Fatores associados às infecções sexualmente transmissíveis: inquérito populacional no município de São Paulo, Brasil

Valdir Monteiro Pinto Caritas Relva Basso Claudia Renata dos Santos Barros Eliana Battaggia Gutierrez Sobre os autores

Resumo

Descrevemos a frequência de infecções sexualmente transmissíveis (IST), os fatores associados e as orientações recebidas dos profissionais de saúde entre homens e mulheres no município de São Paulo. Estudo de corte transversal, com inquérito populacional, com indivíduos de 15 a 64 anos residentes em São Paulo. De 4057 indivíduos que iniciaram a vida sexual, 6,3% relataram IST durante a vida, 4,3% das mulheres e 8,2% dos homens. As IST mostraram associação, entre os homens, com: idade > 34 anos, não uso de preservativo na primeira relação sexual; e entre as mulheres idade > 25 anos. Mostraram-se fatores de proteção, entre os homens: não ter tido relações sexuais com pessoa do mesmo sexo; e entre as mulheres: início sexual > 15 anos de idade e não ter tido parceria casual no último ano. Quanto às orientações, 72,1% e 64,7% das mulheres as receberam sobre a importância de realizar testes para HIV e sífilis, respectivamente, enquanto foram ofertadas para menos da metade dos homens (40,2% e 38,6%). A elevada proporção de antecedentes de IST entre a população do município e os resultados deste estudo possibilitaram a construção, implementação e avaliação de políticas públicas de saúde para o enfrentamento das IST incluindo o HIV, com diminuição de barreiras de acesso aos preservativos e criação de um app para prevenção.

DST; Prevenção; HIV

Introdução

As Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) são problemas de Saúde Pública, devido à sua magnitude e dificuldade de acesso ao tratamento adequado. Em 2012 a incidência global foi estimada em 357,4 milhões de casos novos de IST curáveis no mundo, na faixa etária de 15 a 49 anos, a maioria deles em países em desenvolvimento11. Newman L, Rowley J, Hoorn SV, Wijesooriya NS, Unemo M, Low N, Stevens G, Gottlieb S, Kiarie J, Temmerman M. Global estimates of the prevalence and incidence of four curable sexually transmitted infections in 2012 based on systematic review and global reporting. PLoS ONE 2015; 10(12):e0143304..

Nestes países as IST estão entre as 10 causas mais frequentes de procura por serviços de saúde, com consequências de natureza sanitária, social e econômica22. World Health Organization (WHO). Global Strategy for Intervention and Control of Sexually Transmitted Infections: 2006-2015. Geneva: WHO; 2007.. A falta de acesso a serviços de saúde efetivos e confiáveis se refletem no aumento das IST em muitos países33. Dallabetta GA, Gerbase AC, Holmes KK. Problems, solutions, and challenges in syndromic management of sexually transmitted diseases. Sex Transm Infect 1998; 74(Supl. 1):S1-11. e essas infecções podem representar até 17% de perdas econômicas, causadas pelo binômio saúde-doença44. Mayaud P, Mabey D. Approaches to the control of sexually transmitted infections in developing countries: old problems and modern challenges. Sexually Transmitted Infections 2004; 80(3):174-182.,55. Blandford JM, Gift TL. Productivity losses attributable to untreated chlamydial infection and associated pelvic inflammatory disease in reproductive-aged women. Sex Transm Dis 2006; 33(10 Supl.):S117-S121..

O tratamento inadequado das IST ou o não tratamento pode resultar em complicações como a doença inflamatória pélvica (DIP), gravidez ectópica, infertilidade masculina e feminina, cânceres66. Syrjänen K. New concepts on risk factors of HPV and novel screening strategies for cervical cancer precursors. Eur J Gynaecol Oncol 2008; 29(3):205-221.

7. Cox JT. The development of cervical cancer and its precursors: what is the role of human papillomavirus infection? Curr Opin Obst Gynecol 2006; 18(Supl. 1):S5-S13.
-88. Instituto Nacional de Câncer (INCA). Estimativa 2014: Incidência do Câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA; 2014., abortos, prematuridade, natimortos, mortalidade neonatal e infecções congênitas22. World Health Organization (WHO). Global Strategy for Intervention and Control of Sexually Transmitted Infections: 2006-2015. Geneva: WHO; 2007., além de aumentar o risco de transmissão do HIV99. Wasserheit JN. Epidemiological synergy: Interrelationships between human immunodeficiency virus infection and other sexually transmitted diseases. Sex Transm Dis 1992; 19(2):61-77.,1010. Dickerson MC, Johnston J, Delea TE, White A, Andrews E. The causal role for genital ulcer disease as a risk factor for transmission of human immunodeficiency virus: An application of the Bradford Hill criteria. Sex Transm Dis 1996; 23(5):429-440..

