Bullying e uso de substâncias psicoativas na adolescência: uma revisão sistemática

Bullying and psychoactive substance use during adolescence: a systematic review

Cristina Lessa Horta Rogério Lessa Horta Ariela Mester Daniele Lindern João Luís Almeida Weber Daniela Centenaro Levandowski Carolina Saraiva de Macedo Lisboa Sobre os autores

Resumo

Bullying e uso de substâncias psicoativas são fenômenos prevalentes entre adolescentes e apontados como problemas de saúde que podem comprometer o desenvolvimento de todos os envolvidos. Esse estudo de revisão sistemática da literatura pretendeu identificar em que medida o envolvimento em situações de bullying e uso de substâncias psicoativas na adolescência se associam, além de verificar se há diferenças em relação ao papel social do bullying. A partir da busca de artigos empíricos publicados entre janeiro de 2009 e dezembro de 2014, em sete bases de dados eletrônicas, foram identificados 585 registros. Aplicados os critérios de inclusão e de exclusão, restaram 40 estudos que foram analisados a partir do seu delineamento, características da amostra e resultados obtidos sobre a relação entre bullying e uso de substâncias psicoativas. A maioria dos estudos é de delineamento quantitativo transversal, com amostras mistas, de meninos e meninas, sendo a escola o local onde esses fenômenos têm sido preferencialmente estudados. Evidenciou-se associação entre perpetração de bullying e uso de substâncias para adolescentes de ambos os sexos. Em relação à vitimização por bullying, não foi possível precisar a direção e a caracterização da relação com o uso de substâncias.

Palavras-chave
Bullying; Drogas; Adolescente; Revisão sistemática

Abstract

Bullying and psychoactive substance abuse are prevalent phenomena among adolescents and identified as health problems that may jeopardise the development of all those involved. This systematic review of the literature aims to identify the extent to which involvement in bullying and psychoactive substance use during adolescence are associated, as well as check for differences regarding the social roles of bullying. From the search for empirical articles published between January 2009 and December 2014 in seven electronic databases, 585 records were identified. After the criteria for inclusion and exclusion were applied, the remaining 40 studies were analyzed based on the design, characteristics of the sample and results of the relationship between bullying and psychoactive substance use. Most studies are quantitative and cross-sectional, and they showed mixed samples of boys and girls in the school environment, which was the place where the phenomena are studied by preference. The association between the perpetration of bullying and psychoactive substance use for adolescents of both sexes is revealed. In relation to victimization by bullying, it was not possible to determine the direction and characterization of the relationship with psychoactive substance use.

Key words
Bullying; drugs; adolescent; systematic review

Introdução

Bullying e uso de substâncias psicoativas são temas recorrentes na literatura científica nacional e internacional, apontados como importantes problemas de saúde, que podem comprometer o desenvolvimento de todos os envolvidos11. Carlini EA, Noto AR, Sanchez ZM, Carlini CMA, Locatelli DP, Abeid LR, Amato TC, Opaleye ES, Tondowski CS, Moura YG. VI Levantamento Nacional sobre o Consumo de Drogas Psicotrópicas entre Estudantes do Ensino Fundamental e Médio das Redes Pública e Privada de Ensino nas 27 Capitais Brasileiras. São Paulo: CEBRID/UNIFESP; 2010.

2. Craig W, Harel-Fish Y, Fogel-Grinvald H, Dostaler S, Hetland J, Simons-Morton B, Molcho M, Mato MG, Overpeck M, Due P, Picket, W, HBSC Violence & Injuries Prevention Focus Group, HBSC Bullying Writing Group. A cross-national profile of bullying and victimization among adolescents in 40 countries. Int J Public Health 2009; 54(Supl. 2):S216-S224.

3. Malta DC, Mascarenhas MDM, Porto DL, Duarte EA, Sardinha LM, Barreto SM, Neto OLM. Prevalência do consumo de álcool e drogas entre adolescentes: análise dos dados da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar. Rev Bras Epidemiol 2011; 14(1):136-146.

4. Nansel TR, Craig W, Overpeck MD, Saluja G, Ruan J. The Health Behavior in School-aged Children Bullying Analyses Working Group. Cross-national consistency in the relationship between bullying behaviors and psychosocial adjustment. Arch Pediatr Adolesc Med 2004; 158(8):730-736.
-55. Shek DTL, Ma HK, Sun RCF. A brief overview on adolescent developmental problems in Hong Kong. ScientificWorldJournal 2011; 11:2243-2256.. A sua alta prevalência entre adolescentes, somada aos prejuízos associados à sua ocorrência, leva-os a serem considerados como sérios problemas de saúde pública66. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Diretrizes nacionais para a atenção integral à saúde de adolescentes e jovens na promoção, proteção e recuperação da saúde. Brasília: MS; 2010..

Considerado como um tipo de violência interpessoal, que ocorre repetidamente, nota-se no bullying a intenção de ofender (agressão verbal), machucar (agressão física) ou humilhar (agressão relacional) alguém de idade igual ou semelhante, sem motivação evidente, causando dor, angústia e humilhação77. Braga LL, Lisboa C. Estratégias de coping para lidar com o processo de bullying: um estudo qualitativo. R Interam Psicol 2010; 44(2):321-331.

8. Malta DC, Silva MAI, Mello FCM, Monteiro RA, Sardinha LMV, Crespo C, Carvalho MGO, Silva MMA, Porto DL. Bullying nas escolas brasileiras: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), 2009. Cien Saude Colet 2010; 15(2):3065-3076.
-99. Olweus D. Bullying at school: What we know and what we can do. London: Blackwell; 1993..

Entre adolescentes norte-americanos, as prevalências de envolvimento em situações de bullying podem variar de 8,9%, referentes ao cyberbullying, até 37,9% para bullying verbal1010. Luk JW, Wang J, Simons-Morton BG. Bullying victimization and substance use among U. S. adolescents: mediation by depression. Prev Sci 2010; 11(4):355-359.. Um estudo transcultural, realizado com adolescentes de 40 países, indicou que cerca de 11% deles são vítimas de bullying22. Craig W, Harel-Fish Y, Fogel-Grinvald H, Dostaler S, Hetland J, Simons-Morton B, Molcho M, Mato MG, Overpeck M, Due P, Picket, W, HBSC Violence & Injuries Prevention Focus Group, HBSC Bullying Writing Group. A cross-national profile of bullying and victimization among adolescents in 40 countries. Int J Public Health 2009; 54(Supl. 2):S216-S224.. No Brasil, estima-se que 30,8% dos adolescentes com idade entre 13 e 15 anos já sofreram bullying em algum momento de suas vidas, dos quais 5,4% quase sempre ou sempre nos últimos 30 dias. Neste mesmo estudo, meninos são referidos como sofrendo ou protagonizando mais bullying do as que meninas88. Malta DC, Silva MAI, Mello FCM, Monteiro RA, Sardinha LMV, Crespo C, Carvalho MGO, Silva MMA, Porto DL. Bullying nas escolas brasileiras: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), 2009. Cien Saude Colet 2010; 15(2):3065-3076..

