Bullying e cultura de paz no advento da nova ordem econômica

Flaviany Ribeiro Silva Sobre o autor
2014

Nos últimos anos, casos de violência relacionados às escolas têm apresentado cada vez mais notoriedade na mídia e na sociedade em geral. Tal violência se apresenta disseminada em diferentes países e com diferentes níveis de gravidade, chamando a atenção de profissionais da educação e pesquisadores de diferentes áreas.

Para compreender a violência que ocorre nas escolas, se torna fundamental colocar em análise o que tem sido reconhecido e nomeado como “violência escolar”. Localizar com maior precisão o que se quer dizer quando falamos em violência na escola é fundamental por duas razões em especial: possibilitar identificar e discutir as causas deste fenômeno, além de contribuir para a elaboração de estratégias de prevenção e enfrentamento adequadas.

No Brasil, as pesquisas acadêmicas sobre a violência na escola sofreram mudanças significativas nas últimas décadas. Na década de 1980, o tema da violência na escola era abordado pelos pesquisadores a partir de manifestações relativas à segurança pública, tais como depredações e pichações. A partir da década de 1990, as relações interpessoais passaram a se tornar centrais no fenômeno violento, com especial atenção aos estudos sobre bullying. E a partir dos anos 2000, o bullying passa a receber projeção na mídia nacional e internacional, e os episódios violentos envolvendo o ambiente escolar se tornam cada vez mais recorrentes nos diferentes países, inclusive no Brasil. É neste cenário, em que proliferam projetos de lei e estudos sobre bullying, que se acirram discussões sobre judicialização da vida escolar e entram em cena terminologias como “cultura de paz nas escolas” e “estudos para a paz”.

Esses diferentes aspectos, citados brevemente neste texto, e outros temas, são discutidos em profundidade e com competência pela professora Leila Maria Torraca de Brito em seu livro “Bullying e cultura de paz no advento da nova ordem econômica”, da EdUerj, 2014. O livro foi elaborado a partir de investigação desenvolvida no decorrer do seu pós-doutoramento, no Programa de Pós-Graduação em Direito, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).

A obra ancora sua discussão nas acepções de direitos humanos, bullying e cultura de paz, no advento da nova ordem econômica. Tais constructos sofreram grande expansão nos últimos anos e apresentam fragilidades e inconsistências ao adentrar no debate contemporâneo sobre violência, judicialização e criminalização da vida escolar. Em especial ao considerar a ordem econômica vigente, globalizada e capitalista, que imprime uma nova economia política da educação, onde pessoas tornam-se clientes de práticas mercantilizadas.

Na primeira parte do livro, o bullying é o objeto de destaque. São apresentadas diferentes conceituações na perspectiva de diferentes autores, demostrando a pluralidade desta terminologia, com sua abrangência e divergências. E inclusive traz para o debate se a terminologia bullying é algo que atravessaria a sociedade ou se restringiria apenas ao âmbito escolar. Ainda na parte inicial, são sinalizados estudos e projetos de leis nacionais, demostrando a notoriedade e expressividade desta problemática no cenário político atual.

Em um segundo momento, a autora opta por investigar o alcance atual do que se designam por direitos humanos. Neste momento, o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos contribui para o debate ao enfatizar a importância de uma “concepção multicultural dos direitos humanos”. Para ele, todas as culturas são relativas, bem como compartilham valores universais, o que o leva a sugerir diálogos interculturais sobre o conceito de direitos humanos.

Posteriormente, a autora busca abordar o que vem sendo denominado “cultura de paz” e “estudos para a paz”, e destaca que “cultura de paz” é uma terminologia utilizada de forma recorrente nos estudos e projetos de lei sobre bullying como sendo um objetivo a ser alcançado. No livro, vale pontuar as críticas apresentadas por Pureza e Cravo11. Pureza JM, Cravo T. Margem crítica e legitimação nos estudos para a paz. Rev. Crítica de Ciências Sociais 2005; 71(1):5-19. quanto a uma espécie de padronização do uso da terminologia “cultura de paz”, na medida em que se propõem um modelo único a ser aplicado, não deixando espaço para as singularidades locais.

E a autora alerta que “à semelhança do que se indica em relação ao termo violência, seria recomendável definir e explicar o que está sendo considerado quando se faz menção à paz, em virtude da multiplicidade de sentidos em que este conceito está envolto na atualidade: paz como ausência de guerra, paz positiva, paz negativa, paz como ausência de violência, entre outros”.

Vale pontuar que o livro, inicialmente, discute com pluralidade o tema bullying, o que se torna fundamental para analisar a complexidade da violência que se apresenta dentro e fora das escolas. Por outro lado, ao término da obra, é possível identificar o bullying como uma das pontas de um iceberg que parece encontrar expressivo suporte na ordem econômica vigente.

Por fim, vale pontuar que a discussão apresentada pelo livro indica pistas reflexivas que podem nos guiar na construção de uma escola na qual alunos, professores e demais funcionários possam conviver de forma democrática. Tal discussão se apresenta relevante, especialmente em momento de crises sociais como a que vivemos atualmente, em que as relações sociais se apresentam tensas e esgarçadas. A contribuição do livro também se estende para problematizar questões relacionadas a promoção de saúde no espaço escolar, ao evidenciar as relações de convivências e conflitos entre discentes, docentes e população em geral.

Referências

  • 1
    Pureza JM, Cravo T. Margem crítica e legitimação nos estudos para a paz. Rev. Crítica de Ciências Sociais 2005; 71(1):5-19.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan 2018
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