Resumo
O objetivo foi estimar a prevalência de baixo peso em idosos segundo variáveis demográficas, socioeconômicas, de comportamentos relacionados à saúde, morbidades e estado de saúde. Trata-se de estudo transversal, multicêntrico, que envolveu 3.478 idosos da comunidade (≥ 65 anos). O Índice de Massa Corporal (IMC) foi calculado com informações aferidas de peso e altura. A variável dependente foi o baixo peso, classificada pelo IMC < 22kg/m2. Foram estimadas razões de prevalência ajustadas por meio de regressão múltipla de Poisson. A média de idade foi de 72,9 anos e a prevalência de baixo peso atingiu 12,0% (IC95%:10,9-13,1) dos indivíduos. Verificaramse prevalências mais elevadas de baixo peso nos idosos com idade ≥ 80 anos, nos ex-fumantes e fumantes, naqueles que apresentaram perda de apetite e nos classificados como pré-frágeis ou frágeis (RP = 1,41; IC95%:1,09-1,82). Menores prevalências de baixo peso foram observadas nos indivíduos que relataram ter recebido diagnóstico médico de hipertensão, de diabetes e de reumatismo. Os resultados indicam a importância de avaliar e monitorar o estado nutricional dos idosos, com ênfase nos subgrupos mais vulneráveis, em particular nos frágeis, levando em conta as consequências do baixo peso para o estado de saúde
Palavras-chave
Idoso; Perda de peso; Saúde do idoso; Inquérito de saúde
Abstract
The aim of this study was to assess the prevalence of being underweight among the elderly according to demographic and socioeconomic characteristics, health-related behaviors, diseases and health status. This was a cross-sectional multi-center study with 3,478 community-dwelling elders (≥ 65 years). The dependent variable was the prevalence of being underweight, classified by Body Mass Index < 22kg/m2. Adjusted prevalence rate ratios were estimated using multivariable Poisson regression. The mean age was 72.9 years and 12.0% of the elderly were underweight (CI95%:10.9-13.1). Aged elderly ≥ 80 years, former and current smokers, those who reported appetite loss and those classified as pre-frail or frail (PR=1.41; CI95%:1.09-1.82) presented a higher prevalence of being underweight. Individuals who received medical diagnosis of hypertension, diabetes and rheumatism had the lowest underweight prevalence observed. The results highlight the importance of nutritional status assessment and monitoring among the elderly, with emphasis on the most vulnerable subgroups, particularly the frail elderly, taking into account the health consequences of low weight.
Key words
Elderly; Weight loss; Health of the elderly; Health surveys
Introdução
Mudanças fisiológicas e metabólicas ocorrem no organismo durante o processo de envelhecimento com repercussões sobre a saúde e o estado nutricional dos idosos, que se reflete na relação entre peso e altura, e na composição corporal11. Gaddey HL, Holder K. Unintentional weight loss in older adults. Am Fam Physician 2014; 89(9):718-722.. Tais mudanças tornam o idoso mais suscetível ao desenvolvimento de um quadro de desnutrição e deficiências nutricionais22. Amarya S, Singh K, Sabharwal M. Changes during aging and their association with malnutrition. J Clin Gerontol Geriatr 2015; 6(3):78-84.,33. Brownie S. Why are elderly individuals at risk of nutritional deficiency? Int J Nurs Pract 2006; 12(2):110-118.. A desnutrição apresenta-se associada à síndrome consumptiva, à sarcopenia, à diminuição de força e à fadiga, ocasionando aumento da mortalidade, da susceptibilidade às infecções e a redução da qualidade de vida dos idosos44. Sousa KT, Mesquita LAS, Pereira LA, Azeredo CM. Baixo peso e dependência funcional em idosos institucionalizados de Uberlândia (MG), Brasil. Cien Saude Colet 2014; 19(8):3513-3520..
Entre os fatores que favorecem o desenvolvimento do baixo peso nos idosos destacam-se o isolamento social, o menor consumo de alimentos em face de limitações físicas, doenças crônicas, uso de medicamentos que causam inapetência, deterioração cognitiva, depressão, dificuldades de mastigação, alterações do paladar, além dos fatores socioeconômicos e psicológicos que incluem o viver sozinho, a viuvez e a perda da identidade e do papel social55. Ferreira LS, Amaral TF, Marucci MFN, Nascimento LFC, Lebrão ML, Duarte YAO. Undernutrition as a major risk factor for death among older Brazilian adults in the community-dwelling setting: SABE survey. Nutrition 2011; 10:1017-1022.,66. Stajkovic S, Aitken EM, Holroyd-Leduc J. Unintentional weight loss in older adults. CMAJ 2011; 183(4):443-449..
