identificação e a solução oportuna das necessidades dos usuários2222. Rover MRM, Vargas-Peláez CM, Farias MR, Leite SN. Metodologia para o desenvolvimento de um protocolo de indicadores para a avaliação da capacidade de gestão da assistência farmacéutica. UFSC – Especialização em Gestão da Assistência Farmacêutica. Universidade Aberta do SUS – UNASUS. [acessado 2017 jan 5]. Disponível em: https://ares.unasus.gov.br/acervo/handle/ARES/6141
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Algumas alternativas úteis para resolver estas fragilidades incluem a institucionalização de pesquisas de satisfação com usuários do CEAF e o acompanhamento dos dados levantados pela ouvidoria para o planejamento das ações do componente. Estes processos poderiam criar um ambiente favorável para sustentar as decisões, traduzindo a construção de uma imagem positiva que aumentaria a viabilidade da gestão no âmbito estadual.
Em relação ao Controle social, a ausência de pautas sobre o CEAF nas reuniões do CES demonstrou a não valorização, por parte da gestão, da participação social. Considerando a natureza estratégica e essencial da participação social para a gestão de programas e políticas públicas1515. Barreto JL, Guimarães MCL. Evaluation of decentralized management of basic pharmaceutical care in Bahia State, Brazil. Cad Saude Publica 2010; 26(6):1207-1220., sugere-se a utilização destes espaços para a discussão de aspectos como a disponibilidade e a organização de serviços que comprometem o acesso a medicamentos do CEAF2222. Rover MRM, Vargas-Peláez CM, Farias MR, Leite SN. Metodologia para o desenvolvimento de um protocolo de indicadores para a avaliação da capacidade de gestão da assistência farmacéutica. UFSC – Especialização em Gestão da Assistência Farmacêutica. Universidade Aberta do SUS – UNASUS. [acessado 2017 jan 5]. Disponível em: https://ares.unasus.gov.br/acervo/handle/ARES/6141
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Na dimensão organizacional, observou-se que apenas dois indicadores estão de acordo com a imagem-objetivo que se deseja construir: parceiras e acesso descentralizado. Estes indicadores estavam relacionados entre si, pois a parceria com outras instituições para o desenvolvimento de atividades do CEAF foi realizada entre o estado e os municípios através de pactuação em CIB3232. Santa Catarina. Secretaria Estadual de Saúde (SES). Deliberação Comissão Intergestores Bipartite 398 de 25 de setembro de 2014. Florianópolis: SES; 2014.. O atendimento dos usuários passou a ocorrer em seus municípios de residência, possibilitando a ampliação do acesso aos medicamentos do componente por aumentar a acessibilidade aos serviços farmacêuticos, como colocado por Penchansky e Thomas3333. Penchansky R, Thomas JW. The concept of access: definition and relationship to consumer satisfaction. Med Care 1981; 19(2):127-140..
Os indicadores de participação, transparência, planejamento, institucionalização e regulamentação sinalizavam avanços, mas também necessidade de aperfeiçoamento. Este conjunto de indicadores evidenciou que a capacidade de planejar e decidir de forma participativa e transparente, precisa avançar2828. Paim JS, Teixeira CF. Institutional configuration and administration of Brazil’s National Health System (SUS): problems and challenges. Cien Saude Colet 2007; 12(Supl. 0):819-829.. Para melhorar a participação poderiam ser criadas estratégias ou instâncias, como reuniões de planejamento, consultas públicas e atividades com associações de pacientes, para o engajamento e a corresponsabilização dos envolvidos no CEAF (pacientes, prescritores, farmacêuticos) na gestão e desenvolvimento do mesmo1515. Barreto JL, Guimarães MCL. Evaluation of decentralized management of basic pharmaceutical care in Bahia State, Brazil. Cad Saude Publica 2010; 26(6):1207-1220.. A criação de tais estratégias indicaria compartilhamento e transparência no processo decisório o que soma para a capacidade de decidir em ambiente democrático.
Embora o estado registrasse os preços praticados no Banco de Preços em Saúde3434. Brasil. Lei Complementar nº 131, de 27 de maio de 2009. Acrescenta dispositivos à Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências, a fim de determinar a disponibilização, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Diário Oficial da União 2000; 28 maio., a inexistência de divulgação de informações sobre o desabastecimento de medicamentos demonstrou que a gestão descumpriu princípios legais da transparência. Este último ainda acarreta o retorno dos usuários diversas vezes às unidades de dispensação.
