Perfil epidemiológico do atendimento por violência nos serviços públicos de urgência e emergência em capitais brasileiras, Viva 2014

Rayone Moreira Costa Veloso Souto Laura Augusta Barufaldi Lucélia Silva Nico Mariana Gonçalves de Freitas Sobre os autores

Resumo

As lesões e mortes decorrentes da violência constituem importante problema de saúde pública no Brasil. O artigo tem como objetivo descrever o perfil dos atendimentos por violência em serviços de urgência e emergência de capitais brasileiras. Trata-se de um estudo descritivo do inquérito de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA), realizado em emergências públicas das capitais brasileiras, de setembro a novembro de 2014, perfazendo um total de 4.406 atendimentos por agressões. Foram consideradas as seguintes categorias de análise: 1) característica sociodemográfica (sexo, faixa etária, raça/cor da pele, escolaridade, local de residência, vulnerabilidade, ingestão de álcool); 2) característica do evento (provável autor, natureza e meio da agressão) e características do atendimento (locomoção para o hospital, atendimento prévio, evolução). Do total de atendimentos por violência (n = 4406), a maior prevalência ocorreu entre jovens de 20 a 39 anos (50,2%), do sexo masculino, negros e de baixa escolaridade. Quanto às características do evento destaca-se que: 87,8% foram agressões físicas; 46,3% corte/laceração e 13,7% envolveram arma de fogo. Os resultados enfatizam a necessidade de fortalecer as ações intersetoriais visando ampliar a rede de atenção e proteção.

Violência; Causas externas; Emergências

Introdução

A violência constitui um problema global, que resulta em impactos sociais, psicológicos, econômicos e previdenciários, que sobrecarregam os serviços de saúde e afetam milhões de pessoas e comunidades, em todo o mundo11. Minayo MCS. A Violência social sob a perspectiva da Saúde Pública. Cad Saude Publica 1994; 10(Supl.):7-18.. É um fenômeno multicausal e complexo, em que todas as pessoas estão suscetíveis11. Minayo MCS. A Violência social sob a perspectiva da Saúde Pública. Cad Saude Publica 1994; 10(Supl.):7-18.

2. Minayo MCS. Conceitos, teorias e tipologias de violência: a violência faz mal à saúde. In: Impactos da violência na saúde. In: Njaine K, Assis SG, Constantino P, organizadores. Rio de janeiro: EAD/ENSP; 2013. p. 21-42.

3. Minayo MCS, Souza ER. É possível prevenir a violência? Reflexões a partir do campo da saúde pública. Cien Saude Colet 1999; 4(1):7-23.
-44. Minayo MCS. A inclusão da violência na agenda da saúde: trajetória histórica. Cien Saude Colet 2007; 11(Supl.):1259-1267., especialmente homens jovens, nos centros urbanos55. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Saúde Brasil 2014: Uma Análise da situação de saúde e das causas externas. Brasília: MS; 2015..

É responsável, juntamente com os acidentes, tanto no mundo, quanto no Brasil, por uma posição de destaque no ranking da morbimortalidade, e se revela como um problema desafiador que adentra o século e o milênio66. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Impacto da violência na saúde dos brasileiros. Brasília: MS; 2005. (Série B. Textos Básicos de Saúde)..

Representa um importante desafio para a saúde pública porque afeta a saúde individual e coletiva, e exige, para sua prevenção e tratamento, a formulação de políticas específicas e a organização de práticas e de serviços peculiares ao setor66. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Impacto da violência na saúde dos brasileiros. Brasília: MS; 2005. (Série B. Textos Básicos de Saúde)..

A compreensão desse fenômeno impõe uma análise abrangente a partir dos determinantes e condicionantes políticos, socioambientais, possuindo forte associação com as desigualdades sociais. Seu entendimento perpassa as relações estruturas sociais e de poder, como as questões culturais, comportamentais, relações de gênero77. Silva MMA, Paiva EA, Neto OLM, Mascarenhas MDM. Violências como um problema de Saúde Pública. In: Rouquayrol MZ, Silva MGC, organizadores. Epidemiologia e Saúde. Rio de Janeiro: Editora Médica e Científica Ltda.; 2013. p. 297-319., bem como a questão raça/cor da pele e idade.

A abordagem e o enfrentamento da violência pela Saúde Pública requerem conhecimento ampliado, sendo fundamental levantar o maior número possível de conhecimentos e unir, sistematicamente, dados sobre extensão, características e consequências, em nível local, nacional e internacional88. World Health Organization (WHO). World report on violence and health. Geneva: WHO; 2002.,99. Mascarenhas MDM, Silva MMA, Malta DC, Moura L, Macário EM, Gawryszewski VP, Morais Neto OL. Perfil epidemiológico dos atendimentos de emergência por violência no Sistema de Serviços Sentinelas de Vigilância de Violências e Acidentes (Viva) - Brasil, 2006. Epidemiol. Serv. Saúde 2009; 18(1):17-28..

Assim, o artigo tem como objetivo descrever o perfil dos atendimentos das lesões decorrentes de violência, em serviços de urgência e emergência de capitais brasileiras e do Distrito Federal, visando contribuir com a sistematização, a disseminação e o uso científico, social e estratégico da informação, de modo a subsidiar as ações de atenção, promoção, proteção às vítimas, numa abordagem articulada com a vigilância, bem como o aprimoramento de políticas públicas. Adicionalmente, o estudo pretendeu fazer essa descrição para cada sexo, além de demonstrar a distribuição dos eventos pelos dias da semana e hora de ocorrência, bem como relacionar essa distribuição com o consumo de álcool.

