O imperativo de cuidar da pessoa idosa dependente

Maria Cecília de Souza Minayo Sobre o autor

Resumo

Este texto apresenta um panorama do envelhecimento no Brasil e informações que fundamentam a necessidade de se criarem instrumentos para lidar com o aumento acelerado da população idosa e, particularmente, com os que perdem sua autonomia física, cognitiva, mental/emocional e social. São mostrados exemplos de políticas públicas criadas por países da União Europeia, em particular pela Espanha, para proteger os mais vulneráveis e dar apoio a suas famílias, em especial, aos cuidadores informais. Todo o processo de proteção aos mais longevos é pensado como uma solidariedade social em que o Estado e os entes subnacionais, a sociedade, as famílias e a própria pessoa idosa participam.

Palavras-chave
Pessoa idosa; Proteção social; Dependência; Autonomia

Introdução

Apresenta-se um breve panorama do envelhecimento no Brasil e informações que fundamentam a necessidade de se criarem instrumentos para lidar com o aumento acelerado da população idosa, particularmente, com os que perdem sua autonomia física, cognitiva, mental/emocional e social. São mostrados exemplos de políticas públicas criadas por países da União Europeia, em particular, pela Espanha, para proteger os mais vulneráveis e dar apoio a suas famílias, em especial, aos cuidadores informais. Todo o processo de proteção aos mais longevos é pensado como uma solidariedade social em que o Estado e os entes subnacionais, a sociedade, as famílias e a própria pessoa idosa participam. O Brasil está num momento de decisões importantes, cuja agudeza foi trazida pela crise econômica e política, mas delas não devem ser excluídos o olhar e o aprofundamento da visão sobre as novas demandas trazidas pelo envelhecimento populacional.

O contexto da longevidade no Brasil e no Mundo

As políticas promovidas pelos Estados de Bem-Estar Social no período após a segunda guerra mundial levaram a uma melhoria considerável das condições de vida e de trabalho, contribuindo para o aumento da expectativa de vida em quase todos os países do mundo. Verificou-se, desde então, progressiva queda da taxa de natalidade associada a fenômenos como universalização da educação e da atenção básica em saúde, intensificação da participação feminina no mercado de trabalho e difusão do planejamento familiar. O crescimento do número e da proporção de idosos – com aumento exponencial da população acima de 80 anos - se tornaram fato irreversível11. Kalache A. Respondendo à revolução da longevidade. Cien Saude Colet 2014; 19(8):3307.33. Minayo MCS. Manual de Enfrentamento à Violência contra a pessoa idosa. É possível prevenir. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos do Brasil; 2014..

A população brasileira manteve a tendência de envelhecimento. Superou a marca dos 30,2 milhões em 2017, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua44. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Características gerais dos moradores 2012-2016. Rio de Janeiro: IBGE; 2017.. Nos últimos cinco anos, os 4,8 milhões de novos idosos correspondem a um crescimento de 18% desse grupo etário apenas nesse intervalo de tempo. As mulheres são 16,9 milhões (56,4%) e os homens, 13,3 milhões (43,6%) atualmente. Entre 2012 e 2017, a quantidade de idosos se elevou em todas as unidades da federação, sendo os estados com maiores proporções, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, cada um com 18,6% de suas populações com 60 anos ou mais. O Amapá é o estado com menor percentual (7,2%)44. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Características gerais dos moradores 2012-2016. Rio de Janeiro: IBGE; 2017..