A existência de diretrizes de abrangência estadual sobre os processos de trabalho nas unidades (definida como responsabilidade da gestão estadual na CIB 398/20143232. Santa Catarina. Secretaria Estadual de Saúde (SES). Deliberação Comissão Intergestores Bipartite 398 de 25 de setembro de 2014. Florianópolis: SES; 2014.) demonstrou o interesse e o compromisso da gestão com o estabelecimento de fluxos e normas que legitimem e viabilizem a organização das atividades relacionadas ao CEAF, porém ficou evidente nos resultados a necessidade de melhorar os canais de divulgação às unidades, uma vez que apenas pouco mais da metade dos farmacêuticos participantes conheciam as diretrizes, o que pode comprometer a adequada implementação das mesmas.
Apesar da inclusão de ações do CEAF no PES, na PPA e no Relatório de Gestão, não foram identificadas ações de incentivo para o processo de planejamento (ex. reuniões de planejamento estratégico). O indicador monitoramento e avaliação das ações foi considerado em situação urgente e ponto a ser priorizado. Tanto o planejamento quanto o monitoramento e a avaliação contribuem para o aperfeiçoamento permanente da gestão, na medida em que se configuram como um relevante mecanismo que visa determinar a qualidade dos serviços oferecidos, identificar as fragilidades (onde e porque acontecem) e implantar as melhorias necessárias3535. Marin N, editor. Assistência Farmacêutica para gerentes municipais. Rio de Janeiro: OPAS/OMS; 2003.,3636. World Health Organization (WHO). Promoting rational use of medicine: core components. 2002. [2014 abr 15]. Disponível em: http://apps.who.int/medicinedocs/pdf/h3011e/h3011e.pdf
http://apps.who.int/medicinedocs/pdf/h30... .
Já na dimensão operacional três indicadores foram avaliados como de acordo com a imagem-objetivo: a comunicação, a complementariedade e a infraestrutura. No entanto, o alcance dado na avaliação a estes indicadores foi limitado, e apesar do resultado positivo, foram detectados alguns aspectos que precisam ser melhorados. No caso da comunicação, embora a maior parte dos farmacêuticos participantes tenha informado conseguir se comunicar com a gestão regional/central em tempo hábil para resolver os problemas, ainda persistiam problemas na agilidade da comunicação que em alguns casos compromete a resolução imediata dos problemas e/ou dúvidas, podendo resultar na necessidade de retorno do usuário à unidade.
Quanto à complementariedade, esta objetivou identificar a capacidade da gestão estadual para propiciar mecanismos que visam garantir o atendimento de todas as linhas de cuidado, como a pactuação em CIB da responsabilidade dos municípios com o elenco da primeira linha de cuidado. Contudo, não foi avaliado se na prática tais mecanismos garantem a integralidade dos tratamentos medicamentosos.
No caso da infraestrutura, a maioria das unidades envolvidas com o CEAF apresentavam condições mínimas, demonstrando avanço neste indicador em relação ao estudo de Blatt e Farias3737. Blatt CR, Farias MR. Diagnóstico do Programa de Medicamentos Excepcionais do Estado de Santa Catarina-Brasil. Latin American Journal of Pharmacy 2007; 26(5):776-783., e resultados melhores que os de Lima Dellamora et al.3131. Lima-Dellamora EC, Caetano R, Osorio-de-Castro CGS. Dispensing specialized component medicines in areas of the State of Rio de Janeiro. Cien Saude Colet 2012; 17(9):2387-2396. em unidades do Rio de Janeiro. Tal resultado expressou os investimentos nas unidades estaduais nos últimos anos3232. Santa Catarina. Secretaria Estadual de Saúde (SES). Deliberação Comissão Intergestores Bipartite 398 de 25 de setembro de 2014. Florianópolis: SES; 2014..
Por outro lado, embora a descentralização do CEAF beneficie os usuários, foi observado que alguns municípios não têm capacidade de garantir a organização do serviço, estrutura física e pessoal com a qualificação que o CEAF exige. Portanto, é importante que a gestão estadual avalie permanentemente a estrutura física, a capacidade instalada e os equipamentos necessários para a estruturação dos serviços3737. Blatt CR, Farias MR. Diagnóstico do Programa de Medicamentos Excepcionais do Estado de Santa Catarina-Brasil. Latin American Journal of Pharmacy 2007; 26(5):776-783.,3838. Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). A Assistência Farmacêutica no SUS. Brasília: Conass; 2011. e colabore com os municípios na estruturação e qualificação da AF1616. Manzini F, Leite SN. Matriz de indicadores do modelo de avaliação e as premissas da capacidade de gestão da Assistência Farmacêutica em âmbito municipal. In: Manzini F, Farias MR, Rover MRM, Mendes SJ, Leite SN, organizadores. Gestão da Assistência Farmacêutica: Proposta para Avaliação no Contexto Municipal: A Experiência em Santa Catarina 2015. Florianópolis: Editora da UFSC; 2016. p. 95-141..
