Prevalência e fatores associados ao prejuízo cognitivo em idosos de instituições filantrópicas: um estudo descritivo

Tábada Samantha Marques Rosa Valdete Alves Valentins dos Santos Filha Anaelena Bragança de Moraes Sobre os autores

Resumo

O objetivo deste estudo foi avaliar a prevalência e os fatores associados ao prejuízo cognitivo em uma amostra de idosos residentes em instituições filantrópicas. Trata-se de um estudo transversal e descritivo, com 98 idosos institucionalizados. Os dados sociodemográficos e clínicos foram obtidos nos prontuários. A cognição foi avaliada através do: Mini Exame do Estado Mental, enquanto a manutenção de independência referente às atividades fundamentais (por exemplo: banhar-se, vestir-se, etc.) foi avaliada através do Índice de Katz. Por fim, avaliou-se o desempenho físico através da Short Physical Perfomance Batter. Para a análise estatística, testes não paramétricos foram utilizados. Houve 27,6% de idosos com déficit cognitivo. O prejuízo cognitivo não esteve associado às variáveis sociodemográficas, à independência referente, às atividades fundamentais, bem como ao desempenho físico. Verificou-se maior prevalência de doenças endócrinas, de transtornos mentais e de realização de tratamento psiquiátrico nos idosos com prejuízos cognitivos. A proporção de idosos com alterações cognitivas é semelhante à de outros estudos. Entre as variáveis avaliadas não foram identificados fatores de risco significativos associados à cognição.

Instituição de longa permanência para idosos; Cognição; Funcionalidade

Introdução

O rápido crescimento do número de idosos na população brasileira serve como um alerta para o governo e também para a iniciativa privada, em relação à necessidade do desenvolvimento de políticas sociais que preparem a sociedade para essa realidade. A Organização das Nações Unidas (ONU) no seu último relatório técnico, “Previsões sobre a população mundial”, elaborado pelo Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais, estima que o número de pessoas com mais de 60 anos de idade triplicará em 2050. Os idosos representarão cerca de um quinto da população mundial projetada, ou seja, 1,9 bilhões de indivíduos11. United Nations. World Population Prospects: the 2010 revision. New York: Department of Social and Economic Affairs. Population Division; 2011..

Os dados do Censo22. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo demográfico. Rio de Janeiro: IBGE; 2010., realizado pelo IBGE, indicam que dos 18 milhões de pessoas idosas, ou seja, com mais de 60 anos (aproximadamente 9% da população brasileira), mais de 100 mil residem em Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs). Estando o Rio Grande do Sul (RS) como um dos estados com as maiores proporções de idosos na população total (10,4%) e em asilos no Brasil (0,6%). Diante disso, e com a elevada expectativa de vida, os profissionais da saúde têm constatado a promoção da qualidade de vida da população de idosos como um dos seus maiores desafios33. Mello BLD, Haddad MCL, Dellaroza MSG. Avaliação cognitiva de idosos institucionalizados. Acta Sci Health Sci 2012; 34(1):95-102..

Para Paulo e Yassuda44. Paulo DLV, Yassuda MS. Queixas de memoria de idosos e sua relação com escolaridade, desempenho cognitivo e sintomas de depressão e ansiedade. Rev Psiq Clín 2010; 37(1):23-26., o envelhecimento é descrito por alterações orgânicas que podem resultar em redução da capacidade de manutenção homeostática, comprometendo diferentes esferas, tais como as funções executivas, a memória e o déficit cognitivo, que predispõe o aparecimento de doenças neurodegenerativas. Associado a este fato, a institucionalização do idoso ocorre quando ele apresenta dependência para Atividades de Vida Diária (AVD) e um dos fatores que leva a isso é o comprometimento cognitivo33. Mello BLD, Haddad MCL, Dellaroza MSG. Avaliação cognitiva de idosos institucionalizados. Acta Sci Health Sci 2012; 34(1):95-102.. Além disso, a mudança de ambiente leva os idosos, na maioria das vezes, a apresentarem pior desempenho nas habilidades físicas e psicológicas, pois a maioria dessas ILPIs não possuem recursos financeiros e humanos que possam oferecer uma atenção integral.