O envolvimento em situações de bullying, seja como vítima, agressor, vítima-agressor ou expectador, está associado a prejuízos físicos, sociais, afetivos e cognitivos, não só a curto, mas também a longo prazo44. Nansel TR, Craig W, Overpeck MD, Saluja G, Ruan J. The Health Behavior in School-aged Children Bullying Analyses Working Group. Cross-national consistency in the relationship between bullying behaviors and psychosocial adjustment. Arch Pediatr Adolesc Med 2004; 158(8):730-736.. Entre os prejuízos causados por este fenômeno, estão: problemas de autoestima, de relacionamento com os pares, dificuldades na aprendizagem, evasão escolar, comportamentos violentos, transtorno de conduta, sintomas psicossomáticos, depressão, risco de suicídio e uso de álcool, tabaco e drogas ilícitas44. Nansel TR, Craig W, Overpeck MD, Saluja G, Ruan J. The Health Behavior in School-aged Children Bullying Analyses Working Group. Cross-national consistency in the relationship between bullying behaviors and psychosocial adjustment. Arch Pediatr Adolesc Med 2004; 158(8):730-736.,1111. Cruzeiro AL, Silva RA, Horta BL, Souza LD, Faria AD, Pinheiro RT, Silveira Ide O, Ferreira CD. Prevalência e fatores associados ao transtorno da conduta entre adolescentes: um estudo de base populacional. Cad Saude Publica 2008; 24(9):2013-2020.,1212. Radliff KM, Wheaton JE, Robinson K, Morris J. Illuminating the relationship between bullying and substance use among middle and high school youth. Addict Behav 2012; 37(4):569-572..

Enquanto os comportamentos de bullying tendem a ser rejeitados pela maioria da população, embora aconteçam com muita frequência, o consumo de álcool é praticado e, até certo nível, aceito socialmente. Estudos apontam que, embora o uso de substâncias psicoativas enfrente certas limitações e constrangimentos, este ainda é um hábito largamente praticado, especialmente a partir da adolescência11. Carlini EA, Noto AR, Sanchez ZM, Carlini CMA, Locatelli DP, Abeid LR, Amato TC, Opaleye ES, Tondowski CS, Moura YG. VI Levantamento Nacional sobre o Consumo de Drogas Psicotrópicas entre Estudantes do Ensino Fundamental e Médio das Redes Pública e Privada de Ensino nas 27 Capitais Brasileiras. São Paulo: CEBRID/UNIFESP; 2010.,33. Malta DC, Mascarenhas MDM, Porto DL, Duarte EA, Sardinha LM, Barreto SM, Neto OLM. Prevalência do consumo de álcool e drogas entre adolescentes: análise dos dados da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar. Rev Bras Epidemiol 2011; 14(1):136-146.. O álcool, substância mais consumida nessa etapa do desenvolvimento, tem seu consumo na vida referido por 60% a 70% dos adolescentes brasileiros11. Carlini EA, Noto AR, Sanchez ZM, Carlini CMA, Locatelli DP, Abeid LR, Amato TC, Opaleye ES, Tondowski CS, Moura YG. VI Levantamento Nacional sobre o Consumo de Drogas Psicotrópicas entre Estudantes do Ensino Fundamental e Médio das Redes Pública e Privada de Ensino nas 27 Capitais Brasileiras. São Paulo: CEBRID/UNIFESP; 2010.,33. Malta DC, Mascarenhas MDM, Porto DL, Duarte EA, Sardinha LM, Barreto SM, Neto OLM. Prevalência do consumo de álcool e drogas entre adolescentes: análise dos dados da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar. Rev Bras Epidemiol 2011; 14(1):136-146.. Desconsiderando-se tabaco e álcool, 22,8% dos 7.939 adolescentes entrevistados, no II Levantamento domiciliar sobre uso de drogas psicotrópicas no Brasil – 2005, já fizeram uso de drogas na vida1313. Carlini EA, Galduróz JC, Silva AAB, Noto AR, Fonseca AM, Carlini CM, Oliveira LG, Nappo SA, Moura YG, Sanchez ZM. II Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil: estudo envolvendo as 108 maiores cidades do país. São Paulo: CEBRID/UNIFESP; 2006.. Neste mesmo levantamento, a estimativa de adolescentes dependentes de álcool foi de 12,3% e, de tabaco, 10,1%. Além disso, a adolescência foi apontada como a etapa do desenvolvimento em que se dá o início do uso de substâncias psicoativas: entre 12 e 17 anos já se percebe o uso das mais variadas substâncias e, entre o sexo masculino, um terço declarou já ter se submetido a tratamento para dependência de drogas. Nesta faixa etária, o álcool já foi consumido por 54,3% dos adolescentes, sendo 7% considerados dependentes. Ainda, 15,2% já experimentaram cigarro, sendo 2,9% dependentes de tabaco. Por fim, a maconha já foi utilizada por 4,1% dos adolescentes1313. Carlini EA, Galduróz JC, Silva AAB, Noto AR, Fonseca AM, Carlini CM, Oliveira LG, Nappo SA, Moura YG, Sanchez ZM. II Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil: estudo envolvendo as 108 maiores cidades do país. São Paulo: CEBRID/UNIFESP; 2006..

Assim como o bullying, o uso de substâncias psicoativas pode prejudicar o desenvolvimento físico, emocional e social dos indivíduos. Estudos associam este hábito a envolvimento em acidentes e brigas, problemas no desempenho acadêmico e profissional, prática de relações sexuais com maior número de parceiros e de risco (sem uso de preservativos), depressão, ansiedade, baixa autoestima, distúrbios psiquiátricos menores e transtornos de conduta1111. Cruzeiro AL, Silva RA, Horta BL, Souza LD, Faria AD, Pinheiro RT, Silveira Ide O, Ferreira CD. Prevalência e fatores associados ao transtorno da conduta entre adolescentes: um estudo de base populacional. Cad Saude Publica 2008; 24(9):2013-2020.,1414. Horta RL, Horta BL, Horta CL. Uso de drogas e sofrimento psíquico numa instituição universitária do Sul do Brasil. Psicol Rev (Online) 2012; 18(2):264-276.,1515. Peuker AC, Fogaça J, Bizarro LA. Expectativas e beber problemático entre universitários. Psic: Teor Pesq 2006; 22(2):193-200..

Percebe-se que o envolvimento em situações de bullying e o uso de substâncias psicoativas constituem-se em fatores de risco na adolescência e que vários problemas de saúde são comuns como consequência do envolvimento com esses fenômenos. Além disso, ambos apresentam grande prevalência nessa etapa da vida e, portanto, estão presentes de forma significativa no ambiente escolar, prejudicando o desempenho acadêmico dos envolvidos, além de aparecem frequentemente relacionados a um dos grandes problemas de saúde pública: a violência de um modo geral22. Craig W, Harel-Fish Y, Fogel-Grinvald H, Dostaler S, Hetland J, Simons-Morton B, Molcho M, Mato MG, Overpeck M, Due P, Picket, W, HBSC Violence & Injuries Prevention Focus Group, HBSC Bullying Writing Group. A cross-national profile of bullying and victimization among adolescents in 40 countries. Int J Public Health 2009; 54(Supl. 2):S216-S224.,44. Nansel TR, Craig W, Overpeck MD, Saluja G, Ruan J. The Health Behavior in School-aged Children Bullying Analyses Working Group. Cross-national consistency in the relationship between bullying behaviors and psychosocial adjustment. Arch Pediatr Adolesc Med 2004; 158(8):730-736.,88. Malta DC, Silva MAI, Mello FCM, Monteiro RA, Sardinha LMV, Crespo C, Carvalho MGO, Silva MMA, Porto DL. Bullying nas escolas brasileiras: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), 2009. Cien Saude Colet 2010; 15(2):3065-3076.,1212. Radliff KM, Wheaton JE, Robinson K, Morris J. Illuminating the relationship between bullying and substance use among middle and high school youth. Addict Behav 2012; 37(4):569-572.,1313. Carlini EA, Galduróz JC, Silva AAB, Noto AR, Fonseca AM, Carlini CM, Oliveira LG, Nappo SA, Moura YG, Sanchez ZM. II Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil: estudo envolvendo as 108 maiores cidades do país. São Paulo: CEBRID/UNIFESP; 2006.. São, ainda, fenômenos que influenciam e são influenciados pelos grupos de iguais, uma vez que tanto o bullying como o uso de substâncias psicoativas costumam ser situações que o jovem vivencia junto com amigos, seja pela simples oferta ou pela função integradora que o envolvimento nesses comportamentos pode representar1616. Acosta LD, Fernández AR, Pillon SC. Factores sociales para el uso de alcohol en adolescentes y jóvens. Rev Latinoam Enfermagem 2011; 19(Spec. N°):771-781.,1717. Vieira PC, Aerts DRGC, Freddo SL, Bittencourt A, Monteiro L. Uso de álcool, tabaco e outras drogas por adolescentes escolares em município do Sul do Brasil. Cad Saude Publica 2008; 24(11):2487-2498..