Estudos evidenciam a relação entre baixo peso e mortalidade11. Gaddey HL, Holder K. Unintentional weight loss in older adults. Am Fam Physician 2014; 89(9):718-722.,77. Morley JE. Undernutrition in older adults. Family Practice 2012; 29(Supl. 1):i89-i93.. Dados do Inquérito Saúde, Bem-estar e Envelhecimento (SABE) registraram um risco de óbito 51% superior nos idosos com baixo peso em relação aos que estavam com o peso adequado88. Suemoto CK, Lebrão ML, Duarte YA, Danaei G. Effects of body mass index, abdominal obesity, and type 2 diabetes on mortality in community-dwelling elderly in São Paulo, Brazil: analysis of prospective data from the SABE Study. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2015; 70(4):503-510..
A literatura tem chamado atenção para a ocorrência de perda da massa magra em associação com a redução da força muscular, fenômeno caracterizado como sarcopenia99. Bianchi L, Ferrucci L, Cherubini A, Maggio M, Bandinelli S, Savino E, Brombo G, Zuliani G, Guralnik JM, Landi F, Volpato S. The Predictive Value of the EWGSOP Definition of Sarcopenia: Results from the In-CHIANTI Study. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2016; 71(2):259-264., condição importante para a definição da síndrome da fragilidade, considerada um desafio para as políticas públicas, por acarretar aumento do risco de ocorrência de quedas, fraturas, incapacidades, dependência, hospitalização e mortalidade1010. Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, Seeman T, Tracy R, Kop WJ, Burke G, McBurnie MA; Cardiovascular Health Study Collaborative Research Group. Frailty in older adults: evidence for a phenotype. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2001; 56(3):M146-156.
11. Lang T, Streeper T, Cawthon P, Baldwin K, Taaffe DR, Harris TB. Sarcopenia: etiology, clinical consequences, intervention, and assessment. Osteoporos Int 2010; 21(4):543-559.-1212. Walston JD. Sarcopenia in older adults. Curr Opin Rheumatol 2012; 24(6):623-627.. A síndrome da fragilidade vem sendo descrita como um estado clínico de aumento da vulnerabilidade, expresso em diminuição das respostas compensatórias e da possibilidade de manutenção da homeostase frente à estressores1010. Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, Seeman T, Tracy R, Kop WJ, Burke G, McBurnie MA; Cardiovascular Health Study Collaborative Research Group. Frailty in older adults: evidence for a phenotype. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2001; 56(3):M146-156..
Considerando o cenário de crescimento da população idosa, as mudanças fisiológicas do processo de envelhecimento e as consequências da perda de peso para o estado de saúde, o presente estudo tem como objetivo estimar a prevalência de baixo peso segundo variáveis sociodemográficas, de comportamentos relacionados à saúde, morbidades e estado de saúde em idosos residentes na comunidade.
Métodos
Trata-se de pesquisa transversal de base populacional que utilizou dados do Estudo de Fragilidade em Idosos Brasileiros (FIBRA), realizado em 2008-2009, em sete cidades brasileiras. Foram coletadas informações de idosos de 65 anos ou mais, recrutados da comunidade e residentes em área urbana.
A amostra do estudo foi obtida por conglomerados e em dois estágios. No primeiro estágio foram sorteados e percorridos os setores censitários da área urbana dos municípios participantes, totalizando 90 em Campinas (São Paulo), 93 em Belém (Pará), 75 em Poços de Caldas (Minas Gerais), 62 em Ermelino Matarazzo (São Paulo), 60 em Campina Grande (Paraíba), 60 em Parnaíba (Piauí) e 27 em Ivoti (Rio Grande do Sul). Em cada área selecionada foram estimadas cotas de homens e mulheres de 65-69, 70-74, 75-79 e 80 anos ou mais, com base na distribuição desses segmentos na população idosa.