A disponibilidade no estado de Serviços de Referência (SR) recomendados pelos PCDT para algumas situações clínicas3030. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas. 2010. [acessado 2016 jul 4]. Disponível em: http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2008001400021
http://www.scielosp.org/scielo.php?scrip... representaram um avanço importante na implementação do CEAF3939. Becker IRT, Blatt CR, Farias MR. Municipalização das atividades relacionadas ao componente especializado de Assistência Farmacêutica. Rev. Bras. Farm. 2011; 92(3):128-36.. No entanto, os resultados revelaram a concentração dos SR na capital e a inexistência de polos de aplicação dos medicamentos em todas as regiões. Polos de aplicação são fundamentais para a garantia da aplicação, conservação, compartilhamento de doses e até mesmo para o adequado descarte dos insumos, devido ao risco ambiental e biológico. Desta forma, há ainda a necessidade de ampliação destes serviços visando melhorar a qualidade da assistência prestada.
Relativo ao financiamento, segundo as informações fornecidas pelo gestor, o estado aplicava as estratégias (coeficiente de adequação de preços e as desonerações de tributos) para a manutenção do equilíbrio financeiro. Estas estratégias visam a obtenção da proposta mais vantajosa para a administração pública e a aplicação destas, demonstra capacidade de execução neste quesito. Já a insuficiência de recursos para a aquisição dos medicamentos, vem comprometendo a capacidade de executar da gestão, prejudicando o atendimento da linha de cuidado sob responsabilidade do gestor estadual.
Em relação à Gestão da logística não havia no estado estratégias visando enfrentar os problemas nas aquisições, o que pode também ser uma das causas dos desabastecimentos, que comprometem o acesso aos medicamentos no tempo oportuno3737. Blatt CR, Farias MR. Diagnóstico do Programa de Medicamentos Excepcionais do Estado de Santa Catarina-Brasil. Latin American Journal of Pharmacy 2007; 26(5):776-783.,3939. Becker IRT, Blatt CR, Farias MR. Municipalização das atividades relacionadas ao componente especializado de Assistência Farmacêutica. Rev. Bras. Farm. 2011; 92(3):128-36.. Já a existência de método definido e aplicado na programação e de mecanismos de punição para os fornecedores que descumprem os critérios estabelecidos nos editais foram positivas para a gestão, pois visavam a disponibilidade de medicamentos de qualidade e nas quantidades adequadas3838. Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). A Assistência Farmacêutica no SUS. Brasília: Conass; 2011..
A regularidade da distribuição mostrou, também, o interesse da gestão em assegurar o pronto acesso. Da mesma forma, o controle de estoque mensal permite a obtenção regular de informações sobre os quantitativos nas unidades, evitando assim desabastecimentos ou perda de medicamentos por validade expirada. Ambos os critérios analisados somam para as boas práticas em logística. O critério que comprometeu a capacidade de gestão, neste indicador, foi a inexistência de normas que atendam às boas práticas de transporte de medicamentos, a fim de suprir as demandas das unidades com qualidade atestada4040. Guerra Júnior AA, Camuzi RC. Logística Farmacêutica. In: Osório-de-Castro CGS, Luiza VL, Castilho SR, Oliveira MA, Jaramillo NM, organizadores. Assistência farmacêutica: gestão e práticas para profissionais de saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2014. p. 89-118.. Esta atividade era realizada pelos municípios, embora seja responsabilidade do estado3232. Santa Catarina. Secretaria Estadual de Saúde (SES). Deliberação Comissão Intergestores Bipartite 398 de 25 de setembro de 2014. Florianópolis: SES; 2014..
Apesar de haver no estado sistemas de informação para o gerenciamento das atividades do CEAF, estes não estão conectados à base nacional e não interoperam com outros sistemas da rede de atenção à saúde. Este fato comprometeu a capacidade de gestão, pois gera trabalho adicional e possibilita a ocorrência de erros. Além disso, impossibilita que os profissionais responsáveis pelo cuidado do usuário (médicos e farmacêuticos) de outras unidades de saúde acessem informações sobre os tratamentos realizados no CEAF, dificultando a interação dos diferentes serviços de saúde e comprometendo a integralidade do cuidado.
