Resumo
O objetivo do estudo foi avaliar a estrutura e o processo dos acolhimentos institucionais para proteção de crianças e adolescentes vítimas de abandono e/ou violência no Recife. Foi aplicado um questionário estruturado aos responsáveis pelos serviços, e então calculadas as frequências das variáveis e estabelecida a seguinte classificação do grau de implantação: crítico, quando a adequação à norma preconizada for inferior a 40%; inadequado, de 40-59%; aceitável, de 60%- 89%; adequado e ótimo, de 90-100%. Para análise qualitativa foram realizadas entrevistas com um gestor do poder judiciário e três do executivo. Das cinco instituições filantrópicas, duas apresentaram estrutura padrão ótimo, duas, aceitáveis, e uma, inadequada. Dentre as instituições públicas, uma municipal foi considerada inadequada e as demais, aceitáveis. Com relação ao processo, uma instituição apresentou padrão ótimo e as outras, aceitáveis. A análise de conteúdo permitiu observar que os maiores entraves para a realização das medidas previstas pelo Estatuto da Criança e de Adolescente decorrem do uso de drogas, distanciamento geográfico da família, falta de integração com outras instituições e rotatividade dos profissionais.
Palavras-chave
Abrigo; Criança; Adolescente; Avaliação institucional
Introdução
O acolhimento institucional ou familiar de crianças e adolescentes vigente no Brasil é uma medida protetiva de caráter excepcional e provisória (no máximo dois anos), até que seja viabilizado o retorno ao convívio com a família de origem ou, na sua impossibilidade, encaminhamento para família substituta11. Brasil. Lei n° 12010, de 3 de agosto de 2009. Dispõe sobre adoção. Altera as Leis n° 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente, 8.560, de 29 de dezembro de 1992; revoga dispositivos da Lei n.o 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, e da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei n.o 5.452, de 1.o de maio de 1943; e dá outras providências. Diário Oficial da União 2009; 4 ago., em função de abandono, ou cujas famílias ou responsáveis se encontrem temporariamente impossibilitados de cumprir sua função de cuidado e proteção.
Na segunda metade do século XX, as pesquisas acadêmicas e clínicas relataram os efeitos negativos da “institucionalização” de crianças pequenas22. Ainsworth F, Thoburn J. An exploration of the differential usage of residential childcare across national boundaries, Int J SocWelfar 2014; 23:16-24.. Embora tais resultados devam ser analisados com certa cautela, esta é a visão amplamente aceita atualmente, principalmente nos países desenvolvidos, nos quais há uma progressiva mudança para unidades menores, com um menor número de crianças e, preferencialmente, em ambiente familiar. Enquanto em países da África, Ásia e Europa Oriental ainda não seja incomum a criação de grandes instituições, geralmente por grupos filantrópicos, em resposta à extrema pobreza e a outras circunstâncias extremamente adversas33. EveryChild. Scaling down: Reducing, reshaping and improving residential care around the world. London: EveryChild Publications; 2011..
No Brasil, com o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA44. Brasil. Lei n° 8069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União 1990; 16 jul. e com legislações11. Brasil. Lei n° 12010, de 3 de agosto de 2009. Dispõe sobre adoção. Altera as Leis n° 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente, 8.560, de 29 de dezembro de 1992; revoga dispositivos da Lei n.o 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, e da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei n.o 5.452, de 1.o de maio de 1943; e dá outras providências. Diário Oficial da União 2009; 4 ago., plano e normativas subsequentes que o atualizam55. Brasil. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária. Brasília: MDS; 2006.
6. Brasil. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CNDCA). Conselho Nacional de Assistência Social. Orientações Técnicas: serviços de acolhimento para criança e adolescentes. Brasília: CNDCA; 2009.-77. Brasil. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Resolução Cnas n° 109, de 11 de novembro de 2009. Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais. Diário Oficial da União 2009; 25 nov., constata-se a construção de novos parâmetros para o acolhimento institucional de crianças e adolescentes retirados da convivência familiar, contribuindo para a garantia integral dos direitos dessas crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. As mudanças oficiais exigidas hoje aos serviços de acolhimento institucional incluem adaptações tanto no que concerne à organização, quanto à estrutura física, buscando uma melhor qualidade no atendimento88. Siqueira AC, Dell’Aglio DD. O impacto da institucionalização na infância e na adolescência: uma revisão de literatura. Psicologia & Sociedade 2006; 18(1):71-80..
Dessa forma, a instituição deve estar de acordo com as diretrizes de acolhimento, assumindo um caráter residencial, com atendimento personalizado, em pequenas unidades e grupos reduzidos. A instituição deve propiciar um contexto de desenvolvimento saudável, o provimento material e um ambiente seguro e afetivo88. Siqueira AC, Dell’Aglio DD. O impacto da institucionalização na infância e na adolescência: uma revisão de literatura. Psicologia & Sociedade 2006; 18(1):71-80.,99. Yunes MAA, Miranda AT, Cuello SES. Um olhar ecológico para os riscos e as oportunidades. In: Koller SH, organizador Ecologia do desenvolvimento humano: pesquisa e intervenção no Brasil; São Paulo: Casa do Psicólogo; 2004. p. 197-218.. O tempo de vivência de cada menino e menina no abrigo deve ser pleno de significado, uma oportunidade imperdível de desenvolvimento11. Brasil. Lei n° 12010, de 3 de agosto de 2009. Dispõe sobre adoção. Altera as Leis n° 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente, 8.560, de 29 de dezembro de 1992; revoga dispositivos da Lei n.o 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, e da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei n.o 5.452, de 1.o de maio de 1943; e dá outras providências. Diário Oficial da União 2009; 4 ago..