Métodos

Estudo descritivo transversal sobre atendimentos de vítimas de violência, na pesquisa VIVA Inquérito, realizada em 86 serviços de urgência e emergência no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), localizados no Distrito Federal e em 24 capitais brasileiras, no ano de 2014. As capitais Florianópolis/SC e Cuiabá/MT não participaram do inquérito devido às limitações locais, referentes à gestão e ao suporte técnico-operacional.

Foram incluídos na amostra, em cada capital participante da pesquisa, os estabelecimentos que atendiam aos seguintes critérios: a) serviços considerados referência para o atendimento de emergência para causas externas a partir de consulta ao Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) e ao Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS), e; b) serviços participantes da pesquisa em uma ou mais edições nos anos anteriores: 2006, 2007, 2009, 2011. Os serviços selecionados foram validados pelos coordenadores da Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis (DANT) das secretarias de saúde dos estados e municípios participantes da pesquisa, por conhecerem os fluxos locais para atendimento às urgências devido às causas externas. Mais informações podem ser obtidas em publicações específicas1010. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Viva: vigilância de violências e acidentes, 2009, 2010 e 2011. Brasília: MS; 2013.,1111. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Viva: vigilância de violências e acidentes, 2008 e 2009. Brasília: MS; 2010..

O tamanho da amostra foi de, no mínimo, 2.000 atendimentos por causas externas em cada uma das capitais e no Distrito Federal, assumindo coeficiente de variação inferior a 30% e erro padrão menor que 3. Em cada capital, a coleta de dados ocorreu somente nos turnos sorteados, de um total de sessenta de 12 horas, abrangendo um período de 30 dias consecutivos, entre os meses de setembro a novembro de 2014. O procedimento de sorteio dos turnos de 12 horas foi a amostragem probabilística por conglomerado em único estágio estratificado por tipo de estabelecimento (emergência geral, unidades de pronto-atendimento, emergências especializadas), sendo o turno a unidade primária de amostragem. Todos os atendimentos, por causas externas, realizados no turno sorteado, em cada estabelecimento selecionado, foram considerados elegíveis para a entrevista. Foram excluídos os casos em que o paciente procurou o mesmo serviço pela segunda ou mais vezes, pela mesma causa, bem como os retornos médicos e complicações da assistência.

Os dados foram extraídos por meio de formulário específico, denominado Viva Inquérito - Ficha de Notificação de Violências e Acidentes em Unidades de Urgência e Emergência, em turnos ininterruptos, de 12 horas, durante 30 dias consecutivos. Considerou-se o período de coleta de 30 dias, entre os meses de setembro e novembro de 2014, dividido em turnos de 12 horas, totalizando 60 turnos. Foram elegíveis para a entrevista todas as vítimas de causas externas - capítulo XX da Classificação Internacional de Doenças (CID 10) que procuraram atendimento nos serviços de urgência e emergência selecionados e que concordaram em participar da pesquisa.

A análise restringiu-se às vítimas de agressões (códigos X85 a Y09 da CID10) e foram consideradas as seguintes categorias de análise: 1) características da vítima: sexo, faixa etária, raça/cor, escolaridade, zona de residência, plano de saúde, deficiência, população com vulnerabilidade e ingestão de álcool; 2) característica do evento: natureza da violência e meio da agressão, natureza da lesão, local de ocorrência e provável autor da violência.

A descrição das variáveis foi realizada para o total das vítimas e por sexo, visto que a manifestação da violência sofre variações – quanto ao tipo, meio utilizado, natureza da agressão, dentre outros – em função do sexo. Foi realizado teste qui-quadrado para verificar se há diferença estatisticamente significativa entre as proporções por sexo. O uso de álcool pela vítima e o dia e horário da ocorrência e do atendimento foram apresentados separadamente em gráficos em virtude de sua relevância para as ações de intervenção em saúde. A ingestão do álcool é fator de risco modificável para a violência, tanto para o agressor como para a vítima, por se tornar mais vulnerável à agressão, especialmente a sexual. No caso da descrição das ocorrências e dos atendimentos da violência em horários e dias da semana, pretendeu-se contribuir, na prática, para a gestão local, visto se tratar de informação que subsidia a reorganização dos serviços e as medidas de prevenção. Utilizou-se o módulo “svy” do programa Stata, versão 14, para a obtenção de estimativas não viciadas quando os dados são provenientes de planos de amostragem complexos.

Apesar de o estudo permitir a comparabilidade entre capitais, devido aos pesos amostrais atribuídos, optou-se pela análise agrupada do conjunto destas, visando traçar um perfil da totalidade e evitar comparações indesejadas como rankings de violências, por exemplo.

O projeto do VIVA Inquérito 2014 foi avaliado e aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), do Ministério da Saúde. A coleta de dados foi realizada após a concordância das vítimas ou de seus responsáveis ou acompanhantes, quando menores de 18 anos ou quando se tratava de vítima inconsciente.