Uma compreensão mais profunda destes fenômenos e da relação entre eles, necessária na promoção de cuidados dirigidos à prevenção ou ao manejo de situações típicas, depende ainda de uma sistematização das evidências disponíveis que reflitam em que medida bullying e uso de substâncias estão associados e se esta relação se modifica segundo os diferentes papéis sociais identificados entre os envolvidos em bullying (vítima, vítima-agressor ou agressor). Para responder a isso, foi realizada uma revisão sistemática da literatura sobre bullying e uso de substâncias.

Método

O presente estudo, baseado no método Prefered Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses – PRISMA1818. Moher D, Liberati A, Tetzlaff J, Altman DG; PRISMA Group. Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses: The PRISMA Statement. Int J Surg 2010; 8(5):336-341.,1919. Urrútia G, Bonfill X. Declaración PRISMA: una propuesta para mejorar la publicación de revisiones sistemáticas y metanálisis. Med Clin (Barc) 2010, 135(11):507-511., foi conduzido por quatro pesquisadores, de forma independente e cega. A busca de artigos foi realizada em duas etapas: em janeiro de 2014 para publicações de janeiro de 2009 a dezembro de 2013 e, em março de 2015, para publicações de janeiro a dezembro de 2014. Foram pesquisadas as seguintes bases de dados eletrônicas: Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), American Psychological Association (APA), Education Resources Information Center (ERIC), Index Psi Periódicos (IndexPsi), EBSCO Information Services (EBSCO), Web of Science e Oxford University Press. Os descritores utilizados para a busca de artigos foram definidos a partir dos termos indexados no vocabulário estruturado DeCS (Descritores em Ciências da Saúde) e no vocabulário de indexação de artigos da PubMed, o Medical Subject Headings (MeSH terms), estabelecendo-se a seguinte sintaxe: bullying AND drugs OR drug abuse OR substance OR dependency OR alcohol OR cannabis OR crack OR cocaine OR tobacco.

Para a inclusão dos artigos localizados nessa busca, foram adotados os seguintes critérios: 1) tratar-se de artigo empírico, 2) publicado entre janeiro de 2009 e dezembro de 2014, 3) realizado com população adolescente, 4) que relacionasse bullying e uso de substâncias psicoativas e 5) publicado em idiomas inglês, espanhol ou português. Foram excluídos: 1) os artigos repetidos, 2) aqueles que enfocavam apenas um dos temas (somente bullying ou somente uso de drogas), 3) os que mencionaram os dois temas sem examinar a relação entre eles, 4) estudos que trataram apenas de cyberbullying, 5) artigos que não estudaram nenhum dos temas e 6) estudos cuja qualidade metodológica foi considerada ruim.

Após a leitura dos títulos e resumos das produções encontradas em cada base, foram aplicados os critérios de exclusão pelos juízes, com consenso de uma terceira juíza. Quando essa leitura não se mostrou suficiente para a definição sobre a adequação ou não do artigo aos critérios de inclusão definidos, os mesmos foram mantidos para a etapa seguinte do estudo, que envolveu a leitura dos artigos na íntegra. Durante esta etapa, outro critério de exclusão foi estabelecido: estudos que abordaram o bullying sem explicitar o conceito utilizado. Assim, foram considerados artigos que abordaram o bullying aqueles que explicitaram alguma definição do fenómeno para o estudo das variáveis relacionadas, correspondendo a algum tipo de violência interpessoal, que ocorre repetidamente, com a intenção de ofender (agressão verbal), machucar (agressão física) ou humilhar (agressão relacional) alguém de idade igual ou semelhante, sem motivação evidente, causando dor, angústia ou humilhação44. Nansel TR, Craig W, Overpeck MD, Saluja G, Ruan J. The Health Behavior in School-aged Children Bullying Analyses Working Group. Cross-national consistency in the relationship between bullying behaviors and psychosocial adjustment. Arch Pediatr Adolesc Med 2004; 158(8):730-736.,77. Braga LL, Lisboa C. Estratégias de coping para lidar com o processo de bullying: um estudo qualitativo. R Interam Psicol 2010; 44(2):321-331.

8. Malta DC, Silva MAI, Mello FCM, Monteiro RA, Sardinha LMV, Crespo C, Carvalho MGO, Silva MMA, Porto DL. Bullying nas escolas brasileiras: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), 2009. Cien Saude Colet 2010; 15(2):3065-3076.
-99. Olweus D. Bullying at school: What we know and what we can do. London: Blackwell; 1993.. Artigos que empregaram a expressão bullying sem qualquer detalhamento do conceito a quem respondia o instrumento e sem a investigação de detalhes que caracterizassem o conceito assumido aqui, foram excluídos, por não haver garantias de que seus resultados poderiam ser comparados aos resultados de artigos que apresentaram adequada caracterização do fenómeno. Em relação à faixa etária, nos casos em que os autores dos artigos encontrados não apresentaram este dado, considerou-se que o estudo de fato referia-se a uma população adolescente quando a etapa de escolarização correspondia ao esperado para esta fase do desenvolvimento. Por fim, como uso de substâncias psicoativas foi considerada a investigação de qualquer tipo de uso de drogas lícitas e ilícitas. Ainda, a qualidade do artigo foi avaliada durante a sua leitura na íntegra, verificando-se a apresentação e adequação dos procedimentos metodológicos utilizados e os riscos de ocorrência de vieses de seleção, de delineamento, de validade interna, além de possíveis conflitos de interesse dos autores e o relato do controle de vieses em cada estudo analisado2020. Viswanathan M, Ansari MT, Berkman ND, Chang S, Hartling L, McPheeters M, Santaguida PL, Shamliyan T, Singh K, Tsertsvadze A, Treadwell JR. Assessing the Risk of Bias of Individual Studies in Systematic Reviews of Health Care Interventions. Guide for Comparative Effectiveness Reviews. AHRQ WebM&M 2012; 10(14):193-221.. Não foram incluídos na revisão estudos com vieses detectados pela equipe de pesquisa e percebidos como determinantes de algum prejuízo para as estimativas apresentadas no artigo.

Concluída a leitura integral dos textos, o conteúdo dos artigos foi organizado e categorizado. Foram registradas as seguintes informações: identificação do artigo, delineamento do estudo, características da amostra e resultados obtidos sobre a relação entre bullying e uso de substâncias psicoativas.