No Brasil, a verdadeira situação epidemiológica dessas doenças e de suas complicações não são bem conhecidas, devido ao fato da maioria das IST não ser de notificação compulsória, além da escassez de estudos sentinelas e de base populacional.

O município de São Paulo conta com cerca de 12 milhões de habitantes, sendo que, destes, 52,5% são mulheres1111. São Paulo. SEADE - Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados. Projeção de população residente em 1º de julho, São Paulo – 2014. [acessado 2014 Nov 11]. Disponível em: http://produtos.seade.gov.br/produtos/projpop/index.php?pes=3
http://produtos.seade.gov.br/produtos/pr...
. Ainda hoje há lacunas na estimativa da magnitude das IST entre homens e mulheres residentes neste município.

Este estudo teve como objetivo descrever a frequência de IST entre a população de 15 a 64 anos, residente no município de São Paulo, identificar os fatores associados e as orientações recebidas por ocasião de seu tratamento.

Metodologia

Este estudo de corte transversal é parte do inquérito populacional intitulado “Pesquisa sobre Conhecimento, Atitudes e Práticas dos indivíduos de 15 a 64 anos residentes no município de São Paulo”, que objetivou avaliar o conhecimento, as atitudes e as práticas relacionadas às IST, HIV e Hepatites virais entre a população residente no município. A coleta de dados foi realizada entre novembro de 2013 e janeiro de 2014.

No cálculo para o tamanho da amostra foi utilizado como parâmetro a proporção de 20% de uso regular de preservativo com parceria fixa do PCAP de 2008 com intervalo de confiança de 95%, efeito do desenho para conglomerado de 1,8 e erro de 0,05. O tamanho mínimo da amostra foi de 443 entrevistas para cada domínio. Acrescido de 20% que refere-se ao valor aceitável para perda amostral, assim resultou em uma amostra total de 530 para os domínios sexo e idade.

A amostra por conglomerado foi selecionada em dois estágios e baseada nos setores censitários do Censo de 2010. Os domínios para o planejamento da amostra foram as cinco Coordenadorias Regionais de Saúde (CRS) do município (Centro-Oeste, Sudeste, Sul, Leste e Norte), o sexo e a faixa etária da população residente na região urbana de São Paulo.

Foram sorteados como unidades primárias da amostragem 80 Setores Censitários, por meio de processo de amostragem sistemática, ou seja, o critério de probabilidade aleatório é aplicado à primeira unidade e às demais a cada k intervalo sistemático definido pela razão entre o tamanho da população e da amostra. Também o sorteio dos respectivos setores foi proporcional ao tamanho populacional de cada região administrativa (Centro-Oeste, Sudeste, Sul, Leste e Norte) do município. Destacamos que o total de setores selecionados compreendeu a diversidade entre as regiões administrativas.

A seleção dos domicílios e do morador do domicílio em cada setor respeitou o preenchimento das cotas, compostas por três variáveis: sexo; faixa etária; e situação conjugal. Assim, em cada setor, foi entrevistado um indivíduo em cada composição, totalizando a amostra de 4318 entrevistas.

Coleta de dados

Para a coleta de dados foram utilizados dois instrumentos: entrevista face a face, que compreendeu a caracterização sociodemográfica, conhecimento sobre doenças infectocontagiosas, infecções sexualmente transmissíveis, realização de testagem para HIV e hepatites, discriminação e acesso a preservativos. O outro instrumento, utilizado para questões e temas com potencial de causar constrangimento, inibição, recusa ou falseamento nas informações (comportamento sexual e uso de drogas e de álcool), foi de autopreenchimento.

As entrevistas, realizadas por entrevistadores do mesmo sexo dos entrevistados, foram feitas utilizando Tablets. Para as pessoas não alfabetizadas foi adotada a opção de áudio, no momento do autopreenchimento. Importante ressaltar que nestes casos específicos foram garantidos o sigilo e a privacidade para realização das respostas.

Neste estudo sobre IST foram analisadas as informações de 4057 homens e mulheres que iniciaram a vida sexual, 93,9% da amostra total.