Atualmente, para responder de forma mais adequada às demandas da população infanto-juvenil, existem diferentes tipos de serviços de acolhimento institucional que podem ser ofertados no país: abrigos institucionais (serviços que acolhem até 20 crianças e adolescentes de 0 a 18 anos e apresenta cuidadores/educadores trabalhando em turnos fixos diários) e casas-lares (acolhem no máximo 10 crianças e adolescentes e apresentam cuidadores/educadores que moram na casa). Serviços de acolhimento familiar são aqueles ofertados em residências de famílias acolhedoras, menos difundidos no Brasil66. Brasil. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CNDCA). Conselho Nacional de Assistência Social. Orientações Técnicas: serviços de acolhimento para criança e adolescentes. Brasília: CNDCA; 2009..
De acordo com o ECA, as instituições de acolhimento devem atuar de forma que ofereçam: preservação de vínculos familiares; integração em família substituta, quando esgotado os recursos de manutenção na família de origem; atendimento personalizado em pequenos grupos; desenvolvimento de atividades em regime de coeducação; não-desmembramento de grupos de irmãos; evitar a transferência para outras entidades de crianças e adolescentes abrigados; participação na vida comunitária local; preparação gradativa para o desligamento; e participação de pessoas da comunidade no processo educativo44. Brasil. Lei n° 8069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União 1990; 16 jul..
Estudos apontam que as instituições não se apresentam como o melhor ambiente para o desenvolvimento, pois apresentam um grande número de crianças sob responsabilidade de um único cuidador, escassez de atividades planejadas e fragilidade das redes de apoio social e afetiva1010. Carvalho AM. Crianças institucionalizadas e desenvolvimento: Possibilidades e desafios. In: Loredo ER, Carvalho AMA, Koller SH, organizadores. Infância brasileira e contextos de desenvolvimento. São Paulo, Salvador: Casa do Psicólogo, UFBA; 2002. p. 19-44.. Além desses aspectos, existe o despreparo dos educadores para lidar com crianças e adolescentes com histórico de privação material e emocional e a falta do convívio familiar, que representa um fator de risco para a vivência prolongada em instituições de acolhimento, pois o educador deveria representar uma peça-chave na promoção do desenvolvimento, em especial na situação em que os familiares não estão presentes1111. Sequeira VC. Resiliência e abrigos. Boletim-Academia Paulista de Psicologia 2009; 29(1):65-80..
De acordo com estudo de Green e Ellis1212. Green RS, Ellis PT. California group home foster care performance: Linking structure and process to outcome. Evaluation and Program Planning 2007; 30(3): 307-317., na Califórnia, os aspectos estruturais e de processos nos serviços influenciam na satisfação dos moradores e na sua capacidade de transição com êxito para a vida independente dos acolhidos com a idade de 18 anos, destacando-se com relação à estrutura a deficiente na distribuição de vestuário; e, com relação ao processo, os aspectos relacionados à falta de comunicação saudável entre os funcionários e os acolhidos e o apoio dos funcionários ao exercício físico regular para os residentes.
No Brasil, poucos estudos investigam a satisfação de crianças e adolescentes moradores de serviços de acolhimento institucional, porém alguns autores têm sinalizado que, para que a vivência na instituição promova um desenvolvimento saudável, fazem-se necessárias constantes reformulações e avaliações no interior dos abrigos, em virtude de várias falhas estruturais e processuais que são encontradas nas instituições brasileiras1313. Siqueira AC, Tubino CL, Schwarz C, Dell’Aglio DD. Percepção das figuras parentais na rede de apoio de crianças e adolescentes institucionalizados, Arquivos Brasileiros de Psicologia 2009; 61(1):176-190.,1414. Mota CP, Matos PM. Adolescência e institucionalização numa perspectiva de vinculação. Psicologia & Sociedade 2008; 20(3):367-377.. Diante desse contexto, o objetivo do presente trabalho é avaliar a estrutura e processo de trabalho dos abrigos institucionais que acolhem crianças e adolescentes da cidade do Recife, no ano de 2014.
Procedimentos metodológicos
Trata-se de um estudo de avaliação normativa, na abordagem quantitativa, que consiste em fazer um julgamento de valor acerca de uma intervenção, comparando estrutura e processo com critérios e normas existentes. Além disso, inclui uma abordagem qualitativa com entrevista aos responsáveis pelos abrigos, visando compreender, em maior profundidade, algumas ações e atividades executadas no processo de trabalho das unidades.
Para a avaliação do grau de implantação, foi elaborado um questionário estruturado, utilizando como referência os parâmetros da Organização Técnicas dos Serviços de Acolhimento para Criança e Adolescentes (OTSCA)66. Brasil. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CNDCA). Conselho Nacional de Assistência Social. Orientações Técnicas: serviços de acolhimento para criança e adolescentes. Brasília: CNDCA; 2009., que são baseados nos seguintes documentos: Política Nacional de Assistência Social, Estatuto da Criança e Adolescente, Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito à convivência familiar e Comunitária, Normas Operacionais Básicas do SUAS, Projeto de Diretrizes das Nações Unidas sobre Emprego e Condições Adequadas de Cuidados Alternativos com Crianças66. Brasil. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CNDCA). Conselho Nacional de Assistência Social. Orientações Técnicas: serviços de acolhimento para criança e adolescentes. Brasília: CNDCA; 2009..
A rede de acolhimento da cidade do Recife, capital de Pernambuco, foi foco do estudo por ser a cidade que apresenta o maior quantitativo de casas de acolhimento do estado. A cidade do Recife possui 13 abrigos institucionais que acolhem crianças e adolescentes abandonados e vítimas de abuso ou violência, que representam 21,6% do total de abrigos de Pernambuco1515. Poder Judiciário de Pernambuco (TJPE). Mapa situacional dos serviços de acolhimento do Estado de Pernambuco. [acessado 2013 Jan 10]. Disponível em: http://www.tjpe.jus.br/index.asp
http://www.tjpe.jus.br/index.asp... . Neste estudo, foram avaliados os componentes de estrutura e de processo em 12 instituições de acolhimento de crianças e adolescentes, quatro de esfera estadual, três municipais e cinco Instituições Filantrópicas, ficando de fora apenas uma instituição municipal, pois se encontrava em reforma de sua estrutura física no momento da coleta.