Resultados

O VIVA Inquérito registrou um total de 4.406 atendimentos por violência nos hospitais de urgência e emergência de 24 capitais e do Distrito Federal. A maior prevalência de atendimentos foi entre jovens de 20 a 39 anos (50,2%) e pessoas do sexo masculino (72,3%). Entretanto, destaca-se o percentual importante de crianças e adolescentes vítimas de violência, que juntos representam 29,5% dos casos. Nesse grupo, o sexo masculino é o mais atingido, tanto entre crianças, quanto em adolescentes.

No que se refere à raça/cor da pele, na população em geral, o percentual entre pretos/pardos (67,6%) foi bem superior às demais categorias, branca (28,7%) e amarelo/indígena (1,6%). A violência se fez mais presente entre aqueles que possuíam escolaridade de 0 a 8 anos de estudo (53,0%). Entre os que possuem nove ou mais anos de estudo, o percentual foi de 31,1%. A maior parte das vítimas não possui deficiência (92,1%) e não se caracteriza como população vulnerável (92,3%). Apenas 7,7% dos indivíduos têm plano de saúde (Tabela 1).

Tabela 1
Atendimentos de urgência e emergência devidos à violência segundo características da vítima, por sexo – Serviços selecionados em 24 capitais* e Distrito Federal, Brasil, setembro a outubro, 2014.

Quanto à ingestão de bebida alcoólica, 32,7% das vítimas autodeclararam ter ingerido bebida alcoólica nas 6 horas que antecederam a ocorrência, sendo que no sexo masculino o percentual foi de 36,1% e no feminino de 18,8% (Tabela 1). A violência, para os indivíduos que não consumiam bebida alcóolica, permaneceu praticamente estável durante toda a semana. Entretanto, para aqueles que autodeclaram ter consumido bebida alcóolica, previamente à agressão, os eventos aumentam no final de semana (Figura 1).

Figura 1
Distribuição dos atendimentos de urgência e emergência devidos à violência em indivíduos que fizeram o uso de álcool, com relação àqueles que não o fizeram, por dias de ocorrência – 24 capitais* e Distrito Federal, Brasil, setembro a outubro, 2014.

Quase a totalidade das vítimas, 94,8%, residem na área urbana, 3,5% na zona rural, 0,5% peri urbana e 1,2% ignorado (Tabela 1).

Em relação às características do evento, a principal natureza da agressão foi física (87,8%), seguida de negligência/abandono (8,1%), sexual (1,5%) e psicológica (0,7%). Essa característica se manteve semelhante entre ambos os sexos. Entretanto, nota-se que a proporção da violência sexual é maior no sexo feminino que no masculino. Os principais meios de agressão utilizados foram: força corporal/espancamento 45,9%; objeto pérfuro-cortante 18,3%; arma de fogo 13,7% e objeto contundente 10,3% (Tabela 2).

Tabela 2
Atendimentos de urgência e emergência devidos à violência segundo características do evento, possível agressor e atendimento, por sexo – Serviços selecionados em 24 capitais* e Distrito Federal, Brasil, setembro a outubro, 2014.

No que se refere à natureza da lesão, o corte/laceração (46,3%), a contusão (14,0%) e os traumatismos (11,6%) foram os mais presentes (Tabela 2).

O principal provável autor da violência foi desconhecido (40,7%), seguido de familiar (29,9%) - compreendendo companheiro (a)/ex (11,8%), pai/mãe (7,8%) e outro familiar (10,3%); amigo/conhecido (21,7%); e agente legal público (1,7%). Ressalta-se que, no sexo feminino, a pessoa conhecida ocupou o primeiro lugar entre os autores da agressão (71,1%), com destaque para o companheiro, que foi de 26,9% (Tabela 2).

Em geral, as agressões ocorreram principalmente nas vias públicas (42,5%) e residência (33,0%). Essa distribuição teve diferenciação com relação ao sexo, sendo que, para o feminino, o principal local foi residência (53,0%), seguido de via pública (29,0%); no sexo masculino foi o oposto, ou seja, maior percentual em via pública (48,4%), seguido de residência (24,2%) (Tabela 2).

Do atendimento, destaca-se que 38,1% das pessoas utilizaram o veículo particular como meio de se locomoverem do local da agressão até o hospital, seguido de Samu/ambulância/resgate (28,3%) e a pé/micro-ônibus/ônibus (38,1%). No grupo do sexo masculino, o principal meio de transporte foi Samu/ambulância/resgate (33,3%), enquanto que no sexo feminino, o meio mais utilizado foi a pé/micro-ônibus/ônibus (42,1%). Observa-se que 24,0% das pessoas foram atendidas em outros serviços de saúde antes do atendimento no hospital. Dos atendimentos, 65% evoluíram para alta, 19,2% para internação e 3,2% foram encaminhados na rede para outros serviços. No sexo masculino, os casos de internação foram muito mais prevalentes do que no sexo feminino, apresentando, respectivamente, os percentuais de 23,2% e 10%.

A distribuição dos atendimentos de urgência e emergência, devidos à violência, por dias da semana, revela que a ocorrência é mais frequente no final de semana, sábado e domingo (23,2%), apresentando pouca variação entre os dias de semana. Os atendimentos seguem o mesmo padrão das ocorrências. Porém, observa-se que, entre segunda e quarta-feira, os atendimentos são maiores que as ocorrências (Figura 2- A).