As variáveis independentes foram: as características sociodemográficas – a idade, categorizada em “15 a 24”, “25 a 34”, “35 a 49” e “50 a 64”; – a escolaridade (“até fundamental”, “médio completo e incompleto” e “superior completo e incompleto”); – a raça/cor (autorreferida), conforme classificação IBGE; – a situação conjugal (viver ou não com companheiro(a); a classificação econômica, para a qual foi utilizada a classificação Brasil e agrupada em “A/B”, “C” e “D/E”; e as comportamentais: a idade da primeira relação sexual, o uso de preservativo no primeiro intercurso sexual e ter tido relação sexual com pessoa do mesmo sexo alguma vez na vida.

A variável dependente foi a ocorrência de alguma IST na vida: corrimento uretral (somente para os homens), feridas, bolhas, verrugas (para homens e mulheres). Queixas de corrimentos vaginais não foram incluídas no questionário porque geralmente não se devem a IST.

Análises

As variáveis foram descritas por meio de frequências e proporções. Os testes de hipótese utilizados foram o Qui-quadrado de Pearson e o Exato de Fisher. Para a análise dos fatores associados foi utilizado o modelo de regressão logística. Foram incluídas no modelo múltiplo as variáveis que apresentaram o valor de p < 0,20 na análise bivariada.

A inclusão das variáveis no modelo múltiplo respeitou a ordem crescente do nível de significância e foram mantidas no modelo final aquelas que apresentaram valor de p < 0,05 ou as que ajustaram em pelo menos 10% alguma outra variável.

Todas as análises foram realizadas por meio do pacote estatístico STATA 10.0 e o nível de significância adotado foi de 5%.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo.

Resultados

Entre todos os indivíduos que iniciaram a vida sexual (n = 4057), 6,3% (255) declararam ter tido pelo menos um episódio de IST durante a vida, 4,3% das mulheres e 8,2% dos homens, conforme Tabela 1.

Tabela 1
Distribuição percentual (%) de indivíduos que iniciaram vida sexual, segundo antecedentes de IST alguma vez na vida, por sexo. São Paulo, 2014.

Antecedente de corrimento uretral foi relatado por 5,5% dos homens; feridas nos genitais por 2,2% dos homens e 2,8% das mulheres, verrugas, em 0,8% dos homens e 1,3% das mulheres, e bolhas, em 1,8% dos homens e 0,8% das mulheres (Tabela 1).

Entre os homens, houve predomínio da cor de pele branca (45,5%), 52,5% tinham idade superior a 34 anos e aproximadamente 46% dos entrevistados alcançaram 11 anos de estudo. Mais da metade dos homens (52,4%) viviam com companheira(o), conforme Tabela 2. Na análise bivariada das características sociodemográficas, foi observado associação positiva com IST a idade superior a 34 anos. Ter alcançado nove ou mais anos de estudo apresentou associação negativa com IST na vida (Tabela 2).

Tabela 2
Características sociodemográficas e comportamentais de homens e fatores associados com IST. Município de São Paulo, 2014. (N = 2044)

Em relação ao comportamento sexual, a maioria dos homens teve iniciação sexual antes dos 15 anos (52,7%) e 58,8% deles não usaram preservativo na primeira relação sexual. Mais de um terço deles (39,0%) tiveram parceria casual no último ano e 8,6% já mantiveram relações sexuais com outros homens. Na análise bivariada das características comportamentais verificou-se que a falta de uso de preservativo na primeira relação sexual foi associada positivamente com IST, enquanto não ter tido relação sexual com pessoa do mesmo sexo foi associado negativamente com IST (Tabela 2).

Entre as mulheres, as características sociodemográficas foram semelhantes às observadas entre os homens, com predominância da cor de pele branca (53,5%), 43,7% tinham de 9 a 11 anos de estudo e mais da metade vivia com companheiro (53,5%), conforme Tabela 3. Na análise bivariada, verificou-se associação positiva com IST e idade superior a 25 anos (Tabela 3).

Tabela 3
Características sociodemográficas e comportamentais de mulheres e fatores associados com IST. Município de São Paulo, 2014. (N = 2013)

Mais de três quartos das mulheres (77,8%) iniciaram a vida sexual após os 15 anos, 62,4% não usaram preservativo na primeira relação sexual e 17,4% relataram que não mantiveram relações sexuais com parceiro casual no último ano. Na análise bivariada foi observado que ter iniciado a vida sexual após os 15 anos e não ter tido parceria sexual casual no último ano foram associadas negativamente com IST, entre as mulheres (Tabela 3).

O modelo final de regressão logística mostrou associação positiva com IST entre os homens, as seguintes variáveis: idade superior de 34 anos [ORaj = 2,51 (IC95%: 1,5-4,0)] e não usar preservativo na primeira relação sexual [ORaj = 2,45 (IC95%: 1,6-3,8)]. Por outro lado, mostrou-se como fator de proteção não ter relação sexual com pessoa do mesmo sexo [ORaj = 0,46 (IC95%: 0,3-0,8)] (Tabela 4).