Para a abordagem quantitativa, as entrevistas foram agendadas previamente, realizadas com o coordenador ou responsável pela instituição. Os dados foram coletados no período de fevereiro a abril de 2014. O instrumento estruturado para ser aplicado aos coordenadores contemplou questões relacionadas à estrutura (cinco questões referentes a recursos humanos e vinte de infraestrutura) e processo (23 questões referentes às atividades e ações desenvolvidas nas instituições de abrigamento), apresentadas nas tabelas 1 e 2. Os dados foram analisados com o software Excel, que acumulou todos os itens dos questionários. Foram calculados os percentuais de frequência de cada variável e, para a definição do grau de implantação, foi adotada a seguinte classificação: crítico, quando a adequação às normas preconizadas fosse inferior a 40%; inadequado, variando de 40-59%; aceitável, variando de 60%-89%; e ótimo, de 90-100%. O cálculo do escore do grau de implantação dos serviços de acolhimento foi obtido pelo somatório dos valores encontrados para cada um dos seus componentes, sendo calculados por proporção dos percentuais.
Para estudar a qualidade do atendimento à criança e ao adolescente nas instituições de acolhimento, foi realizado um estudo descritivo, utilizando uma abordagem qualitativa, na qual foram verificadas algumas práticas realizadas pelas equipes de acolhimento estabelecida pelo ECA como fundamentais no serviço de acolhimento: (I) preservação de vínculos familiares, esgotamento de todos os recursos de manutenção na família de origem e preparação gradativa para o desligamento; (II) atendimento personalizado, atividades em regime de coeducação e participação na vida comunitária local; e (III) criação de vínculos afetivo educador/ cuidador com a criança/adolescente.
Para a realização desta etapa, foram selecionados quatro gestores, sendo um representante do poder judiciário, que acompanha todas as casas de acolhimento, dois do poder executivo das casas de acolhimento estadual, municipal e outro representante das Instituições Filantrópicas (GFilantrópica). Esses profissionais foram selecionados por serem considerados informantes chave com um amplo conhecimento e experiência sobre o sistema de acolhimento.
Para a análise das entrevistas, foi tomado como base o método de análise de conteúdo1616. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 7ª ed. São Paulo, Rio de Janeiro: Hucitec, Abrasco; 2000., realizando-se os seguintes passos: (1) ordenação dos dados: todo o material coletado nas entrevistas, já transcrito, foi utilizado para a obtenção de fragmentos das falas que permitissem a elaboração de uma síntese das entrevistas; (2) classificação dos dados: a partir dos fragmentos das falas selecionados, foi elaborada uma categorização de eixos temáticos para análise dos dados, identificando convergências, divergências e complementaridades; (3) análise final dos resultados, confrontando as falas dos entrevistados com a literatura atual, baseada em artigos científicos, livros, portarias ministeriais, dentre outros e também com a análise normativa feita neste estudo.
Com a finalidade de preservar a identidade dos Gestores entrevistados, as entrevistas receberam a seguinte codificação: GJudi, GEsta, GMuni e GFilantrópica. Este trabalho faz parte de uma pesquisa apoiada pelo CNPq e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães/Fiocruz/PE.
Resultados
Neste estudo, os serviços de acolhimento avaliados foram todos considerados do tipo abrigos institucionais, não existindo, na cidade do Recife, as modalidades casa-lar e família acolhedora, que são as outras formas de acolhimento para crianças e adolescentes sob medida de proteção propostas na legislação vigente66. Brasil. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CNDCA). Conselho Nacional de Assistência Social. Orientações Técnicas: serviços de acolhimento para criança e adolescentes. Brasília: CNDCA; 2009..
Em relação ao perfil dos abrigos existentes no Recife, observou-se que oito instituições atendiam a crianças e/ou adolescentes de ambos os sexos. Dois serviços de acolhida apresentavam apenas adolescentes do sexo masculino e duas apenas do sexo feminino. Os diferentes abrigos abrangem faixas etárias distintas: um serviço acolhe apenas crianças de 0 a 3 anos; dois acolhem crianças de 1 a 6 anos; seis serviços acolhem crianças e adolescentes (0 a 18 anos, 7 a 18 anos, 03 a 18 anos) e dois apenas adolescentes (12 a 18 anos) (Quadro 1). Essas diferenças de faixas etárias são consideradas normais, visto que a legislação preconiza o acolhimento de grupos de irmãos66. Brasil. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CNDCA). Conselho Nacional de Assistência Social. Orientações Técnicas: serviços de acolhimento para criança e adolescentes. Brasília: CNDCA; 2009..
Duas unidades abrigam apenas crianças e adolescentes com necessidades especiais. As outras unidades acolhem eventualmente esse grupo de crianças e adolescentes, porém com necessidades especiais leves (Quadro 1).
Dentre os abrigos visitados, oito apresentavam a capacidade instalada de 20 crianças/adolescentes, três com capacidade de até 15 e uma com a capacidade de atender 40 crianças e adolescentes com necessidades especiais. Segundo as normas referidas, os abrigos institucionais devem possuir capacidade instalada de até 20 crianças e/ou adolescentes66. Brasil. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CNDCA). Conselho Nacional de Assistência Social. Orientações Técnicas: serviços de acolhimento para criança e adolescentes. Brasília: CNDCA; 2009.. Porém, foi observado neste estudo que três serviços estaduais, um municipal e uma unidade filantrópica funcionavam acima de sua capacidade instalada, totalizando 5 (41,6%) serviços (Quadro 1).