As transformações demográficas e sociais, dentre outras consequências importantes, vêm alterando significativamente a estrutura das famílias e a situação da pessoa idosa em todo o mundo inclusive na América Latina e, muito fortemente, no Brasil44. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Características gerais dos moradores 2012-2016. Rio de Janeiro: IBGE; 2017.,55. Department of Economic and Social Affairs. World Population Prospects The 2004 Revision. New York: United Nations; 2005. [acessado 2018 jul 10]. [cerca de 91p.]. Disponível em: http://www.un.org/esa/population/publications/WPP2004/wpp2004.htm
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. O trabalho das mulheres fora de casa, a queda da taxa de natalidade e a consequente redução do número de filhos repercutem sobre a reprodução da solidariedade intrafamiliar. Diminui-se o número de pessoas disponíveis para serem cuidadoras, enquanto aumentam as famílias intergeracionais, (coexistência de bisavós, avós, filhos e netos num mesmo lar), o que pode, de um lado, significar uma possibilidade de enriquecimento humano; mas de outro, um aumento do estresse relacional, particularmente para a pessoa idosa, caso ela se sinta relegada das conversas, dos planos e programas familiares e sem espaço físico e sociocultural adequado para atender a suas necessidades11. Kalache A. Respondendo à revolução da longevidade. Cien Saude Colet 2014; 19(8):3307.44. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Características gerais dos moradores 2012-2016. Rio de Janeiro: IBGE; 2017.,66. Batista AS, Jaccoud LB, Aquino L, El-Mor PD. Envelhecimento e dependência: desafios para organização da proteção social. Brasília: MPS; 2008..

Um dos desafios mais sérios neste momento é a questão previdenciária. O novo cenário vem gerando considerável pressão sobre os sistemas estruturados, os quais, em sua grande maioria, foram organizados para responder a uma realidade caracterizada pela expansão do emprego assalariado e pelo curto tempo de vida depois da aposentadoria. Desde o final da década de 1970, a mudança demográfica se acelerou, assim como a demanda sobre os sistemas de proteção social. De um lado, se trata de um bônus para os países, pois o aumento da longevidade significa que a população usufrui de mais prosperidade econômica e de mais recursos para saúde, saneamento básico e alimentação saudável. De outro, existe uma equação que não fecha: o tempo de aposentadoria pode chegar a 40 a ou mais anos para muitas pessoas, aumenta o número dos saem do mercado de trabalho e o número dos que contribuem diminui55. Department of Economic and Social Affairs. World Population Prospects The 2004 Revision. New York: United Nations; 2005. [acessado 2018 jul 10]. [cerca de 91p.]. Disponível em: http://www.un.org/esa/population/publications/WPP2004/wpp2004.htm
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,66. Batista AS, Jaccoud LB, Aquino L, El-Mor PD. Envelhecimento e dependência: desafios para organização da proteção social. Brasília: MPS; 2008.. Por exemplo, a projeção é que, a partir de 2039, o Brasil terá mais pessoas acima de 65 anos do que crianças de até 14 anos. E em 2060, o país terá 67,2% de cidadãos considerados dependentes da força de trabalho dos adultos (acima dos 65 ou abaixo dos 15 anos) para cada cem pessoas em idade de trabalhar44. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Características gerais dos moradores 2012-2016. Rio de Janeiro: IBGE; 2017.. Ou seja, a chamada crise da Previdência Social, tal qual está organizada hoje é uma realidade e não uma ficção. E ela se agrava porque os governos, em geral, se recusaram a lidar com ela em momentos mais propícios, atuando apenas nos momentos de crise e sem tocar nos privilégios. A posição aqui, é que, os idosos não podem ser responsabilizados por desmandos e inconsequências governamentais no momento de maior fragilidade de suas vidas, pois a maioria hoje recebe aposentadorias de um a dois salários mínimos. As soluções não são simples e a solidariedade social em favor dos idosos menos favorecidos não pode faltar em hipótese alguma.

Do ponto de vista da política de saúde para pessoas idosas, os estudos têm indicado a importância de que os serviços focalizem a prevenção das enfermidades crônicas e invistam num tipo de atenção multidisciplinar77. World Health Organization (WHO). International Classification of Impairments, Disabilities and Handicaps: A Manual of Classification relating to the consequences of disease. Genebra: WHO; 1980.. Isso exige repensar o paradigma biomédico hegemônico, tornando-o um modelo socioambiental que considere as doenças a partir de uma perspectiva do contexto da vida, das comorbidades, e da manutenção, por maior tempo possível, da saúde física, cognitiva, e emocional/psicológica dos idosos. Os atuais serviços hoje ofertados, geralmente, se mostram inadequados, insuficientes ou incompletos para viabilizar os cuidados prolongados de que esse segmento populacional tão vulnerável precisa. O mesmo reparo vale para os serviços sociais22. Camarano AA. O novo paradigma demográfico. Cien Saude Colet 2013; 18(12):3446.,33. Minayo MCS. Manual de Enfrentamento à Violência contra a pessoa idosa. É possível prevenir. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos do Brasil; 2014.,77. World Health Organization (WHO). International Classification of Impairments, Disabilities and Handicaps: A Manual of Classification relating to the consequences of disease. Genebra: WHO; 1980..