Tabela 4
Análise multivariada dos fatores associados com IST entre homens e mulheres. Município de São Paulo, 2014.

Entre as mulheres mostrou associação positiva com as IST: idades maiores de 34 anos [ORaj = 4,41 (IC95%: 2,1-9,1)] e de 25 a 34 anos [ORaj = 2,86 (IC95%: 1,4-6,1)], enquanto mostraram-se como fatores de proteção: ter iniciado a vida sexual após os 15 anos [ORaj = 0,46 (IC95%: 0,3-0,7)] e não ter tido parceiro casual no último ano [ORaj = 0,43 (IC95%: 0,3-0,7)] (Tabela 4).

Quando acometidos por IST, 72,1% e 64,7% das mulheres receberam orientações sobre a importância de realizar testes para HIV e sífilis, respectivamente; porém estas orientações foram ofertadas para apenas 40,2% e 38,6% dos homens. (Tabela 5)

Tabela 5
Número (n) e percentual (%) de orientações recebidas por homens e mulheres que tiveram pelo menos um antecedente de IST e buscaram tratamento, segundo faixa etária. São Paulo. 2014.

Os percentuais de pessoas informadas sobre a importância de usar preservativos e de notificar suas parcerias sexuais alcançaram a totalidade para a faixa etária de 15 a 24 anos entre as mulheres e 90% entre os homens. Esses percentuais decresceram conforme aumentaram as idades e menos da metade dos homens (44,2%), na faixa de 50 a 64 anos, foi informado da importância do seu uso, conforme Tabela 5.

Metade da população feminina mais velha (50 a 64 anos) com IST não recebeu informações sobre a importância de se testar para HIV e para sífilis, assim como 70% e 80% dos homens mais jovens (15 a 24 anos), que não foram orientados a fazer testes para HIV e sífilis, respectivamente (Tabela 5).

A orientação para realizar teste para HIV variou geograficamente: entre as mulheres, os maiores percentuais foram observados nas regiões Centro-Oeste e Norte, (90,0% e 84,2%), sendo que a menor proporção foi na região Leste (41,2%) enquanto para a população masculina o maior percentual foi de 52,9% na região Norte (dados não apresentados na tabela).

Discussão

A prevalência das IST é de difícil estimativa e conhecimento, seja em nível global ou regional, devido à fragilidade e inadequação dos sistemas de vigilância. Entretanto, são conhecidos os seus impactos, tanto do ponto de vista socioeconômico quanto para a saúde sexual e reprodutiva.22. World Health Organization (WHO). Global Strategy for Intervention and Control of Sexually Transmitted Infections: 2006-2015. Geneva: WHO; 2007.,44. Mayaud P, Mabey D. Approaches to the control of sexually transmitted infections in developing countries: old problems and modern challenges. Sexually Transmitted Infections 2004; 80(3):174-182.,55. Blandford JM, Gift TL. Productivity losses attributable to untreated chlamydial infection and associated pelvic inflammatory disease in reproductive-aged women. Sex Transm Dis 2006; 33(10 Supl.):S117-S121.

A Organização Mundial da Saúde, devido à transcendência das IST, apresenta, periodicamente, estimativas da magnitude destas infecções no mundo, para subsidiar a implementação de políticas públicas para seu controle1212. World Health Organization (WHO). Global incidence and prevalence of selected curable sexually transmitted infections – 2008. Geneva: WHO; 2012..

O exposto acima reforça a importância de inquéritos domiciliares, como o presente estudo, que possibilitou estimar a prevalência de 6,3% de antecedentes de IST para o município.

No Brasil, o Departamento Nacional de DST, AIDS e Hepatites Virais (DDAHV), bem como os Programas Estaduais e Municipais de DST/AIDS, vêm envidando esforços para ampliar o acesso universal e gratuito aos preservativos, para aumentar a prática de sexo protegido, estratégia destinada a reduzir a ocorrência de infecções sexualmente transmissíveis, inclusive o HIV.