No segundo estágio, os idosos foram recrutados nos domicílios por pessoal treinado e devidamente identificado, mediante um roteiro que incluía a apresentação pessoal e da pesquisa, e o convite aos idosos. A equipe de recrutadores identificava os idosos que atendiam os critérios de inclusão, a saber: ter idade igual ou superior a 65 anos, compreender instruções, ser residente permanente no domicílio e aceitar participar do estudo. Foram excluídos os indivíduos que apresentavam déficits de memória, atenção, orientação espacial, temporal e de comunicação, sugestivos de déficit cognitivo; incapacidade permanente ou temporária para andar (exceto os que faziam uso de dispositivo de auxílio à marcha); perda localizada de força e afasia decorrentes de sequela de acidente vascular encefálico; comprometimento grave da motricidade, da fala ou da afetividade associados à doença de Parkinson avançada; déficit auditivo ou visual grave e estar em estágio terminal.
O número mínimo de amostra estimado para cidades com mais de 1 milhão de habitantes, como Campinas e Belém, foi de 601 idosos, considerando um erro de amostragem de 4 pontos percentuais. Para as demais cidades, com menos de 1 milhão de habitantes, a estimativa foi de 384 indivíduos, para um erro amostral de 5%.
Os dados foram coletados por meio de questionário previamente testado, com questões validadas, aplicado em um único encontro que acontecia em escolas, igrejas, unidades básicas de saúde, clubes e centros de convivência. Estudantes de graduação e de pós-graduação devidamente treinados conduziam as entrevistas com duração de 40 a 120 minutos.
Na primeira fase da coleta de dados, da qual participaram todos os idosos selecionados, foram obtidas informações demográficas e socioeconômicas, foram feitas aferições de características antropométricas e de pressão arterial e foi realizada avaliação de fragilidade. O Índice de Massa Corporal (IMC) foi calculado com informações aferidas de peso e altura, por meio da divisão do peso em quilos pelo quadrado da altura em metros. Foi classificado com baixo peso o indivíduo com IMC < 22kg/m2, conforme o ponto de corte recomendado para idosos1313. Cervi A, Franceschini SCC, Priore SE. Análise crítica do uso do índice de massa corporal para idosos. Rev Nutr 2005; 18(6):765-775..
Ao final da primeira fase da coleta de dados, foi aplicado um teste de rastreio cognitivo, o Mini Exame do Estado Mental (MEEM). Os pontos de corte adotados para o MEEM foram: 17 para os analfabetos, 22 para os que tinham entre um e quatro anos de escolaridade, 24 para os que possuíam entre cinco e oito anos de estudo e 26 para os escolarizados por nove ou mais anos, menos um desvio-padrão1414. SMD, Nitrini R, Caramelli P, Bertolucci PH, Okamoto IH. Sugestões para o uso do Mini-Exame do Estado Mental no Brasil. Arq Neuropsiquiatr 2003; 61(3B):777-781.. Os idosos que atingiam pontuações iguais ou superiores às notas de corte do MEEM eram conduzidos à segunda fase da coleta de dados, durante a qual os participantes respondiam questões referentes às doenças crônicas, sinais e sintomas, quedas e fraturas, tabagismo e alcoolismo, autoavaliação da saúde, percepção sobre a saúde bucal e sobre as condições funcionais para a alimentação, sintomas depressivos, satisfação com a vida, acesso a serviços médicos e hospitalares no último ano, entre outras.
No presente estudo foram considerados todos os idosos que tiveram o peso e a altura aferidos, independente da pontuação do MEEM. A variável dependente foi o baixo peso e as variáveis independentes selecionadas para a análise dos fatores associados ao baixo peso foram:
Demográficas e socioeconômicas: sexo, idade, raça/cor da pele autorreferida, situação conjugal, escolaridade (em anos de estudo) e renda familiar per capita (em salários mínimos).
Comportamentos relacionados à saúde e morbidades: tabagismo, frequência de consumo de bebida alcoólica e prática de atividade física em contexto de lazer, avaliada por versão adaptada do Minnesota Leisure Time Physical Activity Questionnarie (MLTPAQ), presença de hipertensão, diabetes, reumatismo, asma, depressão, número de doenças crônicas autorreferidas.
Condições de saúde: perda de apetite, ocorrência de quedas nos últimos doze meses, dificuldades para se alimentar no último ano, comprometimento das funções cognitivas, avaliado pelo MEEM, e fragilidade, considerando-se os cinco critérios propostos por Fried et al.1010. Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, Seeman T, Tracy R, Kop WJ, Burke G, McBurnie MA; Cardiovascular Health Study Collaborative Research Group. Frailty in older adults: evidence for a phenotype. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2001; 56(3):M146-156., por meio dos quais se classificaram os idosos como frágeis (positivos para três ou mais critérios), pré-frágeis (positivos para um ou dois critérios) e não-frágeis (para nenhum critério).