As pessoas com incapacidades funcionais e problemas sociais, dentre os velhos, são as que mais sofrem e, com mais frequência, são vítimas de violência, negligências e abandonos33. Minayo MCS. Manual de Enfrentamento à Violência contra a pessoa idosa. É possível prevenir. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos do Brasil; 2014.. São particularmente desfavorecidos, os homens e mulheres com 80 anos ou mais, os mais pobres que não têm condições de se sustentar e as mulheres viúvas e solteiras com agravos físicos, cognitivos e emocionais. Esse grupo, em geral, apresenta necessidades não recobertas pelos serviços e benefícios tradicionalmente ofertados pelos Institutos de Previdência e Assistência Social ou pelos serviços rotineiros de Saúde Pública77. World Health Organization (WHO). International Classification of Impairments, Disabilities and Handicaps: A Manual of Classification relating to the consequences of disease. Genebra: WHO; 1980..

As iniciativas políticas em favor da população idosa

As questões acima levantadas têm fomentado a inscrição do tema da proteção social adequada para as pessoas em processo de envelhecimento – particularmente as que adquirem incapacidades funcionais - como parte da agenda dos governos europeus, sendo a dependência considerada um grande desafio contemporâneo88. Paquy L. Les systèmes européens de protection sociale : Une mise en perspective: Paris: Mire, 2004. n° 6 [cerca de 110p.]. [acessado 2018 Set 20]. Disponível em: http://onala.free.fr/dreess.pdf
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,99. Esping-Andersen G. The Three Worlds of Welfare Capitalism. Princeton: Princeton University Press; 1990.. Não se pode mais deixar apenas às famílias o ônus de cuidar de seu idoso1010. Lima-Costa MF, Peixoto SV, Malta, DM, Szwarcwald CL, Mambrini JVM. Cuidado informal e remunerado aos idosos no Brasil (Pesquisa Nacional de Saúde, 2013). Rev Saude Publica 2017; 51(Supl. 1):6s, nem os mais vulneráveis devem ser submetidos às filas intermináveis dos serviços rotineiros de saúde e assistência social. As grandes transformações demográficas, sociais e familiares exigem a organização da oferta de atenção domiciliar, de apoio para a realização de atividades da vida diária, de promoção da autonomia, de ações preventivas e de qualidade de vida1010. Lima-Costa MF, Peixoto SV, Malta, DM, Szwarcwald CL, Mambrini JVM. Cuidado informal e remunerado aos idosos no Brasil (Pesquisa Nacional de Saúde, 2013). Rev Saude Publica 2017; 51(Supl. 1):6s. Essa demanda visa responder aos idosos ativos e saudáveis, assim como ao contingente de cidadãos que convive com a redução mais ou menos grave de suas capacidades funcionais. É sobre esse segundo grupo o foco desta reflexão88. Paquy L. Les systèmes européens de protection sociale : Une mise en perspective: Paris: Mire, 2004. n° 6 [cerca de 110p.]. [acessado 2018 Set 20]. Disponível em: http://onala.free.fr/dreess.pdf
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,99. Esping-Andersen G. The Three Worlds of Welfare Capitalism. Princeton: Princeton University Press; 1990..