Resultados

A estratégia de busca inicial identificou 585 registros. Aplicados os critérios de inclusão, 389 registros foram selecionados. Destes, 161 eram repetidos dentro das bases, gerando um total de 228 registros, cujos títulos e resumos foram analisados. Aplicados os demais critérios de exclusão, 83 registros foram excluídos por abordarem apenas um dos temas, 82 por abordarem os dois temas, sem estudar a relação entre eles, 11 apresentaram dados exclusivos sobre cyberbullying, 04 não estudavam nenhum dos temas aqui abordados, 04 não explicitaram o conceito utilizado para o estudo do bullying e 04 foram considerados de qualidade metodológica ruim. Restaram, assim, 40 artigos, os quais foram selecionados para efetiva análise dos dados. A Figura 1 apresenta o detalhamento deste processo.

Figura 1
Fluxograma das etapas de busca e seleção dos artigos analisados.

Na análise dos artigos, alguns aspectos destacaram-se: diferentes delineamentos de estudos do tema, processos amostrais envolvendo predominantemente escolares e não a população de adolescentes como um todo, e resultados controversos obtidos sobre a relação entre bullying e uso de substâncias psicoativas, especialmente quanto à vitimização por bullying.

Com relação ao delineamento, a maioria dos estudos é quantitativo, uma vez que apenas um dos 40 artigos apresentou delineamento qualitativo. Entre os estudos quantitativos, 24 (61%) são de delineamento transversal, 10 (26%) são estudos longitudinais, e 5 (13%) apresentaram outros tipos de delineamentos. Quanto às amostras, nota-se que a escola aparece como local onde bullying e uso de substâncias psicoativas entre adolescentes são preferencialmente estudados (87,5%; n = 35). A escola, principalmente em países e em anos escolares nos quais há limitada ocorrência de abandono escolar, pode permitir uma boa aproximação da população adolescente do território onde ela se insere. Contudo, não se pode assegurar essa relação. Portanto, é mais adequado explorar as evidências destes estudos falando da população de escolares. Depois da escola, instituições hospitalares (5%; n = 2) e outros locais (5%; n = 2) foram sede dos estudos. Apenas uma ivestigação (2,5%) era um inquérito de base domiciliar. A maioria dos estudos apresentou amostras mistas, compostas de adolescentes de ambos os sexos (95%; n = 38), havendo dois estudos realizados apenas com meninos (5%).

Entre os estudos de delineamento quantitativo transversal que analisaram o papel de vítima, nota-se que mais da metade (65%; n = 13) evidenciou aumento da ocorrência de uso de substâncias associado à vitimização por bullying. O Quadro 1 apresenta as principais evidências dos estudos com essas características. Há dados que associam a vitimização com uso de ál- cool2121. McGee E, Valentine C, Schulte M, Brown SA. Peer victimization and alcohol involvement among adolescents self-selecting into a school-based alcohol intervention. J Child Adolesc Subst Abuse 2011; 20:253-269.

22. Pan SW, Spittal PM. Health effects of perceived racial and religious bullying among urban adolescents in China: A cross-sectional national study. Glob Public Health 2013; 8(6):685-697.
-2323. Pierobon M, Barak M, Hazrati S, Jacobsen KH. Alcohol consumption and violence among argentine adolescents. J Pediatr 2013; 89(1):100-107., tabaco2222. Pan SW, Spittal PM. Health effects of perceived racial and religious bullying among urban adolescents in China: A cross-sectional national study. Glob Public Health 2013; 8(6):685-697.,2424. Bradshaw CP, Waasdorp TE, Goldweber A, Johnson SL. Bullies, gangs, drugs, and school: understanding the overlap and the role of ethnicity and urbanicity. J Youth Adolescence 2013; 42(2):220-234.

25. Tee GH, Kaur G. Correlates of current smoking among malaysian secondary school children. Asia Pac J Public Health 2014; 26(5S):70S-80S.
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Quadro 1
Estudos Transversais que evidenciaram aumento da ocorrência de uso de substâncias associado à vitimização por bullying.

Por sua vez, o Quadro 2 apresenta dados dos estudos transversais que não evidenciaram aumento da ocorrência de uso de substâncias associado à vitimização ou não estudaram vitimização. Entre os 12 artigos referidos neste quadro, sete (35%) não encontraram aumento da ocorrência de uso de substâncias associado à vitimização. Neste sentido, Garcia-Continente et al.3131. Garcia-Continente X, Pérez-Giménez A, Adell MN. Factores relacionados com el acoso escolar (bullying) em los adolescentes de Barcelona. Gac Sanit 2010; 24(2):103-108. identificaram, entre os meninos vitimizados, uma menor chance de uso na vida de maconha, enquanto as meninas vítimas apresentaram menor chance de uso de risco de álcool nos últimos 6 meses. Em outro estudo, Garcia-Continente et al.3232. Garcia-Continente X, Pérez-Giménez A, Espelt A. Adell, MN. Bullying among schoolchildren: differences between victims and agressors. Gac Sanit 2013; 27(4):350-354. encontraram a menor chance de uso na vida de maconha entre as vítimas estudadas, independentemente do sexo. Outros estudos identificaram, ainda, associação negativa entre vitimização por bullying e uso pesado de álcool3333. McMahon EM, Reulbach U, Keeley H, Perry IJ, Arensman E. Bullying victimization, self harm and associated factors in Irish adolescent boys. Soc Sci Med 2010; 71(7):1300-1307. e uso pesado de álcool e outras substâncias no ano3434. Fossati A, Borroni S, Maffei C. Bullying as a style of personal relating: Personality characteristics and interpersonal aspects of self-reports of bullying behaviours among Italian adolescent high school students. Personal Ment Health 2012; 6(4):325-339.. Analisando-se conjuntamente os Quadros 1 e 2, nota-se estudos que apontam para a ausência de associação entre vitimização e uso de álcool no mês2424. Bradshaw CP, Waasdorp TE, Goldweber A, Johnson SL. Bullies, gangs, drugs, and school: understanding the overlap and the role of ethnicity and urbanicity. J Youth Adolescence 2013; 42(2):220-234.,3535. Peleg-Oren N, Cardenas GA, Comerford M, Galea S. An association between bullying behaviors and alcohol use among middle school students. J Early Adolesc 2010; 32(6):761-775., tabaco na semana e outras drogas no ano3333. McMahon EM, Reulbach U, Keeley H, Perry IJ, Arensman E. Bullying victimization, self harm and associated factors in Irish adolescent boys. Soc Sci Med 2010; 71(7):1300-1307. e álcool e outras substâncias3636. Luukkonen AH, Riala K, Hakko H, Räsänen P; Study-70 workgroup. Bullying behaviour and substance abuse among underage psychiatric inpatient adolescents. Eur Psychiatry 2010; 25(7):382-389.. Embora Vieno et al.2929. Vieno A, Gini G, Santinello M. Different forms of bullying and their association to smoking and drinking behavior in Italian adolescents. J Sch Health 2011; 81(7):393-399. tenham encontrado associação entre vitimização e uso de tabaco e álcool na vida, esta associação não se manteve para vitimização em bullying verbal e tabagismo, assim como para vitimização por racismo e uso de álcool.

Quadro 2
Estudos Transversais que nao evidenciaram aumento da ocorrência de uso de substâncias associado à vitimização por bullying ou não estudaram vitimização.