Para as análises deste estudo, foram estimadas as prevalências e respectivos intervalos de confiança de 95%. As associações entre variáveis independentes e o baixo peso foram analisadas pelo teste qui-quadrado com nível de significância de 5%. Também foram produzidas análises de regressão simples e múltipla de Poisson para estimar razões de prevalência brutas e ajustadas. No modelo múltiplo de regressão de Poisson foram inseridas as variáveis que apresentaram nível de significância inferior a 0,20 na análise bivariada, permanecendo no modelo aquelas com p < 0,05.
As análises dos dados foram executadas no programa Stata 12.0 (Stata Corp., College Station, Estados Unidos).
O estudo FIBRA foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas e registrado na Plataforma Brasil.
Resultados
Foram analisados os dados de 3.478 idosos com idade média de 72,9 anos (IC95%: 72,7-73,1), sendo de 73,3 anos (IC95%: 73,0-73,6) para os homens e de 72,8 anos (IC95%: 72,5-73,0) para as mulheres.
A prevalência de baixo peso na população estudada atingiu 12,0%, sendo significativamente mais elevada nos idosos de 80 anos ou mais, nos sem cônjuge e nos que mencionaram rendimento de até um salário mínimo mensal, comparados aos que recebiam mais que três (Tabela 1).
Prevalência e razão de prevalência de baixo peso em idosos de 65 anos ou mais, segundo variáveis sociodemográficas. Ėstudo FIBRA UNICAMP (2008/2009).
A Tabela 2 mostra maiores prevalências de baixo peso nos idosos que referiram presença de asma, nos pertencentes às categorias de ex-fumante e fumante, e nos que não ingeriam bebida alcoólica ou que ingeriam duas ou mais vezes na semana, comparados aos que utilizavam entre um e quatro vezes no mês. Por outro lado, menores prevalências de baixo peso foram verificadas nos indivíduos que relataram ter recebido diagnóstico médico de hipertensão, diabetes, reumatismo, e nos que apresentavam duas ou mais doenças crônicas.
Prevalência e razão de prevalência de baixo peso em idosos de 65 anos ou mais, segundo variáveis de comportamentos relacionados à saúde e morbidades. Estudo FIBRA UNICAMP (2008/2009).
Os idosos que apresentaram perda de apetite e pré-fragilidade ou fragilidade tiveram prevalências mais altas de baixo peso (Tabela 3).
Prevalência e razão de prevalência de baixo peso em idosos de 65 anos ou mais, segundo variáveis de condições de saúde. Estudo FIBRA UNICAMP (2008/2009).
A Tabela 4 demonstra os resultados da análise múltipla de regressão de Poisson. Verificou-se maior razão de prevalência com o baixo peso nas categorias de 80 anos ou mais (RP =1,61), ex-fumante (RP = 2,06) e fumante (RP = 1,32), perda de apetite (RP =1,83) e algum grau de fragilidade (RP = 1,41) quando comparados às respectivas categorias de referência. Os segmentos de idosos hipertensos, diabéticos e portadores de doenças reumáticas apresentaram 43%, 54% e 42%, respectivamente, menores prevalências de baixo peso em relação às categorias de referência.
Modelo múltiplo com regressão de Poisson: variáveis associadas ao baixo peso em idosos de 65 anos ou mais. Estudo FIBRA UNICAMP (2008/2009).