Portanto, é necessário que essas alterações que ocorrem com o envelhecimento sejam acompanhadas por exames físicos e por avaliações do estado cognitivo, com o objetivo de distinguir a senescência da senilidade33. Mello BLD, Haddad MCL, Dellaroza MSG. Avaliação cognitiva de idosos institucionalizados. Acta Sci Health Sci 2012; 34(1):95-102.. A senescência pode ser caracterizada pelo envelhecimento fisiológico do organismo marcado por um conjunto de alterações orgânicas, funcionais e psicológicas. Porém, a senilidade se refere à fase do envelhecer em que o declínio físico é mais acentuado e é acompanhado de alterações cognitivas55. Bertolucci PHF, Minett TSC. Perda de memória e demência. In: Prado FC, Ramos J, Valle JR, organizadores. Atualização terapêutica. 23ª ed. São Paulo: Artes Médicas; 2007..

A função cognitiva no idoso pode ser avaliada por meio de vários instrumentos, sendo o Mini Exame do Estado Mental (MEEM) o mais utilizado66. Bertolucci PHF, Brucki SMD, Campacci SR, Juliano Y. O miniexame do estado mental em uma população geral: impacto da escolaridade. Arq Neuropsiquiatr 1994; 52(1):1-7.. E o exame físico é realizado utilizando-se escalas funcionais, que consistem de métodos sistemáticos, que fornecem informações relevantes para o planejamento de uma assistência adequada77. Macêdo AML, Cerchiari EAN, Alvarenga MRM, Faccenda O, Oliveira MAC. Avaliação funcional de idosos com déficit cognitivo. Acta Paul Enferm 2012; 25(3):358-363.. Autores afirmam que a associação dos resultados do teste cognitivo com as escalas funcionais, pode aumentar a confiabilidade do diagnóstico do estado mental33. Mello BLD, Haddad MCL, Dellaroza MSG. Avaliação cognitiva de idosos institucionalizados. Acta Sci Health Sci 2012; 34(1):95-102.,88. Ferreira LS, Pinho MSP, Pereira MWM, Ferreira AP. Perfil cognitivo de idosos residentes em Instituições de Longa Permanência de Brasília-DF. Rev Bras Enferm 2014; 67(2):247-251..

Dessa forma, este estudo teve como objetivo avaliar a prevalência e os fatores associados ao prejuízo cognitivo em idosos residentes em instituições filantrópicas.

Metodologia

Trata-se de um estudo transversal e descritivo, de uma população de idosos residentes nas três ILPIs de caráter filantrópico existentes em uma cidade da região central do estado do RS, no período de agosto de 2013 a janeiro de 2014.

Neste estudo foram adotados os seguintes critérios de inclusão: ter idade igual ou superior a 60 anos e residir em ILPIs; e de exclusão: comprometimentos graves de linguagem ou de compreensão documentado nos prontuários, que são necessários para a realização dos testes físicos; não aceitar participar do estudo e/ou não assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa. Para a elaboração do TCLE, foram atendidas as recomendações da Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, que regulamenta pesquisas com seres humanos. Os participantes do estudo assinaram o TCLE, após leitura e esclarecimento realizados pela pesquisadora.

Após a seleção inicial de 142 prontuários e a explicação dos instrumentos de avaliação a serem utilizados, 44 idosos foram excluídos em função dos critérios de exclusão estabelecidos no estudo. Assim, a amostra ficou constituída por 98 idosos.

Posteriormente, foram obtidos, por meio da consulta aos prontuários, os dados sociodemográficos (sexo, idade, cor da pele, estado civil, escolaridade e tempo de institucionalização) e clínicos [número e tipo de medicamentos e as doenças diagnosticadas, classificadas, respectivamente, de acordo com o Anatomical Therapeutic Chemical Classification Index (ATC) e pelo Código Internacional de Doenças (CID-10); ocorrência de quedas; presença de depressão; realização de tratamento psicológico e/ou psiquiátrico].