Embora a relação entre uso de substâncias e vitimização por bullying mostre-se controversa, o mesmo não ocorreu em relação ao papel de agressor. Tanto no Quadro 1 como no Quadro 2, é possível perceber a associação entre ser agressor e fazer uso de substâncias psicoativas, apontada por todos os estudos de delineamento transversal que estudaram este papel social do bullying. Entre os estudos que analisaram também os outros papéis sociais do bullying, os agressores apareceram como sendo os que mais fazem uso de substâncias, seguidos por agressores-vítimas e, por fim, pelas vítimas. Assim como aconteceu em relação aos jovens polivítimas2828. Espelage DL, Low S, De La Ru L. Relations Between Peer Victimization Subtypes, Family Violence, and Psychological Outcomes During Early Adolescence. Psychol Violence 2012; 2(4):313-324., agressores envolvidos em todos os tipos de bullying referiram mais uso de substâncias quando comparados a envolvidos em apenas um ou dois tipos de bullying3737. Wang J, Iannotti RJ, Luk JW. Patterns of adolescent bullying behaviors: physical, verbal, exclusion, rumor, and cyber. J Sch Psychol 2012; 50(4):521-534..

Apesar de algumas discrepâncias entre os resultados, os estudos de delineamento quantitativo longitudinal (Quadro 3) também evidenciaram associação do bullying no papel de agressor com uso de cigarros3838. Niemelä S, Brunstein-Klomek A, Sillanmäki L, Helenius H, Piha J, Kumpulainen K, Moilanen I, Tamminen T, Almqvist F, Sourander A. Childhood bullying behaviors at age eight and substance use at age 18 among males. A Nationwide prospective study. Addict Behav 2011; 36(3):256-260., álcool3939. Hemphill SA, Kotevski A, Herrenkohl TI, Bond L, Kim MJ, Toumbourou JW, Catalano RF. Longitudinal consequences of adolescent bullying perpetration and victimisation: a study of students in Victoria, Australia. Crim Behav Ment Health 2011; 21(2):107-116. ou outras drogas3838. Niemelä S, Brunstein-Klomek A, Sillanmäki L, Helenius H, Piha J, Kumpulainen K, Moilanen I, Tamminen T, Almqvist F, Sourander A. Childhood bullying behaviors at age eight and substance use at age 18 among males. A Nationwide prospective study. Addict Behav 2011; 36(3):256-260.. Nota-se, ainda, o estudo de Espelage et al.4040. Espelage DL, Low S, Rao MA, Hong JS, Little TD. Family violence, bullying, fighting, and substance use among adolescents: a longitudinal mediational model. J Res Adolesc 2014; 24(2):337-349., que aponta para a perpetração de bullying como fator de mediação entre violência familiar e uso de álcool, cigarro e solventes entre os meninos. No entanto, foi encontrado um estudo mostrando associação com o uso de álcool, cigarro e outras drogas no último ano apenas para bullying verbal e relacional4141. Low S, Espelage D. Differentiating cyber bullying perpetration from non-physical bullying: commonalities across race, individual, and family predictors. Psychol Violence 2013; 3(1):39-52., e outro indicando que praticar o bullying não prediz o uso de drogas na adolescência, mas prediz na idade adulta4242. Farrington DP, Ttofi MM. Bullying as a predictor of offending, violence and later life outcomes. Crim Behav Ment Health 2011; 21(2):90-98.. Apenas no estudo de Weiss et al.4343. Weiss JW, Cen S, Mouttapa M, Johnson AC, Unger J. Longitudinal effects of hostility, depression, and bullying on adolescent smoking initiation. J Adolesc Health 2011; 48(6):591-596. não foi encontrada associação entre perpetração do bullying e tabagismo.

Quadro 3
Estudos Longitudinais que analisaram a relação entre Uso de Substâncias e Envolvimento em Bullying.

Já em relação à vitimização por bullying, há estudos longitudinais (Quadro 3) indicando ausência de associação com uso de álcool e maconha3939. Hemphill SA, Kotevski A, Herrenkohl TI, Bond L, Kim MJ, Toumbourou JW, Catalano RF. Longitudinal consequences of adolescent bullying perpetration and victimisation: a study of students in Victoria, Australia. Crim Behav Ment Health 2011; 21(2):107-116.,4444. Forster M, Dyal SR, Baezconde-Garbanati L, Chou CP, Soto DW, Unger JB. Bullying victimization as a mediator of associations between cultural/familial variables, substance use, and depressive symptoms among Hispanic youth. Ethn health 2013; 18(4):415-432. e álcool e outras drogas4545. Klomek AB, Kleinman M, Altschuler E, Marrocco F, Amakawa L, Gould MS. Suicidal Adolescents’ Experiences With Bullying Perpetration and Victimization during High School as Risk Factors for Later Depression and Suicidality. J Adolesc Health 2013; 53(Supl.):S37-S42., enquanto outros apontam para a existência de associação entre vitimização por bullying e uso de cigarros3838. Niemelä S, Brunstein-Klomek A, Sillanmäki L, Helenius H, Piha J, Kumpulainen K, Moilanen I, Tamminen T, Almqvist F, Sourander A. Childhood bullying behaviors at age eight and substance use at age 18 among males. A Nationwide prospective study. Addict Behav 2011; 36(3):256-260.,4444. Forster M, Dyal SR, Baezconde-Garbanati L, Chou CP, Soto DW, Unger JB. Bullying victimization as a mediator of associations between cultural/familial variables, substance use, and depressive symptoms among Hispanic youth. Ethn health 2013; 18(4):415-432.,4646. Tharp-Taylor S, Haviland A, D'Amico EJ. Victimization from Mental and Physical Bullying and Substance Use in Early Adolescence. Addict Behav 2009; 34(6-7):561-567., álcool4646. Tharp-Taylor S, Haviland A, D'Amico EJ. Victimization from Mental and Physical Bullying and Substance Use in Early Adolescence. Addict Behav 2009; 34(6-7):561-567.,4747. Topper LR, Castellanos-Ryan N, Mackie C, Conrod PJ. Adolescent bullying victimization and alcohol-related problem behaviour mediated by coping drinking motives over a 12 month period. Addict Behav 2011; 36(1-2):6-13., maconha4646. Tharp-Taylor S, Haviland A, D'Amico EJ. Victimization from Mental and Physical Bullying and Substance Use in Early Adolescence. Addict Behav 2009; 34(6-7):561-567. e outras substâncias4646. Tharp-Taylor S, Haviland A, D'Amico EJ. Victimization from Mental and Physical Bullying and Substance Use in Early Adolescence. Addict Behav 2009; 34(6-7):561-567.. Ressalta-se que a vitimização no 9° ano escolar mediou a relação entre coesão familiar e uso de tabaco4444. Forster M, Dyal SR, Baezconde-Garbanati L, Chou CP, Soto DW, Unger JB. Bullying victimization as a mediator of associations between cultural/familial variables, substance use, and depressive symptoms among Hispanic youth. Ethn health 2013; 18(4):415-432., e que vitimização no tempo 1 (T1) do estudo longitudinal foi preditor de uso de álcool para coping (por exemplo, para esquecer tristezas, melhorar o humor ou lidar com sentimentos de depressão ou ansiedade) e também de problemas relacionados ao uso de álcool em T24747. Topper LR, Castellanos-Ryan N, Mackie C, Conrod PJ. Adolescent bullying victimization and alcohol-related problem behaviour mediated by coping drinking motives over a 12 month period. Addict Behav 2011; 36(1-2):6-13..