O quadro dos idosos dependentes foi traçado pela Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) realizada em conjunto pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Ministério da Saúde (MS) em 2013. Os dados analisados por autores como Lima-Costa et al.1111. Lima-Costa MF, Manbrini JVM, Peixoto SV, Malta DC, Macinko J. Socioeconomic inequalities in activities of daily living limitations and in the provision of informal and formal care for non institutionalized older Brazilians: National Health Survey, 2013. Int J Equity Health 2016; 15(1):137-145. mostram o seguinte: foram ouvidos 23.815 pessoas, numa amostra nacionalmente representativa de toda a população acima de 60 anos. Do conjunto, 56,4% eram mulheres, reafirmando sua predominância no processo de longevidade; 32,8% eram analfabetos; 46,5% tinham de um a oito anos de estudo e 21,7% possuíam curso superior; 14.9% viviam sozinhos; 35,6% moravam com uma pessoa e 42,3 % com duas ou mais. Foi encontrada a prevalência 30.1% de pelo menos uma limitação para as atividades da vida diária (AVD), chegando a 43,0% entre os analfabetos; a 29% entre os que tinham instrução primária e 13,8 % entre as pessoas com formação superior. Esses últimos dados assinalam, de um lado, a elevada proporção de idosos com perda de autonomia; de outro, os efeitos da desigualdade, expressos nos grupos de analfabetos e com apenas educação elementar.

Os idosos com incapacidades funcionais associadas a doenças crônicas físicas, cognitivas, mentais/emocionais e motoras são reconhecidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS)77. World Health Organization (WHO). International Classification of Impairments, Disabilities and Handicaps: A Manual of Classification relating to the consequences of disease. Genebra: WHO; 1980. como “vulneráveis” ou “dependentes”77. World Health Organization (WHO). International Classification of Impairments, Disabilities and Handicaps: A Manual of Classification relating to the consequences of disease. Genebra: WHO; 1980.. Fazendo eco com a OMS, o Conselho da Europa88. Paquy L. Les systèmes européens de protection sociale : Une mise en perspective: Paris: Mire, 2004. n° 6 [cerca de 110p.]. [acessado 2018 Set 20]. Disponível em: http://onala.free.fr/dreess.pdf
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,1212. Instituto de Mayores y Servicios Sociales (INSERMO). Libro Blanco de Atención a las personas en situación de dependencia en España. Dez/2004. [acessado 2018 Jul 12]. Disponível em: http://www.imsersomayores.csic.es/documentos/documentos/mtas-libroblancodependencia-01.pdf
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considera “dependente” o indivíduo que, por razões associadas à redução ou mesmo à falta de alguma capacidade funcional, tem necessidade de ser ajudado para realizar atividades diárias, implicando na presença de pelo menos outra pessoa para apoiá-lo. Tais dificuldades são definidas por meio de duas categorias: básicas e instrumentais. A primeira diz respeito a tarefas de autocuidado, como arrumar-se, vestir-se, comer, fazer higiene pessoal e locomover-se (AVD). A segunda se refere à capacidade para executar atividades necessárias ao desenvolvimento pessoal e social: participação na comunidade, realização de tarefas práticas como fazer compras, pagar contas, manter compromissos sociais, usar meios de transporte, cozinhar, comunicar-se, cuidar da própria saúde e manter a própria integridade e segurança - atividades instrumentais da vida diária (AIVD).