Dentre essas unidades que atuam acima da capacidade preconizada em lei, estão incluídas as duas unidades, que atendem a crianças e adolescentes com necessidades especiais. Nessas unidades existiam inclusive vários adultos, pois é rara a existência de retorno familiar ou de adoção para essa população. Segundo a fala dos gestores, muitas vezes eles recebem a indicação de abrigar um adolescente, mesmo que o serviço já esteja ocupado além de sua capacidade, revelando a necessidade de ampliar o número de serviços.
No Quadro 2, observa-se que, quanto aos recursos humanos, apenas quatro dentre as 12 instituições investigadas – sendo uma instituição filantrópica, duas estaduais e uma municipal – não conseguiram cumprir todos os parâmetros propostos pela OTSCA66. Brasil. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CNDCA). Conselho Nacional de Assistência Social. Orientações Técnicas: serviços de acolhimento para criança e adolescentes. Brasília: CNDCA; 2009.. Nessas, foi observado o grau de implantação inadequado na instituição filantrópica (40% de cumprimento), e aceitável nas duas estaduais (60%) e na municipal (80%). As fragilidades observadas foram referentes à formação em nível superior e plena experiência profissional do coordenador e ao número ideal de cuidador por criança/adolescente acolhido.
Cumprimento das normas de acolhimento referente à estrutura nas instituições da cidade do Recife.
No Quadro 2, também se observa que, com relação à infraestrutura das cinco instituições filantrópicas investigadas, duas apresentaram-se ótimas, duas com padrões aceitáveis e uma inadequada. As instituições de acolhimento estaduais apresentaram todas as suas unidades com infraestruturas aceitáveis e, dentre as três instituições municipais, duas estavam aceitáveis e uma inadequada.
Os serviços atenderam às normas de infraestrutura nos seguintes aspectos: espaço para acomodar utensílios e mobiliário para guardar equipamentos, objetos e produtos de limpeza; utilização de equipamentos públicos ou comunitários de lazer, esporte e cultura; e sala para equipe técnica em espaço específico, separada da área de moradia. Outros itens foram contemplados por quase todos os serviços, como: adequação dos quartos, banheiros, cozinha, sala de estar e sala de administração e coordenação e área externa que possibilite o convívio e brincadeiras. Dentre os itens que não foram contemplados em todas as instituições, destacam-se os relacionados à acessibilidade para as crianças e adolescentes com deficiência. As unidades ficaram distantes de satisfazer os requisitos estabelecidos para deficientes, sendo observado que apenas quatro unidades cumpriram as duas normas referentes a esse aspecto, com relação à infraestrutura e a banheiro adaptado.
No Quadro 3, vê-se a avaliação das instituições no que diz respeito ao processo de trabalho. Foi observado que nove unidades apresentaram grau de implantação ótimo e as outras três (uma filantrópica e duas municipais), apresentaram o grau aceitável. Tais dados, oriundos das respostas dos gestores das unidades, indicam um adequado grau de implantação de acordo com as normas vigentes no país. Foi observado que duas questões, contratação e apoio na seleção de funcionários, não se aplicaram para as casas de acolhimento estaduais e municipais, uma vez que essas seleções são públicas e não realizadas pela equipe da instituição.
As entrevistas em profundidade com os gestores permitiram conhecer melhor sobre os recursos humanos existentes e sobre o complexo processo de trabalho existente nos abrigos institucionais do Recife. As falas dos entrevistados contradizem, em alguma monta, os resultados quantitativos apresentados sobre os recursos humanos nos abrigos do Recife, que, com exceção de uma, classificou todas as instituições como ótimas e aceitáveis.
Embora as unidades tenham cumprido os parâmetros básicos de acolhimento, foi observado, a partir da abordagem qualitativa, que os serviços não conseguem cumprir alguns objetivos preconizados pelo ECA44. Brasil. Lei n° 8069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União 1990; 16 jul., essenciais para impactar os resultados finais do acolhimento. Note-se que um dos principais problemas está relacionado aos recursos humanos, principalmente aos educadores/cuidadores, posto que o estabelecimento do vínculo afetivo com esse profissional representa peça fundamental no desenvolvimento da criança e do adolescente.
Existe uma rotatividade grande não só dos cuidadores, mas dos demais profissionais, como psicólogo, assistente social, coordenador, e isso se deve a não formação dos profissionais, a desinformação deles sobre a população que vão trabalhar, aos baixos salários. Além de ser um trabalho muito exigente, muitas vezes os profissionais não acreditam no próprio trabalho por não existir uma política que apoie o seu trabalho e dê a esperança de mudança no cenário. Assim, existe uma evidência de fragilidade do sistema e uma vulnerabilidade por todos os lados que vai desde a família até as políticas. (Gjudis)
Os profissionais de todos os abrigos do Recife trabalham em regime de plantões, dificultando a implantação de uma rotina mais familiar na vida das crianças e adolescentes, segundo fala dos gestores.
[…] Quando a gente chegou no Estado, esse plantão já estava posto, […] os próprios profissionais preferem trabalhar doze horas e folgar, ter mais tempo de descanso, […] e hoje a gente concorda que o vínculo na rotina se dá melhor sendo diarista, mas a gente consegue também criar estratégias de vínculo sendo plantonista, porque o que mais pesa nessa questão é a rotatividade de funcionários, […] isso dificulta na questão do vínculo, mas no plantão acho que tem estratégias pra criar esse vínculo. […] o grande desafio não tem sido tanto a carga horária, o regime de plantão, mas tem sido a compreensão e envolvimento, […] o entendimento mesmo do meu papel nesse lugar, […] de fato quero trabalhar aqui, essa relação é que eu quero estabelecer […] a disponibilidade para esse envolvimento, para essa vinculação do profissional. (GMunicipal)
Na instituição não governamental, segundo o gestor, não foram destacados problemas quanto aos recursos humanos e à rotatividade; seus profissionais trabalham em grande parte por contratação, sendo destacado um bom estabelecimento de vínculo entre educador e os acolhidos.