Outra importante estratégia de prevenção para todas as IST é a divulgação sobre as formas de transmissão, os sinais e os sintomas de IST1313. Alves RN, Kovacs MJ, Stall R, Paiva V. Fatores psicossociais e a infecção por HIV em mulheres, Maringá, PR. Rev Saude Publica 2002; 36(Supl. 4):32-39., com o objetivo de aumentar o conhecimento da população e orientar a busca precoce por assistência. Estudo nacional mostrou que, para a maioria dos jovens, a escola seria a instituição preferencial para receber informações sobre IST1414. Miranda AE, Ribeiro D, Rezende EF, Pereira GFM, Pinto VM, Saraceni V. Associação de conhecimento sobre DST e grau de escolaridade entre conscritos em alistamento ao exército brasileiro, Brasil, 2007. Cien Saude Colet 2013; 18(2):489-497.; outro estudo concluiu que os conteúdos sobre IST/aids nas grades de emissoras de televisão e nas revistas são insignificantes1515. Mello GR, Castro G, Reggiani C, Carvalho NS. Erotismo e prevenção de DST/Aids entre adolescentes. Como atuam os meios de comunicação? DST – J bras Doenças Sex Transm 2005; 17(2):99-106. e, finalmente, muitos jovens, apesar de receber informações, ainda falham em adotar medidas de proteção contra as IST1616. Miranda AE, Gadelha AMJ, Szwarcwald CL. Padrão de comportamento relacionado às práticas sexuais e ao uso de drogas de adolescentes do sexo feminino residentes em Vitória, Espírito Santo, Brasil, 2002. Cad Saude Publica 2005; 21(1):207-216.,1717. Thiengo MA, Oliveira DC, Rodrigues BMRD. Representações sociais do HIV/AIDS entre adolescentes: implicações para os cuidados de enfermagem. Rev Esc Enferm USP 2005; 39(1):68-76..

Nosso estudo aponta que uma proporção importante da população já apresentou sinais e sintomas de IST, e mostrou o início sexual mais tardio como fator protetor em relação ao agravo, em concordância com a bibliografia, que mostra que o início precoce da atividade sexual está associado com IST1818. Carret MLV, Fassa AG, Silveira DS, Bertoldi AD, Hallal PC. Sintomas de doenças sexualmente transmissíveis em adultos: prevalência e fatores de risco. Rev Saude Publica 2004; 38(1):76-84..

O inicio sexual precoce torna as pessoas mais susceptíveis às IST, tanto pela busca de novas experiências que podem levar a práticas sexuais de maior risco, como pela maior dificuldade de negociação do uso de preservativo, o que caracteriza o sentimento de invulnerabilidade dos mais jovens1616. Miranda AE, Gadelha AMJ, Szwarcwald CL. Padrão de comportamento relacionado às práticas sexuais e ao uso de drogas de adolescentes do sexo feminino residentes em Vitória, Espírito Santo, Brasil, 2002. Cad Saude Publica 2005; 21(1):207-216..

Viver com companheiro e a escolaridade não se mostraram como fator protetor para IST. Pessoas que vivem com companheiro, em geral, não têm autopercepção de vulnerabilidade para IST e, por consequência, podem deixar de se proteger adequadamente e esta avaliação equivocada, da ausência de risco, pode ser compartilhada também pelos profissionais de saúde. Embora em nosso estudo a escolaridade não tenha sido associada às IST, na literatura há descrição de associação entre menor escolaridade e início sexual precoce1414. Miranda AE, Ribeiro D, Rezende EF, Pereira GFM, Pinto VM, Saraceni V. Associação de conhecimento sobre DST e grau de escolaridade entre conscritos em alistamento ao exército brasileiro, Brasil, 2007. Cien Saude Colet 2013; 18(2):489-497., ambos os fatores extremamente relevantes para o estabelecimento de políticas de prevenção.

As IST não fazem parte do cotidiano dos jovens, que frequentemente não estão atentos ao risco de infecção e não adotam medidas protetoras; particularmente as mulheres casadas têm baixa percepção de vulnerabilidade1313. Alves RN, Kovacs MJ, Stall R, Paiva V. Fatores psicossociais e a infecção por HIV em mulheres, Maringá, PR. Rev Saude Publica 2002; 36(Supl. 4):32-39.,1919. Nascimento AMG, Barbosa CS, Medrado B. Mulheres em Camaragibe: representação social sobre vulnerabilidade feminina em tempos de AIDS. Rev Bras Saúde Mater Infant 2005; 5(1):1-15. e, portanto, se acometidas por uma IST, a falta de diagnóstico precoce impede que o tratamento seja iniciado, contribuindo para as complicações advindas do agravo, além de perpetuar a transmissão da infecção2020. Vickerman P, Watts C, Alary M, Mabey D, Peeling RW. Sensitivity requirements for the point of care diagnosis of Chlamydia trachomatis and Neisseria gonorrhoeae in women. Sex Transm Infect 2003; 79(5):363-367..