Após esta etapa, os idosos foram avaliados com a utilização de três instrumentos: o MEEM; o Índice de Katz e o Short Physical Perfomance Batter (SPPB).

O MEEM foi utilizado para o rastreamento do estado cognitivo, o qual avalia cinco áreas da cognição: orientação; registro; atenção e cálculo; recuperação e linguagem. Como o número de idosos com baixa escolaridade era elevado nesta população, optou-se por adotar os seguintes pontos de corte: 13 para analfabetos, 18 para os idosos com até oito anos de escolaridade e 26 para àqueles que apresentavam mais de oito anos de escolaridade66. Bertolucci PHF, Brucki SMD, Campacci SR, Juliano Y. O miniexame do estado mental em uma população geral: impacto da escolaridade. Arq Neuropsiquiatr 1994; 52(1):1-7.. Os idosos que apresentaram resultado inferior ao ponto de corte, de acordo com o grau de escolaridade, foram considerados portadores de alterações cognitivas. Assim, foram considerados dois grupos para a análise dos dados, em função do prejuízo cognitivo.

O segundo instrumento a ser utilizado foi o Índice de Katz, que consiste em um instrumento baseado numa escala funcional, que avalia as atividades fundamentais à manutenção da independência do indivíduo, compreendendo o banhar-se, vestir-se, ir ao banheiro, fazer transferência da cama à cadeira e vice-versa, continência dos esfíncteres, e alimentar-se. A classificação resultante é a soma das respostas sim (escore=1). Seis pontos, significam independência para as AVD; quatro pontos, dependência moderada; dois pontos ou menos, dependência importante99. Katz S, Ford AB, Moskowitz RW, Jackson BA, Jaffe MW. Studies of illness in the aged. The index of ADL: a standardized measure of biological and psychosocial function. JAMA 1963; 185(12):914-919..

Por último foi aplicado o Teste SPPB, adaptado à versão brasileira por Nakano1010. Nakano MM. Versão Brasileira da Short Physical Performance Battery – SPPB: Adaptação Cultural e Estudo da Confiabilidade [dissertação]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2007., sendo utilizado para avaliar o desempenho funcional, e aplicado em 75 dos idosos, devido ao fato de 23 serem cadeirantes, impossibilitando a execução do teste físico. O SPPB avalia três domínios de desempenho: equilíbrio estático, velocidade da marcha usual e força de membros inferiores. Cada domínio admite escores de 0 a 4 pontos, sendo que o melhor desempenho físico corresponde a maior pontuação. Os indivíduos são classificados como desempenho muito ruim (0 a 3 pontos), baixo (4 a 6 pontos), moderado (7 a 9 pontos) ou bom (10 a 12 pontos)1010. Nakano MM. Versão Brasileira da Short Physical Performance Battery – SPPB: Adaptação Cultural e Estudo da Confiabilidade [dissertação]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2007..

Salienta-se que os três instrumentos foram aplicados pela mesma pesquisadora para que ocorresse homogeneidade nas avaliações, assim como, realizado em locais nas ILPIs onde os idosos se sentissem confortáveis.

Para a analise estatística dos dados foi realizada, inicialmente, a análise descritiva e, posteriormente, a análise inferencial, por meio dos testes não paramétricos do Qui-quadrado, exato de Fisher e U de Mann-Whitney, sendo considerado o nível de significância de 5%. As análises foram realizadas utilizando o aplicativo computacional STATISTICA 9.1.

Resultados

Ao analisar os resultados da aplicação do protocolo do MEEM nos 98 idosos, foi constatado que 27(27,6%) apresentavam prejuízo cognitivo com uma média de 15,7 pontos ± 2,6 (mínimo: 12 e máximo: 25 pontos). Para os 71(72,4%) idosos que não possuíam prejuízo cognitivo, o resultado do MEEM apresentou uma média de 22,1 pontos ±4,3 (mínimo: 13 e máximo: 29 pontos).