O vínculo entre o cuidador e as meninas existe e é muito bom […]. Educadoras, psicólogas, elas são pagas, mas graças a Deus até que está dando, a gente tá há quatro anos com a mesma psicóloga e assistente social. A educadora tá há um ano, um ano e pouco. […] tenho cuidador que está com vinte anos na casa. (GFilantrópica)
Quanto à preservação de vínculos familiares e esgotamento de todos os recursos de manutenção na família de origem e preparação gradativa para o desligamento, de acordo com gestores, existe um trabalho com a família e com a criança/adolescente para que seja preservado o vínculo familiar, com o propósito da brevidade deste na instituição. Algumas dificuldades são encontradas.
Existe, no caso dos adolescentes, um grande número de evasão do abrigo por conta da droga e do atrativo da rua […] quando existe o uso de drogas pelo adolescente e pela família, fica muito mais difícil estabelecer a manutenção familiar, pois a droga não deixa e há ausência de políticas, tanto para o jovem quanto para a família, o que dificulta a manutenção familiar. (Gjudis)
Percebe-se que as relações familiares são bastante fragilizadas quando existe o uso de droga, assim, o afastamento desse adolescente do convívio familiar é considerado, muitas vezes, a eliminação de um problema.
Segundo os gestores entrevistados, é observado que o envolvimento com a droga e com tráfico de drogas faz com que o adolescente seja afastado, muitas vezes, do município de origem por apresentar risco de vida, o que dificulta ainda mais o trabalho do estabelecimento de vínculos familiares. A distância entre a casa de acolhimento e o município de origem das crianças e adolescentes acolhidos é apresentada também como um dos principais dificultadores para um bom trabalho de reintegração familiar.
As casas do estado é que recebem muitas crianças e adolescentes que são de outros municípios, por exemplo. Aqui, em Recife, a gente tem atendido crianças e adolescentes de municípios da Zona da Mata, Norte, Sul, Agreste, Sertão, […] existe um dificultador nesse trabalho que é a distância e aí a gente não consegue dar conta do que as Orientações Técnicas trazem e do que o Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária também preconizam, que é a proximidade, o atendimento daquela criança ou daquele adolescente em seu município de origem, que é o que o artigo 88 do Estatuto preconiza, a municipalização do atendimento. (GEstadual)
Outro problema que prejudica a reintegração familiar é a presença de transtornos mentais.
[…] quando há transtorno mental ou tem algum tipo de deficiência que não conseguem cuidar dos seus filhos ou fazem uso de drogas ou de álcool. […] a fragilidade na rede é muito grande, porque a própria família é vitima da situação, ela violou um direito momentaneamente, mas o Estado, quando falo “Estado” num sentido macro, não dá condição, através da política pública […]. (GEstadual)
Com relação às atividades de atendimento personalizado e atividades em regime de coeducação, observa-se uma tentativa de proporcionar tal atividade, porém os gestores relatam algumas dificuldades:
Tem sido um grande desafio, na verdade, eu acho que é um dos desafios mais difíceis, que é integrar a comunidade. A comunidade hoje ainda continua com o discurso do apoio, da solidariedade, que também é bom, mas é uma solidariedade com distanciamento. A gente tem casas de acolhida inseridas em territórios onde a vizinhança não quer nem ouvir falar dos meninos […]. (GMunicipal).
A partir do exposto pelos gestores, Gjudis, GMunicipal e GFilantrópico, percebe-se que um dos principais problemas a serem enfrentados é a aceitação dessas crianças e adolescentes pela vizinhança da unidade, pois, muitas vezes, são tachados como sendo jovens infratores. Tal fato compromete inclusive a frequência à escola dessa população, que é, na maioria das vezes, prejudicada por uma grande rejeição dos funcionários e alunos da escola. Entretanto, existem atividades que são disponibilizadas para as crianças e adolescentes pelas universidades, prefeitura e organizações sociais como passeios, esportes, cursos profissionalizantes, entre outros, sendo necessária uma melhor articulação do gestor com a rede que oferece outros serviços.
De acordo com a fala do gestor da instituição filantrópica, com relação ao regime de coeducação com a integração com outras instituições, pode-se observar que não existe a prática de articulação com outras instituições pelo desconhecimento dos locais que poderiam fazer esta integração.
Discussão
O presente estudo propôs-se avaliar as instituições de acolhimento da cidade do Recife, segundo as Orientações Técnicas dos Serviços de Acolhimento para crianças e adolescentes66. Brasil. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CNDCA). Conselho Nacional de Assistência Social. Orientações Técnicas: serviços de acolhimento para criança e adolescentes. Brasília: CNDCA; 2009.. Os serviços de acolhimento integram os serviços de alta complexidade do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), sejam eles de natureza público-estatal ou não-estatal público, e devem pautar-se nos pressupostos do Estatuto da Criança e Adolescente44. Brasil. Lei n° 8069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União 1990; 16 jul., do Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito da Criança e do Adolescente a Convivência Familiar e Comunitária55. Brasil. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária. Brasília: MDS; 2006.,1717. Brasil. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Política Nacional de Assistência Social – PNAS. Brasília: MDS; 2004., da Política Nacional de Assistência Social - SUAS (BRASIL, 2005), da Norma Operacional Básica do SUAS1818. Brasil. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS). Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Norma Operacional Básica (NOB-SUAS). Brasília: MDS/SNAS/SUAS; 2012. e do Projeto de Diretrizes das Nações Unidas sobre Emprego e Condições Adequadas, de Cuidados Alternativos com Crianças1919. Brasil. Projeto de diretrizes das Nações Unidas sobre emprego e condições adequadas de cuidados alternativos com crianças. Brasília: Brasil; 2007..