Os países da Europa – embora com medidas adotadas internamente bastante distintas - assumiram estratégias para reformar seus sistemas de proteção social a favor dos idosos e de pessoas em situação de vulnerabilidade e dependência como uma questão específica, focalizada e prioritária. Já na década de 1980, alguns formularam planos para adequação dos mecanismos de proteção social à situação dos que, pela perda de autonomia, precisavam de cuidados prolongados. Durante a década seguinte, ajustes foram feitos principalmente por causa de restrições orçamentárias. Porém e apesar da crise fiscal, os vários países do bloco vêm adotando regulamentações específicas para classificar o “grau de dependência” dos idosos e deficientes e, em função da gravidade, organizar provisão de prestações monetárias ou na forma de oferta de serviços88. Paquy L. Les systèmes européens de protection sociale : Une mise en perspective: Paris: Mire, 2004. n° 6 [cerca de 110p.]. [acessado 2018 Set 20]. Disponível em: http://onala.free.fr/dreess.pdf
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,99. Esping-Andersen G. The Three Worlds of Welfare Capitalism. Princeton: Princeton University Press; 1990.,1212. Instituto de Mayores y Servicios Sociales (INSERMO). Libro Blanco de Atención a las personas en situación de dependencia en España. Dez/2004. [acessado 2018 Jul 12]. Disponível em: http://www.imsersomayores.csic.es/documentos/documentos/mtas-libroblancodependencia-01.pdf
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Por exemplo, o modelo alemão caracteriza a situação de perda de autonomia, em função do tempo de ajuda diária de que a pessoa precisa. O sistema estabelece três graus de dependência, e a cada um deles corresponde um nível de proteção social ofertado. Na França, a classificação se dá em função do tipo de ajuda de que a pessoa necessita. Para análise da perda de autonomia, é aplicada uma escala que mede a incapacidade funcional. Conforme o grau, o poder público oferta determinados serviços de proteção social e de saúde. Ambos os países criaram leis específicas sobre a dependência, gerenciam o sistema com a participação da sociedade civil e o financiam por meio da participação colaborativa entre o governo central, os estados e municípios e o aporte das famílias e da pessoa idosa ou deficiente, sendo que ninguém fica sem assistência por não ter condições financeiras66. Batista AS, Jaccoud LB, Aquino L, El-Mor PD. Envelhecimento e dependência: desafios para organização da proteção social. Brasília: MPS; 2008.,88. Paquy L. Les systèmes européens de protection sociale : Une mise en perspective: Paris: Mire, 2004. n° 6 [cerca de 110p.]. [acessado 2018 Set 20]. Disponível em: http://onala.free.fr/dreess.pdf
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,99. Esping-Andersen G. The Three Worlds of Welfare Capitalism. Princeton: Princeton University Press; 1990..

A Espanha criou, em 2004, “El libro Blanco de la Dependência”1212. Instituto de Mayores y Servicios Sociales (INSERMO). Libro Blanco de Atención a las personas en situación de dependencia en España. Dez/2004. [acessado 2018 Jul 12]. Disponível em: http://www.imsersomayores.csic.es/documentos/documentos/mtas-libroblancodependencia-01.pdf
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, visando a proteger os idosos e deficientes com incapacidade funcional. Para cobrir os gastos com esse novo programa, o governo central dividiu responsabilidades com as comunidades autônomas. Estabeleceu que os serviços podem ser públicos, autorizados pelo poder público ou efetuados por instituições conveniadas. Porém, a responsabilidade pela efetivação da Lei de Dependência foi e continua a ser do Ministério da Previdência Social. As entidades públicas e conveniadas que cuidam dos idosos, por exemplo, compõem uma espécie de catálogo de serviços de cinco tipos: (1) prevenção das situações de dependência e promoção da autonomia pessoal; (2) ajuda em domicílio (apoio para atividades domésticas e cuidados pessoais); (3) centros-dia/noite; (4) atenção institucionalizada, por meio de residências geriátricas e centros de atenção para pessoas com incapacidade mental ou incapacidade física; e (5) teleassistência domiciliar. Esse último serviço permite que pessoas idosas e com perda de autonomia, vivendo sozinhas, quando se encontram em situação de risco, entrem em contato com um centro de atenção especializada. A intervenção é imediata quando há problemas pessoais, sociais ou médicos envolvidos, proporcionando segurança e melhor qualidade de vida à pessoa, em seu próprio domicílio. Há ainda um importante programa de apoio, formação e promoção de descanso para os cuidadores familiares.

No Brasil, do ponto de vista da seguridade social, felizmente chegou-se a um estágio considerado bom, pois 84,3% pessoas idosas recebem aposentadoria, pensão, o chamado benefício de prestação continuada ou alguma forma de ajuda oficial66. Batista AS, Jaccoud LB, Aquino L, El-Mor PD. Envelhecimento e dependência: desafios para organização da proteção social. Brasília: MPS; 2008.. E, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça em sua primeira seção do dia 22/08/2018 fixou a tese de que, comprovada à necessidade de assistência permanente de terceiro, é devido o acréscimo de 25%, previsto no artigo 45 da Lei 8.213/19911313. Brasil. Lei 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Diário Oficial da União 1991; 25 jul., a todas as modalidades de aposentadoria, estendendo o benefício que antes era concedido apenas aos aposentados por invalidez.