Na Tabela 1, é apresentada a distribuição dos idosos em função das variáveis sociodemográficas e suas associações com o prejuízo cognitivo.

Tabela 1
Dados sociodemográficos de idosos residentes nas ILP filantrópicas.

Com base nos resultados apresentados na Tabela 1, pode-se observar que o prejuízo cognitivo não esteve associado significativamente com as variáveis sociodemográficas deste estudo. A idade em que os idosos foram institucionalizados não difere significativamente entre os idosos com e sem prejuízo cognitivo (p = 0,527).

Na Tabela 2 são apresentadas as frequências dos medicamentos utilizados, bem como, as doenças diagnosticadas e suas associações com o prejuízo cognitivo.

Tabela 2
Medicamentos utilizados e doenças que ocorreram nos idosos residentes nas ILP filantrópicas.

Pode-se observar, na Tabela 2, que dos idosos com prejuízo cognitivo 70,3% apresentavam doenças endócrinas, sendo este percentual significativamente maior (p = 0,046) em relação ao percentual de idosos sem alterações cognitivas (47,8%). Em relação à ocorrência de transtornos mentais também ocorreu diferença significativa (p = 0,031), o que era esperado em função do prejuízo cognitivo.

Salienta-se que 48,9% dos idosos apresentavam cinco ou mais doenças e que todos faziam uso de algum tipo de medicamento.

As demais avaliações clínicas e suas associações com o prejuízo cognitivo estão demonstradas na Tabela 3.

Tabela 3
Dados clínicos dos idosos residentes nas ILP filantrópicas.

Verifica-se na Tabela 3, que a maioria significativa de idosos com prejuízo cognitivo fazia tratamento psiquiátrico (p = 0,004).

Os resultados das avaliações pelas escalas funcionais estão descritas na Tabela 4.

Tabela 4
Resultados da aplicação dos protocolos de Katz e SPPB em idosos residentes em ILP filantrópicas.

Com base nos resultados apresentados na Tabela 4, pode-se constatar que não houve diferença significativa, entre os escores dos protocolos Katz e SPPB com a presença ou ausência de prejuízo cognitivo nos idosos..

Discussão

Dos idosos institucionalizados, avaliados neste estudo, 27,6% apresentaram declínio cognitivo corroborando com o estudo de Ferreira et al.88. Ferreira LS, Pinho MSP, Pereira MWM, Ferreira AP. Perfil cognitivo de idosos residentes em Instituições de Longa Permanência de Brasília-DF. Rev Bras Enferm 2014; 67(2):247-251. que também estudou idosos institucionalizados sendo que 30,0% deles apresentaram perda cognitiva. Resultado semelhante (22,2%) também foi relatado em estudo com idosos de uma comunidade espanhola1111. Millán-Calenti JC, Tubío J, Pita-Fernández S, González-Abraldes I, Lorenzo T, Maseda A. Prevalence of cognitive impairment: effects of level of education, age, sex and associated factors. Dement Geriatr Cogn Disord 2009; 28(5):455-460.. Porém, em outro estudo realizado em uma comunidade de Viçosa, MG, Machado et al.1212. Machado JC, Ribeiro RCL, Cotta RMM, Leal PFG. Declínio cognitivo de idosos e sua associação com fatores epidemiológicos em Viçosa, Minas Gerais. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2011; 14(1):109-121. encontraram uma prevalência de 36,5% de déficit cognitivo entre os idosos. Nesse estudo, os autores utilizaram pontos de corte maiores em relação aos utilizados, no presente estudo, o que aumenta a sensibilidade e o número de casos identificados de idosos com problemas de cognição, o que poderia justificar essa maior prevalência em relação ao presente estudo.