Por fim, o Quadro 4 apresenta os resultados de estudos com outros tipos de delineamento. Aqui foram reunidos os dados do estudo qualitativo e de estudos que aplicaram Modelo de Equações Estruturais ou Análise de Mediação, usualmente aplicadas a estudos longitudinais, sobre dados de estudos transversais. Observa-se associação entre vitimização por bullying e uso de substâncias apenas para os meninos após o controle para presença de sintomas depressivos1111. Cruzeiro AL, Silva RA, Horta BL, Souza LD, Faria AD, Pinheiro RT, Silveira Ide O, Ferreira CD. Prevalência e fatores associados ao transtorno da conduta entre adolescentes: um estudo de base populacional. Cad Saude Publica 2008; 24(9):2013-2020. e apenas a vitimização por bullying físico como preditora de uso de álcool e outras drogas4949. Litwiller BJ, Brausch AM. Cyber bullying and physical bullying in adolescent suicide: the role of violent behavior and substance use. J Youth Adolescence 2013; 42(5):675-684.. Há, também, um estudo indicando ausência de associação entre vitimização por bullying e o uso de cigarros5353. Hanewinkel R, Isensee B, Maruska K, Sargent JD, Morgenstern M. Denormalising smoking in the classroom: does it cause bullying? J Epidemiol Community Health 2010; 64(3):202-208. e outro indicando que ser vítima de bullying contribui para não haver consumo de álcool, enquanto o envolvimento com a perpetração do bullying contribui para o consumo5454. Archimi A, Kuntsche E. Do offenders and victims drink for different reasons? Testing mediation of drinking motives in the link between bullying subgroups and alcohol use in adolescence. Addict Behav 2014; 39(3):713-716.. Além disso, a inclusão dos motivos para beber no modelo de equações estruturais utilizado pelos pesquisadores evidencia uma relação entre o efeito do envolvimento em algum dos papeis sociais de bullying e o uso de álcool5454. Archimi A, Kuntsche E. Do offenders and victims drink for different reasons? Testing mediation of drinking motives in the link between bullying subgroups and alcohol use in adolescence. Addict Behav 2014; 39(3):713-716.. Por outro lado, verifica-se, entre os estudos apresentados no Quadro 4, uma maior chance de agressores fazerem uso diário de tabaco5353. Hanewinkel R, Isensee B, Maruska K, Sargent JD, Morgenstern M. Denormalising smoking in the classroom: does it cause bullying? J Epidemiol Community Health 2010; 64(3):202-208. e o consumo problemático de álcool, ou em grandes quantidades, associado a escores mais elevados de perpetração de bullying5757. Ferrett HL, Cuzen NL, Thomas KG, Carey PD, Stein DJ, Finn PR, Tapert SF, Fein G. Characterization of South African adolescents with alcohol use disorders but without psychiatric or polysubstance comorbidity. Alcohol Clin Exp Res 2011; 35(9):1705-1715..

Quadro 4
Estudos com outros delineamentos que analisaram a relação entre Uso de Substâncias e Envolvimento em Bullying.

Ainda, o estudo de delineamento qualitativo sugere que o uso de cigarro, álcool e outras substâncias pode ser influenciado pela experiência pessoal de sofrer algum tipo de bullying5858. Fletcher A, Bonell C, Sorhaindo A, Strange V. How might schools influence Young people's drug use? Development of theory from qualitative case-study research. J Adolesc Health 2009; 45(2):126-132.. Apontou, ainda, o uso de maconha como atividade social, favorecendo a integração dos adolescentes com seus pares e a sensação de proteção e segurança dentro do ambiente escolar, quando este é percebido como hostil (Quadro 4).

Embora não seja foco deste estudo analisar os fatores associados à relação entre bullying e uso de drogas, alguns resultados chamaram a atenção e merecem ser destacados. Ainda que a maioria dos estudos de delineamento transversal não tenha encontrado diferenças significativas entre meninos e meninas quanto à associação entre bullying e uso de substâncias, outros estudos evidenciaram diferenças entre adolescentes de ambos os sexos. Por exemplo, Pierobon et al.2323. Pierobon M, Barak M, Hazrati S, Jacobsen KH. Alcohol consumption and violence among argentine adolescents. J Pediatr 2013; 89(1):100-107. identificaram relação significativa e expressiva entre vitimização e uso de álcool no mês para ambos os sexos. Contudo, as meninas apresentaram quase o dobro de chance de usar álcool no mês em relação aos meninos. Já no estudo de Garcia-Continente et al.3131. Garcia-Continente X, Pérez-Giménez A, Adell MN. Factores relacionados com el acoso escolar (bullying) em los adolescentes de Barcelona. Gac Sanit 2010; 24(2):103-108., meninas vítimas apresentaram menor chance de uso de álcool nos últimos 6 meses. Entre meninos e meninas internados em hospital psiquiátrico, Luukkonen et al.3636. Luukkonen AH, Riala K, Hakko H, Räsänen P; Study-70 workgroup. Bullying behaviour and substance abuse among underage psychiatric inpatient adolescents. Eur Psychiatry 2010; 25(7):382-389. encontraram chance aumentada para uso de maconha e outras drogas apenas entre as meninas agressoras e, para uso de álcool, apenas entre os meninos, enquanto Garcia-Continente et al.3131. Garcia-Continente X, Pérez-Giménez A, Adell MN. Factores relacionados com el acoso escolar (bullying) em los adolescentes de Barcelona. Gac Sanit 2010; 24(2):103-108. encontraram menor chance de uso na vida de maconha pelos meninos vitimizados.

Ainda que os autores utilizem análises estatísticas distintas, é possível estimar a magnitude das associações aqui estudadas, pelo menos para papéis sociais que envolvem o comportamento agressor. Comparados a não envolvidos, foram estimadas Razões de Chance (OR) de 2,44 (IC95%: 2,11-2,81) para uso de álcool no mês entre agressores de bullying físico3434. Fossati A, Borroni S, Maffei C. Bullying as a style of personal relating: Personality characteristics and interpersonal aspects of self-reports of bullying behaviours among Italian adolescent high school students. Personal Ment Health 2012; 6(4):325-339., e até 5,00 (IC95%: 2,71-9,25) para uso corrente de álcool entre agressores por racismo2929. Vieno A, Gini G, Santinello M. Different forms of bullying and their association to smoking and drinking behavior in Italian adolescents. J Sch Health 2011; 81(7):393-399.. Para tabaco, as OR variaram entre 1,7 (IC95%: 1,2-2,3) para uso frequente3838. Niemelä S, Brunstein-Klomek A, Sillanmäki L, Helenius H, Piha J, Kumpulainen K, Moilanen I, Tamminen T, Almqvist F, Sourander A. Childhood bullying behaviors at age eight and substance use at age 18 among males. A Nationwide prospective study. Addict Behav 2011; 36(3):256-260. e 2,66 (IC95%: 2,229-3,167) para uso no mês2424. Bradshaw CP, Waasdorp TE, Goldweber A, Johnson SL. Bullies, gangs, drugs, and school: understanding the overlap and the role of ethnicity and urbanicity. J Youth Adolescence 2013; 42(2):220-234.. Em relação ao uso de maconha no mês, a variação foi de 1,53 (IC95%: 1,44-1,63) a 2,84 (IC95%: 2,50-3,23)5151. Gower AL, Borowsky IW. Associations between frequency of bullying involvement and adjustment in adolescence. Acad Pediatr 2013; 13(3):214-221.. O estudo de Luukkonen et al.3636. Luukkonen AH, Riala K, Hakko H, Räsänen P; Study-70 workgroup. Bullying behaviour and substance abuse among underage psychiatric inpatient adolescents. Eur Psychiatry 2010; 25(7):382-389. evidenciou OR bastante distintas destas (Quadro 2), com diferenças entre meninos e meninas, mas seus dados se limitaram a jovens hospitalizados por patologias psiquiátricas, ao contrário dos demais estudos, que entrevistaram escolares.

