Associação entre eventos de vida pós diagnóstico de câncer de mama e metástase

Cláudia de Souza Dourado Camila Brandão de Souza Denise Silveira de Castro Eliana Zandonade Maria Helena Monteiro de Barros Miotto Maria Helena Costa Amorim Sobre os autores

Resumo

Objetivou-se examinar a associação entre os eventos de vida pós-diagnóstico de câncer de mama e o aparecimento de metástase. Estudo transversal realizado com 300 mulheres atendidas em um hospital de referência em oncologia no Espírito Santo. Utilizou-se o instrumento “Life Events Units- LEU/VAS”, para avaliar os eventos de vida relatados pelas mulheres. Os dados foram analisados através dos testes não paramétrico de Wilcoxon e qui-quadrado. Foi realizado cálculo de “odds ratio” para as variáveis associadas à metástase. Identificou-se que 21% da amostra relatou pelo menos um evento de vida após o diagnóstico. Das 46 mulheres que evoluíram para metástase, 20 relataram um ou mais eventos de vida (p = 0,001). O “odds ratio” calculado aponta que ter eventos de vida pós-diagnóstico aumenta em 2,59 (1,37 – 4,91; p = 0,003) vezes a chance de desenvolver metástase. Quando considerado o tempo transcorrido entre o diagnóstico e o surgimento da metástase observou-se uma mediana de 18,0 meses. O estudo mostra uma relação entre eventos de vida e metástase, entretanto, ressalta-se a importância de uma análise mais complexa para compreender melhor os impactos causados por esses eventos no surgimento e na progressão do câncer de mama.

Palavras-chave
Neoplasias da mama; Acontecimentos que mudam a vida; Estresse; Metástase neoplásica

Introdução

Eventos de vida estressantes causam o surgimento e a progressão do câncer de mama? São os questionamentos que muitos estudos têm tentando responder nas últimas décadas. Considerando o fato da relação entre a mente e o corpo ser complexa, os resultados das investigações têm sido inconsistentes e contraditórios.

Autores11. Kiecolt-Glaser JK, Glaser R. Psychoneuroimmunology and cancer: fact or fiction? Eur J Cancer 1999; 35(11):1603-1607.33. Palesh O, Butler LD, Koopman C, Giese-Davis J, Carlson R, Spiegel D. Stress History and Breast Cancer Recurrence. J Psychosom Res 2007; 63(3):233-239. sugerem que os fatores psicossociais têm efeitos moduladores poderosos sobre o curso do câncer. Apesar de essa concepção ser um objeto de alguma controvérsia, não é inaceitável, uma vez que a variabilidade na progressão da neoplasia é determinada não apenas por aspectos relacionados ao tumor, mas também pelas particularidades do hospedeiro44. Sephton S, Spiegel D. Circadian disruption in cancer: a neuroendocrine-immune pathway from stress to disease? Brain Behav Immun 2003; 17(5):321-328..

Os eventos de vida estressantes podem favorecer o crescimento do câncer e metástase, através da modulação dos sistemas nervoso, endócrino e imunológico55. Sarkar DK, Murugan S, Zhang C, Boyadjieva N. Regulation of cancer progression by β-endorphin neuron. Cancer Res 2012; 72(4):836-840., e pesquisadores33. Palesh O, Butler LD, Koopman C, Giese-Davis J, Carlson R, Spiegel D. Stress History and Breast Cancer Recurrence. J Psychosom Res 2007; 63(3):233-239.,66. Maunsell E, Brisson J, Mondor M, Verreault R, Deschcnes L. Stressful Life Events and Survival After Breast Cancer. Psychosom Med 2001; 63(2):306-315.88. Graham J, Ramirez A, Love S, Richards M, Burgess C. Stressful life experiences and risk of relapse of breast cancer: observational cohort study. BMJ. 2002; 324(7351):1-4. têm procurado conhecer melhor essa associação.