Figura 2
Distribuição dos atendimentos de urgência e emergência devidos à violência segundo dia (A) e hora (B) de ocorrência e de atendimento – Serviços selecionados em 24 capitais* e Distrito Federal, Brasil, setembro a outubro, 2014.

Quanto ao horário dos eventos, a violência teve maior ocorrência à noite (entre 16hs e 23hs59), com pico por volta das 19hs (7,2%), reduzindo, de forma abrupta, após as 23hs e permanecendo com menor percentual durante a madrugada (14,2%). De manhã (24,7%) e à tarde (27,4%), as agressões apresentaram resultados semelhantes. Os atendimentos acompanham o padrão das ocorrências, com picos às 20hs e às 23hs (Figura 2- B).

Discussão

O perfil predominante das vítimas de violência atendidas nos serviços de urgência e emergência do SUS foi de negros, na faixa etária entre 20 e 39 anos, com baixa escolaridade e dependentes do SUS. O fato de homens constituírem a maior parcela de vítimas de agressão talvez possa ser associado aos padrões socioculturais cristalizados na noção de gênero, que os expõem a situações ou comportamentos de risco para violência99. Mascarenhas MDM, Silva MMA, Malta DC, Moura L, Macário EM, Gawryszewski VP, Morais Neto OL. Perfil epidemiológico dos atendimentos de emergência por violência no Sistema de Serviços Sentinelas de Vigilância de Violências e Acidentes (Viva) - Brasil, 2006. Epidemiol. Serv. Saúde 2009; 18(1):17-28., além da maior exposição a armas de fogo.

O entendimento da violência contra jovens brasileiros possibilita subsidiar o trabalho de gestores de políticas públicas, profissionais da segurança pública, da área da saúde, governantes, pesquisadores nacionais e de outros países para o combate a esse problema1212. Waiselfisz JJ. Mapa da violência: os jovens do Brasil. 2014. [acessado 2016 set 20]. Disponível em: www.juventude.gov.br/juventudeviva
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A violência gera consequências trágicas, como adoecimento, sequelas e mortes para os indivíduos, comunidades e sociedade. Os homicídios, face mais perversa e extrema da violência, configuram-se como a principal causa de morte de indivíduos de 15 a 29 anos, englobando, principalmente, jovens negros do sexo masculino, moradores das periferias e áreas metropolitanas dos centros urbanos1212. Waiselfisz JJ. Mapa da violência: os jovens do Brasil. 2014. [acessado 2016 set 20]. Disponível em: www.juventude.gov.br/juventudeviva
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Com relação à raça/cor, a população negra é a maior vítima das iniquidades socioeconômicas1313. Deslandes SF. Atenção a crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica: análise de um serviço. Cad Saude Publica 1994; 10(Supl. 1):177-187., cujas justificativas se referem às desigualdades sociais, preconceito e discriminação presentes na sociedade1414. Soares Filho AM. Vitimização por homicídios segundo características de raça no Brasil. Rev Saude Publica 2011; 45(4):745-755.. O percentual de mortalidade por agressão em indivíduos negros, em 2014, foi de 69,%1515. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Informações de saúde [dados na Internet] SIM- Sistema de Mortalidade. Óbitos por Causas Externas – Brasil. [acessado 2016 out 19]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sim/cnv/ext10uf.def
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Apesar da predominância desse perfil de jovens e negros, a violência se manifesta de forma universal, atingindo todos os sexos, gêneros, raças, classes econômicas e ciclos de vida. É um problema mundial, presente em famílias de todas as classes, de diferentes credos e religiões, cujos efeitos resultam da interação dos diferentes níveis de cidadania em uma sociedade1616. Deslandes SF, Assis SG, Santos NC. Violências envolvendo crianças no Brasil: um plural estruturado e estruturante. In: Brasil. Ministério da Saúde (MS). Impacto da violência na saúde dos brasileiros. Brasília: MS; 2005. p. 43-78..

O percentual elevado de crianças e adolescentes vítimas de violência (29,5%) demonstra a vulnerabilidade desses grupos, que dependem de cuidados básicos55. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Saúde Brasil 2014: Uma Análise da situação de saúde e das causas externas. Brasília: MS; 2015.,1313. Deslandes SF. Atenção a crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica: análise de um serviço. Cad Saude Publica 1994; 10(Supl. 1):177-187. para o desenvolvimento saudável, e por isso são mais suscetíveis a sofrer violação de seus direitos, afetando, direta ou indiretamente, a saúde física, mental e emocional99. Mascarenhas MDM, Silva MMA, Malta DC, Moura L, Macário EM, Gawryszewski VP, Morais Neto OL. Perfil epidemiológico dos atendimentos de emergência por violência no Sistema de Serviços Sentinelas de Vigilância de Violências e Acidentes (Viva) - Brasil, 2006. Epidemiol. Serv. Saúde 2009; 18(1):17-28.,1717. Souza ER, Mello Jorge MHP. Impacto da violência na infância e adolescência brasileiras: magnitude da morbimortalidade. In: Brasil. Ministério da Saúde (MS). Violência faz mal à saúde. Brasília: MS; 2006. p. 23-28..