O processo de envelhecimento faz com que os idosos apresentem declínio cognitivo, comumente observado nesta fase da vida. Esse fato leva o idoso a apresentar dificuldades em lembrar fatos recentes, de desenvolver cálculos e problemas com a atenção, em geral. No caso dos idosos institucionalizados, que normalmente possuem uma rotina pré-estabelecida, faz com que eles não necessitem de atividades que exijam muito da memória sendo de mais difícil percepção a ocorrência do declínio cognitivo podendo levar ao atraso no diagnóstico de uma doença psíquica55. Bertolucci PHF, Minett TSC. Perda de memória e demência. In: Prado FC, Ramos J, Valle JR, organizadores. Atualização terapêutica. 23ª ed. São Paulo: Artes Médicas; 2007..

No atual estudo, o prejuízo cognitivo não esteve associado, significativamente, às variáveis sociodemográficas, indo ao encontro do estudo de Machado et al.1212. Machado JC, Ribeiro RCL, Cotta RMM, Leal PFG. Declínio cognitivo de idosos e sua associação com fatores epidemiológicos em Viçosa, Minas Gerais. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2011; 14(1):109-121.. Observou-se, no entanto, que os idosos com problemas cognitivos apresentaram um tempo médio de institucionalização maior, mas não significativo, em relação aos idosos sem prejuízo cognitivo. Jacinto et al.1313. Jacinto AF, Brucki S, Porto CS, Martins MA, Nitrini R. Detection of cognitive impairment in the elderly by general internists in Brazil. Clinics 2011; 66(8):1379-1384. citam que a perda da cognição é um dos principais motivos para a institucionalização do idoso, e com frequência contribui para uma maior dependência com seus cuidados nas ILPIs. O que não foi comprovado no presente estudo.

Também a idade em que o idoso foi institucionalizado não diferiu em função da cognição do idoso. Dessa forma, o prejuízo cognitivo não seria um fator, no presente estudo, para a institucionalização.

É importante salientar que 48,9% dos idosos apresentavam cinco ou mais doenças e todos faziam uso de algum tipo de medicamento. Esse fato pode ser explicado pela condição de saúde do idoso institucionalizado, que, em geral, é mais debilitada que os idosos da comunidade1414. Alencar MA, Bruck NNS, Pereira BC, Câmara TMM, Almeida RDS. Perfil dos idosos residentes em uma instituição de longa permanência. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2012; 15(4):785-796.. Uma estratégia para enfrentar essa situação poderia ser baseada em uma revisão sistemática, de Van Uffelen et al.1515. Van Uffelen JG, Chin A, Paw MJ, HopmanRock M, Van Mechelen W. The effects of exercise on cognition in older adults with and without cognitive decline: a systematic review. Clin J Sport Med 2008; 18(6):486-500., na qual mostra que o exercício físico é considerado uma estratégia de intervenção não farmacológica útil, capaz de melhorar a memória e as funções executivas em idosos com déficit cognitivo, partindo da premissa de que o exercício aeróbico regular previne a perda de tecido cerebral e a diminuição no volume do hipocampo durante o envelhecimento, melhorando assim o declínio cognitivo relacionado com a idade1616. Zhao G, Li C, Ford ES, Fulton JE, Carlson AS, Okoro CA, Wen XJ, Balluz LS. Leisure-time aerobic physical activity, muscle-strengthening activity and mortality risks among US adults: the NHANES linked mortality study. Br J Sports Med 2014; 48(3):244-249..

No atual estudo, foi observada uma associação significativa entre o prejuízo cognitivo e a presença de doença endócrina e de transtornos mentais, indo de encontro ao estudo de Machado et al.1212. Machado JC, Ribeiro RCL, Cotta RMM, Leal PFG. Declínio cognitivo de idosos e sua associação com fatores epidemiológicos em Viçosa, Minas Gerais. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2011; 14(1):109-121.. Porém, na literatura é referida que as causas mais comuns que podem levar a essa perda da capacidade cognitiva são: encefalopatia metabólica, perda momentânea da memória, demência, hipotireoidismo, uso de medicamentos como ansiolíticos, antipsicóticos, hipnóticos, anti-histamínicos, antiparkinsonianos com ação anticolinérgica e anticonvulsivantes55. Bertolucci PHF, Minett TSC. Perda de memória e demência. In: Prado FC, Ramos J, Valle JR, organizadores. Atualização terapêutica. 23ª ed. São Paulo: Artes Médicas; 2007..