Mas, a exemplo da Europa, o país necessita de uma lei ou de uma estratégia específica para lidar com os idosos que perdem a autonomia básica e instrumental e se tornam dependentes de cuidados por parte de terceiros66. Batista AS, Jaccoud LB, Aquino L, El-Mor PD. Envelhecimento e dependência: desafios para organização da proteção social. Brasília: MPS; 2008.,1414. Mendonça JMB. Idosos no Brasil: políticas e cuidados. Brasília: Editora Juruá; 2016.. Esses estão praticamente desleixados pelo Estado e pela sociedade, ficando como responsabilidade individual das famílias ou de algumas poucas instituições de caridade. Conhecer o tamanho da demanda como foi feito na PNS em 20131010. Lima-Costa MF, Peixoto SV, Malta, DM, Szwarcwald CL, Mambrini JVM. Cuidado informal e remunerado aos idosos no Brasil (Pesquisa Nacional de Saúde, 2013). Rev Saude Publica 2017; 51(Supl. 1):6s,1111. Lima-Costa MF, Manbrini JVM, Peixoto SV, Malta DC, Macinko J. Socioeconomic inequalities in activities of daily living limitations and in the provision of informal and formal care for non institutionalized older Brazilians: National Health Survey, 2013. Int J Equity Health 2016; 15(1):137-145., qualificá-la por graus de severidade e oferecer serviços públicos adequados são metas que se tornam urgentes, particularmente quando se constata que o segmento que mais cresce entre os idosos no Brasil é o de 80 anos e mais. Essa é a faixa etária com maior probabilidade de ser afetada pela deterioração das condições físicas, cognitivas, motoras e mentais, como lembram a OMS77. World Health Organization (WHO). International Classification of Impairments, Disabilities and Handicaps: A Manual of Classification relating to the consequences of disease. Genebra: WHO; 1980. e vários autores11. Kalache A. Respondendo à revolução da longevidade. Cien Saude Colet 2014; 19(8):3307.33. Minayo MCS. Manual de Enfrentamento à Violência contra a pessoa idosa. É possível prevenir. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos do Brasil; 2014.,77. World Health Organization (WHO). International Classification of Impairments, Disabilities and Handicaps: A Manual of Classification relating to the consequences of disease. Genebra: WHO; 1980.1212. Instituto de Mayores y Servicios Sociales (INSERMO). Libro Blanco de Atención a las personas en situación de dependencia en España. Dez/2004. [acessado 2018 Jul 12]. Disponível em: http://www.imsersomayores.csic.es/documentos/documentos/mtas-libroblancodependencia-01.pdf
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,1515. Buckinx F, Rolland Y, Reginster, JY, Ricour C, Petermans J, Bruyyère O. Burden of frailty in the elderly population: perspectives for a public health challenge. Arch Public Health 2015; 73(1):19-25..

Algumas considerações

As referências assinaladas neste texto chamam atenção para a sensibilidade política, social e dos serviços sociais para algumas ações inadiáveis.

Do ponto de vista político, apesar de haver uma iniciativa aqui outra ali, a questão da “dependência” ainda não foi devidamente enfrentada pelos brasileiros. Assim, algumas ações se impõem como: (1) definir o dever do Estado frente ao fenômeno irreversível do aumento populacional e da dependência de terceiros por parte dos idosos que perdem sua autonomia; (2) estabelecer uma fórmula de coparticipação com organizações da sociedade civil, famílias e com a própria pessoa idosa; (3) adaptar a estrutura tradicional das políticas de proteção social para atender a esse crescente contingente; (4) estabelecer formas de financiamento do incremento da demanda e da complexidade dos serviços cada vez mais necessários; (4) melhorar a situação e a formação do cuidador familiar e do cuidador formal; (5) desenvolver programas e serviços específicos locais, para atender a esse segmento populacional em seus diversos graus de perda de autonomia.