Quanto ao número de farmacêuticos necessários para o desenvolvimento das atividades do CEAF, pouco mais da metade das unidades informou os possuir em número suficiente. Cabe neste momento a discussão de que, embora a obrigatoriedade da presença do farmacêutico durante todo o período de funcionamento das farmácias4141. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Lei nº 5.991, de 17 de dezembro de 1973. Dispõe sobre o controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, e dá outras providências. Diário Oficial da União 1973; 18 dez.,4242. Brasil. Lei nº 13.021, de 8 de agosto de 2014. Dispõe sobre o exercício e a fiscalização das atividades farmacêuticas. Diário Oficial da União 2014; 9 ago., o número de profissionais está aquém das necessidades. Blatt e Farias3737. Blatt CR, Farias MR. Diagnóstico do Programa de Medicamentos Excepcionais do Estado de Santa Catarina-Brasil. Latin American Journal of Pharmacy 2007; 26(5):776-783.e Lima Dellamora et al.3131. Lima-Dellamora EC, Caetano R, Osorio-de-Castro CGS. Dispensing specialized component medicines in areas of the State of Rio de Janeiro. Cien Saude Colet 2012; 17(9):2387-2396. já haviam observado tal deficiência para o desenvolvimento das atividades do CEAF.
Em relação à responsabilidade da gestão no desenvolvimento, na formação e na capacitação de pessoal, foi pequeno o percentual de farmacêuticos que referiu a oferta anual de capacitações33. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria n° 3.916, de 30 de outubro de 1998. Aprova a Política Nacional de Medicamentos. Diário Oficial da União 1998;,44. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Resolução nº 338, de 6 de maio de 2004. Aprova a Política Nacional de Assistência Farmacêutica. 2004. Diário Oficial da União 2004; 7 maio.. Entre as necessidades de capacitação referidas pelos farmacêuticos estavam: sobre os PCDT, o monitoramento clínico e o sistema de informação utilizado. Desta forma, se observou incipiência na qualificação dos profissionais para algumas atividades, apesar do aumento das oportunidades de qualificação, nos últimos anos, como por exemplo, algumas iniciativas federais.
É importante destacar que, de acordo com a Portaria nº 1.554 de 20134343. Brasil. Ministério da Saúde (MS), Conselho Nacional de Saúde. Portaria nº 1.554, de 30 de julho de 2013. Dispõe sobre as regras de financiamento e execução do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União 2013; 31 jul., não é obrigatória a disponibilização de todos os medicamentos padronizados, porém, a seleção não pode comprometer as linhas de cuidado. A não disponibilização de medicamentos prejudica a integralidade dos tratamentos e provoca desequilíbrio financeiro4343. Brasil. Ministério da Saúde (MS), Conselho Nacional de Saúde. Portaria nº 1.554, de 30 de julho de 2013. Dispõe sobre as regras de financiamento e execução do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União 2013; 31 jul.,4444. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Da excepcionalidade às linhas de cuidado: o Componente Especializado da Assistência Farmacêutica. Brasília: MS; 2010.. Segundo os dados coletados, as faltas de medicamentos e os atrasos na dispensação por falta de recursos, problemas de infraestrutura e pessoal comprometeram a disponibilidade dos medicamentos. Estas situações impactam negativamente na saúde dos usuários, comprometendo assim a capacidade de execução.
O único indicador em vermelho na dimensão operacional, condições normativas, foi avaliado através da existência de condições legais para o exercício das atividades nas unidades. Para tal, o Programa de Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde (PGRSS)4545. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Resolução da diretoria colegiada - RDC nº 306, de 7 de dezembro de 2004. Dispõe sobre o Regulamento Técnico para o gerenciamento de resíduos de serviços de saúde. Diário Oficial da União 2004; 8 dez., os Alvarás Sanitários4646. Brasil. Lei nº 6.437, de 20 de agosto de 1977. Configura infrações à legislação sanitária federal, estabelece as sanções respectivas, e dá outras providências. Diário Oficial da União 1977; 24 ago.e as certidões de Regularidade Técnica (RT)4747. Conselho Federal de Farmácia (BR). Resolução nº 577 de 25 de julho de 2013. Dispõe sobre a direção técnica ou responsabilidade técnica de empresas ou estabelecimentos que dispensam, comercializam, fornecem e distribuem produtos farmacêuticos, cosméticos e produtos para a saúde. Diário Oficial da União 2013; 26 jul. foram verificados. Embora o Alvará Sanitário e a Certidão de RT sejam responsabilidade dos farmacêuticos dos municípios (nas unidades municipais), a verificação desses requisitos indica a preocupação da gestão com as condições sanitárias das farmácias onde são desenvolvidas as atividades do componente. No estudo de Mendes e Leite1717. Mendes SJ, Leite SN. Resultados gerais da avaliação da gestão da assistência farmacêutica em Santa Catarina. In: Manzini F, Farias MR, Rover MRM, Mendes SJ, Leite SN, organizadores. Gestão da Assistência Farmacêutica: Proposta para Avaliação no Contexto Municipal: A Experiência em Santa Catarina 2015. Florianópolis: Editora da UFSC; 2016. p. 147-160., sobre a AF na atenção básica, menos da metade das unidades municipais de saúde analisadas contavam com farmacêutico, e em muitos casos quando há farmacêutico, este está envolvido em várias atividades como a coordenação da AF e o Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Desta forma, o fato do estado não possuir PGRSS e monitorar os Alvarás Sanitários e as certidões de RT de menos da metade das unidades indicou que a gestão tem que avançar nestes aspectos.