Quando foi avaliada a ocorrência de quedas, observou-se que 70,4% dos idosos com prejuízo cognitivo apresentaram quedas sendo que esse percentual não diferiu significativamente da ocorrência de quedas dos idosos em geral, ou seja, as quedas não estão associadas ao prejuízo cognitivo. Em pesquisa realizada com idosos institucionalizados da cidade de Rio Grande/RS foi observado um resultado inferior, ou seja, dos 20 idosos com prejuízo cognitivo, 50% apresentaram quedas1717. Valcarenghi RV, Santos SSC, Barlem ELD, Pelzer MT, Gomes GC, Lange C. Alterações na funcionalidade/cognição e depressão em idosos institucionalizados que sofreram quedas. Acta Paul Enferm 2011; 24(6):828-833.. Em um estudo randomizado foi constatado que programas de exercícios físicos, com duração de um ano, que envolvam o equilíbrio e a mobilidade funcional, têm um importante papel na prevenção de quedas em idosos institucionalizados com comprometimento cognitivo1818. Kovács É, Sztruhár JCK, Karóczi Á, Korpos T, Gondos T. Effects of a multimodal exercise program on balance, functional mobility and fall risk in older adults with cognitive impairment: a randomized controlled single blind study. Eur J Phys Rehabil Med 2013; 49(5):639-648.. Além disso, os autores do estudo ratificaram que as avaliações dos fatores de risco físicos e ambientais associados a quedas desempenham um papel importante na sua prevenção para os idosos com prejuízo cognitivo1818. Kovács É, Sztruhár JCK, Karóczi Á, Korpos T, Gondos T. Effects of a multimodal exercise program on balance, functional mobility and fall risk in older adults with cognitive impairment: a randomized controlled single blind study. Eur J Phys Rehabil Med 2013; 49(5):639-648..

Ao se analisar a ocorrência de depressão, verificou-se uma alta prevalência nos idosos de 81,7%. Considerando somente, os idosos com declínio cognitivo, esse percentual é ainda maior, ou seja, 92,6%. No entanto, não houve associação significativa entre prejuízo cognitivo e depressão. Esse resultado possivelmente se deve ao fato da ocorrência de depressão ter sido obtida nos prontuários médicos dos idosos, não sendo, portanto, mensurada por um instrumento específico. Segundo estudo, o uso rotineiro por parte dos médicos, de instrumentos específicos de triagem de depressão, permitiria não só o diagnóstico de muitos casos da doença, que passam despercebidos e influenciam negativamente na qualidade de vida dos idosos, assim como, o prognóstico das comorbidades existentes1919. Unützer J. Diagnosis and treatment of older adults with depression in primary care. Biol Psychiatry 2002; 52(3):285-292..

Diferentemente do atual estudo, Millán-Calenti et al.2020. Millán-Calenti JC, Tubío J, Pita-Fernández S, Rochette S, Lorenzo T, Maseda A. Cognitive impairment as predictor of functional dependence in an elderly sample. Arch Gerontol Geriatr 2012; 54(1):197-201. observaram associação significativa entre déficit de cognição e sintomas depressivos. Os autores do presente estudo acreditam que a escassez de profissionais de saúde, mais característico das ILPIs de caráter filantrópico, associada a fatores como: baixo estímulo à integração social e a realidade do abandono social, poderia explicar a maior proporção de idosos com perda cognitiva e depressão.

