Investigação qualitativa: em que ponto estamos?

Catarina Brandão Jaime Ribeiro António Pedro Costa Sobre os autores

Minayo coloca em evidência a complexidade da experiência humana ao referir, baseando-se em Kant (1724-1804), que “todos os fenômenos têm proporções de magnitude (quantitativas) e de profundidade (qualitativas) e que a sua compreensão ocorre quando se faz a síntese dessas duas dimensões”. A comunidade científica reconhece cada vez mais a importância de integrar a perspetiva qualitativa nos processos de investigação, de modo a produzir conhecimento holístico e útil sobre a complexidade da experiência humana. De uma forma pragmática, percebe-se isso nas avaliações de projetos de investigação que preveem o acesso à experiência dos atores sociais que constituem ou estão associados a um qualquer objeto de estudo. Valoriza-se o acesso, assim como a validação e a devolução das interpretações de dados. A existência de revistas que publicam trabalhos qualitativos, de congressos internacionais que privilegiam as abordagens qualitativas, assim como o proliferar de comunidades online onde a investigação qualitativa é discutida e refletida, revelam o reconhecimento do paradigma qualitativo enquanto um caminho fundamental para se conhecer, perceber e intervir sobre um qualquer fenômeno. A investigação qualitativa tem preocupações sociais e dá destaque aos interesses de atores sociais. Dá voz às pessoas, à sociedade, muitas vezes a grupos minoritários, explicitando como processos são vividos e os significados que lhes são atribuídos. Esta premissa central é, cada vez mais, entendida enquanto uma mais-valia, avançando-se assim para além da hegemonia do paradigma quantitativo na investigação.

Na sua proposta seminal de como avaliar a investigação qualitativa, Guba e Lincoln apontam o envolvimento, a devolução da informação e o empoderamento como premissas chave a considerar, nomeadamente com os critérios da autenticidade ontológica, educativa, catalítica e tática. Uma das principais mais-valias deste paradigma situa-se exatamente no seu potencial para a mudança – dar poder e competências para agir, através do seu poder reflexivo sobre a ação, os sentimentos e as representações. À medida que a sociedade vai reclamando um maior poder de intervenção nos espaços que ocupa e constrói e o exercício da cidadania é reivindicado, a investigação qualitativa assume-se como um caminho para aprofundarmos o conhecimento da experiência humana, assim como para intervir, dar voz e potenciar o exercício dessa cidadania.

Esta edição da Revista Ciência & Saúde Coletiva integra seis artigos apresentados no 5° Congresso Ibero-Americano em Investigação Qualitativa (www.ciaiq.org), sujeitos a reformulação e a avaliação por pares. A seleção procurou a diversidade metodológica e dar voz a vários grupos de profissionais e futuros profissionais no campo da saúde coletiva, com a discussão internacional dos objetos de estudo, procurando contribuir para o (ainda frágil) equilíbrio entre um mundo que é globalizado e a necessidade de privilegiar o que é único e particular. Selecionamos artigos que apresentam diversas abordagens fenomenológicas e metodológicas e que focam atores sociais do campo da saúde. Espera-se assim contribuir para o conhecimento da realidade dos profissionais que trabalham na área da saúde, nomeadamente sobre as suas práticas de formação, de intervenção, saúde, entre outros aspectos. Assim fazendo, damos-lhes voz e esperamos contribuir para a reflexão partilhada sobre formas de agir e de pensar relações e contextos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan 2018
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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