No Brasil, as causas externas apresentam-se como agravo de maior impacto na morbimortalidade de adolescentes, com tendência crescente na mortalidade relacionada à violência a partir dos 15 anos1818. Andrade SSCA, Yokota RTC, Bandeira de Sá NN, Silva MMA, Araújo WN, Mascarenhas MDM, Malta DC. Relação entre violência física, consumo de álcool e outras drogas e bullying entre adolescentes escolares brasileiros Cad Saude Publica 2012; 28(9):1725-1736.

19. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar – PeNSE: 2009. Rio de Janeiro: IBGE; 2009.

20. Jacobson LSV, Andrade CLT, Carmo CN, Mourão DS, Hacon SS. Trend in mortality due to external causes in the State of Espírito Santo, Brazil, from 1994 to 2005. Rev Bras Epidemiol 2009; 12(1):82-91.
-2121. Villela LCM, Moraes SA, Suzuki CS, Freitas ICM. Tendência da mortalidade por homicídios em Belo Horizonte e região metropolitana: 1980-2005. Rev Saude Publica 2010; 44(3):486-495.. Existe uma associação entre comportamentos agressivos e vitimização na adolescência e violência doméstica2222. Meneghel SN, Giugliani EJ, Falceto O. Relações entre violência doméstica e agressividade na adolescência. Cad Saude Publica 1998; 14(2):327-335.

23. Assis SG, Avanci JQ, Santos NC, Malaquias JV, Oliveira RVC. Violência e representação social na adolescência no Brasil. Rev Panam Salud Pública 2004; 16(1):43-51.
-2424. Bordin IA, Duarte CS, Peres CA, Nascimento R, Curto BM, Paula CS. Severe physical punishment: tisk of mental health problems for poor urban children in Brazil. Bull World Health Organ 2009; 87(5):336-344., sendo a violência física o tipo mais frequente contra crianças e adolescentes2525. Brito AMM, Zanetta DMT, Mendonça RCV, Barison SZP, Andrade VAG. Violência doméstica contra crianças e adolescentes: estudo de um programa de intervenção. Cien Saude Colet 2005; 10(1):143-149..

Um estudo feito em um município da Região Metropolitana de São Paulo revelou uma prevalência de punição física grave de crianças/adolescentes, por um ou ambos os pais, de 20%, no período de 12 meses2525. Brito AMM, Zanetta DMT, Mendonça RCV, Barison SZP, Andrade VAG. Violência doméstica contra crianças e adolescentes: estudo de um programa de intervenção. Cien Saude Colet 2005; 10(1):143-149.. Foi observada prevalência de violência física severa perpetrada pelos pais, em pelo menos uma vez na vida da magnitude de 14,6% entre adolescentes escolares de São Gonçalo (Rio de Janeiro)2323. Assis SG, Avanci JQ, Santos NC, Malaquias JV, Oliveira RVC. Violência e representação social na adolescência no Brasil. Rev Panam Salud Pública 2004; 16(1):43-51.. Aproximadamente 71% dos adolescentes de escolas públicas selecionadas em Porto Alegre (Rio Grande do Sul) afirmaram ter sido vítimas de violência física na comunidade; a situação mais frequente relatada foi de assaltos2626. Zavaschi ML, Benetti S, Polanczyk GV, Solés N, Sanchotene ML. Encuesta en escuelas públicas de Brasil sobre la exposición de los adolescentes a la violencia en la comunidad. Rev Panam Salud Pública 2002; 12(5):327-332..

A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) 2015, realizada em adolescentes do 9º ano do ensino fundamental, mostrou que 23,4% dos escolares entrevistados responderam ter tido envolvimento em briga, nos últimos 12 meses, com maior prevalência entre meninos (30,3%) que meninas (16,8%). Também declararam deixar de ir à escola, pelo menos um dia, nos 30 dias anteriores à pesquisa por não se sentirem seguros no caminho de casa para a escola foi de 14,8%. O uso de arma de fogo foi de 5,7% dos escolares, sendo mais frequente entre alunos do sexo masculino (7,9%) do que entre os do sexo feminino (3,7%). A agressão física efetuada por um adulto da família foi mencionada por 14,5%2727. Brasil. IBGE. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar 2015 / IBGE, Coordenação de População e Indicadores Sociais. Rio de Janeiro: IBGE; 2016. [acessado 2016 out 24]. Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv97870.pdf
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As violências, mesmo as que não deixam marcas, trazem sofrimentos psíquicos e traumas profundos que acompanham toda a existência1616. Deslandes SF, Assis SG, Santos NC. Violências envolvendo crianças no Brasil: um plural estruturado e estruturante. In: Brasil. Ministério da Saúde (MS). Impacto da violência na saúde dos brasileiros. Brasília: MS; 2005. p. 43-78.,2828. Krug EG, Dahlberg LL, Mercy JA, Zwi AB, Lozano R, editors. World report on violence and health. Geneva: WHO; 2002.. A violência física aplicada à criança como medida disciplinadora é descrita, em vários estudos, como mecanismo de violação de direitos da criança1616. Deslandes SF, Assis SG, Santos NC. Violências envolvendo crianças no Brasil: um plural estruturado e estruturante. In: Brasil. Ministério da Saúde (MS). Impacto da violência na saúde dos brasileiros. Brasília: MS; 2005. p. 43-78.,1818. Andrade SSCA, Yokota RTC, Bandeira de Sá NN, Silva MMA, Araújo WN, Mascarenhas MDM, Malta DC. Relação entre violência física, consumo de álcool e outras drogas e bullying entre adolescentes escolares brasileiros Cad Saude Publica 2012; 28(9):1725-1736.. Além do Estatuto da Criança e do Adolescente, construído a partir do marco da Constituição de 1998, que expressa o direito inviolável da integridade física, psíquica e moral, abrangendo identidade, autonomia, valores, ideias e opinião2828. Krug EG, Dahlberg LL, Mercy JA, Zwi AB, Lozano R, editors. World report on violence and health. Geneva: WHO; 2002., recentemente, foi aprovada a lei Menino Bernardo, que busca a mudança de cultura das práticas educacionais que violam o direito das crianças como cidadãos, a partir da proibição do uso de castigos físicos ou tratamentos cruéis ou degradantes na educação de crianças e adolescentes2929. Brasil. Lei nº 13.010, de 26 de junho de 2014. Altera a Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para estabelecer o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante, e altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União 1996; 27 jun..