Discussão
Neste estudo, a prevalência de baixo peso teve valor um pouco inferior ao observado em Viçosa/MG (13,6%) em amostra de 621 idosos de 60 anos ou mais1515. Nascimento CM, Ribeiro AQ, Cotta RMM, Acurcio FA, Peixoto SV, Priore SE, Franceschini SCC. Estado nutricional e fatores associados em idosos do Município de Viçosa, Minas Gerais, Brasil. Cad Saude Publica 2011; 27(12):2409-2418.; e em Bambuí/MG (14,4%) em pesquisa que analisou 1.443 indivíduos (≥ 60 anos) utilizando o IMC ≤ 20kg/m2 como critério para a definição de baixo peso1616. Barreto SM, Passos VMA, Lima-Costa MFF. Obesity and underweight among Brazilian elderly. The Bambuí Health and Aging Study. Cad Saude Publica 2003; 19(2):605-612.. Entre idosos longevos (80 anos ou mais), Boscatto et al.1717. Boscatto EC, Duarte MFS, Coqueiro RS, Barbosa AR. Nutritional status in the oldest elderly and associated factors. Rev Assoc Med Bras 2013; 59(1):40-47. encontraram prevalência de 18,8% em Antônio Carlos/SC. Em idosos institucionalizados, as estimativas são ainda mais elevadas, alcançando 58,8%, em Uberlândia/MG44. Sousa KT, Mesquita LAS, Pereira LA, Azeredo CM. Baixo peso e dependência funcional em idosos institucionalizados de Uberlândia (MG), Brasil. Cien Saude Colet 2014; 19(8):3513-3520., e 53,1%, em Fortaleza/CE1818. Menezes TN, Marucci MFN. Avaliação antropométrica de idosos residentes em Instituições deLonga Permanência de Fortaleza-CE. Rev Bras Geriatr Gerontol 2010; 13(2):235-243..
Não foi observada diferença estatisticamente significativa entre baixo peso e sexo, contradizendo os achados de outras pesquisas que apontam maior ocorrência no sexo masculino1515. Nascimento CM, Ribeiro AQ, Cotta RMM, Acurcio FA, Peixoto SV, Priore SE, Franceschini SCC. Estado nutricional e fatores associados em idosos do Município de Viçosa, Minas Gerais, Brasil. Cad Saude Publica 2011; 27(12):2409-2418.,1616. Barreto SM, Passos VMA, Lima-Costa MFF. Obesity and underweight among Brazilian elderly. The Bambuí Health and Aging Study. Cad Saude Publica 2003; 19(2):605-612..
A prevalência de baixo peso foi mais alta nos idosos de 80 anos ou mais (18,2%), do que entre os de 65 a 69 anos (10,7%). Os grupos de idosos mais velhos tendem a apresentar maiores taxas de baixo peso do que os de idosos jovens, conforme verificado em outros estudos1616. Barreto SM, Passos VMA, Lima-Costa MFF. Obesity and underweight among Brazilian elderly. The Bambuí Health and Aging Study. Cad Saude Publica 2003; 19(2):605-612.,1717. Boscatto EC, Duarte MFS, Coqueiro RS, Barbosa AR. Nutritional status in the oldest elderly and associated factors. Rev Assoc Med Bras 2013; 59(1):40-47.,1919. St-Onge MP, Gallagher D. Body composition changes with aging: The cause or the result of alterations in metabolic rate and macronutrient oxidation? Nutrition 2010; 26(2):152-155.. Segundo Villareal et al.2020. Villareal DT, Apovian CM, Kushner RF, Klein S. Obesity in older adults: technical review and position statement of the American Society for Nutrition and NAASO, The Obesity Society. Am J Clin Nutr 2005; 82(5):923-934., a constatação de que o peso tende a diminuir após os 60 anos pode decorrer de viés de sobrevivência, já que resultados de estudos longitudinais não indicam alteração significativa no peso.
Comparados aos que nunca fumaram, os fumantes (RP = 1,32) e os ex-fumantes (RP = 2,06) apresentaram maiores proporções de baixo peso, replicando os dados de Barreto et al.1616. Barreto SM, Passos VMA, Lima-Costa MFF. Obesity and underweight among Brazilian elderly. The Bambuí Health and Aging Study. Cad Saude Publica 2003; 19(2):605-612.. No Inquérito de Saúde no Estado de São Paulo (ISA-SP), Zaitune et al.2121. Zaitune MPA, Barros MBA, Lima MG, César CLG, Carandina L, Goldbaum M, Alves MCGP. Fatores associados ao tabagismo em idosos: Inquérito de Saúde no Estado de São Paulo (ISA-SP). Cad Saude Publica 2012; 28(3):583-595. observaram prevalência elevada de fumantes (RP = 1,91; IC95%: 1,42-2,57) entre os idosos com baixo peso. Pesquisa de coorte realizada com 70.394 chineses adultos e idosos, verificou nos tabagistas probabilidade 2,7% maior de apresentarem baixo peso comparados aos não tabagistas2222. Wang Q. Smoking and body weight: evidence from China health and nutrition survey. BMC Public Health 2015; 15:1238.. A relação entre tabagismo e baixo peso tem sido atribuída à nicotina, por desencadear aumento da atividade adrenérgica e dos níveis cerebrais de neurotransmissores anorexígenos, como a serotonina e dopamina, que atuam na regulação do apetite2323. Koopmann A, Bez J, Lemenager T, Hermann D, Dinter C, Reinhard I, Hoffmann H, Wiedemann K, Winterer G, Kiefer F. Effects of Cigarette Smoking on Plasma Concentration of the Appetite-Regulating Peptide Ghrelin. Ann Nutr Metab 2015; 66(2-3):155-161.,2424. Klein LC, Corwin EJ, Ceballos RM. Leptin, hunger, and body weight: influence of gender, tobacco smoking, and smoking abstinence. Addict Behav 2004; 29(5):921-927..