Outro importante achado em nosso estudo refere-se à maior prevalência e associação das IST entre os homens que fazem sexo com homens (HSH), em consonância com estudo conduzido no Brasil1919. Nascimento AMG, Barbosa CS, Medrado B. Mulheres em Camaragibe: representação social sobre vulnerabilidade feminina em tempos de AIDS. Rev Bras Saúde Mater Infant 2005; 5(1):1-15. e outro na Austrália2121. Fernandes AMS, Antonio DG, Bahamondes LG, Cupertino CV. Conhecimento, atitudes e práticas de mulheres brasileiras atendidas pela rede básica de saúde com relação às doenças de transmissão sexual. Cad Saude Publica 2000; 16(Supl. 1):103-112., o qual demonstrou aumento de IST entre HSH no período de 2007 a 2013. Isto pode ser devido a certos comportamentos como o não uso regular de preservativos e a prática do sexo anal aumentando o risco de DST, além da homofobia, estigma e discriminação que podem influenciar negativamente a saúde de HSH2222. Centers for Disease Control and Prevention. CDC Fact sheet: Reported STDs in the United States 2014 - National Data for Chlamydia, Gonorrhea, and Syphilis. Summary of trends and highlights of data from the 2014 annual report. [acessado 2014 Nov 11]. Disponível em: http://www.cdc.gov/std/stats14/std-trends-508.pdf.
http://www.cdc.gov/std/stats14/std-trend...
.

As IST são afecções que demandam ações, principalmente, de baixa complexidade tecnológica, porém ainda há dificuldade de integrar as ações de vigilância com a assistência. Uma vez que o sistema de saúde no Brasil assegura acesso universal e equitativo, é inaceitável que pessoas com IST não recebam diagnóstico precoce e tratamento oportuno com orientações completas. Em uma metrópole, cosmopolita, como São Paulo1111. São Paulo. SEADE - Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados. Projeção de população residente em 1º de julho, São Paulo – 2014. [acessado 2014 Nov 11]. Disponível em: http://produtos.seade.gov.br/produtos/projpop/index.php?pes=3
http://produtos.seade.gov.br/produtos/pr...
, deve haver ampla acessibilidade aos serviços de saúde para diagnóstico e tratamento precoce, evitando complicações devidas a esses agravos, bem como a infecção pelo HIV.

Outra questão importante refere-se à falta de orientações para as pessoas que buscaram tratamento de IST, lacuna que já fora apontada por estudo realizado em Campinas2323. Chow EPF, Tomnay J, Fehler G, Whiley D, Read TRH, Denham I, Bradshaw CS, Chen MY, Fairley CK. Substantial Increases in Chlamydia and Gonorrhea Positivity Unexplained by Changes in Individual-Level Sexual Behaviors Among Men Who Have Sex With Men in an Australian Sexual Health Service From 2007 to 2013. Sex Transm Dis 2015; 42(2):81-87. com mulheres atendidas na rede básica de saúde e pelo Ministério da Saúde2424. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Pesquisa de conhecimentos atitudes e práticas da população brasileira. Brasília: MS; 2011. (Serie G. Estatística e Informação em Saúde).. Esta situação demonstra que existe discrepância entre as orientações preconizadas pelas normas editadas pelo Ministério da Saúde e a prática nos serviços de saúde. Fato que pode ser explicado por desconhecimento ou pelo não cumprimento do protocolo estabelecido para o manejo das IST por profissionais de saúde no município de São Paulo2525. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Manual de Controle das Doenças Sexualmente Transmissíveis. Brasília: MS; 2006..

Particularmente, as menores proporções de informações sobre comunicar parceiros sexuais ou usar preservativos para as pessoas mais velhas podem ser decorrência de pré-julgamento, despreparo ou desconforto dos profissionais no manejo de IST em pessoas com maiores idades.

As diferenças observadas em relação à qualidade das orientações prestadas às pessoas que buscaram atendimento são reforçadas pela análise segundo a região de moradia, o que indica a diversidade social e de necessidades de saúde dentro de um município com a dimensão de São Paulo. Estas diferenças regionais apontam a necessidade de educação permanente para os profissionais de saúde, considerando as particularidades e as diferentes situações de vulnerabilidade das pessoas acometidas por IST e pelo HIV, com vistas à melhoria da saúde sexual e reprodutiva da população paulistana.