Além disso, algumas pesquisas99. Andersen BL, Kiecolt-Glaser JK, Glaser R. A biobehavioral model of cancer stress and disease course. Am Psychol 1994; 49(5):389-404.,1010. Fawzy FI, Kemeny ME, Fawzy NW, Elashoff R, Morton D, Cousins N, Fahey JL. A structured psychiatric intervention for cancer patients. II. Changes over time in immunological measures. Arch Gen Psychiatry 1990; 47(8):729-735. sobre estresse e enfrentamento mostraram uma ação sobre o sistema imunológico mediada pelo estresse, ocasionando uma redução das células natural killer e consequentemente progressão do câncer.

Toda exposição prolongada ao estresse ocasiona uma ativação do sistema endócrino por meio do eixo Hipotálamo-Hipófise-Adrenal (HHA) e como consequência resulta num aumento da produção de cortisol. Esse processo de elevação do cortisol prejudica o organismo no exercício de suas atividades de longo prazo e ocasiona a imunossupressão do corpo, deixando-o suscetível a diversas ameaças33. Palesh O, Butler LD, Koopman C, Giese-Davis J, Carlson R, Spiegel D. Stress History and Breast Cancer Recurrence. J Psychosom Res 2007; 63(3):233-239..

O corpo foi programado de forma que os momentos de estresse, seguidos por uma reação física do tipo lutar ou fugir, causem poucos danos. Entretanto, quando essa resposta fisiológica ao estresse não é descarregada, há o início de um efeito cumulativo no corpo. A curto prazo, os hormônios do estresse são essenciais à sobrevivência humana1111. McEwen BS. Allostasis and Allostatic Load: Implications for Neuropsychopharmacology. Neuropsychopharmacology 2000; 22(2):108-124.,1212. McEwen BS. Protective and damaging effects of stress mediators: central role of the brain. Dialogues Clin Neurosci 2006; 8(4):367-381.. Entretanto, a resposta contínua ao estresse, ou seja, o estresse crônico ocasiona distúrbios permanentes1313. Nielsen NR, Zhang ZF, Kristensen TS, Netterstrom B, Schnohr P, Gronbaek M. Self reported stress and risk of breast cancer: prospective cohort study. BMJ 2005; 331(7516):1-5..

Frente ao exposto, o objetivo do presente estudo foi examinar a associação entre metástase e eventos de vida pós diagnóstico de câncer de mama de mulheres atendidas em um hospital de referência no estado do Espírito Santo.

Metodologia

Estudo transversal, realizado no ambulatório Ylza Bianco do Hospital Santa Rita de Cássia (HSRC), mantido pela Associação Feminina de Educação e Combate ao Câncer (Afecc) – Vitória – ES. O HSRC é uma entidade filantrópica reconhecida em todo o Estado como referência em tratamento de câncer e que também disponibiliza especialidades gerais.

Foi calculado, pelo programa Epidat, o tamanho de amostra para estimar a prevalência de pelo menos um evento ocorrido depois do diagnóstico nas mulheres com câncer de mama. Considerando uma população alvo de 2.000 mulheres, prevalência esperada de 50%, erro amostral de 5,5% e nível de significância de 5%, o tamanho mínimo da amostra foi de 274 pacientes. A pesquisadora realizou um planejamento amostral, considerando os cinco dias úteis e os turnos manhã e tarde aleatoriamente no período de coleta. As mulheres foram abordadas de forma aleatória, chegando a um total de 300 mulheres na amostra.

Determinou-se como critérios de inclusão mulheres com 18 anos ou mais e que tinham diagnóstico de câncer de mama. E como critério de exclusão, pacientes que apresentassem déficits cognitivos que impedissem o entendimento do estudo.

Coletou-se os dados durante os meses de setembro a dezembro de 2014, onde o questionário foi aplicado em um único momento. Fazem parte desta amostra mulheres com diagnóstico recente, mulheres que estavam em tratamento e também que já estavam curadas.