Pode-se observar que entre os idosos com déficit cognitivo apenas 29,6% já realizaram tratamento psicológico, percentual inferior aos dos idosos sem prejuízo cognitivo (50,8%). Em uma revisão sistemática, foi constatado que o estado cognitivo melhorou após seis meses de tratamento psicológico2121. Cooper C, Li R, Lyketsos C, Livingston G. Treatment for mild cognitive impairment: systematic review. Br J Psychiatry 2013; 203(3):255-264.. Portanto, é importante observar que agir preventivamente evitando ou retardando o aparecimento da perda cognitiva na população idosa, incentivando-os a lerem, a brincarem, se movimentarem, dançar, raciocinar e memorizar tornando-os mais ativos, modifica a impressão de que eles não são úteis88. Ferreira LS, Pinho MSP, Pereira MWM, Ferreira AP. Perfil cognitivo de idosos residentes em Instituições de Longa Permanência de Brasília-DF. Rev Bras Enferm 2014; 67(2):247-251..

Em relação à ocorrência de tratamento psiquiátrico dos idosos com prejuízo cognitivo, 25,9% realizavam esse tratamento, sendo este percentual significativamente maior (p= 0,004) em relação ao percentual de idosos sem alterações cognitivas (5,6%). Segundo Paulo e Yassuda44. Paulo DLV, Yassuda MS. Queixas de memoria de idosos e sua relação com escolaridade, desempenho cognitivo e sintomas de depressão e ansiedade. Rev Psiq Clín 2010; 37(1):23-26., o envelhecimento predispõe o surgimento de doenças neurodegenerativas com maior incidência para a Doença de Alzheimer. Em um estudo realizado na Espanha, os pesquisadores afirmaram que o transtorno cognitivo de idosos institucionalizados e não institucionalizados aumentou significativamente, em ambos os grupos, após um ano de acompanhamento2222. Maseda A, Balo A, Lorenzo-López L, Lodeiro-Fernández L, Rodríguez-Villamil JL, Millán-Calenti JC. Cognitive and affective assessment in daycare versus institutionalized elderly patients: a 1-year longitudinal study. Clin Interv Aging 2014; 9:887-894.. Dessa forma, os autores da presente pesquisa, acreditam que é importante um acompanhamento psiquiátrico precoce e periódico nos idosos institucionalizados, a fim de avaliar a gravidade do comprometimento da função cognitiva.

Para os idosos com risco cognitivo a ocorrência de tratamento psicológico ou psiquiátrico foi semelhante. Já para os idosos sem prejuízo cognitivo a ocorrência de tratamento psiquiátrico é bem inferior (5,6%) em relação ao psicológico (50,8%). O que é esperado em função do prejuízo cognitivo no qual o tratamento na maioria das vezes é medicamentoso.

Com relação às escalas funcionais, mensuradas pelos protocolos de Katz e SPPB, os idosos com prejuízo cognitivo obtiveram uma pontuação média inferior, mas não significativa, em relação aos idosos sem alterações cognitivas. Autores afirmam que a associação dos resultados do teste cognitivo com as escalas funcionais pode aumentar a confiabilidade do diagnóstico do estado mental33. Mello BLD, Haddad MCL, Dellaroza MSG. Avaliação cognitiva de idosos institucionalizados. Acta Sci Health Sci 2012; 34(1):95-102.,88. Ferreira LS, Pinho MSP, Pereira MWM, Ferreira AP. Perfil cognitivo de idosos residentes em Instituições de Longa Permanência de Brasília-DF. Rev Bras Enferm 2014; 67(2):247-251..