O baixo peso mostrou-se superior nos indivíduos que relataram redução do apetite. Diversos fatores interferem na ingestão alimentar e no estado nutricional dos idosos, incluindo a anorexia fisiológica do envelhecimento, provocada pela elevação plasmática do hormônio colecistoquinina, que regula a saciedade2525. Landi F, Calvani R, Tosato M, Martone AM, Ortolani E, Savera G, Sisto A, Marzetti E. Anorexia of Aging: Risk Factors, Consequences, and Potential Treatments. Nutrients 2016; 8(2):1-10.; alterações sensoriais, perda de dentes, isolamento social, depressão e baixo nível socioeconômico são condições que afetam a autonomia dos indivíduos para selecionar e preparar os alimentos, limitando o repertório alimentar e o interesse pela comida66. Stajkovic S, Aitken EM, Holroyd-Leduc J. Unintentional weight loss in older adults. CMAJ 2011; 183(4):443-449.,2626. Clifford J, Bellows L. Nutrition and Aging. Colorado State University. Fact Sheet n° 9.322. Disponível em: http://extension.colostate.edu/docs/pubs/foodnut/09322.pdf.
http://extension.colostate.edu/docs/pubs... . A falta de apetite associada à monotonia alimentar pode gerar deficiências de nutrientes essenciais à saúde dos idosos, tais como o zinco que, juntamente com outras vitaminas e compostos fitoquímicos, atua na cicatrização de feridas, na prevenção da degeneração macular e na melhora da percepção de sabores33. Brownie S. Why are elderly individuals at risk of nutritional deficiency? Int J Nurs Pract 2006; 12(2):110-118.,2626. Clifford J, Bellows L. Nutrition and Aging. Colorado State University. Fact Sheet n° 9.322. Disponível em: http://extension.colostate.edu/docs/pubs/foodnut/09322.pdf.
http://extension.colostate.edu/docs/pubs... . Dados do Inquérito Nacional de Alimentação, conduzido em 2008-2009 com 4.322 idosos (≥ 60 anos), revelaram elevadas prevalências de inadequação de cálcio, magnésio e vitaminas A, C, D e E2727. Fisberg RM, Marchioni DML, Castro MA, Verly Junior E, Araujo MC, Bezerra IN, Pereira RA, Sichieri R. Ingestão inadequada de nutrientes na população de idosos do Brasil: Inquérito Nacional de Alimentação 2008-2009. Rev Saude Publica 2013; 47(Supl. 1):222-230..
Nesta pesquisa, os idosos classificados como frágeis ou pré-frágeis apresentaram maior ocorrência de baixo peso do que os não-frágeis. Analisando 3.075 participantes do estudo FIBRA, Moretto et al.2828. Moretto MC, Alves RMA, Neri AL, Guariento ME. Relação entre estado nutricional e fragilidade em idosos brasileiros. Rev Bras Clin Med 2012; 10(4):267-271. observaram um valor médio de IMC significativamente menor nos idosos frágeis do que nos não-frágeis. A fragilidade é uma síndrome clínica associada ao envelhecimento fisiológico normal e agravada pelos danos acumulados ao longo da vida2929. Neri AL. Palavras-chave em Gerontologia. Brasília: Ed. Alínea; 2014.. Neste estudo, se destaca como variável antecedente à perda de peso e ao baixo status nutricional.
