Reiteradamente, os estudos que percorrem a produção acadêmica da área de Saúde Coletiva apontam o predomínio do viés epidemiológico, quantitativo e estatístico, tão relevante para dimensionar as condições de saúde das populações e para o planejamento e a formulação de políticas e intervenções. Os estudos reunidos neste volume não fogem desta tendência, com apenas um abordando a experiência do adoecimento sob a perspectiva psicológica, admitindo-a como expressão da subjetividade, deixando intocável o binômio saúde-doença para superar o reducionismo da prática médica e as relações da pessoa com as instâncias culturais, sociais, ambientais e históricas.
Tecer considerações sobre a experiência do adoecimento e seu sofrimento amplia o olhar que ultrapassa os limites da objetivação do saber e da prática biomédicos que, usualmente, ignoram o mundo da vida e a existência dos adoecidos, o seu cotidiano, as formas de agir, reagir, de lidar com o corpo, saúde doença e cuidado, inesgotáveis na subjetividade porque socialmente compartilhados. As análises enfocam as ações dos sujeitos, os eventos, as relações sociais, os significados, a intersubjetividade, a consciência e os projetos11. Rabelo MC, Alves PC, Souza IMA. Experiência da Doença e Narrativa. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 1999.. Entende-se que a experiência do adoecimento e do sofrimento é singular, sem que se atrele a um ego transcendental, mas aos modos pelos quais os indivíduos se orientam em um mundo de relações com os demais, com as atividades e os planos coletivos11. Rabelo MC, Alves PC, Souza IMA. Experiência da Doença e Narrativa. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 1999..
Parcela da literatura norte-americana de sociologia e antropologia médicas que usou a microanálise, sob o existencialismo, a fenomenologia e a hermenêutica, foi refletida nas ciências sociais em saúde brasileiras voltadas à experiência de enfermidades crônicas, usando estudos de casos, das narrativas, das trajetórias e das escolhas de tratamentos, decisões e ações em torno do processo saúde-doença-cuidado focados nos eventos, ações, relações, significados, consciência, intersubjetividade e o mundo da vida cotidiana.
A oposição da experiência da enfermidade e do sofrimento com as representações sociais confina estas últimas ao pensamento e à reflexão, opondo-as ao fazer e ao agir. Outras as articularam, sugerindo abordar as narrativas, a ultrapassar os diálogos intersubjetivos, incluindo-os nas condições históricas de sua produção, circulação e recepção, de onde também se originam22. Gomes R, Mendonça EA. A representação e a experiência da doença: princípios para a pesquisa qualitativa em saúde. In: Minayo MCS, Deslandes S, organizadores. Caminhos do Pensamento: epistemologia e método. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2002. p. 109-132..
Não se descarta a experiência intersubjetiva, biográfica, os significados, os processos interativos e os quadros de referência internalizados e aprendidos pelos sujeitos. Admite-se sua permeabilidade para expressar e representar individual e coletivamente a doença e a necessidade de articular planos analíticos. Estudos nacionais posteriores articularam a experiência e as representações sociais, combinando teorias e métodos, como o construtivismo integrado33. Barsaglini RA. As representações sociais e experiência com o diabetes: um enfoque socioantropológico. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2011. e a fenomenologia com a sócio-história44. Canesqui AM. “Pressão Alta” no cotidiano: representações e experiências. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2015.. Ambos consideraram os elementos materiais, simbólicos, objetivos e subjetivos e as dimensões micro e macrossociais. Perseguir abordagens integradas sobre este e outros assuntos ainda é bastante pertinente.
Referências
- 1Rabelo MC, Alves PC, Souza IMA. Experiência da Doença e Narrativa Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 1999.
- 2Gomes R, Mendonça EA. A representação e a experiência da doença: princípios para a pesquisa qualitativa em saúde. In: Minayo MCS, Deslandes S, organizadores. Caminhos do Pensamento: epistemologia e método Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2002. p. 109-132.
- 3Barsaglini RA. As representações sociais e experiência com o diabetes: um enfoque socioantropológico Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2011.
- 4Canesqui AM. “Pressão Alta” no cotidiano: representações e experiências Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2015.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Ago 2018