Os resultados encontrados para o Katz são corroborados ao estudo de Mello et al.33. Mello BLD, Haddad MCL, Dellaroza MSG. Avaliação cognitiva de idosos institucionalizados. Acta Sci Health Sci 2012; 34(1):95-102.. De acordo com Martins et al.2323. Martins AS, Freire RC, Martins LH, Berton B, Júnior SAO, Christofoletti G. Efeitos de uma terapia cognitivo motora em idosos institucionalizados. Rev Bras Ativ Fis e Saúde 2014; 19(5):608-610., uma melhor cognição pode estar relacionada a uma melhor capacidade para realizar as AVD. Apesar da concepção de que os indivíduos nos estágios iniciais de déficit cognitivo não apresentem declínio na realização de atividades diárias, as evidências sugerem que o desempenho das atividades cotidianas complexas com maior exigência cognitiva podem ser afetadas2424. Rodakowski J, Skidmore ER, Reynolds CF, Dew MA, Butters MA, Holm MB. Can performance of daily activities discriminate between older adults with normal cognitive function and those with mild cognitive impairment? J Am Geriatr Soc 2014; 62(7):1347-1352..

Quanto aos resultados da aplicação do protocolo SPPB, que avalia o desempenho funcional, Millán-Calenti et al.2020. Millán-Calenti JC, Tubío J, Pita-Fernández S, Rochette S, Lorenzo T, Maseda A. Cognitive impairment as predictor of functional dependence in an elderly sample. Arch Gerontol Geriatr 2012; 54(1):197-201. afirmam que o declínio cognitivo tem sido considerado um importante preditor para a dependência funcional. No estudo realizado por Bezerra et al.2525. Bezerra PP, Menezes AV, Aguiar AS, Alves EF, Quadros LB. Efetividade de uma intervenção fisioterapêutica cognitivo motora em idosos institucionalizados com comprometimento cognitivo leve e demência leve. Cienc Saude Colet 2016; 21(11):3459-3467., a intervenção fisioterapêutica cognitiva-motora, com frequência semanal, durante quatro meses, influenciou as funções cognitivas e os estímulos motores através da flexibilidade, da força muscular, da resistência, do equilíbrio, da propriocepção e da coordenação motora. Por influenciar diferentes domínios, a intervenção fisioterapêutica cognitivo-motora torna-se essencial para o desempenho adequado de tarefas funcionais2626. Lawl LLF, Barnett F, Yaul MK, Gray MAIN. Effects of functional tasks exercise on older adults with cognitive impairment risk of Alzheimer’s disease: a randomized controlled trial. Age Ageing 2014; 43(6):813-820.. Contudo, os resultados obtidos nas avaliações com as escalas funcionais, no presente estudo, não corroboram com os autores referidos para esta população analisada. Para essa população avaliada, a independência e o desempenho físico foi moderado não demonstrando que o prejuízo cognitivo influenciou as variáveis analisadas.

É importante salientar a importância do conhecimento dos fatores que podem interferir no declínio cognitivo e engajar-se na execução de alternativas que favoreçam a saúde do idoso, contribuindo assim para um envelhecimento saudável, com qualidade de vida e autonomia. Essas medidas incluem a educação em saúde, para manutenção da capacidade funcional, a educação permanente e a sensibilização dos profissionais da saúde pública, para esse novo desafio na área da saúde77. Macêdo AML, Cerchiari EAN, Alvarenga MRM, Faccenda O, Oliveira MAC. Avaliação funcional de idosos com déficit cognitivo. Acta Paul Enferm 2012; 25(3):358-363..

Conclusão

A partir dos resultados obtidos no presente estudo, pode-se concluir que a proporção de idosos institucionalizados com presença de prejuízo cognitivo é semelhante aos de outros estudos realizados, utilizando o mesmo ponto de corte. Entre as variáveis avaliadas não foram identificados fatores de risco significativos associados a cognição, possivelmente devido ao menor número de idosos com prejuízo cognitivo na amostra estudada.

Considera-se importante que os profissionais de saúde proporcionem incentivos mentais e físicos constantes, através de exercícios que estimulem a cognição e mantenham preservadas as capacidades cerebrais dos idosos.

Referências

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    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo demográfico Rio de Janeiro: IBGE; 2010.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov 2018

Histórico

  • Recebido
    21 Maio 2016
  • Revisado
    21 Out 2016
  • Aceito
    23 Out 2016
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