Uma das limitações deste estudo é a obtenção de dados por inquéritos com base em comportamentos relacionados à vida íntima das pessoas, que pode ser suscetível ao viés de memória, além de possíveis adequações de respostas social e politicamente aceitas, o que pode subestimar a prevalência de antecedentes de IST. Porém, o uso de dispositivo eletrônico de autopreenchimento diminuem a probabilidade deste viés. Por outro lado, trata-se de um estudo de base populacional com amostra representativa da população residente no município de São Paulo, o que possibilita a inferência populacional dos resultados.

Deste modo, esse tipo de estudo pode oferecer aos formuladores de políticas públicas, gestores, profissionais de saúde, universidades e ao público em geral informações atualizadas sobre a ocorrência de IST na população e as necessidades de saúde no âmbito do município.

A redução da magnitude das IST é baseada no conhecimento da população sobre estas infecções, no uso de preservativo e no acesso aos serviços de saúde com a finalidade de promover atenção efetiva à saúde, inclusive com vacinação das pessoas expostas2626. .Centers for Disease Control and Prevention. Sexually Transmitted Diseases Treatment Guidelines, 2010. MMWR 2010; 59(No. RR-12):2-10..

Conclusão

A proporção de antecedentes de IST na população de 15 a 64 anos, residente no município de São Paulo, é elevada. O início precoce da atividade sexual, o não uso de preservativo na primeira relação sexual e a parceria eventual no último ano estão associados com IST. É importante incorporar as IST como tema na agenda política dos movimentos que lutam pela saúde com o mesmo vigor de outros temas, tais como aborto, morte materna e HIV, pois há uma profunda conexão entre todos esses agravos, em que pesem a magnitude dos mesmos e sua importância para a saúde sexual e reprodutiva.

Uma das medidas adotadas pelo MSP após esse estudo foi a diminuição de barreiras de acesso aos preservativos, com a implantação de dispensadores de larga escala, “Jumbos”, com capacidade para 15.000 preservativos, alocados fora dos serviços de saúde. Em dezembro de 2015 foram instalados os “jumbos” em 28 terminais de ônibus na capital com distribuição de aproximadamente oito milhões de preservativos em 30 dias, nestes locais.

Sob coordenação do Programa Municipal de DST/AIDS, foi elaborado o aplicativo ‘Tá Na Mão”, com foco na prevenção, orientação e gerenciamento de risco para IST e HIV, com a participação de profissionais de saúde, homens que fazem sexo com homens (HSH) e jovens. Este app, que também traz informações dos locais onde é possível obter preservativos, testes e profilaxia pós-exposição (PEP) gratuitos, está disponível para Android, iOS e Windows Phone, sem custos.