O instrumento utilizado foi o Life Events Units - LEU/VAS que se baseia na Escala de Avaliação de Reajustamento Social de Holmes e Rahe1414. Holmes TH, Rahe RH. The Social Readjustment Rating Scale. J psychosom Res 1967; 11(2):213-218. – 1967, adaptada e validada por Vasconcellos et al.1515. Vasconcellos EG, Coelho MABC, Behlau M. Da Relação entre Stress e Distúrbio da Voz. In: Marchezan IQ, Zorzi JL, Dias Gomes IC, organizadores. Tópicos em Fonoaudiologia. São Paulo: Lovise; 1996. v. III, p. 361-388.. Sustenta-se na ideia de que a dificuldade exigida para que a pessoa se reajuste à sociedade, após mudanças significativas em sua vida, agradáveis ou não, gera um desgaste que pode levar a doenças.

O LEU/VAS consiste numa lista de 51 eventos que mede a intensidade e duração do tempo necessário de adaptação a um evento de vida e baseia-se no conceito de que qualquer mudança, agradável ou desagradável, é considerada um fator estressante. O instrumento apresenta também a possibilidade de incluir outros eventos de vida que não fazem parte da lista original, mas que podem ser mencionados pelas mulheres durante a entrevista. As participantes foram questionadas quanto à ocorrência e repetição de algum acontecimento marcante em suas vidas, quanto à data (ano) do episódio, quanto ao aspecto do evento (positivo ou negativo), quanto ao impacto ocasionado em suas respectivas vidas (num valor de 10 a 100) e se o episódio havia acontecido com elas ou com outra pessoa.

Embora o LEU/VAS considere a possibilidade do evento ter ocorrido mais de uma vez, o presente estudo considerou apenas a primeira ocorrência dos eventos, uma vez que a maioria das mulheres relatou a ocorrência de cada evento apenas uma vez. Além disso, utilizou-se somente os eventos com datas de acontecimento posteriores ao diagnóstico de câncer.

Ainda, realizou-se levantamento de dados referentes às variáveis sociodemográficas e clínicas, por meio do programa Sistema de Informação em Saúde – Registro Hospitalar de Câncer (SIS -RHC), como fonte de dados secundários do referido Hospital. Prontuários de algumas pacientes foram utilizados para completar informações relevantes que não foram encontradas no banco de dados.

Para análise, os dados foram organizados no programa Microsoft Office Excell 2007 for Windows e analisados através do Pacote Estatístico para Ciências Sociais (SPSS), versão 20.0. Analisaram-se os resultados através de cálculos de frequência, média, mediana e desvio padrão. Aplicou-se ainda o teste não paramétrico de Wilcoxon para comparação dos dados obtidos em diferentes momentos (não se verificou a normalidade dos dados que se constitui numa nota de zero a dez) o teste qui-quadrado para verificar a associação entre as variáveis do perfil e o número de eventos de vida. Foram testadas associações para a variável metástase e cálculo do odds ratio para a variável número de eventos de vida. O nível de significância adotado foi de 5%.

Submeteu-se e aprovou-se o estudo no Centro de Estudos do Hospital Santa Rita de Cássia -Afecc e Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Espírito Santo.

Resultados

A Tabela 1 apresenta a caracterização sociodemográfica, clínica e de risco das mulheres. Observase que 63% da amostra apresentaram 50 anos ou mais, predominou-se a raça/cor não branca (65%) e mulheres que tinham menos de oito anos de estudo (64%).

Tabela 1
Caracterização sociodemográfica, clínica e de risco das mulheres com câncer de mama atendidas no Hospital Santa Rita de Cássia/Afecc, Vitória, 2014.

Nota-se que 54% das mulheres eram casadas ou estavam em uma união estável (n = 162), 43% exercia alguma atividade remunerada, 190 relataram viver com até dois salários mínimos (63%), 187 delas residiam na Grande Vitória (62%), 166 moravam na casa com três ou mais pessoas (55%) e 292 possuíam alguma crença religiosa ou espiritual (97%).