É grave a ausência de outras formas de acolhimento institucional preconizadas nas leis e normativas, como a casa-lar e o acolhimento familiar na cidade do Recife. Assis et al.2020. Assis SG, Pinto LW, Avanci JQ. Nationwide Study on children and Adolescent in foster care in Brazil. Paediatrics Today 2014; 10(2):135-146., ao realizarem levantamento nacional sobre crianças e adolescentes em acolhimento familiar no Brasil, observaram que das 2.617 modalidades de acolhimentos analisadas, 64,2% eram abrigos institucionais e 17,3% eram casa-lar. A instituição do tipo casa-lar é considerada mais adequada que os abrigos institucionais, por apresentar um menor número de crianças e adolescentes acolhidos, o que proporciona maior vínculo e apoio com o educador/cuidador residindo na casa e não trabalhando na forma de plantão. A maior convivência com o cuidador assemelha-se mais com uma residência familiar2121. Human Rights Watch (HRW). Without Dreams: Children in Alternative Care in Japan. Washington: HRW; 2014..
Dentre as unidades que atuam acima da capacidade preconizada em lei, estão incluídas as duas unidades que atendem a crianças e adolescentes com necessidades especiais. Nessas unidades, existiam inclusive vários adultos, pois é rara a existência de retorno familiar ou de adoção para essa população, fato constatado em outros estudos em que crianças e adolescentes com algum tipo de deficiência apresentaram baixa probabilidade de reunificação familiar e adoção2222. Connell CM, Katz KH, Saunders L, Tebes JK. Leaving foster care—the influence of child and case characteristics on foster care exit rates. Children and Youth Services Review 2006; 28(7):780-798.
23. Akin AB. Predictors of foster care exits to permanency: A competing risks analysis of reunification, guardianship, and adoption. Children and Youth Services Review 2011, 33(6):999-1011.
24. Kahn JM, Schwalbe C. The timing to and risk factors associated with child welfare system recidivism at two decision-making points. Children and Youth Services Review 2010, 32(7):1035-1044.-2525. Simmel C, Morton C, Cucinotta G. Understanding extended involvement with the child welfare system. Children and Youth Services Review 2012; 34(9):1974-1981..
O sistema de família acolhedora é ainda mais favorável para o desenvolvimento de crianças e adolescentes, pois eles são abrigados em uma família a qual será responsável temporariamente pelo seu cuidado2626. Valente J. Acolhimento familiar: validando e atribuindo sentido às leis protetivas. Serv. soc. Soc 2012; (111):576-598.. Segundo Delgado2727. Delgado P. O acolhimento familiar em Portugal. Conceitos, práticas e desafios. Psicologia & Sociedade 2010; 22(2):336-344., esse tipo de acolhimento apresenta como principal dificuldade a carência de famílias habilitadas, que, muitas vezes, não apresentam o requisito básico de escolaridade. Segundo Levantamento Nacional das Crianças e Adolescentes nos Serviços de Acolhimento, realizado no ano de 2010, a organização e funcionamento do acolhimento familiar para crianças e adolescentes no Brasil ainda é muito incipiente, embora tenham sido observados 144 serviços em funcionamento distribuídos em 17 estados brasileiros2828. Assis SG, Farias LOP Levantamento Nacional de Crianças e Adolescentes em Acolhimento Institucional e Familiar. São Paulo: Hucitec; 2013., na contramão de países que apresentam preferencialmente esse tipo de acolhimento, como os Estados Unidos da América. Nesse país, dados oficiais de 20112929. U.S. Department of Health and Human Services, Administration for Children and Families, Administration on Children. Youth & Families. Washington: Children's Bureau; 2012. indicam que o percentual do acolhimento familiar (Foster Family Care) ultrapassa os 70%. Na Inglaterra, o encaminhamento para o acolhimento familiar é ainda maior: supera 80%3030. United Kingdom Parliament. Standard Note SN/ SG/4470 - Children in Care in England: Statistics. House of Commons Library. [acessado 2013 jul 23]. Disponível em: http://www.parliament.uk/briefing-papers/sn04470.pdf.
http://www.parliament.uk/briefing-papers... . Outros países europeus também têm procurado assegurar que o acolhimento familiar seja a colocação principal3131. Eurochild. Children in alternative care. National Surveys-2nd Edition January 2010. [acessado 2013 jul 23]. [acessado 2013 jul 10]. Disponível em: http://_www.eurochild.org/fileadmin/public/05_Library/Thematic_priorities/06_Children_in_Alternative_Care/Eurochild/Eurochild_Publication_-_Children_in_Alternative_Care_-_2nd_Edition_January2010.pdf
http://_www.eurochild.org/fileadmin/publ... .
Sobre o perfil dos abrigos existentes no Recife, cabe destacar a similaridade com o amplo leque observado no país2828. Assis SG, Farias LOP Levantamento Nacional de Crianças e Adolescentes em Acolhimento Institucional e Familiar. São Paulo: Hucitec; 2013., destacando-se a necessidade de acolher crianças de diferentes faixas etárias numa mesma unidade, visto que a legislação preconiza o acolhimento de grupos de irmãos66. Brasil. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CNDCA). Conselho Nacional de Assistência Social. Orientações Técnicas: serviços de acolhimento para criança e adolescentes. Brasília: CNDCA; 2009..
Um total de 91,2% dos abrigos do Recife cumpriu a exigência legal de ter até 20 crianças/adolescentes por unidade, percentual superior ao encontrado no país, que é de 78,2%2020. Assis SG, Pinto LW, Avanci JQ. Nationwide Study on children and Adolescent in foster care in Brazil. Paediatrics Today 2014; 10(2):135-146.,2828. Assis SG, Farias LOP Levantamento Nacional de Crianças e Adolescentes em Acolhimento Institucional e Familiar. São Paulo: Hucitec; 2013.. No entanto, pode-se observar que existem diversos países como: Japão, Rússia, Moldávia, Geórgia, Zâmbia, Guiana e Bangladesh, em que o número de crianças e adolescentes que vivem em abrigos institucionais supera 20 por casa, podendo chegar a acolher até 150, sendo consideradas como grandes instituições33. EveryChild. Scaling down: Reducing, reshaping and improving residential care around the world. London: EveryChild Publications; 2011.,2121. Human Rights Watch (HRW). Without Dreams: Children in Alternative Care in Japan. Washington: HRW; 2014.. Em estudo realizado na Polônia, foi observado que 83% dos serviços estavam em desacordo com o requisito legal previsto por estas instituições, apresentando um número médio de 49 crianças nas instituições, em vez do máximo previsto de 30 crianças3232. Knuiman S, Rijk CH, Hoksbergen RA, Van Baar AL 2015. Children without parental care in Poland: Foster care, institutionalization and adoption. International Social Work 2015; 58(1):142-152..