Este estudo apresentou como limitações a inclusão somente de unidades do CEAF cujos farmacêuticos aceitaram participar da pesquisa. Destaca-se que o uso de metodologia qualitativa (entrevistas e grupos focais), importante para a consolidação dos resultados da avaliação, não foram descritos neste artigo, mas utilizados2121. Rover MRM, Vargas-Peláez CM, Farias MR, Leite SN. Da organização do sistema à fragmentação do cuidado: a percepção de usuários, médicos e farmacêuticos sobre o Componente Especializado da Assistência Farmacêutica em um estado do sul do Brasil. Physis 2016; 26(2):691-711.,2222. Rover MRM, Vargas-Peláez CM, Farias MR, Leite SN. Metodologia para o desenvolvimento de um protocolo de indicadores para a avaliação da capacidade de gestão da assistência farmacéutica. UFSC – Especialização em Gestão da Assistência Farmacêutica. Universidade Aberta do SUS – UNASUS. [acessado 2017 jan 5]. Disponível em: https://ares.unasus.gov.br/acervo/handle/ARES/6141
https://ares.unasus.gov.br/acervo/handle... para a discussão dos resultados quantitativos dos indicadores apresentados no texto.
Considerações finais da avaliação
Este estudo traz, pela primeira vez, a aplicação de indicadores para a avaliação da capacidade de gestão estadual do CEAF contemplando a perspectiva dos diferentes atores envolvidos e levando em consideração a política e as especificidades da organização da AF no estado.
Cabe destacar que os indicadores utilizados nesta avaliação, ao abranger aspectos por muito tempo negligenciados na área, como a participação social, os aspectos clínicos e a relação entre serviços, traz novos elementos para o campo da AF e da gestão da AF.
A avaliação final, neste estado, expressa a necessidade de investimentos na qualificação da gestão do CEAF em todas as dimensões, mas especialmente na dimensão de sustentabilidade. Avanços são fundamentais para que a capacidade de decisão, de execução e de sustentabilidade dos resultados garantam a integralidade do tratamento medicamentoso e os melhores resultados possíveis de saúde da população.
Para tanto, há a necessidade de projetos claros e pactuados, planejamento e avaliação que direcionem para o alcance e manutenção dos recursos operacionais, técnicos e humanos visando o atendimento oportuno, integral e contínuo. Portanto, não é um elemento individual que será primordial para a tomada de decisões e alcance dos resultados, e sim o conjunto de recursos, serviços, habilidades, ações no campo político e das relações sociais.
Os problemas na articulação da gestão com usuários, profissionais e outros setores da administração pública e seus reflexos na oferta dos serviços são fatores capacitantes que restringem o acesso, além de constrangerem a sustentabilidade do próprio projeto de gestão.
Assim, considerando a relevância do processo de implementação de uma política de saúde e seus programas, na perspectiva de consolidação do SUS, são fundamentais estudos como este para acompanhar e avaliar esse processo.
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- 47Conselho Federal de Farmácia (BR). Resolução nº 577 de 25 de julho de 2013. Dispõe sobre a direção técnica ou responsabilidade técnica de empresas ou estabelecimentos que dispensam, comercializam, fornecem e distribuem produtos farmacêuticos, cosméticos e produtos para a saúde. Diário Oficial da União 2013; 26 jul.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Ago 2017
Histórico
- Recebido
26 Out 2016 - Revisado
18 Abr 2017 - Aceito
20 Abr 2017