Referências

  • 1
    Newman L, Rowley J, Hoorn SV, Wijesooriya NS, Unemo M, Low N, Stevens G, Gottlieb S, Kiarie J, Temmerman M. Global estimates of the prevalence and incidence of four curable sexually transmitted infections in 2012 based on systematic review and global reporting. PLoS ONE 2015; 10(12):e0143304.
  • 2
    World Health Organization (WHO). Global Strategy for Intervention and Control of Sexually Transmitted Infections: 2006-2015 Geneva: WHO; 2007.
  • 3
    Dallabetta GA, Gerbase AC, Holmes KK. Problems, solutions, and challenges in syndromic management of sexually transmitted diseases. Sex Transm Infect 1998; 74(Supl. 1):S1-11.
  • 4
    Mayaud P, Mabey D. Approaches to the control of sexually transmitted infections in developing countries: old problems and modern challenges. Sexually Transmitted Infections 2004; 80(3):174-182.
  • 5
    Blandford JM, Gift TL. Productivity losses attributable to untreated chlamydial infection and associated pelvic inflammatory disease in reproductive-aged women. Sex Transm Dis 2006; 33(10 Supl.):S117-S121.
  • 6
    Syrjänen K. New concepts on risk factors of HPV and novel screening strategies for cervical cancer precursors. Eur J Gynaecol Oncol 2008; 29(3):205-221.
  • 7
    Cox JT. The development of cervical cancer and its precursors: what is the role of human papillomavirus infection? Curr Opin Obst Gynecol 2006; 18(Supl. 1):S5-S13.
  • 8
    Instituto Nacional de Câncer (INCA). Estimativa 2014: Incidência do Câncer no Brasil Rio de Janeiro: INCA; 2014.
  • 9
    Wasserheit JN. Epidemiological synergy: Interrelationships between human immunodeficiency virus infection and other sexually transmitted diseases. Sex Transm Dis 1992; 19(2):61-77.
  • 10
    Dickerson MC, Johnston J, Delea TE, White A, Andrews E. The causal role for genital ulcer disease as a risk factor for transmission of human immunodeficiency virus: An application of the Bradford Hill criteria. Sex Transm Dis 1996; 23(5):429-440.
  • 11
    São Paulo. SEADE - Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados. Projeção de população residente em 1º de julho, São Paulo – 2014 [acessado 2014 Nov 11]. Disponível em: http://produtos.seade.gov.br/produtos/projpop/index.php?pes=3
    » http://produtos.seade.gov.br/produtos/projpop/index.php?pes=3
  • 12
    World Health Organization (WHO). Global incidence and prevalence of selected curable sexually transmitted infections – 2008. Geneva: WHO; 2012.
  • 13
    Alves RN, Kovacs MJ, Stall R, Paiva V. Fatores psicossociais e a infecção por HIV em mulheres, Maringá, PR. Rev Saude Publica 2002; 36(Supl. 4):32-39.
  • 14
    Miranda AE, Ribeiro D, Rezende EF, Pereira GFM, Pinto VM, Saraceni V. Associação de conhecimento sobre DST e grau de escolaridade entre conscritos em alistamento ao exército brasileiro, Brasil, 2007. Cien Saude Colet 2013; 18(2):489-497.
  • 15
    Mello GR, Castro G, Reggiani C, Carvalho NS. Erotismo e prevenção de DST/Aids entre adolescentes. Como atuam os meios de comunicação? DST – J bras Doenças Sex Transm 2005; 17(2):99-106.
  • 16
    Miranda AE, Gadelha AMJ, Szwarcwald CL. Padrão de comportamento relacionado às práticas sexuais e ao uso de drogas de adolescentes do sexo feminino residentes em Vitória, Espírito Santo, Brasil, 2002. Cad Saude Publica 2005; 21(1):207-216.
  • 17
    Thiengo MA, Oliveira DC, Rodrigues BMRD. Representações sociais do HIV/AIDS entre adolescentes: implicações para os cuidados de enfermagem. Rev Esc Enferm USP 2005; 39(1):68-76.
  • 18
    Carret MLV, Fassa AG, Silveira DS, Bertoldi AD, Hallal PC. Sintomas de doenças sexualmente transmissíveis em adultos: prevalência e fatores de risco. Rev Saude Publica 2004; 38(1):76-84.
  • 19
    Nascimento AMG, Barbosa CS, Medrado B. Mulheres em Camaragibe: representação social sobre vulnerabilidade feminina em tempos de AIDS. Rev Bras Saúde Mater Infant 2005; 5(1):1-15.
  • 20
    Vickerman P, Watts C, Alary M, Mabey D, Peeling RW. Sensitivity requirements for the point of care diagnosis of Chlamydia trachomatis and Neisseria gonorrhoeae in women. Sex Transm Infect 2003; 79(5):363-367.
  • 21
    Fernandes AMS, Antonio DG, Bahamondes LG, Cupertino CV. Conhecimento, atitudes e práticas de mulheres brasileiras atendidas pela rede básica de saúde com relação às doenças de transmissão sexual. Cad Saude Publica 2000; 16(Supl. 1):103-112.
  • 22
    Centers for Disease Control and Prevention. CDC Fact sheet: Reported STDs in the United States 2014 - National Data for Chlamydia, Gonorrhea, and Syphilis. Summary of trends and highlights of data from the 2014 annual report [acessado 2014 Nov 11]. Disponível em: http://www.cdc.gov/std/stats14/std-trends-508.pdf
    » http://www.cdc.gov/std/stats14/std-trends-508.pdf
  • 23
    Chow EPF, Tomnay J, Fehler G, Whiley D, Read TRH, Denham I, Bradshaw CS, Chen MY, Fairley CK. Substantial Increases in Chlamydia and Gonorrhea Positivity Unexplained by Changes in Individual-Level Sexual Behaviors Among Men Who Have Sex With Men in an Australian Sexual Health Service From 2007 to 2013. Sex Transm Dis 2015; 42(2):81-87.
  • 24
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Pesquisa de conhecimentos atitudes e práticas da população brasileira Brasília: MS; 2011. (Serie G. Estatística e Informação em Saúde).
  • 25
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Manual de Controle das Doenças Sexualmente Transmissíveis Brasília: MS; 2006.
  • 26
    .Centers for Disease Control and Prevention. Sexually Transmitted Diseases Treatment Guidelines, 2010. MMWR 2010; 59(No. RR-12):2-10.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul 2018

Histórico

  • Recebido
    16 Mar 2016
  • Aceito
    03 Ago 2016
  • Revisado
    05 Ago 2016
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br