Homens e meninos, pelo universo masculino de simbologia e poder, são os mais expostos e suscetíveis a outros tipos de violência como a física, que neste estudo apresentou um percentual dominante de 91,3%. Os principais meios de agressão utilizados, neste grupo, como a força corporal/espancamento, objeto pérfuro-cortante e arma de fogo, reforçam essa tese. Destaca-se que o sexo masculino é mais exposto à arma de fogo que o sexo feminino, o que explica os altos índices de mortalidade de jovens, do atual perfil epidemiológico, que juntamente com os acidentes de trânsito, significam a primeira causa de mortes na população jovem. Segundo Souza, a maior ocorrência de agressão entre homens está relacionada a um dos grandes símbolos de masculinidade atual: as armas como materialização de poder e submissão do outro a seus desejos e interesses e do poder de vida ou morte3030. Souza ER. Masculinidade e violência no Brasil: contribuições para a reflexão no campo da saúde. Cien Saude Colet 2005; 10(1):59-70.. Assim, a abordagem da violência contra homens implica em ações mais abrangentes, com foco nos macro determinantes sociais, sendo importante o controle e o acesso a armas de fogo.

Achados importantes sobre violência contra a mulher demonstram uma situação dramática, corroborada por vários estudos, pelos quais as mais afetadas são negras, de baixa escolaridade (menor que 9 anos de estudo) e dependentes do SUS. São vítimas, principalmente, de agressão física e sexual, praticadas, na sua maioria, por familiares/conhecidos/amigos e especialmente pelo companheiro nas próprias residências.

Nestes casos, evidencia-se a violência de gênero, cuja natureza e padrões se diferenciam, de outras formas, deixando a mulher mais vulnerável a agressões físicas (principalmente traumas e sexual), familiares e sociais, resultando em permanente estresse e falta de esperança para romper a condição de vítima3131. Guimarães I. Violência de gênero. In: Brasil. Ministério da Saúde (MS). Violência faz mal à saúde. Brasília: MS; 2004. p. 105-109..

O estudo revela iniquidades das relações de gênero impostas transculturalmente, às quais as mulheres estão sujeitas2828. Krug EG, Dahlberg LL, Mercy JA, Zwi AB, Lozano R, editors. World report on violence and health. Geneva: WHO; 2002.,3232. Rates SMM, Melo EM, Mascarenhas MDM, Malta DC. Violência infantil: Uma análise das notificações compulsórias, Brasil 2011. Cien Saude Colet 2014; 20(3):655-665.. O domicílio teve importante significado no elevado índice de violência, pois é o locus onde se processam as relações de dominação e poder e que contribui para a perpetuação da violência de repetição. Frente a esse problema da violência, na maioria das vezes, silenciada, a lei Maria da Penha tem sido um importante avanço legal para a mulher.

Além disso, o enfrentamento mais amplo da violência contra as mulheres impõe o fortalecimento de estratégias de acolhimento e atenção humanizada e integral a elas pelos serviços de saúde, articuladas intersetorialmente com as instituições parceiras, dentro da rede de proteção, a fim de que sejam interrompidos os ciclos de violência e que vidas sejam poupadas. É de se destacar a estratégia em curso da coleta de material biológico nos casos de abuso sexual, no bojo das Políticas Públicas para Mulheres, que deve ser estimulada.

A natureza da lesão, com destaque para o corte/laceração, as fraturas e os politraumatismos, juntamente com os números de internação, que corresponderam 19,2%, demonstra sua gravidade e a necessidade de organização integrada dos serviços para atendimento oportuno, qualificado e humanizado às vítimas. De acordo com dados do Ministério da Saúde, em 2014, foram registrados, no SIH, 52.095 internações por agressão no valor de R$ 78,9 milhões3333. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Informações de saúde [dados na Internet] SIH – Sistema de Internação Hospital. Morbidade Hospitalar do SUS por Causas Externas - por local de residência – Brasil. [acessado 2016 out 19]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sih/cnv/fruf.def
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftoht...
. Além do impacto financeiro, há uma sobrecarga nos serviços de saúde, principalmente de serviços especializados e cirurgias, que acaba comprometendo a rede, principalmente nos procedimentos eletivos.