É preocupante a fragilidade das instituições do Recife para o atendimento a crianças e adolescentes com necessidades especiais (33,3%), cumprindo as duas normas referentes a esse aspecto, referentes à infraestrutura e banheiro adaptado. Essas unidades precisariam ter maior número de cuidadores, visto que são crianças e adolescentes que exigem mais tempo, dedicação e qualificação dos profissionais. Essa é uma realidade também enfrentada em nível nacional, com apenas 15% dos serviços adequados para pessoas com necessidades especiais2828. Assis SG, Farias LOP Levantamento Nacional de Crianças e Adolescentes em Acolhimento Institucional e Familiar. São Paulo: Hucitec; 2013..
Observa-se que 66,7% das instituições investigadas conseguiram cumprir os parâmetros propostos para recursos humanos: destaca-se o item que aborda a presença de dois profissionais de nível superior para atender até a 20 crianças e adolescentes. A cidade do Recife apresentou 83,3% das casas atendendo a esse requisito, superando os resultados obtidos no Brasil, com adequação em 56,4% dos serviços2828. Assis SG, Farias LOP Levantamento Nacional de Crianças e Adolescentes em Acolhimento Institucional e Familiar. São Paulo: Hucitec; 2013.. Também com relação à infraestrutura, verificam-se melhores dados no Recife em relação à média nacional: 75% dos serviços do Recife apresentavam o número recomendado de crianças/adolescentes por quarto, que é de até quatro, enquanto que 42% das unidades nacionais atenderam a essa exigência; necessidade de ter um educador/ cuidador de nível médio ou capacitação específica para até 10 usuários por turno (83% no Recife e 63,8% nacionalmente)2020. Assis SG, Pinto LW, Avanci JQ. Nationwide Study on children and Adolescent in foster care in Brazil. Paediatrics Today 2014; 10(2):135-146..
Quanto à análise do processo de trabalho, aponta-se a riqueza da articulação entre os dados oriundos dos questionários e das entrevistas qualitativas. Os problemas referentes aos recursos humanos ficaram mais evidentes na segunda abordagem. Dificuldades relacionadas ao quantitativo existente e à qualificação dos recursos humanos são evidenciadas no estudo de Cohen3333. Cohen NA. Quality of care for youths in group homes. Child welfare 1985; 65(5):481-494., em que instituições apresentam dificuldade de retenção de profissionais qualificados e pessoal competente, pois a natureza do trabalho é altamente exigente, com pouca oportunidade e promoção, o que representa uma das principais causas da alta taxa de rotatividade. Também limitações referentes ao esquema de trabalho em plantões nos serviços de acolhimento são reconhecidas nacionalmente, pelos prejuízos decorrentes a uma elevada ausência de trabalhadores, pela rotatividade de funcionários, além de um grande número de jovens para um só cuidador, dificultando o estabelecimento de vínculos seguros33. EveryChild. Scaling down: Reducing, reshaping and improving residential care around the world. London: EveryChild Publications; 2011..
Apesar das dificuldades apontadas, observam-se melhoras na qualidade da assistência ofertada nas casas de acolhimento, principalmente após a implantação do ECA, mesmo com uma visão da necessidade de oferecer melhores condições de trabalho e diminuição da rotatividade, segundo Siqueira e Dell’Anglio88. Siqueira AC, Dell’Aglio DD. O impacto da institucionalização na infância e na adolescência: uma revisão de literatura. Psicologia & Sociedade 2006; 18(1):71-80..
O cuidado prestado às crianças e adolescentes é aspecto fundamental no atendimento oferecido pela instituição de acolhimento. Nesse sentido, a unidade é percebida como local de proteção tão somente se os cuidadores proporcionarem, em primeiro plano, o apoio de interação positiva e emocional associado, em segundo plano, ao apoio instrumental3434. Vetor C, Carvalho C. Um olhar sobre o abrigamento: a importância dos vínculos em contexto de abrigo. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional 2008; 12(2):441-449.,3535. Marzol RM, Bonafé L, Yunes MAM. As Perspectivas de Crianças e Adolescentes em Situação de Acolhimento Sobre os Cuidadores Protetores. PSICO 2012; 43(3):317-324., sendo observada a importância de relações horizontais e afetivas com cuidadores como promotores de desenvolvimento3636. Morais NA, Koller SH, Raffaeli M. Rede de apoio, eventos estressores e mau ajustamento na vida de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social. Universitas Psychologica 2012; 11(3):779-791.. Dessa forma, da mesma maneira que a família, a instituição pode ou não ser representada como fator de risco para o desenvolvimento99. Yunes MAA, Miranda AT, Cuello SES. Um olhar ecológico para os riscos e as oportunidades. In: Koller SH, organizador Ecologia do desenvolvimento humano: pesquisa e intervenção no Brasil; São Paulo: Casa do Psicólogo; 2004. p. 197-218..
Estudo realizado em Los Angeles encontrou achados semelhantes ao avaliar a qualidade de atendimento a adolescentes acolhidos em um grupo de casas, no qual quase todas as casas cumprem critérios básicos de atendimento, porém são deficientes na qualidade do atendimento, sendo avaliada como regular e ruim3333. Cohen NA. Quality of care for youths in group homes. Child welfare 1985; 65(5):481-494..