Discussão

A partir da exposição dos principais achados, considera-se que o estudo atendeu aos objetivos propostos, trazendo resultados e descobertas importantes sobre a relação entre os processos de bullying e o uso de substâncias psicoativas. Fenômenos bastante frequentes na adolescência e que merecem ser estudados nos dias atuais, parecem somar-se ou potencializarem-se enquanto fatores de risco ao desenvolvimento durante essa etapa da vida1212. Radliff KM, Wheaton JE, Robinson K, Morris J. Illuminating the relationship between bullying and substance use among middle and high school youth. Addict Behav 2012; 37(4):569-572.,2424. Bradshaw CP, Waasdorp TE, Goldweber A, Johnson SL. Bullies, gangs, drugs, and school: understanding the overlap and the role of ethnicity and urbanicity. J Youth Adolescence 2013; 42(2):220-234.,2929. Vieno A, Gini G, Santinello M. Different forms of bullying and their association to smoking and drinking behavior in Italian adolescents. J Sch Health 2011; 81(7):393-399.,3030. Yen CF, Yang P, Wang PW, Lin HC, Liu TL, Wu Y-Y, Tang TC. Association between school bullying levels/types and mental health problems among Taiwanese adolescents. Compr Psychiatry 2014; 55(3):405-413.,3838. Niemelä S, Brunstein-Klomek A, Sillanmäki L, Helenius H, Piha J, Kumpulainen K, Moilanen I, Tamminen T, Almqvist F, Sourander A. Childhood bullying behaviors at age eight and substance use at age 18 among males. A Nationwide prospective study. Addict Behav 2011; 36(3):256-260.. Os estudos aqui analisados, em sua maioria de delineamento quantitativo transversal, com amostras de escolares, tanto meninas quanto meninos, evidenciam a associação entre praticar o bullying e fazer uso de substâncias, independente do sexo. O mesmo não se pode afirmar em relação à vitimização por bullying e o uso de substâncias, tema onde persistem controvérsias. Há estudos apontando para a inexistência de associação entre os fenômenos da vitimização por bullying e o uso de substâncias, bem como estudos que propõem associação ou associação inversa.

É limitação deste estudo o número de bases de dados eletrônicos visitadas. Foram escolhidas bases consideradas de referência para publicações científicas na área deste estudo e a investigação se estendeu ao limite da capacidade operacional da equipe, cobrindo sete bases, em sua totalidade, para um intervalo de seis anos completos. É possível que alguma publicação relevante esteja indexada em bases não consultadas, mas o grande número de registros repetidos, equivalendo a 41% do total de artigos inicialmente selecionados, é indicativo de um bom nível de saturação na busca.

Além disso, devido ao grande número de registros incluídos a partir da busca nas bases, não foi realizada a busca de artigos a partir das referências dos artigos selecionados. Tal decisão foi tomada devido ao entendimento de que já havia um número expressivo de publicações e que os achados em análise atendiam os objetivos da revisão, como sugerido em alguns protocolos de revisões sistemáticas5959. Costa AB, Zoltowski APC, Koller SH, Teixeira MAP. Construção de uma escala para avaliar a qualidade metodológica de revisões sistemáticas. Cien Saude Colet 2015; 20(8):2441-2452..

Outro fato a ser destacado refere-se aos quatro artigos excluídos por não apresentarem o conceito de bullying utilizado. É possível que os dados deixados de fora deste estudo apresentem relevância científica e contribuam para a elucidação da relação entre vitimização e uso de substâncias, uma vez que todos apontam para aumento do uso de álcool e outras drogas entre vítimas de bullying6060. Crookston BJ, Merrill RM, Hedges S, Lister C, West JH, Hall PC. Victimization of Peruvian adolescents and health risk behaviors: young lives cohort. BMC Public Health 2014; 14(85):1-7.

61. Kubwalo HW, Muula AS, Siziya S, Pasupulati S, Rudatsikira E. Prevalence and correlates of being bullied among in-school adolescents in Malawi: results from the 2009 Global School-Based Health Survey. Malawi Med J 2013; 25(1):12-14.

62. Siziya S, Rudatsikira E, Muula AS. Victimization from bullying among school-attending adolescents in grades 7 to 10 in Zambia. J Inj Violence Res 2012; 4(1):30-35.
-6363. Siziya S, Muula AS, Besa C, Babaniyi O, Songolo P, Kankiza N, Rudatsikira E. Cannabis use and its socio-demographic correlates among in-school adolescents in Zambia. Ital J Pediatr 2013; 39(13):1-5.. No entanto, assumiu-se este risco por considerar-se que, além da não explicitação do conceito, a forma como o fenômeno bullying foi investigado difere significativamente da forma como os artigos incluídos nesta análise procederam. Assim, a inclusão desses artigos poderia comprometer a comparabilidade dos dados.

Os estudos aqui analisados foram publicados em periódicos que utilizam o processo de revisão por pares para a sua publicação. Apresentam de forma clara os métodos utilizados, com processos de amostragem e mensuração dos dados adequados aos objetivos propostos, tendo sido, por isso, considerados satisfeitos os critérios mínimos de qualidade exigidos para sua inclusão nesta revisão.

Parece suficientemente demostrada a associação entre o envolvimento em situações de bullying em um papel que envolva a sua perpetração (agressor ou agressor-vítima) e o uso de substâncias psicoativas por adolescentes de ambos os sexos. Tal evidência contraria a menor atenção dada aos agressores. Isto pode ocorrer por questões culturais e por um entendimento equivocado de que estes jovens não sofrem ou que apenas obtêm prazer e ganhos com as agressões, o que faz com que mais frequentemente as intervenções sejam direcionadas para a compreensão das vítimas6464. McAdams, III, Charles, R, Schmidt, CD. How to help a bully: Recommendations for counseling the proactive aggressor. Professional School Counseling 2007; 11(2):120-128..

Divergências entre os estudos foram evidenciadas no que se refere à associação entre vitimização por bullying e uso de substâncias, com resultados que apontam para uma associação inversa entre os fenômenos, outros que mostram associação direta e, ainda, estudos que indicam a ausência de associação entre eles. Desta forma, não é possível precisar como é a relação entre vitimização por bullying e uso de substâncias psicoativas na adolescência a partir desta revisão. Estas evidências reforçam a necessidade de novos estudos empíricos, que investiguem e aprofundem o entendimento da associação entre estas duas condições de risco para adolescentes11. Carlini EA, Noto AR, Sanchez ZM, Carlini CMA, Locatelli DP, Abeid LR, Amato TC, Opaleye ES, Tondowski CS, Moura YG. VI Levantamento Nacional sobre o Consumo de Drogas Psicotrópicas entre Estudantes do Ensino Fundamental e Médio das Redes Pública e Privada de Ensino nas 27 Capitais Brasileiras. São Paulo: CEBRID/UNIFESP; 2010.

2. Craig W, Harel-Fish Y, Fogel-Grinvald H, Dostaler S, Hetland J, Simons-Morton B, Molcho M, Mato MG, Overpeck M, Due P, Picket, W, HBSC Violence & Injuries Prevention Focus Group, HBSC Bullying Writing Group. A cross-national profile of bullying and victimization among adolescents in 40 countries. Int J Public Health 2009; 54(Supl. 2):S216-S224.

3. Malta DC, Mascarenhas MDM, Porto DL, Duarte EA, Sardinha LM, Barreto SM, Neto OLM. Prevalência do consumo de álcool e drogas entre adolescentes: análise dos dados da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar. Rev Bras Epidemiol 2011; 14(1):136-146.
-44. Nansel TR, Craig W, Overpeck MD, Saluja G, Ruan J. The Health Behavior in School-aged Children Bullying Analyses Working Group. Cross-national consistency in the relationship between bullying behaviors and psychosocial adjustment. Arch Pediatr Adolesc Med 2004; 158(8):730-736..

