O mercado editorial sobre saúde pública no Brasil está em ascensão, segundo dados do Sindicato dos Editores de Livros. A participação do setor saltou de 6.426.059 obras para 8.292.267, entre os anos de 2014 e 2015 (snel.org.br)11. Sindicato dos Editores de Livros. Apresentação de pesquisa, 2015. [acessado 2017 Fev 23]. Disponível em: http://www.snel.org.br/wp-content/uploads/2016/06/Apresentacao-pesquisa-2015Imprensa_OK.pdf
http://www.snel.org.br/wp-content/upload... . Neste sentido, obras como “Sua vida em movimento”, de Marcio Atalla, alcançam o grande público a partir de temas relacionados ao estilo e à qualidade de vida, bem como ao exercício físico22. Atalla M. Sua vida em movimento. 2a ed. São Paulo: Paralela; 2015..
Para os profissionais que tem o exercício físico como objeto de reflexão e intervenção, o livro torna-se relevante na medida em que conta um pouco da história pessoal e profissional de um dos profissionais de Educação Física mais famosos do Brasil, no qual discute temas voltados à alimentação, à prática esportiva e ao sedentarismo, entre outros tópicos da saúde coletiva, com uma linguagem acessível e – porque não –, educativa para grandes audiências.
Lançado em 2015, “Sua vida em movimento” é voltado para os não iniciados na atividade física, sobretudo para aqueles que se encontram acima do peso e têm dificuldades para conseguirem em suas rotinas diárias, tempo para realizar exercícios. A obra pretende oferecer “dicas” de como conseguir realizá-las. Em um país que tem apresentado dados preocupantes sobre saúde pública relacionados ao aumento do índice de pessoas acima do peso e à falta de atividade física nos últimos dez anos, segundo o Ministério da Saúde33. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (VIGITEL). Brasília: MS; 2017., o livro pode contribuir para incentivar pessoas sedentárias a se transformarem em fisicamente ativas. Mais: para os pesquisadores da área, o livro serve como exemplo de como o mercado editorial apresenta essa questões a partir de um produto, ou seja, um livro que tende a oferecer soluções simples para temas complexos.
O autor elege os males do sedentarismo como ponto de partida para reflexões que visam impulsionar os leitores a saírem de sua inércia física. Atalla demonstra a partir de exemplos extraídos de sua experiência profissional de como conseguiu fazer pessoas completamente avessas ao exercício físico alcançarem, em pouco tempo, resultados de ordem clínica satisfatórios. Assim, o exercício físico torna-se um elemento capaz de superação individual nas esferas física e emocional. Apesar de o autor evocar os resultados encontrados em pesquisas acadêmicas para apoiar seu pensamento, não é possível conhecer os autores, e também não temos informações de como encontrá-las. Assim, nos acostumamos a ler ao longo do livro expressões como “pesquisas indicam” ou “de acordo com uma pesquisa”, mas sem as devidas referências. Há muito para se refletir com obras que usam resultados de pesquisas do meio científico para informar ao grande público suas percepções sobre determinado assunto que tem a saúde e qualidade de vida como área de estudo, mas que não dão oportunidade de busca das mesmas para serem usadas como fonte de consulta.
O livro é dividido em 11 capítulos. Neles, o autor traça uma estratégia para que pessoas sedentárias encontrem estímulos para se tornarem fisicamente ativas. Do excesso de trabalho profissional ao trabalho doméstico; dos efeitos do exercício físico na longevidade à recorrente dicotomia corpo-mente; de dicas nutricionais aos resultados clínicos de um ex-atleta de futebol. Lemos que as opções são fartas nessa espécie de cardápio de escolhas de atividades físicas, desde que para isso, o indivíduo seja capaz de selecionar a atividade que melhor lhe convier. Assim, o prazer e a satisfação são elementos presentes nessa obra, bem como o autocontrole – sobretudo na questão de ingesta calórica.
Nos capítulos 1, 2 e 3, nomeados respectivamente de “Começar de novo”, Muito trabalho, pouca saúde” e “Cuidado da Casa, descuido do corpo”, o autor faz um relato da importância da atividade física em sua história pessoal, desde a infância até a vida adulta. Assim como a obra de Drauzio Varella sobre as corridas de rua e maratonas44. Varella D. Correr: o exercício, a cidade e o desafio da maratona. São Paulo: Companhia das Letras; 2015., o ponto de partida é a história pessoal de vida, demonstrando não só a importância dessa em seu cotidiano, mas também que seu exemplo de vida pode ser seguido por outros, bastando que escolhas “certas” sejam feitas em detrimento das “erradas”. Há um julgamento de ordem moral nesse contexto, quando o assunto é atividade física. Nessas páginas o argumento é que a modernidade leva ao sedentarismo, e só as mudanças nos hábitos podem reverter esse quadro. O que torna a inatividade física um dos objetos de estudo da saúde pública é sua associação com o inevitável desenvolvimento tecnológico. Referências com o estudo de Gulano e Tinucci55. Gualano B, Tinucci T. Sedentarismo, exercício físico e doenças crônicas. Rev. Bras. Educ. Fís. Esporte 2011; 25(n. esp.):37-43. nos ajudam a construir, na obra, a formação do discurso de quão irreversível a necessidade da atividade física para muitos dos afazeres cotidianos.