A grande utilização do Samu/ambulância/resgate para o transporte das vítimas ao hospital também demonstra a gravidade das lesões e a importância da cobertura e do acesso desses serviços para o atendimento pré-hospitalar às vítimas.

Na análise, percebeu-se que foi bastante frequente o percentual de vítimas que haviam ingerido álcool nas 6 horas que antecederam a agressão (32,7%). No sexo masculino (36,1%), o álcool foi quase duas vezes mais presente que no feminino (18,8%). Os percentuais de violência entre as vítimas que consumiram álcool, com maior elevação no final de semana, reforça que este consiste em fator de risco importante para as violências. Este mesmo fator também se refere, ao agressor, conforme amplamente descrito na literatura1010. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Viva: vigilância de violências e acidentes, 2009, 2010 e 2011. Brasília: MS; 2013.,3030. Souza ER. Masculinidade e violência no Brasil: contribuições para a reflexão no campo da saúde. Cien Saude Colet 2005; 10(1):59-70.,3434. Malta DC, Mascarenhas MDM, Silva MMA, Macario EM. Perfil dos Atendimentos de Emergência por Acidentes envolvendo Crianças Menores de 10 anos Brasil, 2006 a 2007. Cien Saude Colet 2009; 14(5):1669-1679,3535. Gawryszewski VP, Silva MM, Malta DC, Kegler SR, Mercy JA, Mascarenhas MD, Neto OL. Violence-related injury in emergency departments in Brazil. Rev Panam Salud Publica 2008; 24(6):400-408.. O número elevado de ocorrências de agressões em bares também sugere a relação entre álcool e violência.

A associação entre o consumo de álcool e a violência doméstica tem sido observada em pesquisas realizadas em vários países3636. Fonseca AM, Galduróz JCF, Tondowski CS, Noto AR. Padrões de violência domiciliar associada ao uso de álcool no Brasil. Rev Saude Publica 2009; 43(5):743-749.. Estudo envolvendo algumas cidades da América Latina, incluindo Salvador e Rio de Janeiro, revela que 68% dos que cometeram agressões consumiram álcool antes de agredirem suas companheiras3737. Martín, FM. La violência en la pareja. Rev Panam Salud Pública 1999; 5(4/5):245-245.. O álcool atua como desinibidor, facilitando a ocorrência de agressões3838. Castillo MMA, Caufield C, Gómez Meza MV. Consumo de drogas y violência laboral en mujeres trabajadoras de Monterrey, N. L., México. Revista Latino-Americana de Enfermagem 2005; 13(N. esp. 2):1164-1168.,3939. Zilberman ML, Blume SB. Violência doméstica, abuso de álcool e substâncias psicoativas. Revista Brasileira de Psiquiatria 2005; 27(Supl. II):S51-S55.. Com relação aos adolescentes, a PeNSE (2015) demonstrou que o consumo de bebida alcoólica pelos escolares do 9º ano, avaliado pelo consumo feito nos últimos 30 dias anteriores à realização da pesquisa, foi de 23,8%, com as meninas (25,1%) com consumo atual superior ao observado para os meninos (22,5%), sendo que 21,4% dos estudantes já sofreram pelo menos um episódio de embriaguez na vida. A análise bruta da PeNSE (2012) apontou o desfecho do envolvimento dos alunos em situações de violência física nos 30 dias prévios ao estudo foi associado com bullying, consumo de bebida alcoólica e uso de drogas ilícitas em ambos os sexos1919. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar – PeNSE: 2009. Rio de Janeiro: IBGE; 2009..

O álcool é reconhecidamente, um fator de risco modificável para as violências e, por isso, é importante que essa temática seja incorporada, cada vez mais, nas ações de promoção da saúde, com ênfase na atenção básica, nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e em programas específicos que trabalhem com crianças e adolescentes. É importante, também, interferir nos macrodeterminantes sociais, envolvendo a segurança pública, o controle do tráfico de armas e seu porte ilegal, pois a violência por arma de fogo persiste.

De forma geral, o local onde mais ocorreram agressões foram as vias públicas. A literatura assinala os espaços públicos (ruas, bares e outros locais) como o principal cenário para a ocorrência de eventos violentos, principalmente com relação a agressores e vítimas do sexo masculino3030. Souza ER. Masculinidade e violência no Brasil: contribuições para a reflexão no campo da saúde. Cien Saude Colet 2005; 10(1):59-70.. O domicilio é o espaço onde ocorre a maioria das violências contra mulheres, crianças, adolescentes e idosos, pois é onde passam maior parte dos seus tempos e onde vive a maioria dos agressores4040. Costa COM, Carvalho RC, Bárbara JFRS, Santos CAST, Gomes WA, Sousa HL. O perfil da violência contra crianças e adolescentes, segundo registros de Conselhos Tutelares: vítimas, agressores e manifestações de violência. Cien Saude Colet 2007; 12(5):1129-1141.. Qualquer membro da família pode se tornar, em determinada circunstância, vítima e agressor4141. Tavares ML. Abordagem da violência intrafamiliar no Programa Saúde da Família. In: Brasil. Ministério da Saúde (MS). Violência faz mal à saúde. Brasília: MS; 2004. p. 205- 218..