Em relação à prática de atividade física, grande parte da amostra (81%) mostrou-se sedentária (n = 242). Observa-se que 154 mulheres nunca haviam ingerido bebida alcoólica (51%), 204 eram não fumantes (68%) e 205 (68%) não apresentaram histórico familiar de câncer de mama. A maioria delas apresentou um estadiamento tardio (53%) e ausência de metástase (84,7%).

A Figura 1 exibe o total de eventos vivenciados pelas mulheres após o diagnóstico de câncer de mama. Observa-se que 21% relataram ter vivenciado pelo menos um evento de vida e 79% delas não relataram qualquer evento.

Figura 1
Total de eventos (%) vivenciados por mulheres com diagnóstico de câncer de mama atendidas no Hospital Santa Rita de Cássia, Vitória, 2014.

Quanto ao tempo em anos transcorrido entre o diagnóstico de câncer de mama e os eventos de vida e com quem aconteceu o respectivo evento, conforme demonstra a Tabela 2, nota-se que o evento “morte de alguém na família” foi o mais relatado pelas mulheres (7,7%), com apenas classificação negativa. Em relação ao tempo entre o diagnóstico e o evento, observa-se uma mediana de 4,0 e desvio padrão de 3,0. Ressalta-se ainda que, em todos os casos, foram elas próprias que vivenciaram este evento.

Tabela 2
Tempo em anos transcorrido entre o diagnóstico de câncer de mama e os eventos de vida e com quem aconteceu determinado evento, Vitória, 2014.

O evento “Prisão”, também com apenas classificação negativa, foi relatado por 17 mulheres (5,7%). O tempo transcorrido entre o diagnóstico e o evento apresenta uma mediana de 3,0 (DP = 3,7) e em todos os casos, o evento aconteceu com outras pessoas.

Constata-se que os eventos conjugais “Morte do cônjuge” e “Divórcio”, estão entre os mais citados pelas mulheres. A “Morte do cônjuge” foi relatada por seis mulheres (2%), sendo que todas as mulheres a classificaram como um evento negativo. A mediana do tempo entre o diagnóstico e o evento foi 7,0 (DP = 5,5). Já o “Divórcio” foi citado por cinco pacientes (1,7%), todos com classificação negativa, sendo a mediana de 1,0 (DP = 1,3) para o tempo transcorrido entre o diagnóstico da neoplasia mamária e o respectivo evento de vida.

O evento “Mudança na condição financeira” também esteve entre os mais relatados (2%). Apresentou apenas classificação negativa e a mediana do tempo entre o diagnóstico e o evento foi de 1,0 (DP = 1,2), sendo todos vivenciados pelas próprias pacientes.

Examina-se na Tabela 3 o impacto que o evento ocasionou na vida da mulher quando ocorreu e o possível impacto que ele ainda poderia exercer no momento da entrevista. As pacientes que relataram “morte de alguém na família”, quando foram questionadas quanto à sobrecarga de 10 a 100, apresentaram uma mediana de 100,0 (DP = 16,5) e a sobrecarga que o evento ainda poderia exercer em sua vida no momento na entrevista, mediana de 50,0 e desvio padrão de 38,5 (p = 0,001).

Tabela 3
Comparação da sobrecarga ocasionada pelo evento de vida no momento quando ocorreu e no momento da entrevista, Vitória, 2014.

Em relação à “prisão” a mediana da sobrecarga no momento em que o evento aconteceu de fato foi de 100,0 (DP = 23,4), já quando foi questionada no momento da entrevista a mediana foi de 10,0 (DP = 30,6), mostrando uma redução consideravelmente significante (p = 0,001).

O evento “Morte do cônjuge” apresentou primeiramente uma mediana de 100,0 (DP = 25,8) e teve uma redução pouco acentuada para 65,0 (DP = 37,6), não havendo significância estatística.

Verifica-se que “Divórcio” teve uma expressiva redução da sobrecarga, uma vez que a mediana foi de 100,0 (DP = 11,0) para 10,0 (DP = 39,7), apesar de não ter sido significante.