Nos capítulos nomeados de “Lazer e saúde”, “Sem idade para começar” e “Prevenir para não remediar”, respectivamente 4, 5 e 6, o autor oferece aos leitores informações iniciais sobre a média dos gastos calóricos que uma determinada atividade pode oferecer, bem como há discussões sobre a inatividade física infantil, na adolescência e na fase idosa. Assim, temos uma continuidade de páginas que procuram estabelecer uma ordem cronológica da presença do exercício físico nas diferentes fases da vida. Fruto de suas experiências com diversas pessoas, esses capítulos informam que a necessidade de exercício físico é premente e oferece resultados em qualquer fase da vida. A questão do desenvolvimento tecnológico e sedentarismo é mais uma vez discutida nesses capítulos, sobretudo quando o autor argumenta os malefícios do “videogame” para as crianças e adolescentes. Assim, o desenvolvimento tecnológico serve como argumento para menos atividade física.
O capítulo 7, “Por que correr?”, é dedicado exclusivamente ao fenômeno dessa atividade física no Brasil. São oferecidos aos leitores programas de treinamento, bem como as recomendações sobre os malefícios que essa atividade pode causar se o praticante deixar de observar alguns casos, tais como fazer os exames clínicos rotineiros até o uso de material esportivo adequado.
Em “Corpo e mente: equilíbrio perfeito”, tratado no capítulo 8, lemos sobre a relação exercício físico-equilíbrio mental. Nele, há passagens sobre a importância de uma autoestima elevada na vida das pessoas, e como esta pode ser conseguida através do exercício físico. Aqui há o recorrente uso da dicotomia mente e corpo. Os argumentos vão sendo apresentados de forma a criar referências que tendem a valorizar e a reificar essas duas instâncias. Assim, o primeiro (mente) tem a capacidade de iniciativa e poder de decisão sobre o segundo (corpo).
No capítulo denominado “Nutrir versus comer”, numerado de 9, o autor discorre sobre as questões nutricionais e exercício físico. Há uma crítica sobre a abusiva tendência de adesão às dietas, sobretudo para um público que se torna ávido por novidades no segmento de restrição calórica com fins de redução de peso. O autor considera esse tipo de opção ineficaz e perigosa, sobretudo porque a restrição do ritmo metabólico, o efeito “sanfona” e a questão da “culpa” acabam por anular os efeitos dessa restrição calórica.
No capítulo 10, “Movimente-se”, o autor se utiliza de sua experiência profissional para contar casos de sucesso em que ele, a partir de sua intervenção profissional, conseguiu com seus alunos. Observa-se aqui que o autor chama de “alunos” sua clientela, reforçando a identidade de professor, ou como ele mesmo se nomeia, de “educador físico”.
O capítulo final, “Grande desafio”, é dedicado à sua experiência com o ex-atleta de futebol Ronaldo. Nele, Atalla discorre sobre como conseguiu resultados satisfatórios com o “Fenômeno” a partir do quadro televisivo semanal de uma rede de televisão. Trata o momento com grande orgulho, pois segundo o autor, o ex-jogador conseguiu resultados e “mudou seu corpo e sua saúde” em apenas 13 semanas.
Para os profissionais da área de saúde o livro é uma oportunidade de reflexão sobre como esse segmento editorial trata de questões relacionadas ao exercício físico, saúde e qualidade de vida para alcançar um público leigo e ávido por entrar em forma via atividade física. Arriscamos a afirmar que o autor, Marcio Atalla, é o profissional de educação física com a maior visibilidade midiática nesta segunda metade da década de 2010. Os temas que aborda, perpassam sua área de intervenção: alimentação, estilos e qualidade de vida, por exemplo. Essas temáticas estão presentes nessa obra e trazem impactos para um público que tem pouca informação sobre como e de que forma podem começar a pratica atividade física. A questão multidisciplinar está posta e é necessário que sejam feitas análises sobre a mensagem que se quer propagar e o público que alcança.
Para os profissionais de saúde o livro ganha relevância a partir de discussões que podem ser suscitadas sobre o relato deste profissional que está no mercado “fitness” há pelo menos duas décadas. Retrato de uma época, o livro exprime o pensamento atual sobre um mercado editorial profícuo e que é por vezes tão pouco estudado: como alcançar grandes audiências sem recorrer a soluções simplistas na área de saúde e qualidade de vida?
Referências
- 1Sindicato dos Editores de Livros. Apresentação de pesquisa, 2015 [acessado 2017 Fev 23]. Disponível em: http://www.snel.org.br/wp-content/uploads/2016/06/Apresentacao-pesquisa-2015Imprensa_OK.pdf
» http://www.snel.org.br/wp-content/uploads/2016/06/Apresentacao-pesquisa-2015Imprensa_OK.pdf - 2Atalla M. Sua vida em movimento 2a ed. São Paulo: Paralela; 2015.
- 3Brasil. Ministério da Saúde (MS). Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (VIGITEL) Brasília: MS; 2017.
- 4Varella D. Correr: o exercício, a cidade e o desafio da maratona São Paulo: Companhia das Letras; 2015.
- 5Gualano B, Tinucci T. Sedentarismo, exercício físico e doenças crônicas. Rev. Bras. Educ. Fís. Esporte 2011; 25(n. esp.):37-43.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Set 2018