São poucos os estudos que investigam o desempenho das unidades de acolhimento, com isso a presente pesquisa teve dificuldade de comparar os serviços de acolhimento das unidades investigadas no Recife com outros estudos ou manuais de acolhimento de outros estudos nacionais ou internacionais. Existem os mais diversos tipos de normas e padrões, o que dificulta fazer tais comparações para a investigação de qualidade do acolhimento. Além das diferentes nomenclaturas utilizadas como orphanage, institution, children's home, group care facility, residention treatment unit, foster care, kinship care, infant care institutions, child care institutions, short-term therapeutic institutions, group homes for independent living, family homes entre outros22. Ainsworth F, Thoburn J. An exploration of the differential usage of residential childcare across national boundaries, Int J SocWelfar 2014; 23:16-24.,2020. Assis SG, Pinto LW, Avanci JQ. Nationwide Study on children and Adolescent in foster care in Brazil. Paediatrics Today 2014; 10(2):135-146.,2121. Human Rights Watch (HRW). Without Dreams: Children in Alternative Care in Japan. Washington: HRW; 2014..
Curtis et al.3737. Curtis PA, Alexander G, Lunghofer LA. A Literature Review Comparing the Outcomes of Residential Group Care and Therapeutic Foster Care. Child and Adolescent Social Work Journal 2001; 18(5):377-392., em uma revisão da literatura de pesquisa sobre o desempenho de um grupo de casas, revelaram que apenas alguns estudos de eficácia e qualidade dos serviços tipo casa de jovens foram relatados e que a qualidade dos serviços era muito abaixo do ideal. Assis et al.2020. Assis SG, Pinto LW, Avanci JQ. Nationwide Study on children and Adolescent in foster care in Brazil. Paediatrics Today 2014; 10(2):135-146. comentam que existe uma grande quantidade de estudos que avaliam o desenvolvimento de crianças e adolescentes acolhidos em seus diversos aspectos, porém, quanto aos estudos sobre a avaliação das casas de acolhidas com relação à estrutura e ao processo e qualidade dos serviços, existe uma carência de pesquisas tanto no Brasil como no mundo.
Outro aspecto que surgiu na abordagem qualitativa como razão que dificulta o atendimento oferecido é o uso das drogas. A procura das drogas representa o principal motivador da evasão dos adolescentes segundo estudo de Lemos e Meneses3838. Lemos MS, Meneses HI. A Avaliação da Competência Social: Versão Portuguesa da Forma para Professores do SSRS. Psicologia: Teoria e Pesquisa 2002; 18(3):267-274 2002., além da busca de liberdade, uma vez que, nas casas de acolhidas, existem diversas regras que devem ser seguidas. A questão das drogas, dentre outros problemas de saúde mental, é de fundamental importância para os serviços de acolhimento institucional. Além do uso pelo próprio acolhido, sabe-se que 26,6% das crianças e adolescentes acolhidas no país o foram devido ao uso de substâncias por seus responsáveis2828. Assis SG, Farias LOP Levantamento Nacional de Crianças e Adolescentes em Acolhimento Institucional e Familiar. São Paulo: Hucitec; 2013.,3939. Cavalcante LIC, Magalhães CMC, Reis DC. Análise Comparativa do Perfil de Crianças em Acolhimento Institucional nos Anos de 2004 e 2009. Psico 2014; 45(1):90-99.,4040. Ferreira FPM. Crianças e adolescentes em abrigos: uma regionalização para Minas Gerais. Serv. Soc. Soc. 2014; 117:142-168..
A reintegração familiar e a comunitária são grandes desafios para os serviços de acolhimento3030. United Kingdom Parliament. Standard Note SN/ SG/4470 - Children in Care in England: Statistics. House of Commons Library. [acessado 2013 jul 23]. Disponível em: http://www.parliament.uk/briefing-papers/sn04470.pdf.
http://www.parliament.uk/briefing-papers... . Rodrigues et al.4141. Rodrigues AL, Gava LL, Sarriera JC, Dell’Aglio DD. Percepção de preconceito e autoestima entre adolescentes em contexto familiar e em situação de acolhimento institucional. Estudos e Pesquisas em Psicologia 2014; 14(2):389-407. informam que os adolescentes em situação de acolhimento apresentam um maior índice de percepção de preconceito do que os que não estavam nesta situação.
Conclusão
Em síntese, as instituições de acolhimento, quanto à estrutura apresentada nas cinco instituições filantrópicas, duas estavam com padrão ótimo, duas aceitáveis e uma classificada como inadequada. Todas as instituições estaduais apresentaram estruturas aceitáveis e as municipais, duas aceitáveis e uma inadequada. Com relação ao processo, apenas uma instituição apresentou padrão ótimo e todas as outras apresentaram aceitáveis, de acordo com a norma de acolhimento. Porém, a avaliação utilizada diz respeito a padrões básicos que devem existir em uma instituição de alta complexidade que atende a crianças e a adolescentes vítimas de violência, abandono, negligência e as mais variadas situações de risco.
Por outro lado, a partir da análise do conteúdo da fala dos gestores do judiciário, estadual, municipal e Filantrópico, foi possível observar que os maiores entraves para a realização das medidas protetivas previstas pelo ECA decorrem do uso de drogas pelos adolescentes e familiares, distanciamento geográfico da família de origem, integração com outras instituições e comunidade e, principalmente, grande rotatividade dos profissionais, fato este que prejudica a formação de vínculos com as crianças e adolescentes e, consequentemente, atendimento adequado para o seu desenvolvimento.
Assim, são necessárias futuras pesquisas que investiguem fatores relacionados ao contexto dos diferentes formatos de acolhimento propostos na legislação brasileira, para que se possa colaborar para a formulação de uma política de acolhimento mais eficiente, efetiva e eficaz que atenda melhor às necessidades desta população.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Fev 2018
Histórico
- Recebido
23 Set 2015 - Revisado
07 Maio 2016 - Aceito
09 Maio 2016