As variáveis do perfil foram associadas com o número de eventos de vida, entretanto os resultados não foram significantes, com exceção da variável metástase. Observa-se que no grupo sem eventos, 26 mulheres (11,0%) apresentaram metástase e que este percentual sobe para 31,7% (total de 20 mulheres) no grupo com um evento ou mais (p = 0,001). Quando considerado o tempo transcorrido entre o diagnóstico e o surgimento da metástase nas 46 mulheres, observou-se uma mediana de 18,0 meses (DP = 36,9).

A partir deste resultado, calculou-se a associação de possíveis fatores de confundimento para o desfecho metástase. A Tabela 4 apresenta a associação entre variáveis do perfil, clínicas e número de eventos de vida com a variável metástase. Os resultados apontam o possível fator de confundimento estadiamento, porém todas as metástases ocorreram no estadiamento avançado, não sendo possível utilizar modelos multivariados. Através do cálculo do odds ratio verificou-se que ter eventos de vida pós diagnóstico de câncer de mama aumenta em 2,59 vezes a chance de desenvolver metástase (1,37 – 4,91; p = 0,003).

Tabela 4
Associação entre as variáveis do perfil, clínicas e número de eventos de vida com a variável metástase, Vitória, 2014.

Discussão

Os resultados deste estudo apontam uma associação entre eventos de vida e metástase. É complexo estabelecer a dimensão exata pelo qual o estresse, ao invés de algum outro fator ou combinação de fatores, é o responsável por modificações observadas no desenvolvimento do câncer de mama.

O câncer de mama é a neoplasia mais comum em mulheres. Apesar da relação entre aspectos psicológicos e câncer de mama ser cada vez mais estudada, poucos estudos têm abordado a relação entre eventos de vida e recidiva ou metástase.

Qualquer diagnóstico de câncer, mas especialmente o de mama, é acompanhado de grande sofrimento psicológico, sendo que a maioria das pessoas acredita que a sua resposta psicossocial, ou seja, a forma como ela reage frente ao diagnóstico, afeta seu prognóstico1616. Stewart DE, Cheung AM, Duff S, Wong F, McQuestion M, Cheng T, Purdy L, Bunston T. Attributions of cause and recurrence in long-term breast cancer survivors. Psychooncology 2000; 10(2):179-183..

Um evento de vida estressante pode afetar o prognóstico de câncer de mama diretamente através de alterações induzidas pelo estresse dos sistemas imune e neuroendócrino e indiretamente por meio de mudanças no comportamento de saúde, tais como atividade física, consumo de álcool, a adesão ao tratamento e enfrentamento da doença1717. Olsen MH, Bidstrup PE, Frederiksen K, Rod NH, Grønbaek M, Dalton SO, Johansen C. Loss of partner and breast cancer prognosis - a population-based study, Denmark, 1994–2010. Br J Cancer 2012; 106(9):1560-1563..

O presente estudo mostrou que 21% da amostra vivenciou pelo menos um evento de vida após o diagnóstico de câncer de mama. Além disso, o tempo decorrido entre o diagnóstico da neoplasia e o surgimento da metástase apresentou uma mediana de 18 meses. Em um estudo77. Ramirez AJ, Craig TKJ, Watson JP, Fentiman IS, North WRS, Rubens RD. Stress and relapse of breast câncer. BMJ 1989; 298(6669):291-293. de caso/controle com 100 mulheres revelou que a mediana do tempo livre de doença para as mulheres que tiveram uma recidiva ou metástase foi de 30,5 meses.

Ao comparar um grupo de mulheres americanas com neoplasia mamária alguns pesquisadores33. Palesh O, Butler LD, Koopman C, Giese-Davis J, Carlson R, Spiegel D. Stress History and Breast Cancer Recurrence. J Psychosom Res 2007; 63(3):233-239. encontraram um intervalo livre de doença significativamente maior entre aquelas que não relataram eventos de vida traumáticos ou estressantes (mediana = 62 meses) em comparação com aquelas que haviam vivenciado um ou mais eventos estressantes ou traumáticas (mediana = 31 meses).