Estudos internacionais conduzidos com inquéritos também estimaram altas taxas de prevalência de participação em brigas com agressão física em um período de 12 meses: 13,5% nos Estados Unidos, 31,3% na Argentina, 31,1% na Venezuela, 42% na Turquia, 40,7% no Chile1818. Andrade SSCA, Yokota RTC, Bandeira de Sá NN, Silva MMA, Araújo WN, Mascarenhas MDM, Malta DC. Relação entre violência física, consumo de álcool e outras drogas e bullying entre adolescentes escolares brasileiros Cad Saude Publica 2012; 28(9):1725-1736.,4242. Smith-Khuri E, Iachan R, Scheidt PC, OverpeckMD, Gabhainn SN, Pickett W, Harel Y. A cross-national study of violence-related behaviors in adolescents. Arch Pediatr Adolesc Med 2004; 158(6):539-544.

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O perfil das vítimas da violência, do evento e do atendimento nos serviços de urgência e emergência revela a necessidade de integração de serviços e profissionais para atendimento e proteção às vítimas de violência4646. Scherer EA, Scherer ZAP. A criança maltratada: uma revisão da literatura. Rev Latino-americana Enfermagem 2000; 8(5):22-29.. Considerando o padrão das ocorrências de agressão, sobretudo com elevação nos finais de semana, cujos atendimentos se prolongam ao longo de segunda a quarta-feira, há uma maior necessidade de redimensionamento das equipes de urgência para atendimentos adequados à frequência e ao perfil das lesões.

Por tudo isso, a saúde assume papel importante na liderança e na construção de políticas públicas e de redes setoriais de atenção, promoção e prevenção para potencializar as ações individuais e coletivas33. Minayo MCS, Souza ER. É possível prevenir a violência? Reflexões a partir do campo da saúde pública. Cien Saude Colet 1999; 4(1):7-23.,4747. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº737 de 16 de maio de 2001. Dispõe sobre Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências. Diário Oficial da União 2001; 18 maio.,4848. Deslandes S. Redes de proteção social e redes sociais: uma práxis integradora. In: Lima CA, organizadora. Violência faz mal à saúde. Brasília: Ministério da Saúde (MS); 2006. p. 135-141.. Os serviços de Vigilância, com destaque para o Sistema de Notificação de violência através do Sistema Nacional de Agravos de Notificação (SINAN), devem ser fortalecidos, não apenas no sentido de produzir e qualificar informações, mas de serem capazes de acionar e inserir as vítimas, em tempo oportuno, na rede de cuidados em saúde e de proteção, articuladas intersetorialmente. Ações como estas significam ferramentas potentes para romper o silêncio à invisibilidade da violência4949. Malta DC, Castro AM. Avanços e resultados na implementação da Política Nacional de Promoção da Saúde. B Téc Senac: R Educ Prof 2009; 35(2):62-71.

Dentre os limites do estudo, tem-se a inclusão apenas de serviços de urgência e emergência públicos, pelo papel que assumem dentro das redes de urgência pré-hospitalar e hospitalar, embora esses hospitais concentrem a grande maioria dos atendimentos de causas externas, podendo ser uma proxy do universo. A centralidade do atendimento nas urgências também significa uma limitação, pois acaba identificando apenas os casos mais graves, conferindo, assim, um quadro parcial da situação epidemiológica do problema na população, impedindo uma análise mais profunda da rede como um todo, que considere a avaliação das ações de promoção e prevenção.

Conclusão

O estudo mostrou que a violência assume características diferentes com relação ao sexo e ciclo de vida, sendo que em mulheres predominou a doméstica, e em jovens do sexo masculino, urbana, marcada por agressões, com um percentual elevado de uso de arma de fogo. Além de os jovens constituírem o principal alvo da violência, crianças e adolescentes representam o segundo grupo mais afetado.

A violência física foi a mais prevalente, com elevado percentual de corte/laceração, contusão e traumatismos, sendo que parte significativa dos atendimentos evoluiu para a internação, revelando, assim, a gravidade das lesões. O Samu teve papel importante no deslocamento da vítima ao hospital, porém na grande maioria, em ambos os sexos, o deslocamento ocorreu em veículos particulares.

Os percentuais de violência entre vítimas que consumiram álcool, com maior elevação no final de semana, reforça que este consiste em fator de risco importante para as violências. A ocorrência dos eventos e os atendimentos de urgência e emergência foram mais frequentes no final de semana e à noite, com pico por volta das 19hs, reduzindo, de forma abrupta, após as 23hs e permanecendo com menor percentual durante a madrugada.

Portanto, considerando que o conhecimento do perfil de atendimento representa uma ferramenta importante na organização dos serviços de saúde, tanto na vigilância quanto na assistência e prevenção, acredita-se que resultados apresentados possam contribuir com a saúde pública, principalmente, por meio da qualificação, disseminação e uso da informação para a ação. Além disso, o estudo enfatiza a necessidade de fortalecer as ações intersetoriais visando ampliar a rede de atenção e proteção, sobretudo com foco nos grupos mais vulneráveis. Por fim, salienta-se o caráter intersetorial e complexo do tema, que recoloca a saúde em uma posição estratégica, na articulação de forças para enfrentamento do problema.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Set 2017

Histórico

  • Recebido
    01 Mar 2017
  • Revisado
    18 Abr 2017
  • Aceito
    31 Maio 2017
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