Do ponto de vista operacional, o país necessita de uma agenda de serviços específicos e adequados. Para isso, algumas questões devem ser levadas em conta: (1) compreender a natureza do problema e seu significado para o indivíduo, a família e a sociedade. A dependência não se reduz à dimensão médica, embora se materialize nos déficits funcionais que afetam fortemente a saúde. Ela também se associa de forma relevante ao isolamento social que impede os idosos de melhorarem seu desempenho e, por vezes, de levar uma vida ativa; (2) estruturar serviços de cunho integrado, multidisciplinar e multiprofissional que apresentem várias modalidades e possibilidades de proteção, segundo a gravidade das dependências e das necessidades sociais dos idosos; (3) investir na formação de profissionais que sejam capazes de compreender, tratar e cuidar das pessoas idosas, particularmente, das mais vulneráveis.

Parece óbvio, mas a ficha dos brasileiros ainda não caiu em relação ao acelerado envelhecimento populacional. Bônus, sinal de melhoria de vida, necessidade de investir social e economicamente nesse segmento, de um lado! De outro, preocupação com o progressivo crescimento dos que dependem da família, dos vizinhos, da sociedade civil e do Estado, particularmente dos serviços sociais e de saúde! Eis a longevidade como a grande novidade do século XXI!

Referências

  • 1
    Kalache A. Respondendo à revolução da longevidade. Cien Saude Colet 2014; 19(8):3307.
  • 2
    Camarano AA. O novo paradigma demográfico. Cien Saude Colet 2013; 18(12):3446.
  • 3
    Minayo MCS. Manual de Enfrentamento à Violência contra a pessoa idosa. É possível prevenir. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos do Brasil; 2014.
  • 4
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Características gerais dos moradores 2012-2016 Rio de Janeiro: IBGE; 2017.
  • 5
    Department of Economic and Social Affairs. World Population Prospects The 2004 Revision New York: United Nations; 2005. [acessado 2018 jul 10]. [cerca de 91p.]. Disponível em: http://www.un.org/esa/population/publications/WPP2004/wpp2004.htm
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  • 6
    Batista AS, Jaccoud LB, Aquino L, El-Mor PD. Envelhecimento e dependência: desafios para organização da proteção social. Brasília: MPS; 2008.
  • 7
    World Health Organization (WHO). International Classification of Impairments, Disabilities and Handicaps: A Manual of Classification relating to the consequences of disease. Genebra: WHO; 1980.
  • 8
    Paquy L. Les systèmes européens de protection sociale : Une mise en perspective: Paris: Mire, 2004. n° 6 [cerca de 110p.]. [acessado 2018 Set 20]. Disponível em: http://onala.free.fr/dreess.pdf
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  • 9
    Esping-Andersen G. The Three Worlds of Welfare Capitalism Princeton: Princeton University Press; 1990.
  • 10
    Lima-Costa MF, Peixoto SV, Malta, DM, Szwarcwald CL, Mambrini JVM. Cuidado informal e remunerado aos idosos no Brasil (Pesquisa Nacional de Saúde, 2013). Rev Saude Publica 2017; 51(Supl. 1):6s
  • 11
    Lima-Costa MF, Manbrini JVM, Peixoto SV, Malta DC, Macinko J. Socioeconomic inequalities in activities of daily living limitations and in the provision of informal and formal care for non institutionalized older Brazilians: National Health Survey, 2013. Int J Equity Health 2016; 15(1):137-145.
  • 12
    Instituto de Mayores y Servicios Sociales (INSERMO). Libro Blanco de Atención a las personas en situación de dependencia en España. Dez/2004. [acessado 2018 Jul 12]. Disponível em: http://www.imsersomayores.csic.es/documentos/documentos/mtas-libroblancodependencia-01.pdf
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  • 14
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  • 15
    Buckinx F, Rolland Y, Reginster, JY, Ricour C, Petermans J, Bruyyère O. Burden of frailty in the elderly population: perspectives for a public health challenge. Arch Public Health 2015; 73(1):19-25.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan 2019

Histórico

  • Recebido
    14 Set 2018
  • Revisado
    25 Out 2018
  • Aceito
    27 Out 2018
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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