Na amostra de 300 mulheres, 46 delas apresentaram metástase (15,3%). Resultado diferente, mas não tão distante, foi encontrado em um estudo1818. Barraclough J, Pinder P, Cruddas M, Osmond C, Taylor I, Perry M. Life events and breast cancer prognosis. BMJ 1992; 304(6834):1078-1081. de coorte com 204 mulheres, cujo objetivo era avaliar se eventos de vida adversos encurtariam o tempo livre de doença pós-operatória em pacientes com câncer de mama, onde o resultado encontrado foi que 23% delas apresentaram metástase. Uma coorte88. Graham J, Ramirez A, Love S, Richards M, Burgess C. Stressful life experiences and risk of relapse of breast cancer: observational cohort study. BMJ. 2002; 324(7351):1-4. de 202 mulheres com câncer de mama acompanhadas durante cinco anos, em Londres, confirmou uma recaída da doença em 54 delas (26,7%).

Outro estudo1919. Phillips KA, Osborne RH, Giles GG, Dite GS, Apicella C, Hopper JL, Milne RL. Psychosocial Factors and Survival of Young Women With Breast Cancer: A Population-Based Prospective Cohort Study. J Clin Oncol 2008; 26(28):4666-4671., de base populacional, onde 708 australianas com câncer de mama foram acompanhadas durante aproximadamente oito anos, mostrou que 38% das 638 mulheres avaliadas tiveram uma recaída.

A associação entre a variável metástase e o número de eventos de vida mostrou que 20 daquelas mulheres que apresentaram metástase, vivenciaram um ou mais eventos de vida (p = 0,001). Apesar de ter avaliado somente mulheres que já haviam evoluído para metástase, um estudo33. Palesh O, Butler LD, Koopman C, Giese-Davis J, Carlson R, Spiegel D. Stress History and Breast Cancer Recurrence. J Psychosom Res 2007; 63(3):233-239. retrospectivo com 94 mulheres mostrou que 70,2% delas relataram um ou mais eventos estressantes ou traumáticos.

Um inquérito77. Ramirez AJ, Craig TKJ, Watson JP, Fentiman IS, North WRS, Rubens RD. Stress and relapse of breast câncer. BMJ 1989; 298(6669):291-293. retrospectivo com 50 casos e 50 controles, realizado em Londres, ao avaliar o risco de recaída de câncer de mama, mostrou que o risco relativo de recaída associado a um evento de vida grave foi de 5,67 (p= 0,004). Resultado bem diferente foi encontrado numa coorte88. Graham J, Ramirez A, Love S, Richards M, Burgess C. Stressful life experiences and risk of relapse of breast cancer: observational cohort study. BMJ. 2002; 324(7351):1-4. de cinco anos com 202 mulheres com câncer de mama, onde aquelas que tiveram um ou mais eventos de vida estressantes nos cinco anos após o diagnóstico, tiveram um menor risco de recorrência (p= 0,03) do que aquelas que não tiveram. Outra pesquisa66. Maunsell E, Brisson J, Mondor M, Verreault R, Deschcnes L. Stressful Life Events and Survival After Breast Cancer. Psychosom Med 2001; 63(2):306-315., cujo objetivo era avaliar a relação entre eventos de vida e sobrevida de 665 mulheres após câncer de mama, não revelou qualquer associação.

Quanto aos tipos de eventos de vida vivenciados pelas mulheres, observa-se que eventos como morte, problemas conjugais ou familiares e relacionados à doença são os mais relatados. Os estudos que abordam essa temática de eventos de vida e metástase ou recidiva costumam discutir apenas a presença ou não de eventos, muitas vezes comparando as subcategorias (eventos severos, eventos traumáticos, eventos de vida, ausência de eventos), o que dificulta uma comparação dos resultados nessa questão dos tipos de eventos.