Ressalta-se que esta divergência de resultados pode ter sido influenciada por alguns aspectos, os quais devem ser destacados. Primeiramente, embora todos os estudos analisados tenham entrevistado adolescentes, em geral estudantes, nota-se que os mesmos apresentam amostras com características diferentes. Ou seja, há dados que foram coletados exclusivamente com adolescentes hospitalizados, assim como observa-se amostras exclusivamente masculinas, que apresentam diferenças socioculturais e etárias. Desse modo, há evidências de que adolescentes mais jovens, provavelmente por apresentarem menos recursos cognitivos e emocionais, estejam em maior risco em relação aos prejuízos associados ao envolvimento com o bullying, entre eles o uso de substâncias5151. Gower AL, Borowsky IW. Associations between frequency of bullying involvement and adjustment in adolescence. Acad Pediatr 2013; 13(3):214-221.. Por outro lado, vítimas de bullying com maior idade apesentaram maior chance de uso de álcool, tabaco e maconha que os mais novos, conforme indicado por Luk et al.4848. Luk JW, Wang J, Simons-Morton BG. The co-occurrence of substance use and bullying behaviors among U.S. adolescents: understanding demographic characteristics and social influences. J Adoles 2012; 35(5):1351-1360. Há, também, indícios de que a existência de sofrimento psíquico interfira na associação entre os fenômenos3636. Luukkonen AH, Riala K, Hakko H, Räsänen P; Study-70 workgroup. Bullying behaviour and substance abuse among underage psychiatric inpatient adolescents. Eur Psychiatry 2010; 25(7):382-389.,3838. Niemelä S, Brunstein-Klomek A, Sillanmäki L, Helenius H, Piha J, Kumpulainen K, Moilanen I, Tamminen T, Almqvist F, Sourander A. Childhood bullying behaviors at age eight and substance use at age 18 among males. A Nationwide prospective study. Addict Behav 2011; 36(3):256-260.,5656. Shetgiri R, Lin H, Flores G. Identifying children at risk for being bullies in the United States. Acad Pediatr 2012; 12(6):509-522.,6464. McAdams, III, Charles, R, Schmidt, CD. How to help a bully: Recommendations for counseling the proactive aggressor. Professional School Counseling 2007; 11(2):120-128., assim como a etnia2727. Ringwalt C, Shamblen S. Is there an association between adolescent bullying victimization and substance abuse? J drug educ 2012; 42(4):447-467.,3535. Peleg-Oren N, Cardenas GA, Comerford M, Galea S. An association between bullying behaviors and alcohol use among middle school students. J Early Adolesc 2010; 32(6):761-775.,4848. Luk JW, Wang J, Simons-Morton BG. The co-occurrence of substance use and bullying behaviors among U.S. adolescents: understanding demographic characteristics and social influences. J Adoles 2012; 35(5):1351-1360.,5656. Shetgiri R, Lin H, Flores G. Identifying children at risk for being bullies in the United States. Acad Pediatr 2012; 12(6):509-522.. Além disso, os instrumentos utilizados para a mensuração dos fenômenos de interesse nesta revisão são distintos entre os estudos que divergem sobre a relação entre vitimização e uso de substâncias, além de investigarem aspectos diferentes do fenômeno bullying. Assim, é possível que a falta de equiparação entre os instrumentos justifique em parte as diferenças encontradas.

Alguns estudos chamam a atenção também ao indicar outras condições que parecem modificar o efeito do envolvimento em bullying sobre o uso de álcool e outras drogas. Para Archimi e Kuntsche5454. Archimi A, Kuntsche E. Do offenders and victims drink for different reasons? Testing mediation of drinking motives in the link between bullying subgroups and alcohol use in adolescence. Addict Behav 2014; 39(3):713-716., resultados diferentes na associação entre bullying e uso de substâncias foram encontrados quando se consideravam diferentes motivos para o uso de álcool (sociais, de reforçamento, coping e conformidade). Já Garcia-Continente et al.3131. Garcia-Continente X, Pérez-Giménez A, Adell MN. Factores relacionados com el acoso escolar (bullying) em los adolescentes de Barcelona. Gac Sanit 2010; 24(2):103-108. sugeriram o uso social da maconha como proteção à vitimização por bullying, talvez pelo fato de a vitimização implicar exclusão dos grupos, reduzindo a oferta de drogas pelos pares. Como o estudo é transversal, pensando em reversibilidade causal, também se pode imaginar que o uso da substância se associa a maiores níveis de socialização e formação de vínculos com pares, protegendo seus membros da condição de vitimização por bullying. Por fim, Shetgiri et al.5656. Shetgiri R, Lin H, Flores G. Identifying children at risk for being bullies in the United States. Acad Pediatr 2012; 12(6):509-522. evidenciaram que, entre os adolescentes que se envolveram em brigas, não carregaram armas e não foram vítimas de bullying, mas fumaram, a prevalência de perpetração de bullying foi significativamente maior do que entre aqueles adolescentes que não fumaram. A partir desses resultados, é possível pensar a complexidade que envolve os fenômenos aqui estudados, ou seja, os diferentes fatores que se associam à relação entre eles, nem sempre contemplados nos estudos aqui analisados.

Outro aspecto a ser destacado refere-se ao delineamento dos estudos. O fato de a maioria das investigações apresentar delineamento quantitativo transversal permite-nos verificar associações entre os fenômenos bullying e uso de substâncias psicoativas na adolescência, mas pouco poder dizer a respeito de relações de causa e efeito entre eles. Particularmente, faz-se importante compreender o que leva a uma associação positiva entre os fenômenos, assim como o que protege adolescentes vitimizados de se envolverem com o uso de substâncias (associação negativa e ausência de associação), a fim de que estratégias de intervenção adequadas sejam planejadas.

Considerações Finais

Apesar da divergência quanto à vitimização em bullying, é possível afirmar que adolescentes envolvidos em situações de bullying, em qualquer papel social que envolva a agressão, fazem mais uso de substâncias psicoativas em comparação àqueles não envolvidos. Mais especificamente, os adolescentes agressores tendem a ser os que mais fazem tal uso. Essa conclusão aponta para um foco relevante para a intervenção psicológica, pois enfatiza uma maior vulnerabilidade dos adolescentes nesta condição e, portanto, a maior necessidade de atenção e proteção desses jovens. A associação entre estes fenômenos também serve de alerta para o seu diagnóstico precoce em adolescentes. Ainda que não possa ser tomado como regra, indícios de envolvimento em situações de bullying servem como alerta para um possível uso de substâncias psicoativas e vice-versa.

Ressalta-se, ainda, que as inconsistências entre os estudos no que se refere ao comportamento das vítimas podem traduzir o efeito da subjetividade desses jovens sobre as situações externas vivenciadas. Novos estudos empíricos com adolescentes vítimas de bullying são, portanto, necessários, a fim de fornecer subsídios para o preenchimento desta lacuna e avançar para além dos resultados já existentes, que, de certa forma, legitimam a dicotomia entre vítima e agressor e subestimam o sofrimento de ambos.

Agradecimentos

À CAPES, pela bolsa de Doutorado de Cristina Lessa Horta. Ao CNPq, pelas bolsas de Mestrado de Daniele Lindern e João Luís Almeida Weber e pela Bolsa de Produtividade em Pesquisa de Carolina Saraiva de Macedo Lisboa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan 2018

Histórico

  • Recebido
    07 Out 2015
  • Revisado
    17 Dez 2015
  • Aceito
    19 Dez 2015
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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