Menores prevalências de baixo peso foram identificadas nos idosos que referiram hipertensão, diabetes e doenças reumáticas. Dados da coorte de idosos de Bambuí/MG revelam menores prevalências de baixo peso entre os idosos diagnosticados com hipertensão e diabetes1616. Barreto SM, Passos VMA, Lima-Costa MFF. Obesity and underweight among Brazilian elderly. The Bambuí Health and Aging Study. Cad Saude Publica 2003; 19(2):605-612.. O excesso de peso e a obesidade, em todas as faixas etárias, levam ao aumento da morbimortalidade por doenças crônicas, entre elas a hipertensão arterial sistêmica e outras doenças cardiovasculares, diabetes mellitus, certos tipos de neoplasia, síndrome de apneia/hipopneia do sono e osteoartrite3030. World Health Organization (WHO). Global status report on noncommunicable diseases 2010. Geneva: WHO; 2011.,3131. World Health Organization (WHO). The challenge of obesity in the WHO European Region and the strategies for response. Copenhagen: WHO; 2007.. Sabe-se que o envelhecimento determina diversas modificações na composição corporal e se associa ao aumento da massa gordurosa e a mudanças no seu padrão de distribuição11. Gaddey HL, Holder K. Unintentional weight loss in older adults. Am Fam Physician 2014; 89(9):718-722.. Um quadro preocupante é o desenvolvimento da obesidade sarcopênica, caracterizada pela coexistência de excesso de gordura e de redução da massa magra3232. Li Z, Heber D. Sarcopenic obesity in the elderly and strategies for weight management. Nutr Rev 2012; 70(1):57-64..
Recomendar a perda de peso em idosos não é tarefa simples, pois deve ser mantida uma alimentação de elevada densidade nutricional e adequada densidade energética, associada à prática de atividade física regular2626. Clifford J, Bellows L. Nutrition and Aging. Colorado State University. Fact Sheet n° 9.322. Disponível em: http://extension.colostate.edu/docs/pubs/foodnut/09322.pdf.
http://extension.colostate.edu/docs/pubs... . As modificações no estilo de vida, principalmente nesta fase da vida, exigem grande motivação dos idosos e dos profissionais de saúde. É necessário que os serviços de saúde tenham capacidade de apoiar esse processo de mudança com orientações práticas sobre como enfrentar as dificuldades encontradas no cotidiano. A educação em saúde, prática que visa a transformação dos modos de vida dos indivíduos, pode ser aplicada nas estratégias de promoção do envelhecimento saudável trazendo resultados relevantes à saúde dos idosos3333. Mallmann DG, Galindo Neto NM, Sousa JC, Vasconcelos EMR. Educação em saúde como principal alternativa para promover a saúde do idoso. Cien Saude Colet 2015; 20(6):1763-1772..
Os idosos apresentam diversas alterações fisiológicas naturais do processo de envelhecimento, que os tornam suscetíveis ao desenvolvimento de distúrbios nutricionais que podem afetar o seu estado de saúde3434. Cortez ACL, Carvalho e Martins MC. Indicadores antropométricos do estado nutricional em idosos: revisão sistemática. Ciênc Ciênc Biol Saúde 2012; 14(4):271-277.. O contexto de vida em que se insere a maioria dos idosos brasileiros, sujeitos aos efeitos cumulativos acarretados pelo baixo nível econômico, baixa escolaridade e ausência de suporte social, exige a incorporação de uma abordagem de cuidado ampliado. A alimentação tem papel importante neste processo, principalmente, na etiologia de doenças associadas à idade, ao declínio funcional e ao surgimento de deficiências3535. Inzitari M, Doets E, Bartali B, Benetou V, DiBari M, Visser M, Volpato S, Gambassi G, Topinkova E, De Groot L, Salva A; International Association Of Gerontology And Geriatrics (IAGG) Task Force For Nutrition In The Elderly. Nutrition in the age-related disablement process. J Nutr Health Aging 2011; 15(8):599-604..
Avaliações do estado nutricional, do comportamento alimentar e das condições sociais em que os idosos estão inseridos, considerando a complexa rede de determinantes diretos e indiretos do envelhecimento e da saúde na velhice podem subsidiar ações favoráveis à melhoria da qualidade de vida e à promoção do envelhecimento saudável.
Agradecimentos
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico pelo financiamento da pesquisa. À CAPES pela bolsa de pós-doutorado concedida a D Assumpção e FSA Borim.
Referências
- 1Gaddey HL, Holder K. Unintentional weight loss in older adults. Am Fam Physician 2014; 89(9):718-722.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Abr 2018
Histórico
- Recebido
05 Abr 2016 - Revisado
04 Jul 2016 - Aceito
06 Jul 2016