Estudo retrospectivo33. Palesh O, Butler LD, Koopman C, Giese-Davis J, Carlson R, Spiegel D. Stress History and Breast Cancer Recurrence. J Psychosom Res 2007; 63(3):233-239. citado anteriormente mostrou os tipos de eventos que as mulheres com câncer de mama metastático relataram: 19% afirmaram ter sofrido estupro, agressão ou abuso na infância; 16% sobreviveram a um acidente potencialmente fatal; 4% passaram por um desastre natural; 9% presenciaram um evento traumático ou morte devido à doença; 26% relataram morte de entes queridos devido a acidente ou doença; 3% relataram morte de filho; e 14% relataram uma ameaça à vida de um ou mais entes queridos devido a acidente ou doença.

A ocorrência isolada de um evento estressante não ocasiona efeitos negativos para o indivíduo, o resultado dos efeitos dependerá de como cada pessoa reage ou enfrenta determinada situação. Portanto, é a maneira de reagir às situações que faz a diferença na suscetibilidade à doença2020. Farago PM, Ferreira DB, Reis RPJP, Gomes IP, Reis PED. Minha vida antes do câncer de mama: relatos de estresse emocional. Rev enferm UFPE 2010; 4(3):1432-1440.. Isto endossa a importância de estudar não somente o evento de vida, mas também o impacto causado por ele.

Observou-se quanto ao impacto ocasionado pelo evento no momento de sua ocorrência e possível impacto ainda existente no momento da entrevista uma considerável redução em boa parte dos eventos, principalmente “morte de alguém na família” e “prisão” que foram significantes (p = 0,001). Infere-se que as mulheres, apesar de a principio atribuírem notas muito elevadas para o evento no momento de sua ocorrência, souberam enfrentar a situação vivida, reduzindo assim a sobrecarga ao longo do tempo.

Uma doença não é somente um fato físico, mas um problema que diz respeito à pessoa como um todo, compreendendo não apenas o corpo, mas também as emoções e a mente. As condições emocional e mental desempenham uma atividade fundamental tanto no que diz respeito à suscetibilidade à doença, incluindo o câncer, como na recuperação de qualquer doença2121. Simonton OC, Matthews-Simonton S, Creighton JL. Com a Vida de Novo: Uma abordagem de Auto-Ajuda para pacientes com câncer. 9ᵃ ed. São Paulo: Summus; 1987.. Assim, todo evento experienciado por um indivíduo o leva a decepções e sentimentos de perda, entretanto, a forma como ele irá significar determinada situação indicará também a circunstância em que o organismo irá funcionar. A assimilação da experiência parece ser decisiva no surgimento de enfermidades e, essencialmente, em sua progressão.

Ressalta-se que esta pesquisa teve como uma das principais limitações o tipo de estudo ser transversal, uma vez que pesquisadores desta temática têm priorizado estudos de coorte e caso controle. Devido ao viés de memória o ideal seria realizar uma coorte prospectiva onde fossem observados os eventos de vida ao longo do tempo, entretanto demandaria tempo e recursos.

Enfatiza-se ainda como limitação, a reduzida disponibilidade de referências atuais sobre a temática eventos de vida, principalmente quando associadas a metástase.

Considerações finais

Embora haja muita discussão e resultados controversos sobre eventos de vida e o câncer, o presente estudo mostrou uma associação significante entre eventos de vida pós diagnóstico de câncer de mama e o aparecimento da metástase.

Mesmo que a maioria dos eventos de vida não possam ser simplesmente evitados no cotidiano das pessoas, os resultados contribuem para expor à comunidade científica possibilidades diferentes de explorar esse tema que ainda necessita de tantas respostas.

Os resultados apresentados por este estudo enfatizam a necessidade de uma análise mais complexa, bem como uma abordagem qualitativa, para compreender melhor os impactos causados pelos eventos de vida no crescimento e progressão do câncer de mama, assim como os possíveis riscos envolvidos nessa relação.

Agradecimentos

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e ao Hospital Santa Rita de Cássia/ Afecc.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Fev 2018

Histórico

  • Recebido
    27 Jul 2015
  • Revisado
    13 Jan 2016
  • Aceito
    15 Jan 2016
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